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1 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 OBJETIVOS 1. Descrever o diagnóstico diferencial das Doenças Exantemáticas na infância e adolescencia, abordando definição de exantema, etiologias, fisiopatologia, classificação e exame clínico. 2. Fundamentar os aspectos que permitem o diagnostico diferencial entre Sarampo, Rubéola, Exantema Súbito, Eritema infeccioso, Escarlatina e Varicela. 3. Analisar os aspectos éticos referentes ao atendimento médico e prescrição de tratamentos sem o exame direto do paciente. REFERÊNCIAS Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília. 5ª ed., 2021. Diretoria de Vigilância Epidemiológica. Doenças Exantemáticas Febris. Governo do Estadode Santa Catarina, 2018 Sociedade Brasileira de Pediatria. Tratado de pediatria. 2.ed. Barueri, SP: Manole, 2010 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018 , modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019 , 2019. DEFINIÇÃO DE EXANTEMA Eritemas são alterações vasculares transitórias avermelhadas/róseas com duração variada a depender do elemento causal Enantema: quando essas alterações vasculares estão presentes nas mucosas. Exantema: erupções cutâneas eritematosas disseminadas, (quando o eritema se estende por áreas extensas) Os exantemas geralmente são causados por vírus, embora bactérias, doenças reumatológicas e até alguns medicamentos também possam estar implicados. Os microrganismos podem causar erupção cutânea por diversos mecanismos: por invasão e multiplicação direta na pele (varicela, herpes sim- ples), por ação de toxinas (escarlatina e infecção estafilocócica), por ação imunoalérgica (maioria das viroses exantemáticas) ou por dano vascular causando obstrução e necrose da pele (meningococemia). CLASSIFICAÇÃO Reconhecer as lesões elementares de pele que podem estar presentes é de extrema importância que permitirão identificar os dois principais tipos de exantema: Doenças Exantemáticas Problema 06 2 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 Pode-se dividir as apresentações exantemáticas em dois tipos básicos de exantema: o maculopa- pular e papulovesicular. Exantema maculopapular: composto por máculas e pápulas. É o tipo de exantema mais comum da infância, encontrado no sarampo, rubéola, eritema infeccioso, exantema súbito, escarlatina e na doença de Kawasaki. Exantema papulovesicular: composto por pápulas e vesículas, que podem evoluir para pústulas e crostas. Encontrado na varicela, no herpes-zóster e na doença mão-pé-boca. No passado, algumas das doenças exantemáticas mais comuns da infância foram classificadas de acordo com a sua ordem de descobrimento, ou melhor, descrição clínica, em: • Primeira doença: sarampo (descrita no século XVII). • Segunda doença: escarlatina (descrita no século XVII). • Terceira doença: rubéola (descrita em 1881). • Quarta doença: doença de Filatov-Dukes (descrita em 1900, atualmente chamada de síndrome da pele escaldada estafilocócica). • Quinta doença: eritema infeccioso (descrita em 1905). • Sexta doença: exantema súbito (descrito e 1910). Embora essa classificação seja pouco utilizada atualmente, algumas vezes vemos o exantema súbito sendo referido como sexta doença; por isso, é importante entender de onde surgiu essa nomenclatura. DIAGNOSTICOS DIFERÊNCIAIS SARAMPO INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA O sarampo e uma doença infecciosa exantemática aguda e extremamente contagiosa, que pode evoluir para óbitos em crianças < 1 ano e desnutridas. Era uma doença endêmica mundial, com incidência quase universal na infância, até a introdução da vacina do sarampo No Brasil, em 2018, houve a confirmação dos primeiros casos de sarampo, após o registro dos últimos casos da doença no ano de 2015, e o recebimento da certificação da eliminação do vírus em 2016. Em 2018 foram confirmados 10.346 casos da doença. No ano de 2019, após um ano de franca circula- ção do vírus, o país perdeu a certificação de “país livre do vírus do sarampo”, dando início a novos surtos, com a confirmação