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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Anestesiologia ANESTESIA GERAL I Definição: A anestesia geral é definida como a depressão do SNC que resulta em perda da capacidade de percepção e de resposta aos estímulos ambientais. Em um sentido mais amplo, a anestesia geral pode ser definida como uma depressão global, mas reversível, da função do SNC, resultando na perda de percepção e de resposta a todos os estímulos externos. Os componentes essenciais do estado anestésico são a imobilização, a amnésia e a diminuição das respostas autônomas aos estímulos nocivos. Os 4 pilares da anestesia geral são: - Analgesia. - Hipnose (perda de consciência e amnésia). - Proteção de reflexos. - Relaxamento muscular. Fases da Anestesia Geral: - Indução: processo que inicia a anestesia geral; a indução pode ocorrer de forma inalatória, através do uso de máscara, venosa, através da administração de agentes hipnóticos por via endovenosa, e ainda de forma intramuscular, nasal ou retal, que são pouco utilizadas na prática. - Manutenção: a manutenção da anestesia geral pode ocorrer de forma inalatória, venosa ou por meio da combinação destas duas formas. - Despertar: processo que encerra a anestesia geral por meio da interrupção da manutenção da anestesia e do uso de antagonistas dos agentes anestésicos anteriormente administrados. A promoção de todas as fases da anestesia geral envolvem a necessidade do conhecimento da farmacologia das drogas anestésicas, tanto em estados fisiológicos quanto em estados patológicos. Este conhecimento é fundamental para se estabelecer a profundidade adequada da anestesia geral no paciente. Farmacologia da Anestesia Geral: O conhecimento da farmacologia dos agentes anestésicos divide-se em: - Farmacocinética: compreende os processos de interação do organismo com a droga anestésica, como vias de administração, absorção, distribuição, biotransformação ou metabolização e eliminação. - Farmacodinâmica: compreende os processos de interação da droga anestésica com o organismo, ou seja, representa os fenômenos que a droga anestésica produz no organismo, como local de ação, mecanismo de ação e efeitos. O objetivo da administração do anestésico inalatório é a produção do estado anestésico por meio de uma concentração específica de moléculas do agente anestésico no SNC. O controle da profundidade da anestesia geral com indução e manutenção inalatória pode ser realizado por meio da avaliação da pressão parcial do agente anestésico no ar alveolar (fração expirada do anestésico). Quando se utiliza o analisador de gases, considera-se que a fração expirada do anestésico reflete a sua pressão parcial no SNC (córtex cerebral). Se um anestésico for inspirado por um período de tempo suficiente, ele atingirá o equilíbrio com a mesma pressão parcial em todos os compartimentos do corpo. Na situação de equilíbrio, as pressões parciais do agente anestésico nos compartimentos do corpo (alvéolos pulmonares, sangue arterial e cérebro) estabilizam-se/igualam- se. Os anestésicos inalatórios equilibram-se nos tecidos corporais com a mesma pressão parcial. Entretanto, a velocidade para que o 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 agente anestésico atinja a concentração de equilíbrio varia para cada tecido. A farmacocinética da anestesia inalatória reflete a velocidade de equilíbrio das pressões parciais do agente anestésico entre os diferentes compartimentos corporais. Os fatores que influenciam na velocidade de equilíbrio são a solubilidade da droga anestésica no tecido, a massa ou o volume do compartimento em relação à massa ou ao volume total do corpo e o fluxo sanguíneo que atravessa cada compartimento. Os 3 principais grupos de tecidos corporais e suas principais características são: Grupos de tecidos % do débito cardíaco % do peso corporal Tecidos altamente vascularizados 75% 9% Tecido muscular 18% 50% Tecido adiposo 