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1 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 CORAÇÃO A doença cardiovascular é responsável por cerca de um terço de todas as mortes no mundo ocidental, quase 1,5 vezes o número de mortes causadas por todas as formas de câncer juntas. Fisiopatologia Cardíaca: A disfunção cardiovascular pode ser causada por um ou mais dos seis mecanismos patogênicos principais abaixo: - Falência da bomba cardíaca. Existe a disfunção sistólica, que ocorre quando a contração do miocárdio é fraca e os ventrículos não conseguem se esvaziar de modo adequado, e a disfunção diastólica, que ocorre quando o miocárdio não consegue relaxar o suficiente para permitir o enchimento ventricular adequado. - Obstrução ao fluxo sanguíneo. Por exemplo, a estenose de uma válvula cardíaca causa obstrução do fluxo sanguíneo de uma câmara para outra e sobrecarga do miocárdio. - Fluxo sanguíneo regurgitante. As insuficiências de válvulas cardíacas causam fluxo sanguíneo retrógrado de uma câmara para outra e sobrecarga de volume às câmaras cardíacas envolvidas. - Fluxo sanguíneo colateral. As malformações cardíacas causam fluxo sanguíneo de uma câmara para outra ou de um vaso para outro, provocando sobrecarga de pressão e volume. - Distúrbios da condução cardíaca. As arritmias cardíacas causam diminuição da frequência de contração e do débito cardíaco. - Ruptura do coração ou de um vaso principal. A perda da continuidade circulatória leva à hemorragia, choque hipovolêmico e morte. Todos esses mecanismos patogênicos, em suas formas mais graves, evoluem para insuficiência cardíaca, isto é, falência da bomba cardíaca. A maioria das doenças cardiovasculares resulta de uma complexa relação entre fatores genéticos e fatores ambientais. Existem patologias vasculares que causam comprometimento do coração. Por exemplo, a hipertensão arterial sistêmica pode causar uma sobrecarga do coração, levando à hipertrofia cardíaca. Os mecanismos patogênicos estão inter- relacionados. Por exemplo, a estenose da válvula aórtica causa obstrução ao fluxo sanguíneo do ventrículo esquerdo para a artéria aorta, gerando como resposta a hipertrofia ventricular esquerda, que causa diminuição do volume interno do ventrículo esquerdo, resultando na diminuição da fração de ejeção, o que leva à falência da bomba cardíaca. Os pacientes que sofrem infarto agudo do miocárdio apresentam uma área do miocárdio com necrose e tecido fibroso (cicatricial) por onde não ocorre mais passagem de estímulo elétrico para gerar a contração muscular. Como consequência, ocorre hipertrofia de uma área do miocárdio para compensar à área infartada e esse processo, a longo prazo, também evolui para insuficiência cardíaca. Insuficiência Cardíaca: Trata-se da falência da bomba, desfecho comum de muitas doenças cardíacas. O coração torna-se incapaz de bombear o sangue de forma eficiente para nutrir os tecidos periféricos. A maioria dos casos de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) resulta de disfunção sistólica, como consequência da cardiopatia isquêmica ou da hipertensão. Por outro lado, a ICC também pode resultar de disfunção diastólica, como ocorre na hipertrofia maciça do ventrículo esquerdo, na fibrose do miocárdio, na amiloidose e na pericardite constritiva. Por fim, a ICC também pode resultar de disfunção valvar ou 2 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 ocorrer em coração normal subitamente exposto a uma sobrecarga. O início da ICC pode ser abrupto, como nos casos de infarto grande do miocárdio ou disfunção valvar aguda. Entretanto, na maioria dos pacientes, a ICC desenvolve-se gradual e insidiosamente como resultado dos efeitos cumulativos da sobrecarga crônica de trabalho ou da perda progressiva de tecido miocárdico. Existem vários mecanismos fisiológicos de compensação da insuficiência cardíaca para manter a pressão arterial e a perfusão periférica a níveis normais. Os principais são: Mecanismo de Frank-Starling: aumento no volume de enchimento diastólico final; maior alongamento das fibras musculares cardíacas; aumento do débito cardíaco. Ativação dos sistemas neuro-humorais: liberação de norepinefrina pelo sistema nervoso autônomo; ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona; liberação do peptídeo natriurético atrial. Alterações na estrutura do miocárdio: aumento do número de sarcômeros (hipertrofia); estados de sobrecarga de pressão (hipertrofia concêntrica); estados de sobrecarga de volume (hipertrofia não