de 20.901 casos da doença. Em 2020 foram confirmados 8.448 casos. No ano de 2020 foram registrados 10 óbitos pela doença. Nos 2 primeiros meses do ano de 2021, 3 estados permanecem com casos confirmados de sarampo no país, Amapá, Pará e São Paulo, mantendo a circulação do vírus. O sarampo é uma doença de notificação compulsória, devendo ser preenchida a 3 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 respectiva ficha de Notificação/Investigação de Doenças Exantemáticas Febris Sarampo/Rubéola mesmo que o caso seja suspeito. Em agosto de 2019, o MS adotou a estratégia da Dose Zero da vacina tríplice viral para crianças de 6 a 11 meses de idade. Porém, a partir de 23 de novembro de 2020, o MS suspendeu essa dose, nos locais que interromperam a circulação do vírus, mantendo-a nos estados que continuam com a circulação do vírus do sarampo ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO O sarampo é causado por um vírus de RNA de fita única, da família Paramyxoviridae e do gênero Morbillivirus, sendo os humanos os únicos hospedeiros. É transmitida através de secreções nasofaríngeas expelidas ao tossir, falar, espirrar por meio de aerossóis com partículas virais que ficam no ar. Obs: O vírus pode permanecer viável suspenso no ar por até 1 hora após o caso fonte deixar o ambiente. O período de transmissibilidade inicia-se 6 dias antes do exantema e dura até 4 dias após seu aparecimento. O período de maior transmissibilidade ocorre 4 dias antes e 4 dias após o início do exantema. Pela alta contagiosidade, até 9 em cada 10 pessoas suscetíveis com contato próximo a uma pessoa com sarampo desenvolverão a doença. PATOGÊNESE O quadro clínico do sarampo é composto por 4 fases: período de incubação, doença prodrômica, fase exantemática e recuperação. Período de incubação: o vírus migra para os linfonodos regionais, onde ocorre uma viremia primária que dissemina o vírus para o sistema reticuloendotelial. Uma segunda viremia dissemina o vírus para as superfícies do corpo. Doença prodrômica: começa após a segunda viremia e está associada à necrose epitelial e à formação de células gigantes nos tecidos corporais, iniciando a excreção viral. Fase do exantema: começa a produção de anticorpos, reduzindo a replicação viral e os sintomas. O vírus do sarampo também infecta as células T CD4, resultando na supressão da resposta imune Th1. QUADRO CLÍNICO O período de incubação varia de 7-21 dias da data de exposição ao início do quadro exantemático. Os principais sintomas são: • Febre alta, acima de 38,5°C • Exantema maculopapular morbiliforme (existem áreas de pele livre de lesão entre as lesões) de direção cefalocaudal (região retro auricular – pescoço – face – tronco – extremidades). • Tosse seca (inicialmente) • Coriza • Conjuntivite não purulenta • Manchas de koplik (pequenos pontos brancos na mucosa bucal, na altura do terceiro molar, e ocasionalmente no palato mole, conjuntiva e mucosa vaginal, antecedendo o exantema) Obs: a mancha de Koplik é um sinal patognomônico de sarampo. Elas surgem 1-2 dias antes do exantema e desaparecem 2-3 dias após. 4 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 O sarampo pode apresentar complicações sobretudo em menores de 1 ano, adultos maiores de 20 anos e pessoas com comorbidades. Febre por mais de três dias, após o aparecimento do exantema, é um sinal de alerta e pode indicar o aparecimento de complicações, comoinfecções respiratórias, otites, doenças diarreicas e neurológicas. DIAGNÓSTICO Sorologia (ELISA): detecção de anticorpos IgM específicos (até as 4 primeiras semanas), soroconversão ou aumento na titulação de anticorpos IgG (eventualmente aparece na fase aguda da doença, e costumam ser detectados muitos anos após a infecção). Reação em cadeia da polimerase precedida de transcrição reversa (RT-PCR): feito com amostras de orofaringe, nasofaringe, urina, líquor ou em tecidos do corpo (óbito). O sequenciamento permite diferenciar os tipos selvagem ou vacinal em uma amostra. As amostras devem ser coletadas até o 7° dia a partir do início do exantema, preferencialmente, nos 