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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Reumatologia ESPONDILITE ANQUILOSANTE Introdução: As espondiloartrites são um grupo de doenças que caracterizam-se por inflamação das articulações axiais, ou seja, por inflamação das articulações da coluna vertebral (espondilite) e das articulações sacroilíacas (sacroileíte), além de oligoartrite periférica assimétrica, com comprometimento inflamatório de 2-4 articulações periféricas. As espondiloartrites também causam inflamação das ênteses (partes do tendão, do ligamento ou da cápsula articular que se inserem no osso), resultando em entesites, caracterizadas por dor, rigidez e limitação dos movimentos. As espondiloartrites geralmente apresentam fator reumatoide (FR) negativo, sendo denominadas doenças soronegativas, mas associam-se à presença do marcador genético HLA-B27. As doenças que pertencem ao grupo das espondiloartrites são: - Espondilite Anquilosante. - Artrite Reativa. - Artrite Psoriásica. - Artrite Enteropática (associada às doenças inflamatórias intestinais, como Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa). - Espondiloartrite Juvenil. - Espondiloartrite Indiferenciada. Diferentemente da artrite reumatoide, as espondiloartrites são mais comuns em homens (3:1) e frequentemente associam-se à presença do marcador genético HLA-B27. A espondilite anquilosante caracteriza-se por acometimento inflamatório predominantemente axial (articulações da coluna vertebral e articulações sacroilíacas), já as demais espondiloartrites caracterizam- se por acometimento inflamatório predominantemente periférico. Além disso, as espondiloartrites frequentemente associam-se a acometimento inflamatório ocular, causando quadro de uveíte anterior. Definição: A espondilite anquilosante é uma doença inflamatória crônica, de etiologia desconhecida, que acomete as articulações da coluna vertebral, as articulações sacroilíacas e, em menor extensão, algumas articulações periféricas. A doença apresenta início insidioso entre o final da adolescência e o início da vida adulta (20-35 anos de idade), é mais comum no sexo masculino e frequentemente associa-se à presença do marcador genético HLA-B27 (90% dos casos). Fisiopatologia: A espondilite anquilosante caracteriza-se por inflamação intermitente das articulações axiais, diferentemente da artrite reumatoide, que caracteriza-se por inflamação persistente das articulações periféricas. A inflamação intermitente faz com que a espondilite anquilosante apresente curso clínico insidioso, com destruição articular lenta, diferentemente da artrite reumatoide, na qual a destruição articular tende a ser mais rápida. A inflamação intermitente das articulações axiais causa destruição óssea erosiva que, entretanto, é alternada por períodos de reposição óssea por reparo tecidual quando há remissão da inflamação. A reposição óssea durante os períodos de remissão da inflamação resulta em formação de estruturas denominadas sindesmófitos. Manifestações Clínicas: Manifestações Articulares: - Dor lombar inflamatória, que inicia-se nas articulações sacroilíacas e na coluna lombossacra, podendo ascender para a coluna cervical. A dor inflamatória caracteriza-se por melhora com o movimento e piora com o repouso, diferentemente da dor mecânica, que piora com o movimento e melhora com o repouso, além de rigidez matinal > 30 minutos. A dor geralmente apresenta início insidioso, com evolução > 3 meses e localização lombar. O paciente frequentemente apresenta despertar noturno devido à dor lombar inflamatória. - Dor nas nádegas, devido à sacroileíte. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Dor inflamatória nas articulações costocondrais (costocondrite) e costovertebrais. - Perda da lordose lombar, diminuição da mobilidade da coluna vertebral e acentuação da cifose cervical e torácica, com projeção da cabeça para frente (postura do esquiador). Um dos principais testes realizados para a avaliação do paciente com espondilite anquilosante é o Teste de Schöber, que baseia-se em realizar uma marca na linha média, com o paciente em posição neutra, ao nível da espinha ilíaca posterossuperior e outra marca 10 cm acima, solicitando-se que o paciente realize flexão máxima do tronco, sem dobrar os joelhos, tentando alcançar o chão com as mãos e mede-se a distância máxima entre os 2 pontos, que deve aumentar no mínimo 5 cm e atingir 15 cm. Os pacientes com espondilite anquilosante geralmente apresentam diminuição da distância entre os 2 pontos, devido à mobilidade reduzida da coluna vertebral. Imagem: Teste de Schöber. Além do Teste de Schöber, pode-se avaliar a expansibilidade torácica (alterada quando há comprometimento das articulações costocondrais e costovertebrais) e a presença de sacroileíte por meio de palpação das articulações sacroilíacas e de realização do teste de Patrick-Fabere, que é positivo quando o paciente refere dor em articulação sacroilíaca contralateral ao lado examinado. Imagem: Teste de Patrick-Fabere. O acometimento inflamatório de articulações periféricas está presente em aproximadamente 25% dos casos de espondilite anquilosante e caracteriza-se por quadro de monoartrite ou oligoartrite (1-4 articulações periféricas) de forma assimétrica e principalmente de membros inferiores. As articulações periféricas mais frequentemente acometidas na espondilite anquilosante são quadris, joelhos, tornozelos e articulações metatarsofalangianas. As entesites também são comuns na espondilite anquilosante. As principais localizações de entesite são: - Fáscia plantar. - Inserção do tendão calcâneo (tendão de Aquiles). - Cristas e espinhas ilíacas. - Coluna lombar. - Parede anterior do tórax. Manifestações Extra-Articulares: - Manifestações sistêmicas: febre, fadiga, anorexia e perda de peso. - Uveíte anterior: representa a manifestação extra-articular mais comum da espondilite anquilosante, acometendo aproximadamente 30% dos pacientes, e geralmente associa-se à presença do marcador genético HLA-B27; a uveíte anterior geralmente é unilateral e cursa com olho vermelho, dor, borramento da visão, fotofobia e lacrimejamento, podendo evoluir para perda visual. - Manifestações cardiovasculares: pericardite, miocardite e distúrbios da condução cardíaca; aortite, dilatação da aorta e insuficiência aórtica podem aparecer em até 10% dos pacientes após 15-30 anos de evolução da doença. - Manifestações pulmonares (raras): fibrose progressiva dos ápices pulmonares. - Manifestações gastrointestinais: até 60% dos pacientes com espondilite anquilosante podem apresentar enterite e/ou colite inespecífica e subclínica e 10-15% dos pacientes desenvolvem doença inflamatória intestinal. - Manifestações renais (raras): nefropatia por IgA, amiloidose renal. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Manifestações neurológicas (raras): síndrome da cauda equina. Achados Laboratoriais: - Anemia normocítica e normocrômica (anemia da doença crônica). - Leucocitose. - Trombocitose. - Aumento de marcadores inflamatórios (PCR e VHS) apenas em 50% dos casos da doença, pois a inflamação é intermitente. - Fator antinuclear (FAN) e fator reumatoide (FR) são negativos. - Marcador genético HLA-B27 positivo em 90% dos casos da doença. A positividade do marcador genético HLA- B27 associa-se a risco de 25% de familiar de 1º grau desenvolver espondilite anquilosante. Achados Radiológicos: Na espondilite anquilosante, as alterações radiológicas estão presentes principalmente no esqueleto axial (articulações sacroilíacas, articulações interapofisárias, discos intervertebrais e articulações costovertebrais). Na espondilite anquilosante e na artrite enteropática, a sacroileíte é bilateral e simétrica, diferentemente da artrite reativa e da artrite psoriásica, nas quais a sacroileíte geralmente é unilateral e assimétrica. Na espondilite anquilosantee na artrite enteropática, os sindesmófitos são simétricos, regulares e delicados, diferentemente da artrite reativa e da artrite psoriásica, nas quais os