concêntrica). O aumento persistente de trabalho do miocárdio por sobrecarga de pressão, de volume ou a sinais tróficos leva ao aumento do tamanho dos cardiomiócitos, ou seja, à hipertrofia cardíaca. O coração hipertrofiado é vulnerável à descompensação relacionada à isquemia, pois o número de capilares sanguíneos não aumenta no mesmo ritmo que a demanda de oxigênio das células musculares miocárdicas, podendo levar à falta de suprimento sanguíneo para os cardiomiócitos (isquemia). Portanto, a hipertrofia cardíaca inicialmente é fisiológica, mas se houver a persistência da sobrecarga, ela torna-se patológica. A hipertrofia cardíaca por sobrecarga de volume induzida por exercício aeróbico regular normalmente é acompanhada de aumento da densidade capilar, com redução da frequência cardíaca e da pressão arterial em repouso. Essas adaptações fisiológicas reduzem a morbidade e a mortalidade cardiovasculares. Imagem: Coração normal no centro. Hipertrofia cardíaca por sobrecarga de pressão à esquerda, com massa aumentada, paredes espessas e lúmen menor. Hipertrofia cardíaca por sobrecarga de volume à direita, como massa aumentada, lúmen maior e tamanho aumentado, mas paredes normais. A principal causa de hipertrofia cardíaca é a hipertensão arterial sistêmica descompensada. Entretanto, existem também outras causas de hipertrofia cardíaca, como patologias que afetam o próprio miocárdio. Por exemplo, a miocardiopatia hipertrófica é uma doença que causa aumento da síntese de proteínas musculares e consequente aumento do tamanho do miocárdio. Seja qual for a sua base, a insuficiência cardíaca é caracterizada por graus variáveis de diminuição do débito cardíaco e da perfusão tecidual, bem como pelo represamento do sangue no sistema 3 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 venoso de capacitância, podendo provocar edema pulmonar, edema periférico ou ambos. Imagem: Radiografia de tórax representando edema pulmonar cardiogênico. Na insuficiência cardíaca esquerda, os efeitos clínicos são consequência da congestão passiva da circulação pulmonar, estase nas câmaras esquerdas (principalmente no átrio esquerdo) e diminuição da perfusão tecidual. As principais causas de insuficiência cardíaca esquerda são: cardiopatia isquêmica, HAS, valvopatias e doenças miocárdicas primárias (miocardiopatia hipertrófica e miocardiopatia dilatada). As principais alterações morfológicas da ICC esquerda são a hipertrofia dos cardiomiócitos e a presença de fibrose intersticial de gravidade variável. As principais características clínicas da ICC esquerda são edema pulmonar, dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna, fibrilação atrial, aumento do risco de formação de trombos, principalmente no átrio esquerdo, e embolia. Além disso, a hipoperfusão tecidual pode causar uremia (disfunção renal) e, consequentemente, encefalopatia tóxica. A insuficiência cardíaca direita em sua forma isolada é pouco frequente e normalmente ocorre em pacientes com doenças pulmonares, sendo denominada cor pulmonale. A causa mais comum de insuficiência cardíaca direita é a insuficiência cardíaca esquerda. A principal patologia que causa ICC direita isolada é a hipertensão pulmonar. Além disso, as doenças que afetam a válvula atrioventricular direita (tricúspide) ou a válvula do tronco pulmonar e as cardiopatias congênitas como os shunts da esquerda para a direita, que provocamsobrecarga crônica de volume e pressão, também podem causar ICC direita. A insuficiência cardíaca direita aumenta o represamento de sangue para o sistema venoso direito, causando aumento da pressão sanguínea nas veias cavas superior (turgência jugular) e inferior e no sistema porta (hipertensão portal), resultando em hepatomegalia congestiva (fígado em noz moscada), esplenomegalia congestiva, edema periférico, derrame pleural e ascite. Imagem: Radiografia de tórax representando grande derrame pleural. Cardiopatia Congênita: A maioria origina-se de um defeito na embriogênese entre a 3ª e a 8ª semana de gestação. É responsável por 20%-30% dos defeitos congênitos e afeta 6-8 em cada 1.000 nascidos vivos. O coração, juntamente com os rins, são os órgãos mais acometidos por malformações congênitas. O tipo de cardiopatia congênita mais frequente é o defeito do septo ventricular. Algumas malformações cardíacas são incompatíveis com a vida, pois causam grande repercussão hemodinâmica. Algumas malformações cardíacas não causam grande repercussão hemodinâmica 4 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 