3 primeiros dias. Análise molecular: pode ser utilizada para determinar o genótipo circulante do vírus, além de diferenciar a infecção causada pelo vírus selvagem daquela decorrente de vacinação recente do sarampo. TRATAMENTO Não existe tratamento específico para a infecção por sarampo. Recomenda-se a administração do palmitato de retinol (vitamina A), mediante avaliação clínica e/ou nutricional por um profissional de saúde, em todas as crianças com suspeita de sarampo, para redução da mortalidade e prevenção de complicações pela doença. PROFILAXIA A profilaxia primária do sarampo é a vacinação com a tríplice viral (SCR) aos 12 meses, seguida de uma dose de reforço aos 15 meses sob a forma da vacina tetraviral (SCR + varicela). Em indivíduos suscetíveis expostos ao sarampo, está indicada a profilaxia pós-exposição com a administração da vacina do sarampo em até 72 horas da exposição ou com o uso de imunoglobulina em até 6 dias da exposição, indicada em indivíduos que não podem receber a tríplice viral (vacina de agente atenuado), como gestantes, lactentes menores de 6 meses e imunocomprometidos. RUBÉOLA INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA Assim como o sarampo, a rubéola é uma doença de etiologia viral altamente contagiosa e, sua importância epidemiológica está relacionada ao risco de abortos, natimortos e à síndrome da rubéola congênita (SRC). Antes da vacinação universal, a rubéola ocorria em epidemias a cada 6 a 9 anos e era mais comum em pré-escolares e escolares. Em 2008, ocorreu no Brasil a maior campanha de vacinação contra rubéola do mundo, na qual foram vacinados 67,9 milhões de brasileiros, homens e mulheres de 20 a 39 de todo o País; nos estados de Minas Gerais, Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Mato Grosso, o grupo de 12 a 19 anos também foi incluído. A cobertura vacinal alcançada nessa campanha foi de 97%. 5 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 Após diversas campanhas e ações de vigilância epidemiológica, no ano de 2010, o Brasil cumpriu a meta de eliminação da rubéola e da SRC e, em 2015 a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) declarou as Américas livre da rubéola e SRC. Somente em 2014, foi confirmado um caso importado de rubéola no estado do Rio de Janeiro, em um tripulante de navio proveniente das Filipinas, tendo sido identificado o genótipo 2B, sem nenhum caso secundário. Rubéola também é uma doença de notificação compulsória. ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO A rubéola é causada por um vírus de RNA de fita única, da família Togaviridae e do gênero Rubivirus, cujo único hospedeiro conhecido é o humano. A transmissão ocorre por meio de contato com secreções nasofaríngeas de pessoas infectadas. O vírus é disseminado por gotículas ou pelo contato direto com pessoas infectadas. Período de maior transmissibilidade: 5 a 7 dias antes até 7 dias após o aparecimento do exantema. Os filhos de mães imunes podem apresentar imunidade passiva e transitória até os 9 meses de idade. PATOGÊNESE Após a infecção, o vírus replica no epitélio respiratório e, em seguida, se dissemina para os linfonodos regionais. Segue-se a viremia mais intensa do 10º ao 17º dia. A excreção viral a partir da nasofaringe começa cerca de 10 dias após a infecção e pode ser detectada até 2 semanas após o início do exantema. Período de incubação: de 12 a 23 dias. QUADRO CLÍNICO Período prodrômico: pode acontecer durante a 2ª semana após a exposição, e consiste em: • Febre (<39ºc) • Mal-estar • Conjuntivite leve (mais comum em adultos). • Linfoadenopatia retroauricular, e/ou occipital, e/ou cervical posterior também são possíveis de ocorrer. Geralmente, antecedem o exantema no período de 5 a 10 dias. Estudos sorológicos mostraram que 20% a 50% de todas as infecções por rubéola ocorrem sem erupção ou outras manifestações clínicas. • Exantema maculopapular puntiforme róseo difuso e frequentemente pruriginoso (50% a 80% das pessoas infectadas) com início na face, couro cabeludo e pescoço, espalhando-se posteriormente para o tronco e os membros, com duração de 1 A 3 dias. Obs: Conforme o exantema progride para um novo local, as manchas presentes no local anterior vão desaparecendo. • Sintomas articulares (artrite, artralgias), geralmente de curta duração(ocorrem em até 70% das mulheres adultas com rubéola, mas são menos comuns em homens e crianças). Em alguns casos, nota-se petéquias no palato mole conhecidas como sinal de Forschemeir que não é patognomônico. 