sindesmófitos são assimétricos, irregulares e grosseiros. A espondilite anquilosante classifica-se em estágio não radiológico e estágio radiológico. No estágio não radiológico, presente na fase inicial da doença, há dor lombar associada à sacroileíte observada apenas na RM. No estágio radiológico, presente após alguns anos de doença, há dor lombar associada à sacroileíte observada na radiografia e, na doença avançada, há formação de sindesmófitos, estruturas equivalentes aos osteófitos presentes na osteoartrite, resultantes do processo de neoformação óssea. Os principais achados radiológicos da espondilite anquilosante são: - Articulações Sacroilíacas: → Acometimento principalmente nos 2/3 inferiores. → Acometimento bilateral e simétrico. → Erosões ósseas, que manifestam-se por irregularidades do contorno articular. → Pseudoalargamento do espaço articular. → Redução do espaço articular. → Esclerose óssea subcondral. → Anquilose/fusão articular. Imagem: Articulações sacroilíacas normais. Imagem: Sacroileíte bilateral, com pseudoalargamento e esclerose óssea subcondral. Imagem: Sacroileíte bilateral, com anquilose articular. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Coluna Vertebral: → Corpos vertebrais com ângulos brilhantes (Sinal de Romanus). → Corpos vertebrais quadrados. → Sindesmófitos simétricos, regulares e delicados. → Coluna “em bambu”, com fusão das articulações interapofisárias, calcificação dos ligamentos interespinhosos e formação bilateral de sindesmófitos. → Calcificação dos discos intervertebrais, osteoporose e fraturas ósseas vertebrais. Imagem: Coluna “em bambu”, com sindesmófitos bilaterais e simétricos. - Entesite: → Entesite do tendão calcâneo (tendão de Aquiles), com formação de erosões ósseas e esporões. Imagem: Entesite do tendão calcâneo, com formação de esporões. Na RM, a sacroileíte pode ser detectada precocemente e geralmente manifesta-se por edema medular ósseo e osteíte subcondral, com imagem hipointensa em T1 e imagem hiperintensa em T2, com ou sem supressão de gordura, STIR e T1 pós- supressão de gordura. A TC é uma alternativa à radiografia, apresentando maior sensibilidade para a detecção de erosões ósseas e esclerose óssea subcondral, principalmente em fases iniciais da doença. Entretanto, diferentemente da RM, a TC não detecta alterações inflamatórias, como edema medular ósseo e esclerose óssea subcondral. Diagnóstico: Os critérios utilizados para o diagnóstico de espondilite anquilosante variam. Os critérios diagnósticos mais utilizados são os de New York, os do European Spondylarthropathy Study Group (ESSG) e os da Assessment of Spondyloarthritis International Society (ASAS). Critérios Diagnósticos de New York Presença do critério radiológico + ≥ 1 critério clínico confirma o diagnóstico. Critérios Clínicos Lombalgia e rigidez articular que melhoram com movimento e pioram com repouso > 3 meses Limitação da mobilidade da coluna lombar Limitação da expansibilidade torácica Critério Radiológico Sacroileíte grau ≥ 2 bilateral ou sacroileíte graus 3-4 unilateral Classificação Radiológica de New York da Sacroileíte Grau 0: articulações sacroilíacas normais. Grau 1: suspeita de sacroileíte. Grau 2: sacroileíte leve, com alteração do contorno articular e erosões ósseas leves. Grau 3: sacroileíte moderada, com erosões ósseas, redução do espaço articular e esclerose óssea subcondral. Grau 4: sacroileíte grave, com anquilose/fusão articular. 