Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Nefrologia SEMIOLOGIA RENAL Introdução: Os rins são órgãos retroperitoneais que apresentam, em média, de 11 a 13 cm de comprimento e 150 g de peso. Na porção central dos rins, chegam os nervos e os vasos sanguíneos renais, que constituem o hilo renal. O parênquima renal é formado por 2 camadas: a cortical (mais externa) e a medular (mais interna). O córtex renal é constituído pelos glomérulos renais e pelos túbulos contorcidos proximais e distais. A medula renal é constituída pelas Alças de Henle e pelos ductos coletores, que se abrem na papilas dos cálices menores. Após a formação da urina no parênquima renal, ela é drenada para os cálices menores, para os cálices maiores, para a pelve renal e, finalmente, para o ureter. O rim é envolvido pela cápsula renal, a qual é circundada pela gordura perirrenal, denominada fáscia de Gerota. A gordura perirrenal é responsável pela visualização radiológica da silhueta renal. A diminuição do tamanho renal está associada, principalmente, à nefropatia crônica! Ela geralmente está relacionada à atrofia do parênquima renal (córtex e medula). Cada rim é formado por aproximadamente 1 milhão de néfrons. O néfron é a unidade funcional do rim. Ele é constituído por glomérulo renal, cápsula de Bowman, túbulo contorcido proximal, túbulo contorcido distal, alça de Henle e ducto coletor. Cada segmento tubular do néfron é responsável por reabsorção e por secreção de diferentes substâncias. As duas principais funções do néfron são: produção do filtrado glomerular e processamento do filtrado glomerular em seu sistema tubular. O glomérulo renal é responsável pela formação do ultrafiltrado do plasma sanguíneo. O túbulo contorcido proximal é responsável pela reabsorção de 60 a 70% do filtrado glomerular. Além disso, ele também secreta íons H+, amônia, drogas e toxinas exógenas, reabsorve Na+, aproximadamente 90% do bicarbonato e 100% de glicose, vitaminas e aminoácidos, e é permeável à água. Qualquer doença que comprometa este segmento causa desequilíbrio hidroeletrolítico importante. A alça de Henle é responsável pela reabsorção de 25 a 35% do NaCl filtrado. O segmento descendente é permeável à água, permitindo a sua passagem para o interstício hipertônico. O segmento ascendente é impermeável à água, mas permeável ao Na+ e ao Cl-. O túbulo contorcido distal é responsável pela reabsorção de 5% do NaCl filtrado, também é impermeável à água e tem função importante na reabsorção de Ca+2 e de Mg+2. Além disso, este segmento também contém a mácula densa, que faz parte do aparelho justaglomerular. O ducto coletor é responsável pela reabsorção de Na+ e pela excreção de K+ sob influência da aldosterona, pela reabsorção de água sob influência da vasopressina 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 (ADH) e também é importante para o equilíbrio ácido-básico, uma vez que pode secretar íons H+ ou bicarbonato. Este segmento é responsável pela modificação final da urina. Ação dos diuréticos no sistema tubular renal: - Diuréticos de alça: furosemida; inibem a reabsorção de Na+, K+, Ca+2 e Mg+2 na alça de Henle ascendente; os principais efeitos adversos são hipocalemia, alcalose metabólica hipocalêmica, hipocalcemia e arritmias. - Diuréticos tiazídicos: hidroclorotiazida, clortalidona, indapamida; inibem a reabsorção de Na+ e K+ aumentam a reabsorção de Ca+2 no túbulo contorcido distal; os principais efeitos adversos são hipocalemia, alcalose metabólica hipocalêmica, hipercalcemia, hiperglicemia e dislipidemias. - Diuréticos poupadores de potássio: espironolactona; inibem a reabsorção de Na+ e a excreção de K+ no ducto coletor, antagonizando