5,5% 19% OBS.: Os tecidos altamente vascularizados compreendem SNC, fígado e rins. Os tecidos altamente vascularizados recebem uma porcentagem muito maior do débito cardíaco quando comparados aos outros tecidos. Além disso, eles representam uma porcentagem muito pequena do peso corporal total. Isso significa que o agente anestésico chega nestes tecidos em uma quantidade muito maior e é capaz de saturá- los de forma muito rápida, fazendo com que a velocidade de equilíbrio do anestésico nos tecidos altamente vascularizados seja a maior de todas. Os tecidos muscular e adiposo recebem uma porcentagem muito menor do débito cardíaco quando comparados aos outros tecidos. Além disso, eles representam uma porcentagem muito grande do peso corporal total. Assim, o agente anestésico chega nestes tecidos em uma quantidade muito menor e, devido à maior massa, satura-os de forma muito mais lenta quando comparada aos tecidos altamente vascularizados, fazendo com que a velocidade de equilíbrio do anestésico nos tecidos muscular e adiposo seja muito menor. O tempo de saturação, isto é, o tempo para se atingir o equilíbrio do anestésico varia para cada tecido. Como exemplo, pode-se citar o Isoflurano, anestésico inalatório, que satura os tecidos altamente vascularizados em um tempo médio de 2,1 minutos, o tecido muscular em 88 minutos e o tecido adiposo em 2.039 minutos. Assim, a velocidade de equilíbrio do anestésico nos diferentes compartimentos corporais pode ser resumida da seguinte forma: Tecidos altamente vascularizados > tecido muscular > tecido adiposo. A constante de tempo para o equilíbrio depende do volume (ou massa) dos compartimentos corporais e do fluxo sanguíneo que os atravessa. A razão entre o volume e o fluxo sanguíneo de cada compartimento corporal determina a sua constante de tempo. Constante de tempo = 𝑣𝑜𝑙𝑢𝑚𝑒 𝑓𝑙𝑢𝑥𝑜⁄ A constante de tempo para o equilíbrio entre a pressão alveolar e a pressão de equilíbrio nos diferentes tecidos corporais depende da perfusão sanguínea e não da difusão do anestésico no tecido. λ = coeficiente de bipartição (entre sangue arterial e alvéolo pulmonar, entre cérebro e sangue arterial, entre músculo e sangue arterial, entre gordura e sangue arterial, etc). O coeficiente de bipartição é diretamente proporcional à solubilidade do agente anestésico pelo sangue e/ou pelo tecido. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 A alta solubilidade de um anestésico ao tecido em relação ao sangue significa grande transferência de anestésico do sangue para o tecido e, consequentemente, maior tempo para o anestésico completar a saturação do tecido, isto é, maior tempo para que as pressões parciais do anestésico no sangue e no tecido tornem-se iguais. Assim, o coeficiente de bipartição permite que tenhamos uma estimativa da velocidade de aumento ou de diminuição da pressão parcial do anestésico em um determinado tecido e, consequentemente, do tempo para se atingir o equilíbrio entre a pressão parcial do anestésico no tecido e a pressão parcial do anestésico no sangue. Quanto maior a solubilidade do tecido pelo anestésico e menor a solubilidade do tecido pelo sangue, mais lento será o tempo para o equilíbrio entre as pressões parciais do anestésico no sangue e no tecido e, consequentemente, mais lento será o tempo para a saturação do tecido pelo anestésico. Por isso, o anestésico ideal é aquele que apresenta solubilidade semelhante pelo sangue e pelo tecido, de forma que o equilíbrio entre as pressões do anestésico no sangue e no tecido seja atingido mais rapidamente e o efeito anestésico também. Quanto menor o valor do coeficiente de bipartição e quanto mais próximos os valores do coeficiente de bipartição sangue/anestésico e tecido/anestésico, mais acelerado/rápido será o tempo para o equilíbrio, para a saturação do tecido pelo anestésico e para o efeito anestésico em si. Coeficiente de bipartição tecido/gás: HalotanoIsoflurano Sevoflurano Desflurano