6 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 Além disso, a infecção por rubéola ocorrendo 12 dias antes da concepção e durante as primeiras 8 a 10 semanas de gestação muitas vezes resulta em aborto espontâneo, morte fetal ou infantil precoce, defeitos congênitos de múltiplos órgãos, conhecidos como SRC. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da rubéola é clínico- epidemiológico, mas podemos encontrar achados laboratoriais inespecíficos como leucopenia, neutropenia e trombocitopenia leve. O diagnóstico laboratorial é realizado por meio de sorologia - técnica de ensaio imunoenzimático (ELISA) para detecção de anticorpos IgM específicos, soroconversão ou aumento na titulação de anticorpos IgG. O vírus também pode ser identificado pela técnica de reação em cadeia da polimerase precedida de transcrição reversa (RT-PCR), em amostras de orofaringe, nasofaringe, urina, líquor ou em tecidos do corpo (óbito). TRATAMENTO A rubéola é geralmente uma doença leve e autolimitada que não requer tratamento específico, somente os sinais e os sintomas são tratados. PROFILAXIA A profilaxia primária é feita com a vacina tríplice viral em duas doses: com 12 meses e com 15 meses (sob a forma da vacina tetraviral). Os pacientes com rubéola devem ser isolados por 7 dias após o início do exantema. EXANTEMA SÚBITO INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA O exantema súbito, também chamado de roséola infantum ou de sexta doença, é uma doença viral com pico de incidência entre os 6 e 15 meses de idade. Obs: Anticorpos maternos transferidos durante a gestação provavelmente impedem que a infecção ocorra em menores de 6 meses. ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO É a manifestação clínica da infecção primária pelo Herpesvírus humano 6 e, mais raramente, pelo Herpesvírus humano 7, vírus de DNA de dupla fita da subfamília dos β-herpesvírus (a mesma do citomegalovírus). Vemos que a infecção pelos herpesvírus humano 6 e 7 ocorre precocemente no início da vida, sendo mais de 95% dos casos em crianças menores de 3 anos de idade. O vírus é adquirido a partir do contato com secreções infectantes que penetram as mucosas oral, nasal ou conjuntival. PATOGÊNESE Após a replicação viral em um local ainda desconhecido, ocorre uma elevada viremia nas células mononucleares do sangue. Após a infecção aguda, como todo herpesvírus, o vírus se torna latente nas células mononucleares e possivelmente nas glândulas salivares, rins, pulmões e no sistema nervoso central.QUADRO CLÍNICO Período de incubação: 5 a 15 dias Período prodrômico: pode ser assintomático ou cursar com sintomas leves do trato respiratório superior (rinorreia leve, inflamação leve da faringe e hiperemia conjuntival discreta). A maioria dos casos cursa apenas com febre e irritabilidade, sendo que apenas 25% das crianças infectadas apresentam o quadro clínico clássico da doença. A doença clínica inicia com: • Febre alta (média de 39°C), que pode ou não ser acompanhada de irritabilidade e anorexia, persiste por 3 a 5 dias e depois desaparece em crise. • Convulsões febris (5 a 10% das crianças). • Exantema surge dentro de 12 a 24 horas do desaparecimento da febre, como lesões individualizadas pequenas, róseas e levemente elevadas distribuídas no tronco que depois se espalham para pescoço, face e extremidades. 7 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 Obs: O exantema não é pruriginoso e não cursa com vesículas ou pústulas. Geralmente desaparece após 1 a 3 dias sem deixar descamação. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é clínico, baseado principalmente na idade e no padrão de febre do paciente. Nos primeiros dias de febre podem ser encontradas leucometria de 8000 a 9000 leucócitos/mm3, que depois cai para 4000 a 6000 leucócitos/mm3, com relativa linfocitose na fase do exantema. O diagnóstico etiológico pode ser feito por meio da sorologia IgM (presente a partir do 5º ao 7º dia de doença com pico na 2ª e 3ª semanas e desaparecimento em 2 meses), soroconversão do IgG em amostras pareadas com 2 a 3 semanas de intervalo, cultura viral e teste de amplificação viral por PCR (não implica necessariamente infecção ativa, já que o vírus pode permanecer latente nos tecidos). TRATAMENTO O tratamento é de suporte com antitérmicos durante a fase de febre alta. Em caso de imunodeprimidos pode-se tratamento com antivirais, como o ganciclovir, por 2 a 3 semanas pelo risco de acometimento do SNC. PROFILAXIA A transmissão do vírus ocorre apenas na fase de viremia, ou seja, durante a febre, de forma que, quando a doença é clinicamente identificável, o paciente não é mais transmissor, não estando recomendado o isolamento. ERITEMA INFECCIOSO INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA O eritema infeccioso, também chamado de quinta doença, é uma doença exantemática que ocorre principalmente em crianças em idade escolar, entre os 5 e 15 anos, com picos sazonais entre o fim do inverno e a primavera. ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO É causado pelo parvovírus B19, um vírus de DNA de fita única da família Parvoviridae e do gênero Erythrovirus. A transmissão ocorre via respiratória através de gotículas, sendo a taxa de transmissão domiciliar de 15-30% para os contatos transmissíveis e de 10 a 60% em surtos em escolas. O parvovírus B19 também pode ser transmitido por via placentária e sanguínea, sendo descrito em crianças com hemofilia que recebem transfusões de fatores de coagulação frequentemente. A transmissão ocorre antes do exantema. Logo, quando há o surgimento do exantema o paciente não elimina mais o vírus, portanto, não há necessidade de isolamento. PATOGÊNESE O vírus possui tropismo por células eritropoiéticas, replicando-se em células eritroides da medula óssea, resultando em lise destas células com depleção progressiva e parada transitória da eritropoiese. QUADRO CLÍNICO Período de incubação: 4 a 28 dias Fase prodrômica: febre baixa, cefaleia e sintomas de infecção do trato respiratório superior. O eritema infeccioso é a manifestação clínica mais comum da infecção pelo parvovírus B19. • Exantema maculopapular se inicia em face em região malar, poupando região perioral, fronte e nariz. dando o aspecto que alguns autores chamam de “face esbofeteada” (edema de bochechas) associado a palidez perioral ou sinal de Filatov. 8 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 Cerca de 4 dias depois o exantema evolui para membros superiores e inferiores, a mácula aumenta de tamanho deixando uma palidez central conferindo o aspecto rendilhado do exantema que pode durar até 3 semanas, mas geralmente desaparece espontaneamente após cerca de 10 dias, sem descamação. Obs: Poupa as palmas das mãos e dos pés e é mais intenso nas superfícies extensoras. Além disso, nessa fase o paciente não tem mais febre. Importante ressaltar que após desaparecimento pode haver recorrência do eritema durante 1 a 3 semanas após exposição ao sol, variação da temperatura, exercícios e estresse. Obs: as crianças com eritema não são transmissoras no momento do diagnóstico, não existindo, portanto, necessidade de isolamento. • Artrite e artralgia podem ocorrer (mais comuns em mulheres adolescentes e adultas) e duram de 2 a 4 semanas. • Em pessoas com doenças hematológicas (doença falciforme, talassemias, anemias hemolíticas) e aqueles que possuem algum tipo de imunodeficiência, podem desenvolver uma crise aplástica transitória (CAT) decorrente da infecção viral direta pelo parvovírus B19 que bloqueia transitoriamente a produção de eritrócitos e cursa com reticulopenia absoluta e queda abrupta da hemoglobina com duração de cerca de 2 semanas. A crise aplásica decorre justamente da viremia do