os efeitos da aldosterona; os principais efeitos adversos são hipercalemia e acidose metabólica hipercalêmica. Funções dos Rins: - Manutenção da volemia e da osmolaridade do fluido extracelular. - Regulação das concentrações de íons, como Na+, K+, Ca+2, Mg+2, Cl-, HCO3- e fosfato. - Excreção de produtos finais do metabolismo, como creatinina, ureia e ácido úrico. - Manutenção do equilíbrio ácido-básico. - Eliminação de drogas e toxinas exógenas. - Síntese de hormônios, como renina, eritropoetina, 1,25-diidroxicolecalciferol (vitamina D), prostaglandinas, etc. - Metabolismo de hormônios, como a insulina. Etiologia das Doenças Renais: - Doenças Renais Primárias: → Glomerulopatias crônicas (10%). → Pielonefrites. → Nefrites tubulointersticiais crônicas: infecções, drogas, medicamentos, etc. → Obstruções crônicas: cálculos, fibrose, bexiga neurogênica (pode cursar com refluxo vesicoureteral). - Doenças Renais Secundárias (doenças sistêmicas que causam nefropatias): → Diabetes mellitus (30%): nefropatia diabética. → HAS (23%): nefropatia hipertensiva. → Doenças autoimunes: lúpus eritematoso sistêmico, vasculites, etc. → Gota. → Amiloidose. → Mieloma múltiplo. - Doenças Renais Hereditárias: → Rins policísticos (5%). → Síndrome de Alport: mutação do gene que codifica a produção de colágeno do tipo IV, constituinte da barreira de filtração glomerular. - Malformações Congênitas dos Rins: → Agenesia renal. → Hipoplasia renal. Sinais e sintomas de Síndrome Urêmica: A uremia é caracterizada por aumento dos níveis séricos de ureia e está associada a insuficiência renal significativa. O paciente que apresenta sinais e/ou sintomas urêmicos tem indicação de realizar hemodiálise. Alterações neurológicas centrais: - Irritabilidade. - Tremores. - Dificuldade de concentração. - Redução de memória. - Sonolência. - Coma. Alterações neurológicas periféricas: - Polineuropatia urêmica: hipoestesia, parestesia e/ou sensação de queimação principalmente dos membros inferiores. - Redução de reflexos. - Soluço. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Síndrome da Perna Inquieta. - Fraqueza muscular. Alterações gastrointestinais: - Hálito urêmico. - Gengivite. - Estomatite. - Anorexia. - Náuseas e vômitos. - Gastrite. - Úlcera gastrointestinal. - Pancreatite. Alterações cardiovasculares e pulmonares: - HAS. - Pericardite. - ICC. - Edema agudo de pulmão. - Edema generalizado. - Derrame pleural. - Tamponamento cardíaco. - Aterosclerose acelerada. Alterações hematológicas: - Anemia. - Sangramentos. - Diminuição da função linfocitária. Alterações endocrinológicas: - Hiperglicemia e hiperinsulinemia. - Distúrbios da função sexual. - Amenorreia ou menorragia (aumento do fluxo menstrual). - Infertilidade. - Galactorreia. Alterações metabólicas: - Perda de peso. - Fraqueza. - Osteodistrofia renal. - Acidose metabólica. - Hipercalemia. - Hiperuricemia. Infecções: - Maior suscetibilidade a infecções. - Deficiência da imunidade celular e humoral. - Hepatites B e C. - HIV. Alterações dermatológicas - Prurido. - Pele seca. - Equimoses. - Despigmentações. Diagnóstico Sindrômico em Nefrologia: - Hematúria: presença de sangue na urina. → Macroscópica: inicial, indicando patologias da uretra, ou final, indicando patologias prostáticas ou vesicais. → Microscópica: > 3 hemácias por campo no EQU. - Oligúria: diminuição do volume de urina eliminada. → Diurese < 400 mL/24 horas. → Causas: insuficiência renal aguda, insuficiência renal crônica e obstrução do trato urinário (cálculos, tumores, etc). - Anúria: ausência de eliminação de urina. → Diurese < 100 mL/24 horas. → Causas: insuficiência renal aguda (necrose tubular aguda). - Poliúria: aumento do volume urinário. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Diurese > 3.000 mL/24 horas. → Sobrecarga hídrica, osmolar ou sódica. Por exemplo, excesso de reposição volêmica com soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato. → Ação de fármacos. Por exemplo, excesso de diuréticos. → Estados patológicos: diabetes insipidus, insuficiência renal, tubulopatias.- Noctúria: aumento da frequência urinária durante a noite. → Causas: estados poliúricos ou edematosos, diminuição da capacidade de armazenamento ou esvaziamento vesical. → A noctúria pode estar associada ao aumento da atividade renal e, consequentemente, da TFG e da produção de urina, em momentos de diminuição da atividade cardíaca, cerebral e gastrointestinal (sono). - Disúria: dor ou sensação de queimação durante a micção. → Causas: ITU, cálculos uretrais, processos irritativos da uretra, etc. - Polaciúria: diminuição do intervalo entre micções. → Micções em intervalos < 2 horas. → Irritação ou inflamação da mucosa vesical: ITU, cálculos vesicais, etc. - Urgência Miccional: sensação aumentada de desejo miccional. → Causas: ITU. - Dor Lombar: → Unilateral ou bilateral. → Ângulo costovertebral. → Irradiação para a região hipogástrica ou genital. → Associada à hematúria, náuseas e vômitos. → Causas: pielonefrite, cálculo renal ou ureteral, papilite necrosante, etc. → Dor em cólica, sem posição de alívio, indica nefrolitíase. → Dor constante, que alivia com repouso, associada à febre e sintomas miccionais, sugere pielonefrite. - Edema: periorbital e de membros inferiores. - Hesitação e retenção urinária: sintomas que sugerem patologias prostáticas. Síndromes Nefrológicas: - Síndrome Nefrítica/Glomerulonefrite Aguda: inflamação aguda do capilar sanguíneo glomerular, caracterizada por disfunção renal de início abrupto, graus variáveis de hematúria, cilindros hemáticos no EQU, HAS, oligúria e proteinúria subnefrótica. - Síndrome Nefrótica: proteinúria (> 3500 mg/24 horas), hipoalbuminemia (albumina sérica < 3,5 g/dL) e edema. As principais causas são doenças sistêmicas que causam doença renal crônica, como HAS e DM. - Anormalidades urinárias assintomáticas: hematúria, proteinúria, leucocitúria, bacteriúria. - Insuficiência Renal Aguda (IRA). - Infecção do Trato Urinário (ITU). - Obstrução urinária: nefrolitíase ou urolitíase. Exames Complementares em Nefrologia: Exame Qualitativo de Urina (EQU): - Avaliação de proteinúria: → Proteinúria subnefrótica: 150-3500 mg/24 horas. → Proteinúria nefrótica: > 3500 mg/24 horas. → Proteínas de baixo peso molecular sugerem lesão tubular. → Proteínas de alto peso molecular, como albumina, sugerem lesão glomerular. → Proteína de Bence-Jones é patognomônica de Mieloma Múltiplo. → Hemoglobinúria: a principal causa é hemólise. → Mioglobinúria: a principal causa é rabdomiólise (degradação do músculo esquelético); associada à elevação sérica da proteína creatinofosfoquinase (CPK). → A proteinúria pode ser transitória, como ocorre em infecções urinárias, febre, exposição ao calor ou ao frio, exercícios físicos e convulsões. 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Avaliação de albuminúria: → Screening de nefropatia diabética. → Normoalbuminúria: até 30 mg/24 horas. → Microalbuminúria: 30 a 300 mg/24 horas. → Macroalbuminúria: > 300 mg/24 horas. - Avaliação de hematúria: → Hemácias: > 3 células/campo ou > 10.000 células/mL. → A hematúria pode indicar lesão do trato urinário alto, como lesão glomerular ou tubular, ou do trato urinário baixo, como lesão ureteral, vesical ou uretral de inúmeras etiologias. → Devemos complementar o achado de hematúria no EQU, solicitando a pesquisa por