Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Oftalmologia TRAUMA OCULAR Introdução: O trauma ocular representa a principal causa de perda de visão unilateral. Aproximadamente 90% dos casos de trauma ocular são evitáveis, principalmente por meio do uso de EPIs. O trauma ocular classifica- se, quanto ao tipo de lesão, em: - Mecânico. - Químico. - Térmico. - Elétrico. - Por Radiação. Trauma Químico: - O trauma químico causa lesão ocular por produção de calor, desidratação, degeneração da córnea, necrose de vasos sanguíneos e produção de enzimas tóxicas. - O trauma químico pode ser causado por substâncias ácidas, álcalis (básicas) ou outras. - O trauma causado por substâncias químicas que causam rápida alteração tecidual cursa com esfoliação do epitélio da conjuntiva, opacificação e degeneração do estroma da córnea, fragmentação do endotélio da córnea e irite. - A gravidade da lesão causada por trauma químico depende da concentração do agente agressor, da duração da exposição ao agente agressor, do pH da solução e da velocidade de penetração da substância química no olho. - Fluoresceína: solução ocular que deve ser aplicada para avaliar se houve perda do epitélio de revestimento da córnea; a lesão ao epitélio de revestimento da córnea é confirmada por coloração do olho após aplicação da solução de fluoresceína. - As soluções álcalis causam lesão tecidual mais grave que as soluções ácidas. - Nunca deve-se prescrever anestésico tópico para o paciente fazer uso em casa. - Tratamento clínico na UBS ou na UPA: → Anestésico tópico. → Irrigação imediata do olho com soro fisiológico 0,9% por 30 minutos. → Puxar a pálpebra superior e a pálpebra inferior e irrigar abaixo delas. → Pomada oftálmica. → Cicloplégico. → Encaminhar ao oftalmologista imediatamente. Trauma Térmico: - Causado por hipertermia ou por hipotermia. - Lesões hipertérmicas são causadas por chama ou por contato direto. - As lesões hipertérmicas causadas por chamas são superficiais e, em geral, acometem apenas pele, supercílios e cílios, sem lesão do bulbo ocular. Às vezes, as lesões hipertérmicas causadas por chamas podem ser profundas, causando necrose tecidual e infecção secundária. - As lesões hipertérmicas causadas por contato direto cursam com hiperemia conjuntival e transudação vascular na conjuntiva. As complicações mais comuns são entrópio (inversão interna da pálpebra), ectrópio (inversão externa da pálpebra), simbléfaro (aderência entre a pálpebra e o globo ocular) e anquilobléfaro (aderência entre a pálpebra superior e a pálpebra inferior). - Em geral, as lesões hipertérmicas causadas por contato direto acometem mais as pálpebras do que o bulbo ocular. Trauma Elétrico: - O trauma elétrico causa lesão ocular por aumento de temperatura e coagulação de proteínas. - O trauma elétrico causa as seguintes lesões: → Pele e pálpebras: eritema, edema, hematoma e necrose. → Conjuntivas: hiperemia e quemose (edema da conjuntiva). → Córnea: edema, opacificação intersticial e ceratite (inflamação da córnea) estriada, pontilhada ou difusa. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Íris e corpo ciliar: hifema (presença de sangue na câmara anterior) e iridociclite (inflamação da íris e do corpo ciliar). → Cristalino: catarata. → Vítreo: opacificação. → Coroide e retina: hemorragia e ruptura de coroide, descolamento de retina. → Nervo óptico: papiledema e neurite óptica, que pode evoluir para atrofia do nervo óptico. Trauma por Radiação: - O trauma por radiação pode ser causado por radiação infravermelha ou radiação ultravioleta. - O trauma causado por radiação infravermelha caracteriza-se por lesão que inicia imediatamente após a exposição à radiação. As lesões são mais evidentes no estroma do que no epitélio. A absorção de calor pela íris causa miose, hiperemia e irite. - A exposição à radiação infravermelha de pequeno comprimento de onda causa a chamada catarata “do vidreiro”. - O trauma causado por radiação ultravioleta causa alterações em proteínas celulares, com inibição de mitoses, fragmentação do núcleo e perda de adesão celular. A lesão inicia aproximadamente 8-24 horas após a exposição à radiação ultravioleta. - Os principais sintomas associados ao trauma por radiação ultravioleta são dor