N2O Sangue 2,4 1,4 0,65 0,45 0,46 Cérebro 4,5 2,2 1,1 0,55 0,49 Coração 4,1 2,2 1,1 0,55 0,47 Músculo 7 3,6 1,7 0,78 0,53 Gordura 137 70 37 13 1,1 O tempo de indução e o tempo de despertar da anestesia geral dependem do coeficiente de bipartição tecido/gás. Quanto menor é o coeficiente de bipartição tecido/gás, mais acelerado/rápido é o tempo de saturação do tecido pelo anestésico e, consequentemente, menor é o tempo de indução e o tempo de despertar do anestésico. Por exemplo, o halotano, que foi o primeiro anestésico inalatório utilizado, apresenta coeficientes de bipartição com valores altos, fazendo com que o tempo para que ocorra a saturação dos tecidos e para que se atinja o equilíbrio entre a pressão parcial do gás no sangue e nos tecidos seja lento. Dessa forma, o halotano apresenta tempo de indução e tempo de despertar longos. Por exemplo, quando comparamos os coeficientes de bipartição cérebro/gás e músculo/gás do Isoflurano com o do Desflurano, podemos observar que a capacidade do cérebro em concentrar Isoflurano é 4 vezes maior do que em concentrar Desflurano e a capacidade do músculo em concentrar Isoflurano é 4,6 vezes maior do que em concentrar Desflurano, fazendo com que o volume de Isoflurano necessário para saturar o cérebro seja 4 vezes maior do que o volume necessário de Desflurano para o mesmo objetivo ou que o volume necessário de Isoflurano para saturar o músculo seja 4,6 vezes maios do que o volume necessário de Desflurano para o mesmo objetivo. Portanto, considerando a mesma velocidade para a administração de Isoflurano e de Desflurano para o paciente, o tempo para induzir a anestesia geral será menor quando utilizarmos o Desflurano, visto que os tecidos necessitam de menor concentração deste gás anestésico para que sejam saturados. Portanto, entre os gases anestésicos apresentados na tabela, o gás que apresenta o menor tempo de indução e de despertar da anestesia geral é o N2O e, pelo contrário, o gás que apresenta o maior tempo de indução e de despertar da anestesia geral é o halotano. O coeficiente de bipartição óleo/gás determina a potência do agente anestésico. Quanto maior a lipossolubilidade do anestésico, maior o seu coeficiente de bipartição óleo/gás e, consequentemente, maior a sua potência. Por outro lado, entretanto, quanto maior é a lipossolubilidade do anestésico, maior é o tempo necessário para a sua eliminação do organismo. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Assim, o coeficiente de bipartição óleo/gás é inversamente proporcional ao tempo de recuperação da anestesia geral. Portanto, o anestésico inalatório mais potente é o halotano, visto que ele apresenta o maior coeficiente de bipartição óleo/gás quando comparado aos agentes anestésicos. Entretanto, o tempo de indução e de recuperação da anestesia geral quando utilizamos halotano é muito mais lento. Por isso, o halotano é muito pouco utilizado atualmente. O coeficiente de bipartição sangue/gás é diretamente proporcional ao tempo de indução da anestesia geral. Quanto menor o coeficiente de bipartição sangue/gás, mais rápido o tempo de indução da anestesia geral. Quanto maior o coeficiente de bipartição sangue/gás, mais lento o tempo de indução da anestesia geral, visto que se o anestésico apresenta alta solubilidade no sangue, a saturação dos outros tecidos (cérebro, músculo, gordura) é mais lenta e o tempo de indução da anestesia geral é maior. Determinantes dos gradientes de pressão parciais necessários para a indução da anestesia geral: - Transferência do anestésico do aparelho de anestesia para o alvéolo pulmonar (oferta de anestésico para o alvéolo pulmonar): → Pressão parcial de gás anestésico inspirada. → Características do sistema de anestesia. → Ventilação alveolar. → Capacidade residual funcional. - Transferência do anestésico do alvéolo pulmonar para o sangue arterial (remoção de anestésico do alvéolo pulmonar): → Coeficiente de bipartição sangue/gás. → Débito