parvovírus B19; por isso, pacientes com essa apresentação clínica podem ser transmissores e devem permanecer em isolamento de contato e respiratório até 1 semana após o término da febre. DIAGNÓSTICO O diagnóstico etiológico pode ser feito por sorologia IgM (desenvolve-se rapidamente e persiste por 6 a 8 semanas) e pela identificação da soroconversão da IgG em amostras pareadas. Em imunocomprometidos, o diagnóstico sorológico não é confiável, devendo-se buscar a identificação do DNA viral. DIAGNOSTICO DIFERENCIAL Crise hemolítica do falciforme: decorre da falcização das hemácias e sua destruição pelo baço, temos marcadores de hemólise (icterícia, elevação de bilirrubinas e DHL), além de uma reticulocitose, já que a medula óssea aumenta sua produção na tentativa de repor as hemácias perdidas. TRATAMENTO Não há tratamento específico, sendo indicado apenas o tratamento sintomático. Nos pacientes com anemia aplásica, a imunoglobulina endovenosa apresenta bons resultados. PROFILAXIA Não há vacina que garanta imunidade contra tal vírus. ESCARLATINA INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA É uma doença infecciosa aguda que ocorre mais frequentemente associada à faringite e ocasionalmente aos impetigos. Pode ocorrer em qualquer idade, sendo mais frequente me idade escolar, entre 5 e 18 anos. ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO A escarlatina é causada pelo estreptococo β- hemolítico do grupo A (Streptococcus pyogenes), um coco gram-positivo altamente transmissível, 9 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 sendo os seres humanos são o único reservatório natural. A escarlatina não é fruto da infecção direta pela bactéria, mas sim pelo efeito das toxinas produzidas quando a bactéria é infectada por um bacteriófago. A transmissão ocorre por contato com gotículas e secreção de nasofaringe de indivíduos com faringoamigdalite estreptocócica aguda. No caso do impetigo, a transmissão ocorre apenas por contato. PATOGÊNESE Quando os estreptococos estão infectados por determinados bacteriófagos, eles produzem também as toxinas eritrogênicas (exotoxinas pirogênicas estreptocócicas A, B e C), que são responsáveis pela erupção cutânea da escarlatina. Essas exotoxinas estimulam a formação de anticorpos antitoxina específicos que proporcionam imunidade contra a erupção escarlatiniforme, mas não contra outras infecções estreptocócicas. No entanto, como existem três exotoxinas pirogênicas,uma mesma criança pode ter um segundo ou até terceiro episódio de escarlatina. QUADRO CLÍNICO Período de incubação: 2-5 dias A escarlatina ocorre apenas após a infecção do trato respiratório superior pelo estreptococo do grupo A. Período prodrômico: ocorre durante 12-24h com febre alta, dor à deglutição, mal-estar geral, náuseas e vômitos. Após este período o paciente apresenta o quadro de faringoamigdalite com exsudato purulento, adenomegalia cervical e enantema na mucosa oral. Em seguida, cerca de 12-48h após o início do quadro, surge um exantema micropapular àspero (aspecto de lixa) em peitoral que se expande para tronco – pescoço – membros (poupa palma das mãos e pés). Linhas de Pastia: exantema mais intenso nas dobras cutâneas (cotovelos, axilas e virilhas) formando locais com linhas hiperpigmentadas, que aparece após 1 a 3 dias. “Face esbofeteada”: bochechas eritematosas com palidez ao redor da boca (sinal de Filatov). “Língua em framboesa”: edema das papilas da língua dando a esta o aspecto de framboesa. Com o desaparecimento do exantema, após 3 a 4 dias do começo da erupção, pode ocorrer descamação ao redor das unhas, nas palmas das mãos e plantas dos pés. DIAGNÓSTICO A cultura de swab de orofaringe é o padrão-ouro e tem sensibilidade de 90 a 95%, mas demora cerca de 2 a 3 dias; 10 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 Pode ser utilizado o teste rápido de detecção de antígenos (Strep test), feito com swab de orofaringe, que fornece resultado em alguns minutos com especificidade acima de 95% e sensibilidade de 80 a 90%. É possível também fazer dosagem de anticorpo