ocular, sensação de corpo estranho no olho e fotofobia. Os principais sinais associados ao trauma por radiação ultravioleta são eritema palpebral, lacrimejamento, hiperemia conjuntival, irregularidades epiteliais, edema de córnea e ceratite pontilhada. A duração da lesão é de aproximadamente 24-48 horas. - As principais causas de trauma ocular por radiação ultravioleta são exposição solar na praia ou na neve, uso de solda elétrica e exposição a lâmpadas de bronzeamento artificial. - A prevenção ao trauma causado por radiação ultravioleta baseia-se em uso de óculos com proteção UV. - O tratamento do trauma causado por radiação ultravioleta baseia-se em analgésico VO, uso de compressas frias e curativo oclusivo. Trauma Mecânico: - O trauma ocular mecânico classifica-se em aberto e fechado. - Anualmente, há mais de 55 milhões de casos de trauma ocular mecânico. A maioria dos traumas mecânicos são do tipo fechado. Entretanto, há aproximadamente 200 mil casos de trauma aberto anualmente. - O trauma mecânico fechado não causa comprometimento da espessura total da parede ocular. - A maioria dos casos de trauma ocular fechado são do tipo contuso. - Hemorragia subconjuntival (hiposfagmo): geralmente autolimitada; deve-se atentar para a presença de lesão da esclera quando há hipotonia ocular, câmara anterior muito rasa ou muito profunda, com presença de humor vítreo ou de sangue e áreas de pigmentação subconjuntival indicando exposição de tecido uveal. - Alterações corneais: trauma rombo pode causar abrasões, rasgaduras na membrana de Descemet e lacerações corneoesclerais, geralmente localizadas no limbo. - Midríase e miose traumáticas: a midríase traumática é causada por rasgaduras no músculo esfíncter da íris, que podem resultar em alteração definitiva da forma pupilar; a miose traumática geralmente associa-se à inflamação da câmara anterior, havendo necessidade de uso de cicloplégico para prevenir a formação de sinéquias posteriores. - A sinéquia posterior é definida como a adesão da cápsula anterior do cristalino à íris. Deve-se administrar cicloplégico para dilatar a pupila e prevenir o desenvolvimento de sinéquias. - Irite traumática: comumente associada à baixa de visão e à hiperemia perilímbica; a reação inflamatória na câmara anterior pode ser mínima; a pressão intraocular geralmente está diminuída; o tratamento baseia-se em uso de cicloplégico e corticoide tópico por algumas semanas. - Iridodiálise: separação da raiz da íris do corpo ciliar; geralmente cursa com 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 hemorragia do segmento anterior do globo ocular; a conduta na iridodiálise pequena é expectante (observação); a conduta na iridodiálise grande geralmente baseia-se em correção cirúrgica, devido ao risco de diplopia monocular e policoria (presença de mais de 1 pupila em cada olho). - Ciclodiálise: separação do corpo ciliar do esporão escleral, formando uma fenda; causa aumento da drenagem e diminuição da secreção de humor aquoso, resultando em edema macular e hipotonia ocular crônica; há várias alternativas de tratamento, tais como cicloplégico tópico, oclusão da fenda com laser de argônio, crioterapia, diatermia ou sutura direta. - Subluxação traumática do cristalino e catarata: o trauma contuso do bulbo ocular pode causar rotura de zônula e subluxação do cristalino; a rotura de zônula é caracterizada por presença de facodonésis ou iridodonésis. - Hifema traumático: causado por lesão de vasos sanguíneos do corpo ciliar anterior ou da periferia da íris; o trauma causa descolamento posteriordo diafragma iridocristaliniano e expansão escleral na zona equatorial, resultando em rotura do círculo arterial maior da íris, dos ramos arteriais do corpo ciliar e/ou das artérias e veias recorrente cordiais; o hifema traumático é mais comum em jovens do sexo masculino; aproximadamente 50% dos casos acometem < 1/3 da câmara anterior e apenas 10% dos casos acometem toda a câmara anterior. - Em adultos, a ocorrência de hifema espontâneo deve alertar para a possibilidade de hemoglobinopatias, doença herpética ou rubeosis iridis (doença caracterizada por neovascularização da íris). - Em crianças, a ocorrência de hifema espontâneo deve alertar para a possibilidade de