e não há necessidade de correção cirúrgica. E algumas inclusive são corrigidas com o próprio crescimento do coração. O principal exame para diagnosticar as malformações cardíacas congênitas é o ecocardiograma. As cardiopatias congênitas dependem de fatores genéticos e ambientais, sendo a maioria de causa idiopática. Entretanto, sabe-se que elas são mais frequentes em pacientes com síndromes genéticas, como Síndrome de Down. As anomalias estruturais da cardiopatia congênita podem ser divididas em 3 categorias: - Shunts da esquerda para a direita: aumentam o fluxo sanguíneo pulmonar, inicialmente sem cianose; aumento da resistência arterial pulmonar (hipertensão pulmonar); hipertrofia ventricular esquerda. Eles são as formas mais comuns de cardiopatia congênita. → Defeito do septo atrial: é a segunda forma mais comum de cardiopatia congênita. Geralmente, os pacientes são assintomáticos até a idade adulta. → Defeito do septo ventricular: é a forma mais comum de cardiopatia congênita. A maioria manifesta-se em idade pediátrica, podendo estar associada a outras malformações cardíacas. O shunt da esquerda para a direita, quando persistente, pode causar hipertrofia ventricular direita e a inversão do shunt da direita para a esquerda, resultando em cianose tardia. → Ducto arterial patente: persistência do canal que comunica arco aórtico com artéria pulmonar esquerda. Normalmente, ele se fecha até dois após o parto. Quando isso não ocorre, produz um sopro característico que é áspero, contínuo e semelhante a uma máquina. - Shunts da direita para a esquerda: sangue venoso (desoxigenado) é desviado diretamente para a circulação arterial; hipertrofia ventricular direita; cianose e hipóxia precoces; embolia paradoxal, osteoartropatia hipertrófica (baqueteamento digital) e policitemia. Eles causam cianose no início da vida. → Tetralogia de Fallot: caracteriza-se por defeito no septo ventricular, estenose pulmonar, aorta sobreposta ao defeito do septo ventricular e hipertrofia do ventrículo direito. Todas essas alterações resultam do deslocamento anterossuperior do septo infundibular. A gravidade clínica da Tetralogia de Fallot depende do grau da obstrução do fluxo de saída pulmonar. Quando a estenose pulmonar for leve, o quadro clínico é semelhante a um defeito de septo ventricular, podendo resultar em hipertrofia ventricular esquerda e em shunt da esquerda para a direita. Quando há atresia completa da valva pulmonar e das artérias pulmonares proximais, o ducto arterial patente ou as artérias brônquicas dilatadas podem ser o 5 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 único caminho para o sangue chegar aos pulmões. A Tetralogia de Fallot é a causa mais comum de cardiopatia congênita cianótica e tem correção cirúrgica. - Malformações obstrutivas: estreitamento anormal de câmaras, valvas ou grandes vasos sanguíneos. → Coarctação da Aorta: caracterizada pela estenose da artéria aorta, a gravidade clínica da lesão depende do grau de estenose e da persistência do ducto arterial. Apresenta alta frequência quando comparada com as demais cardiopatias congênitas. Na coarctação pré-ductal com ducto arterial patente, as manifestações clínicas são precoces, com cianose na metade inferior do corpo. Na coarctação pós-ductal sem ducto arterial patente, os pacientes podem ser assintomáticos até a vida adulta, mas classicamente há hipertensão nas extremidades superiores e hipotensão com pulsos fracos nas extremidades inferiores Cardiopatia Isquêmica: Síndromes diretamente relacionadas à isquemia miocárdica. Em 90% dos casos, é consequência da redução do fluxo sanguíneo coronariano por aterosclerose. As principais síndromes cardíacas causadas por isquemia miocárdica são: angina pectoris (isquemia miocárdica → reversível), infarto agudo do miocárdico (necrose miocárdica → irreversível), cardiopatia isquêmica com insuficiência cardíaca e morte súbita cardíaca (obstrução de um grande ramo da artéria coronária, causando necrose miocárdica). A causa dominante de todas as síndromes é a perfusão coronariana insuficiente em relação à demanda miocárdica. A maioria dos casos deve-se ao estreitamento vascular crônico devido à aterosclerose associado a alterações agudas (rompimento de placa aterosclerótica e formação de trombo). A oclusão vascular crônica é caracterizada como uma lesão fixa obstruindo mais de 75% da área transversal vascular. Com esse grau de oclusão, a vasodilatação coronariana compensatória torna-se insuficiente. As síndromes clínicas da