cardíaco. → Diferença de pressão parcial entre alvéolo pulmonar e sangue arterial. - Transferência do anestésico do sangue arterial para o cérebro (remoção de anestésico do sangue e distribuição para o cérebro): → Coeficiente de bipartição cérebro/sangue. → Fluxo sanguíneo cerebral. → Diferença de pressão parcial entre sangue e cérebro. Há duas diferenças farmacocinéticas principais entre a indução e a recuperação da anestesia geral: - Enquanto o aumento da concentração de anestésico acelera a indução da anestesia geral, não há como estabelecer uma concentração alveolar abaixo de zero para acelerar a recuperação da anestesia geral. - Todos os tecidos iniciam a indução com pressão parcial zero de anestésico. Entretanto, na recuperação da anestesia geral, cada tecido terá uma concentração de anestésico diferente. O músculo e a gordura podem continuar absorvendo anestésico por horas, devido à redistribuição que se mantém até que a pressão parcial alvéolo- sangue do anestésico torne-se menor que a pressão parcial tecido/sangue do anestésico. Em relação à biotransformação, a maioria dos anestésicos inalatórios praticamente não sofre nenhum tipo de reação de metabolização, sendo eliminados em sua forma nativa por meio da expiração. Os anestésicos que são metabolizados têm como produto final o ácido trifluoroacético. Anestésico Metabolização Eliminação Halotano 15-20% Fígado (P450) Pulmonar (expiração) Renal Isoflurano 0,2% Pulmonar (expiração) Sevoflurano 2-3% Pulmonar (expiração) 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Desflurano < 0,1% Pulmonar (expiração) Óxido Nitroso (N2O) < 0,1% Pulmonar (expiração) Pele A concentração alveolar mínima (CAM) é definida como a pressão parcial alveolar de anestésico que causa imobilidade em resposta a uma incisão cirúrgica em 50% dos pacientes. A potência do anestésico é inversamente proporcional à sua concentração alveolar mínima, visto que a presença de uma baixa pressão alveolar de anestésico já é suficiente para causar a anestesia do paciente. A CAM é inversamente proporcional ao coeficiente de bipartição óleo/gás e, consequentemente, à potência do agente anestésico. Se a CAM é baixa, o coeficiente de bipartição óleo/gás e a potência do anestésico são altas e uma pressão parcial relativamente baixa já é suficiente para produzir a anestesia geral do paciente. Anestésico λ óleo/gás CAM Halotano 224 0,7 Isoflurano 99 1,17 Sevoflurano 53 1,9 Desflurano 20 6,0 Óxido Nitroso (N2O) 1,4 104 OBS.: O valor da CAM diminui com o aumento da idade! Mecanismo de ação dos anestésicos gerais: Os anestésicos gerais potencializam as sinapses inibitórias por meio de sua ação sobre os receptores de GABA e de glicina (neurotransmissores inibitórios), além de exercerem efeito inibitório sobre as sinapses excitatórias por meio de sua ação sobre os receptores AMPA e NMDA. Os anestésicos muito provavelmente também atuam sobre canais de sódio e de potássio, inibindo a transmissão dos potenciais de ação e promovendo a hiperpolarização do neurônio. Embora existam evidências, ainda não há comprovação científica de tal mecanismo de ação. Apesar do uso amplamente difundido e seguro dos anestésicos inalatórios, os mecanismos de ação e os locais exatos da ação anestésica ainda permanecem desconhecidos. Efeitos dos anestésicos no organismo: - Sistema Nervoso Central (SNC): → Exercem efeito depressor sobre a atividade eletroencefalográfica, que é proporcional ao aumento da CAM. → Todos os agentes anestésicos inalatórios/voláteis aumentam o fluxo sanguíneo cerebral de modo dose- dependente. → Os anestésicos inalatórios diminuem o metabolismo e o consumo de oxigênio cerebral. - Sistema Cardiovascular: → Todos os anestésicos halogenados, exceto o halotano, podem causar aumentotransitório da FC. → O efeito direto dos anestésicos inalatórios sobre a função miocárdica é depressor de modo dose-dependente. → Todos os anestésicos halogenados, exceto o Sevoflurano, aumentam a PVC. - Sistema Respiratório: → Quando administrados sob ventilação espontânea, os anestésicos halogenados exercem efeito depressor sobre a ventilação. → Os anestésicos halogenados são potentes broncodilatadores. 