dismorfismo eritrocitário, que é positiva quando há lesão glomerular. - Avaliação de leucocitúria: → Leucócitos: > 10 células/campo ou > 20.000 células/mL. → A leucocitúria sugere a presença de processo inflamatório do parênquima renal, como nefrite tubulointersticial, ou do trato urinário, como pielonefrite, cistite, uretrite, etc. → Não devemos considerar a presença de leucocitúria na urina como evidência de infecção do trato urinário. → Causas de leucocitúria estéril: nefropatia tubulointersticial, cálculos, tuberculose do trato urinário, etc. - Presença de cilindros: → Os cilindros são precipitados de proteínas formados na luz dos túbulos renais, aos quais podem se aglutinar células e gotículas de gordura. → Cilindros hemáticos indicam a presença de doença glomerular. → Cilindros leucocitários: indicam a presença de processo inflamatório do parênquima renal. → Cilindros bacterianos: indicam infecção. - Presença de glicosúria: → Indica hiperglicemia > 180 mg/dL. Raio X Simples de Abdome: - Exame pouco utilizado para a avaliação dos rins. - Avalia a posição e os contornos renais e, eventualmente, a presença de calcificações renais. Urografia Excretora: - Raio X simples com utilização de meio de contraste iodado. - Útil para a avaliação de nefrolitíase ou urolitíase, obstrução urinária, ITU de repetição e a investigação de hematúria. Uretrocistografia Miccional: - Raio X simples com administração de meio de contraste por meio da uretra. - Útil para a avaliação da anatomia da uretra e da bexiga urinária. - Indicado para a investigação de traumatismos uretrais, estenose uretral, anormalidades congênitas do trato urinário inferior, refluxo vesicoureteral, alterações prostáticas, etc. - Contraindicado em pacientes com evidência de ITU, devido ao aumento do risco de ascensão dos microrganismos para o trato urinário superior, causando pielonefrite. Assim, o exame deve ser realizado apenas após exclusão de ITU por meio de EQU e urocultura. Ultrassonografia Renal: - Exame de 1ª escolha para a avaliação do aparelho urinário. - Indicada para a investigação e a avaliação de ITU, massas abdominais ou pélvicas, insuficiência renal aguda ou crônica, trauma abdominal, HAS de origem renal (ultrassonografia com Doppler), etc. - Exame de 1ª escolha para o diagnóstico de obstrução do trato urinário. - Utilizada para screening e diagnóstico de doença renal policística. - Indicada para guiar procedimentos como biópsia renal, drenagem de abcessos e nefrostomia. - Indicada para a avaliação de pré e pós transplante renal. 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Na avaliação da doença renal crônica, a ultrassonografia indica diminuição do volume renal, aumento da ecogenicidade cortical e perda da diferenciação corticomedular. Creatinina e Clearance de Creatinina: - A creatinina é o marcador plasmático mais utilizado para a determinação da taxa de filtração glomerular (TFG). - Os níveis séricos normais de creatinina variam entre 0,8 e 1,3 mg/dL em homens e entre 0,6 e 1,0 mg/dL em mulheres. - Os níveis plasmáticos de creatinina são inversamente proporcionais à TFG. O clearance de creatinina permite estimar a TFG. - A equação mais recomendada para o cálculo da TFG é a MDRD, que considera apenas a creatinina sérica, a idade do paciente e se o paciente é homem ou mulher e negro. Nesta equação, a TFG é estimada em mL/min/1,73m2. - A equação mais utilizada na prática para o cálculo da TFG é a de Cockcroft-Gault, que considera a creatinina sérica, a idade, o peso do paciente e se o paciente é homem ou mulher. - Ambas as equações apresentam acurácia significativamente menor em pacientes idosos > 70 anos de idade.
Compartilhar