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Critérios Diagnósticos do ASAS Dor lombar ≥ 3 meses e idade de início < 45 anos + Sacroileíte no exame de imagem + ≥ 1 característica de espondiloartrite axial OU Marcador genético HLA-B27 positivo + ≥ 2 características de espondiloartrite axial Sacroileíte no Exame de Imagem Inflamação ativa na RM altamente sugestiva de sacroileíte Sacroileíte na radiografia segundo os critérios de New York Características de Espondiloartrite Axial Dor lombar inflamatória Artrite Entesite Uveíte Dactilite Psoríase Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa Boa resposta a AINES História familiar de espondiloartrite axial Marcador genético HLA-B27 positivo PCR aumentada Critérios Diagnósticos do ASAS Artrite OU entesite OU dactilite + ≥ 1 das seguintes características OU ≥ 2 das seguintes características ≥ 1 das seguintes características Uveíte Psoríase Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa Infecção prévia Marcador genético HLA-B27 positivo Sacroileíte no exame de imagem ≥ 2 das seguintes características Artrite Entesite Dactilite Dor lombar inflamatória História familiar de espondiloartrite axial A espondilite anquilosante pode ser avaliada quanto à atividade da doença por meio dos índices de BASDAI, BASFI, MASES e ASDAS. O BASDAI baseia-se na realização de 6 perguntas, cujas respostas são pontuadas em uma escala de 0 a 10. Em seguida, realiza-se a média das respostas das questões 5 e 6 somada às respostas das questões 1, 2, 3 e 4, dividindo o total por 5. O resultado do BASDAI classifica a atividade da doença em: - Doença/inflamação ativa: BASDAI ≥ 4. - Doença/inflamação inativa: BASDAI < 4. Diagnóstico Diferencial: Os principais diagnósticos diferencias de espondilite anquilosante são: - Artrite enteropática. - Artrite reativa. Critérios Diagnósticos do ESSG Dor lombar inflamatória OU artrite periférica assimétrica principalmente em MMII + ≥ 1 dos seguintes critérios Sacroileíte Entesite do tendão calcâneo História familiar de espondilite anquilosante Psoríase Doença inflamatória intestinal (Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa) Cervicite, uretrite ou diarreia aguda até 1 mês antes da artrite Dor em nádega (alternante à direita e à esquerda) 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Artrite psoriásica. - Espondiloartrite juvenil. - Espondiloartrite indiferenciada. - Hiperosteose esquelética idiopática difusa (DISH). - Ocronose. - Síndrome SAPHO (sinovite + acne + pustulose palmoplantar + hiperosteose esternocostoclavicular + osteíte multifocal crônica recorrente). Prognóstico: A maioria dos pacientes com espondilite anquilosante, quando tratados, são capazes de seguir vida normal, com capacidade funcional adequada. O grau de incapacidade funcional varia entre os pacientes de forma individual, mas o envolvimento inflamatório da coluna vertebral e das articulações do quadril é o mais incapacitante. Os principais fatores associados a pior prognóstico da doença são: - Artrite coxofemoral. - Dactilite. - Baixa resposta a AINES. - VHS > 30. - Limitação da mobilidade da coluna lombar. - Oligoartrite periférica assimétrica. - Início da doença antes dos 16 anos de idade. Tratamento: O tratamento da espondilite anquilosante baseia-se em cessação do tabagismo, prática de exercícios físicos, fisioterapia e tratamento farmacológico. O tratamento farmacológico da doença baseia-se em: - AINES: drogas modificadoras do curso da doença, pois o uso contínuo associa-se à diminuição da progressão radiográfica da doença axial. - DMARDs sintéticos: sulfassalazina (primeira escolha), metotrexato, leflunomida; drogas indicadas para o tratamento de artrite periférica refratária ao uso contínuo de AINES. - DMARDs biológicos: → Anti-TNFα: adalimumabe, etanercepte, infliximabe, golimumabe, certolizumabe; drogas indicadas para o tratamento de artrite axial refratária ao uso contínuo de AINES e/ou de artrite periférica refratária ao uso contínuo de AINES e DMARDs sintéticos; os anti-TNFα, exceto o etanercepte, são eficazes para o tratamento de uveíte, entesite e doença inflamatória intestinalassociada. → Anti-IL-17: secuquinumabe; droga indicada para o tratamento de doença axial refratária ao uso contínuo de AINES e a anti- TNFα. A doença refratária é definida como presença de alta atividade da doença (BASDAI ≥ 4) + opinião de especialista com base em aumento de PCR e/ou VHS, RM positiva, progressão radiográfica e exame clínico. A resposta ao tratamento é definida como melhora do BASDAI ≥ 50% ou ≥ 2.
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