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Os anestésicos inalatórios alteram a distribuição do fluxo sanguíneo pulmonar e, consequentemente, podem alterar as trocas gasosas. - Fígado: → Os anestésicos Isoflurano, Desflurano e Sevoflurano apresentam mínimos efeitos sobre o fluxo sanguíneo da artéria hepática e da veia porta. O halotano, por sua vez, tem efeito vasoconstritor sobre a artéria hepática com consequente redução de 65% na disponibilidade de oxigênio para fígado durante a anestesia geral. → O metabolismo oxidativo do halotano resulta na produção do ácido trifluoroacético. As proteínas hepáticas acetiladas são reconhecidas pelo sistema imunológico como neoantígenos, com consequente formação de anticorpos anti-ácido trifluoroacético. - Rins: → Os anestésicos halogenados promovem redução dose-dependente do fluxo sanguíneo renal, da TFG e do débito urinário. - Hipertermia maligna. - Efeitos obstétricos. - Efeitos mutagênicos e sobre a medula óssea. - Efeitos cardioprotetores: → Alguns estudos demonstram que os anestésicos inalatórios apresentam efeitos cardioprotetores diretos, isto é, pré- condicionam diretamente ou aumentam indiretamente o pré-condicionamento isquêmico, além de promoverem pós- condicionamento, resultando em proteção contra a lesão miocárdica isquêmica reversível e irreversível. → Em modelos experimentais de isquemia miocárdica ou IAM, o declínio da função contrátil induzido por anestésicos inalatórios foram bem tolerados e não causaram disfunção sistólica significativa. Na verdade, os anestésicos voláteis exerceram significativos efeitos benéficos sobre a função sistólica e diastólica durante a isquemia do miocárdio e a reperfusão da lesão. Os anestésicos reduziram o tamanho do IAM experimental, preservaram as integridades estrutural e metabólica durante a isquemia e a reperfusão, aumentando a recuperação funcional do miocárdio lesionado, e melhoraram os índices de desempenho diastólico do VE durante a breve oclusão da artéria coronária. Bloqueadores Neuromusculares: Os bloqueadores neuromusculares utilizados na anestesia geral são classificados em despolarizantes e não despolarizantes. A contração muscular é induzida pela despolarização e consequente geração de um potencial de ação da célula muscular. A despolarização da célula muscular depende da liberação do neurotransmissor acetilcolina pelas terminações nervosas do neurônio motor (eferente) na fenda sináptica e pela consequente ligação do neurotransmissor aos receptores nicotínicos localizados na superfície celular da fibra muscular. Os bloqueadores neuromusculares são substâncias hidrossolúveis e ionizadas cujo mecanismo de ação envolve os receptores colinérgicos nicotínicos da musculatura estriada, provocando paralisia da musculatura. As drogas despolarizantes produzem seu efeito de bloqueio da contração muscular por meio da despolarização sustentada da placa motora. As drogas não despolarizantes apresentam efeito de bloqueio da contração muscular por meio da inibição competitiva da acetilcolina no receptor nicotínico, inibindo a despolarização da placa motora. 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Os principais bloqueadores neuromusculares são: - Despolarizantes: → Succinilcolina (Suxametônio). - Não Despolarizantes: → Aminoesteroides: pancurônio, vecurônio e rocurônio. → Benzilisoquinolínicos: atracúrio, cisatracúrio e mivacúrio. Todas as drogas bloqueadoras neuromusculares assemelham-se estruturalmente à acetilcolina! Mecanismo de Ação das Drogas Despolarizantes: Ligam-se ao receptor nicotínico e atuam como a acetilcolina, despolarizando a placa motora e permanecendo ligados ao receptor por um longo período de tempo, causando paralisia flácida. Mecanismo