cardiopatia isquêmica são: - Angina pectoris: ataques paroxísticos e recorrentes de desconforto torácico retroesternal ou precordial, causados por isquemia miocárdica transitória. A isquemia é insuficiente para provocar a necrose dos cardiomiócitos. A angina pode ser estável ou instável. - Infarto agudo do miocárdio: corresponde à morte de cardiomiócitos devido à isquemia grave prolongada. A maior parte é causada por trombose aguda de uma artéria 6 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 coronária. Eles podem ser transmurais (envolvem toda a espessura da parede miocárdica), subendocárdicos (envolvem o terço interno do miocárdio) ou microscópicos (envolvem a oclusão de pequenos vasos sanguíneos, podendo não apresentar sintomas clínicos). A trombose coronariana devido a uma alteração súbita em uma placa aterosclerótica é o início do processo de infarto em 90% dos casos. O IAM também pode ser consequência de vasoespasmos, de êmbolos e de outros distúrbios. A perda do suprimento sanguíneo miocárdico causa consequências bioquímicas, morfológicas e funcionais intensas. Segundos após a obstrução vascular, a glicólise anaeróbica cessa, levando à diminuição dos níveis de ATP e ao acúmulo de metabólitos potencialmente nocivos, como ácido láctico, nos cardiomiócitos. A consequência funcional é a rápida perda da contratilidade, que ocorre em aproximadamente um minuto do início da isquemia. As alterações morfológicas, como relaxamento das miofibrilas, diminuição dos níveis de glicogênio e tumefação celular e mitocondrial, também se tornam rapidamente evidentes. Essas alterações iniciais são reversíveis. Apenas quando a isquemia é grave, ou seja, dura pelo menos 20-40 minutos, é capaz de causar danos irreversíveis e morte dos cardiomiócitos, levando à necrose por coagulação. O padrão de perfusão faz-se no sentido do epicárdio para o endocárdio. Assim, a necrose miocárdica ocorre no sentido do endocárdio para o epicárdio. A necrose transmural grave está presente dentro de 6 horas do início do evento. Existem alguns casos de infarto do miocárdio que não causam sintomas clínicos no paciente, pois não há alterações hemodinâmicas significativas no paciente.Entretanto, o diagnóstico de infartos prévios pode ser realizado ao se observar áreas de fibrose no tecido miocárdico. Imagem: Seta maior indicando área de necrose resultante de IAM. Seta menor indicando área de tecido fibroso (cicatricial) resultante de infartos prévios. Asterisco indicando área de ruptura do ventrículo. A sintomatologia do IAM pode ser atípica e é dependente do vaso sanguíneo afetado. As artérias coronárias mais frequentemente afetadas são a descendente anterior esquerda (parede anterior do ventrículo esquerdo, dois terços anteriores do septo ventricular e o ápice do coração), a circunflexa esquerda (parede lateral do ventrículo esquerdo) e a coronária direita (grande parte do ventrículo direito). A artéria que origina o ramo interventricular posterior (descendente posterior), que irriga a parede posterior do ventrículo esquerdo e o terço posterior do septo ventricular, é chamada de vaso dominante. Em 90% dos casos, o vaso dominante é a artéria coronária direita e, 7 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 em 10% dos casos, é a artéria circunflexa esquerda. Assim, a oclusão do vaso dominante direito causa lesão isquêmica no ventrículo esquerdo, já a oclusão do vaso dominante esquerdo causa lesão isquêmica em todo o ventrículo esquerdo e no septo. A sequência de padrões morfológicos que podem ser observados no miocárdio que sofreu infarto são: necrose por coagulação, inflamação aguda (presença de infiltrado neutrofílico) e tentativas de reparo, com formação de tecido fibroso (cicatricial). O infarto agudo do miocárdio é diagnosticado por sintomas clínicos, por testes laboratoriais e por alterações eletrocardiográficas. Quanto aos testes laboratoriais, os biomarcadores mais sensíveis e específicos de dano ao miocárdio são as troponinas I e T. A proteína CK-MB é sensível, mas não é específica. A mioglobina é o marcador que mais precocemente se eleva, mas não é específico. As principais complicações clínicas do IAM são: disfunção contrátil, arritmias, rupturas, aneurismas, pericardites, trombos e disfunções papilares. - Cardiopatia isquêmica crônica: é uma insuficiência cardíaca progressiva devido à lesão isquêmica, tanto por infartos anteriores quanto por isquemia crônica de baixo grau. Arritmias: As anormalidades de condução miocárdica pode ser persistentes ou esporádicas e os ritmos alterados podem ser iniciados em qualquer nível do sistema de condução. A lesão isquêmica é a principal causa de arritmias. As arritmias podem se manifestar como taquicardia, bradicardia, ritmo irregular com contração ventricular normal, despolarização caótica sem contração ventricular normal (fibrilação ventricular) ou como ausência total de atividade elétrica (assistolia). Existem condições hereditárias associadas às arritmias, conhecidas coletivamente como canalopatias, embora sejam pouco comuns. Existem arritmias, como fibrilação ventricular e assistolia, que podem ser fatais, causando morte súbita cardíaca. 