antiestreptolisina pelos seguintes métodos: Antiestreptolisina O (ASLO): não é específico do estreptococo A (produzido também pelos grupos C e G). Anti-DNAse B: presente tanto em faringites quanto nos impetigos. TRATAMENTO O exantema da escarlatina é autolimitado e resolve em uma semana independentemente do uso do antibiótico, mas está recomendada a antibioticoterapia para evitar a evolução para febre reumática, encurtar o curso clínico da doença, reduzir a transmissão e prevenir as complicações supurativas. O antibiótico de escolha é a penicilina, podendo- se prescrever penicilina benzatina intramuscular em dose única ou amoxicilina via oral por 10 dias. Em pacientes alérgicos, o tratamento pode ser feito com cefalosporina por 10 dias. VARICELA INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA A Varicela, também conhecida como catapora, é uma infecção viral primária febril, aguda, altamente contagiosa. Em crianças, geralmente é benigna e autolimitada. Em adolescentes e adultos, em geral, o quadro clínico é mais exuberante. Estima-se que no Brasil ocorram em torno de 3 milhões de casos ao ano. É uma doença de notificação compulsória apenas se caso grave, ou seja, que necessite internação. No período de 2010 a 2019, foram notificados 1.031.545 casos suspeitos de varicela, dos quais 644.763 foram confirmados. Com a introdução da vacina tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) no Calendário Nacional de Vacinação, em 2013, para crianças de 15 meses de idade, houve redução considerável do número de internações. Herpes-Zóster: conhecido popularmente como cobreiro, decorre da reativação do vírus da varicela, que permanece em latência no sistema nervoso após a infecção primária. A reativação ocorre na idade adulta, e é mais comum em pessoas imunocomprometidas. O risco de um paciente previamente infectado desenvolver herpes zóster é de 10 a 15%, sendo 75% casos após os 45 anos. ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO A varicela é causada pelo vírus varicela-zóster, de DNA dupla fita, da família herpesvírus e da subfamília dos α-herpesvírus (que inclui o vírus herpes simples). O vírus varicela-zóster causa as infecções primária (varicela), latente (nos gânglios nervosos sensoriais) e recorrente (herpes zóster). A transmissão ocorre de pessoa a pessoa, por meio de contato direto ou de secreções respiratórias (disseminação aérea de partículas virais/aerossóis) e, raramente, através de contato com lesões de pele. Indiretamente, é transmitida por meio de objetos contaminados com secreções de vesículas e membranas mucosas de pacientes infectados. Período de transmissibilidade: varia de 1 a 2 dias antes do aparecimento do exantema e estende- se até que todas as lesões estejam em fase de crosta. Crianças suscetíveis também podem adquirir varicela após o contato direto com as lesões de herpes zóster de adultos. A imunidade passiva transferida para o feto pela mãe que já teve varicela assegura, na maioria das vezes, proteção até 4 a 6 meses de vida extrauterina. PATOGÊNESE A infecção primária (varicela) resulta da inoculação do vírus na mucosa da via aérea superior e do tecido linfoide tonsilar. 11 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 Durante o período de incubação, o vírus replica no tecido linfoide local seguido por uma viremia subclínica breve que dissemina o vírus para o sistema reticuloendotelial. As lesões cutâneas disseminadas ocorrem na segunda fase virêmica, que dura de 3 a 7 dias, mas o vírus também é transportado de volta para a mucosa respiratória, permitindo sua disseminação antes do aparecimento do exantema. Nos imunocomprometidos, a replicação viral aumentada permite a ocorrência de lesões em outros órgãos, como pulmões, fígado e cérebro. O vírus é então transportado para os gânglios da raiz dorsal, onde fica em latência. A reativação subsequente causa o herpes zóster, que cursa com erupção vesicular restrita a um dermátomo. QUADRO CLÍNICO Período de incubação: de 10 a 21 dias após o contato. Período prodrômico: inicia-se com febre baixa, cefaleia, anorexia e