de Ação das Drogas Não Despolarizantes: - Em baixas doses: → Competem com a acetilcolina pelo receptor nicotínico. → Impedem a despolarização da placa motora e inibem a contração muscular. → O efeito de bloqueio neuromuscular pode ser revertido aumentando-se a concentração de acetilcolina na fenda sináptica. O aumento da concentração de acetilcolina na fenda sináptica pode ser provocado pelo uso de inibidores da enzima acetilcolinesterase, responsável pela degradação da acetilcolina na fenda sináptica. - Em altas doses: → Causam bloqueio adicional da transmissão neuromuscular e reduzem a capacidade dos inibidores da acetilcolinesterase de reverterem o efeito de bloqueio neuromuscular. Train Of Four (TOF): - Sequência de 4 estímulos, que são pontuados de 0 a 10. - Monitora o grau de bloqueio neuromuscular do paciente sob anestesia geral. - Quanto menor é a pontuação do TOF, maior é o grau de bloqueio neuromuscular induzido pela anestesia geral. - Quanto maior é a pontuação do TOF, maior é a atividade de contração muscular do paciente. - Quanto maior é a pontuação do TOF, menor é o risco de o paciente apresentar insuficiência respiratória quando for extubado após a anestesia geral, uma vez que a musculatura respiratória já voltou a contrair normalmente. Efeitos dos bloqueadores neuromusculares no organismo: - A Succinilcolina e os Benzilisoquinolínicos podem causar aumento da liberação de histamina pelos mastócitos, resultando em diminuição da pressão arterial (hipotensão), broncoespasmo e hipersecreção brônquica. - A Succinilcolina pode estimular receptores muscarínicos, causando vasodilatação e hipotensão arterial. - Os Benzilisoquinolínicos podem bloquear fracamente receptores muscarínicos, causando taquicardia. - Os Aminoesteroides podem bloquear moderadamente receptores muscarínicos do sistema cardiovascular, causando taquicardia. - A Galamina pode bloquear fortemente receptores muscarínicos do sistema cardiovascular, causando taquicardia grave. Farmacocinética dos bloqueadores neuromusculares: Droga Início de Ação Tempo de Ação Metabolização Excreção Succinilcolina < 1 min 3-5 min Hepática Plasmática - Pancurônio 3-4 min > 110 min Hepática/Biliar Renal Vecurônio 2-3 min 20-40 min Hepática/Biliar Renal Rocurônio 1-1,5 min 45-75 min Hepática/Biliar Renal Atracúrio 2-3 min 20-30 min Via de Hofmann Renal Cisatracúrio 2-3 min 20-30 min Via de Hofmann Renal Mivacúrio 1,5-2,5 min 25-30 min Plasmática Renal 8 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Os bloqueadores neuromusculares sofrem metabolização hepática ou metabolização plasmática, por meio da Via de Hofmann, na qual ocorre degradação espontânea da droga sob pH e temperatura fisiológicas. A eliminação dos bloqueadores neuromusculares é renal. Existem situações nas quais há diminuição da ação da enzima pseudocolinesterase, responsável pela degradação da Succinilcolina (Suxametônio) na fenda sináptica. Nestes casos, há aumento da concentração da droga na fenda sináptica e o bloqueio neuromuscular torna-se mais prolongado. As principais situações são: - Deficiência congênita de pseudocolinesterase (doença autossômica recessiva). - Gravidez (diminuição da atividade da pseudocolinesterase em aproximadamente 30%). - Caquexia, insuficiência hepática e insuficiência renal (diminuição da produção de pseudocolinesterase). - Hipotermia (diminuição da atividade da pseudocolinesterase). - Uso de inibidores da pseudocolinesterase. - Botulismo. - Plasmaférese. Quando estas situações já são conhecidas antes do procedimento anestésico, prefere- se a administração de um bloqueador neuromuscular não despolarizante.Intubação Orotraqueal (IOT): As características anatômicas que dificultam o manejo das vias aéreas para a realização da IOT são: 9 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 O aumento do número de tentativas de IOT aumenta a probabilidade de eventos adversos. Os principais eventos adversos são: Evento