8 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 Cardiopatia Hipertensiva: É uma consequência das demandas aumentadas induzidas ao coração pela hipertensão, causando sobrecarga de pressão e hipertrofia ventricular (principalmente à esquerda). A hipertrofia dos cardiomiócitos é uma resposta adaptativa à sobrecarga de pressão, entretanto existem limites para a capacidade adaptativa do miocárdio e a hipertensão persistente pode levar à disfunção miocárdica, à dilatação cardíaca, à insuficiência cardíaca congestiva e até mesmo à morte súbita. Embora a cardiopatia hipertensiva afete com mais frequência o lado esquerdo do coração como consequência da HAS, a hipertensão pulmonar também pode causar alterações no lado direito do coração (cor pulmonale). Cardiopatia Valvar: Pode manifestar-se devido à estenose (falha na abertura), insuficiência (falha no fechamento) ou ambas. A valva atrioventricular esquerda ou mitral é o alvo mais comum da doença. As anomalias valvares podem ser congênitas ou adquiridas. As estenoses adquiridas da valva da aorta e da valva atrioventricular esquerda (mitral) são responsáveis por aproximadamente 60% de todas as doenças valvares. A presença de sopros e o estudo ecocardiográfico com Doppler são fundamentais para o diagnóstico das valvopatias. A degeneração valvar por calcificação ocorre pois as valvas estão sujeitas a altos níveis de estresse mecânico repetitivo, particularmente nos pontos em que as cúspides e os folhetos se dobram. Entre as principais causas, está o número de contrações cardíacas (30 a 40 milhões por ano), as deformações teciduais, que são substanciais após cada contração, e os gradientes de pressão transvalvares quando as valvas se fecham (120 mmHg para a mitral e 80 mmHg para a aórtica). A estenose aórtica calcificada é a mais comum de todas as anormalidades valvares. A calcificação ocorre como resultado de lesão crônica da valva causada por hipertensão, hiperlipidemia, inflamação, entre outros fatores que também contribuem para a aterogênese. O tratamento é necessário quando há repercussão hemodinâmica significativa e ocorre por meio da substituição cirúrgica da valva. A estenose aórtica calcificada bicúspide de origem congênita é responsável por aproximadamente 50% dos casos de estenose aórtica em adultos. A calcificação do anel mitral é caracterizada pela deposição de cálcio no anel fibroso da valva atrioventricular esquerda (mitral) e resulta em sobrecarga de 9 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 pressão e volume sobre o átrio esquerdo, aumentando os riscos para trombose e embolia. Além disso, a doença pode causar regurgitamento mitral e prolapso da valva em direção ao átrio esquerdo durante a sístole ventricular. A doença também aumenta os riscos de endocardite infecciosa. As calcificações de valvas cardíacas geralmente são assintomáticas e diagnosticadas apenas por meio do exame físico (ausculta de sopros) e de exames imagem. A endocardite infecciosa é a infecção microbiana das valvas cardíacas ou do endocárdio mural, que resulta na formação de vegetações volumosas e friáveis compostas por fragmentos necrosados, trombos e microrganismos, associada à destruição dos tecidos subjacentes. O principal agente etiológico (responsável por 60% dos casos) é a bactéria Streptococcus viridans. Outra bactéria altamente virulenta responsável por aproximadamente 20% dos casos é Staphylococcus aureus. A doença pode ser classificada em aguda, quando um microrganismo de alta virulência ataca uma valva previamente saudável, ou subaguda, quando um microrganismo de baixa virulência ataca uma valva previamente doente ou uma prótese valvar. Na forma aguda, a evolução clínica é rápida, e na forma subaguda, a evolução clínica é lenta. Portanto, é possível afirmar que as anormalidades cardíacas predispõem o paciente a esse tipo de infecção. A