vômito, podendo durar de horas até 3 dias. Obs: Na infância, esses pródromos não costumam ocorrer, sendo o exantema o primeiro sinal da doença. Período exantemático: as lesões são papulovesicular polimórfico pruriginoso comumente aparecem em surtos sucessivos de máculas que evoluem para pápulas, vesículas, pústulas e crostas que costumam surgir nas partes cobertas do corpo, como couro cabeludo, axilas e mucosas oral e das vias aéreas superiores. Nos adultos, a doença cursa de modo mais grave do que nas crianças. A febre é mais elevada e prolongada, o estado geral é mais comprometido, o exantema mais pronunciado e as complicações mais comuns podem levar a óbito. Síndrome de Reye: ocorre em crianças e adolescentes que fazem uso do ácido acetilsalicílico (AAS) durante a fase aguda da varicela. Essa síndrome se caracteriza por um quadro de vômitos após o pródromo viral, seguido de irritabilidade, inquietude e diminuição progressiva do nível da consciência, com edema cerebral progressivo. A síndrome de Reye é resultado do comprometimento hepático agudo, seguido de comprometimento cerebral. Portanto, está contraindicado o uso de AAS por pacientes com varicela. Infecção fetal, durante a gestação, pode levar à embriopatia, com síndrome da varicela congênita (expressa-se com um ou mais dos seguintes sintomas: malformação das extremidades dos membros, microoftalmia, catarata, atrofia óptica e do sistema nervoso central). HERPES-ZÓSTER: a maioria dos doentes refere, antecedendo às lesões cutâneas, dores nevrálgicas, parestesias, ardor e prurido locais, acompanhados de febre, cefaleia e mal-estar. A lesão elementar é uma vesícula sobre base eritematosa. DIAGNÓSTICO A reação em cadeia da polimerase (PCR) é o teste padrão-ouro que detecta o DNA do vírus varicela- zóster de forma rápida e sensível. Para a realização do teste, as amostras ideais são swabs provenientes das lesões vesiculares não cobertase das crostas de lesões crostosas. Os testes sorológicos mais utilizados são ensaio imunoenzimático (ELISA), aglutinação em látex (AL) e imunofluorescência indireta (IFI). TRATAMENTO Pode-se administrar antitérmico, analgésico não salicilato e, para atenuar o prurido, anti- histamínico sistêmico. O tratamento específico da varicela é realizado por meio da administração do antiviral aciclovir 12 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2 que é indicado para pessoas com risco de agravamento. As indicações para o uso do aciclovir são: • Crianças sem comprometimento imunológico: 20 mg/kg/dose, via oral, cinco vezes ao dia;dose máxima de 800 mg/dia, durante cinco dias. • Crianças com comprometimento imunológico ou casos graves: deve-se fazer uso de aciclovir endovenoso na dosagem de 10 mg/kg, a cada oito horas, infundido por uma hora, durante 7 a 14 dias. • Adultos sem comprometimento imunológico: 800 mg, via oral, cinco vezes ao dia, durante sete dias. • Adultos com comprometimento imunológico: 10 mg a 15 mg de aciclovir endovenoso, três vezes ao dia por, no mínimo, sete dias. Embora não haja evidência de teratogenicidade, não se recomenda o uso desse medicamento em gestantes. PROFILAXIA A profilaxia primária da varicela é feita com a aplicação da vacina tetraviral aos 15 meses e o reforço da vacina isolada da varicela aos 4 anos. Crianças com varicela devem ser mantidas em isolamento até que todas as lesões vesiculares estejam em crosta, o que normalmente ocorre em até 7 dias do início do exantema. Em casos de surtos, a vacinação deve ser realizada de forma seletiva no período de 120 horas (5 dias), para administração da vacina, e de 96 horas (4 dias), para administração da IGHAV (obtida de plasma humano contendo títulos altos de IgG contra o vírus da varicela), após o contato com caso suspeito ou confirmado de varicela. ASPECTOS ÉTICOS Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Capítulo V- relação com pacientes e familiares Art. 37. Prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa. 13 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/2
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