Adverso ≤ 2 tentativas > 2 tentativas Hipoxemia 11,8% 70% Regurgitação 1,9% 22% Aspiração 0,8% 13% Bradicardia 1,6% 21% PCR 0,7% 11% O tempo decorrido desde a pré-oxigenação (oxigenação prévia à IOT) para a queda da saturação de oxigênio (SpO2) até 90% varia quanto ao IMC do paciente. Quanto maior é o IMC do paciente, menor é o tempo para que ocorra a queda da SpO2. Quanto menor é o IMC do paciente, maior é o tempo para que ocorra a queda da SpO2. Assim, pacientes obesos têm maior risco de eventos adversos devido à IOT, pois apresentam menor reserva pulmonar de oxigênio, além de geralmente apresentarem condições anatômicas que predispõem à via aérea difícil. Para evitar problemas durante a realização da IOT, deve-se: - Conhecer a anatomia e a fisiologia da via aérea. - Conhecer e manipular os instrumentos necessários para o manejo das vias aéreas. - Posicionar o paciente adequadamente. - Reconhecer situações de potenciais dificuldades para a IOT. - Treinar. Os materiais que são, ou que podem ser, utilizados no período pré-IOT são: - Máscara facial. - Cânula orofaríngea (cânula de Guedel) ou cânula nasofaríngea de tamanhos adequados. A obtenção da perviedade das vias aéreas no período pré-IOT é realizada por meio de: - Manobra de Chin-Lift: hiperextensão cervical e elevação do mento em pacientes sem trauma cervical. - Manobra de Jaw-Trust: elevação (tração) do ângulo da mandíbula. - Cânula orofaríngea: garante a perviedade da via aérea evitando a queda da base da língua. - Cânula nasofaríngea: garante a perviedade da via aérea mesmo com a queda da base da língua. A ventilação do paciente pré-IOT é realizada por meio do sistema máscara-balão, que representa o primeiro recurso disponível para a manutenção da via aérea e da ventilação. A máscara deve ter tamanho e forma compatíveis com a anatomia do paciente. O paciente deve ser posicionado com o pescoço estendido e o mento elevado (posição olfativa), exceto quando houver suspeita de trauma cervical. A manutenção da máscara facial na posição adequada deve evitar que ocorra compressão de partes moles, de forma que a tração seja realizada na parte óssea da mandíbula. Tentativa Ótima de Intubação: - Profissional com experiência em IOT (> 3 anos). - Tônus muscular insignificante. - Pressão laríngea externa ótima (posição adequada da cabeça e do pescoço). - Tipo da lâmina e tamanho da lâmina adequados. - Posição ótima da cabeça e do pescoço. O adequado posicionamento da cabeça e do pescoço são fundamentais para o manejo da via aérea. Quando o paciente está em decúbito formando um ângulo de 0º com a maca, há desalinhamento entre os eixos oral, faríngeo e laríngeo, tornando difícil a visualização da via aérea. 10 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 O posicionamento ideal da cabeça e do pescoço envolvem a extensão cervical e a colocação de um coxim sob a região occipital, de modo a alinhar os eixos faríngeo e laríngeo e facilitar a visualização e o manejo da via aérea. Ao ser introduzida, a lâmina deve ser movimentada da esquerda para a direita de forma a ganhar espaço na orofaringe. Ao ser introduzido, o tubo endotraqueal deve ser rotacionado no sentido anti-horário de forma a evitar lesão de aritenoides. Uma alternativa à realização da IOT é o uso da máscara laríngea, dispositivo de localização supraglótica que permite a ventilação do paciente mesmo em situações difíceis. A via aérea difícil é definida como a situação clínica na qual um profissional treinado tem dificuldade em intubar o paciente e/ou de manter a ventilação manual por meio da máscara facial. A velocidade de dessaturação após a administração de bloqueador neuromuscular de curta duração varia quanto ao IMC do paciente e à presença ou ausência de comorbidades. Mesmo com recuperação rápida, a indução da anestesia geral com o bloqueio neuromuscular na impossibilidade de ventilação pode resultar em hipóxia.
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