endocardite infecciosa, principalmente em sua forma aguda, pode levar ao desprendimento de êmbolos devido à natureza friável das vegetações formadas, ao desenvolvimento de abcessos, que podem causar infartos sépticos e aneurismas micóticos. A forma subaguda, devido à sua evolução lenta, pode apresentar características de cronicidade, como desenvolvimento de fibrose e calcificação. A endocardite infecciosa é mais comum nas valvas aórtica e mitral. As principais manifestações clínicas são febre (presente na forma aguda e ausente na forma subaguda), sopros e, devido à formação de microêmbolos, presença de petéquias, hemorragias subungueais, manchas de Roth (hemorragias na retina), lesões de Janeway (lesões eritematosas indolores nas regiões palmar e plantar) e nódulos de Osler (pontas dos dedos). O tratamento ocorre por meio de antibióticos. Miocardiopatias: São um grupo heterogêneo de doenças miocárdicas associadas à disfunção mecânica ou elétrica do músculo cardíaco e que geralmente apresentamhipertrofia ou dilatação ventricular inadequada. Elas podem ser restritas ao miocárdio ou podem ser parte de distúrbios inflamatórios, doenças imunológicas, distúrbios metabólicos sistêmicos, distrofias musculares e distúrbios genéticos das fibras do miocárdio. Grande parte das cardiomiopatias são tratadas por meio de transplante cardíaco. Existem 3 tipos de miocardiopatias: - Miocardiopatia dilatada: caracteriza-se por dilatação cardíaca e disfunção contrátil progressivas, geralmente com acompanhadas de hipertrofia. É a forma mais frequente da doença (90% dos casos). As principais causas são mutações genéticas e abuso de álcool. O álcool e seus produtos metabólicos, principalmente o acetaldeído, têm efeito tóxico direto sobre o miocárdio. 10 BRUNO HERBERTS SEHNEM – ATM 2023/2 Na doença, o coração está aumentado e flácido e todas as suas câmaras estão dilatadas. A dilatação causa adelgaçamento das paredes do coração e a espessura ventricular pode estar menor, igual ou maior que o normal. Os trombos murais também são frequentes. Quanto às características histológicas, a maioria dos cardiomiócitos exibe hipertrofia e núcleos aumentados, mas muitos estão delgados, estirados e são irregulares. Há também fibrose intersticial em graus variáveis. - Miocardiopatia hipertrófica: caracteriza- se por hipertrofia do miocárdio, enchimento diastólico insuficiente e, por vezes, obstrução do fluxo de saída ventricular. Geralmente, a função sistólica está preservada, mas o miocárdio não relaxa e, portanto, apresenta disfunção diastólica. A maior parte dos casos é causada por mutações em um dos vários genes que codificam as proteínas do sarcômero. Dessas mutações, a que afeta o gene que codifica a cadeia pesada da β-miosina é a mais comum. Como resultado, ocorre hipercontratilidade dos cardiomiócitos. Classicamente, há um espessamento desproporcional do septo ventricular em relação à parede livre do ventrículo esquerdo, chamada de hipertrofia septal assimétrica, que contribui para a obstrução do fluxo de saída ventricular. Quanto às características histológicas, há hipertrofia acentuada e desarranjo aleatório dos cardiomiócitos, além de fibrose intersticial. - Miocardiopatia restritiva: caracteriza-se por diminuição primária da complacência ventricular, que causa enchimento ventricular deficiente durante a diástole (resumindo, a parede ventricular está mais dura). Pode ser idiopática ou estar associada a doenças sistêmicas que também afetam o miocárdio, como amiloidose, fibrose endomiocárdica e endomiocardite de Loeffler. Tumores Cardíacos: O principal tipo de tumor maligno do coração são as metástases (tumores secundários). Eles estão presentes em cerca de 5% dos pacientes que morrem de câncer. Os sítios primários mais frequentes que geram metástase no coração são: pulmão, linfonodos, mama, medula óssea e pele (melanoma). As neoplasias cardíacas primárias são incomuns e a maioria é benigna. Os tumores primários mais frequentes são mixomas, fibromas, lipomas, fibroelastomas papilares e rabdomiomas. Eles são responsáveis por 80-90% de todos os tumores primários e não apresentam potencial maligno. O angiossarcoma é o tumor maligno primário mais comum do coração e é tipicamente localizado no átrio. - Mixoma: tumor cardíaco primário benigno mais comum em adultos. Geralmente, são únicos e desenvolvem-se na região da fossa oval, principalmente no átrio esquerdo. São lesões moles, translúcidas e com aspecto gelatinoso.
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