leucemia ou retinoblastoma. - O tratamento do hifema baseia-se em cicloplégico tópico de longa ação (conforto), corticoide tópico (em casos de inflamação intensa do globo ocular) e antagonista β- adrenérgico (betaxolol). - Laceração conjuntival: deve ser sempre pesquisada levantando a pálpebra superior e a pálpebra inferior e aplicando solução de fluoresceína; o exame pode ser realizado sob anestesia tópica; a eversão das pálpebras deve ser realizada apenas após excluir a presença de perfuração ocular. - Corpos estranhos corneais e conjuntivais: aproximadamente 90% dos corpos estranhos presentes no olho são metálicos (esmeril); os corpos estranhos intraoculares são mais facilmente identificados em exame de biomicroscopia com lâmpada de fenda; os corpos estranhos frequentemente localizam- se na conjuntiva superior, causando padrão de linhas de coloração vertical na córnea; deve-se avaliar a profundidade do corpo estranho antes de removê-lo. - Em casos de risco de perfuração de estruturas oculares à remoção do corpo estranho, deve-se removê-lo em centro cirúrgico. - Em casos de perfuração do globo ocular com vazamento de secreção, pode-se utilizar lente de contato terapêutica, cianoacrilato ou sutura. - Em casos de fragmento de ferro impactado no globo ocular, deve-se realizar anestesia tópica e remoção com agulha hipodérmica à biomicroscopia com lâmpada de fenda. Após, deve-se aplicar antibiótico tópico, cicloplégico e realizar curativo oclusivo. - Abrasão corneal: trauma de baixa intensidade que pode causar escoriação corneal, dor ocular, lacrimejamento, fotofobia e sensação de corpo estranho no olho; o tratamento baseia-se em cicloplégico de curta ação e curativo oclusivo por 24 horas com antibiótico tópico. - Erosão corneal recorrente pós-traumática: caracteriza-se por dor ocular, lacrimejamento e desconforto intenso ao acordar ou nas primeiras horas da manhã; a recorrência pode manifestar-se semanas a anos após a lesão traumática inicial; a erosão recorrente é causada por má adesão do epitélio corneal à membrana basal; o tratamento baseia-se em oclusão com antibiótico tópico e cicloplégico de curta ação; após a cicatrização, deve-se aplicar lubrificantes e soluções salinas hipertônicas por 3 meses; em casos de resposta inadequada ao tratamento, deve-se realizar 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 anestesia tópica e remover o epitélio corneal lesionado. - Os 2 principais tipos de lesões associadas ao trauma mecânico aberto são lacerações e roturas. - Os ferimentos abertos penetrantes causam laceração de espessura total da parede ocular, os ferimentos abertos perfurantes apresentam orifício de entrada e orifício de saída e os corpos estranhos intraoculares também associam-se a trauma mecânico aberto. - O trauma mecânico aberto pode causar déficit visual significativo. - Quando há ferimento aberto com lesão do bulbo ocular, é fundamental a correção da lesão do bulbo ocular em primeiro lugar. - A cirurgia oftálmica, em geral, representa o tratamento de primeira escolha para a correção das lesões traumáticas abertas do globo ocular. Deve-se realizar preferencialmente anestesia geral. - Na avaliação inicial do paciente vítima de trauma mecânico aberto, deve-se realizar anamnese com o objetivo de identificar o mecanismo do trauma e investigar a história ocular prévia do paciente. - A avaliação da acuidade visual do paciente deve ser realizada precocemente. - Em casos de suspeita de corpo estranho intraocular, recomenda-se realizar Raio X ou TC de órbitas. Em casos de corpo estranho intraocular metálico, nunca deve-se solicitar RM de órbitas. - Em casos de lesão que causa comunicação de estruturas intraoculares com o meio externo, não se deve adiar a sutura do globo ocular por > 36 horas. - O tratamento do trauma mecânico aberto pode ser conservador em casos de ferimentos puntiformes e lineares < 2 mm que não causam encarceramento de tecido ocular. - O tratamento cirúrgico do trauma mecânico aberto objetiva restaurar a integridade do bulbo ocular em casos de ferimento corneoescleral aberto. - Recomenda-se realizar anestesia geral sempre que possível, pois a anestesia peribulbar ou retrobulbar pode aumentar a pressão orbitária e expulsar o corpo estranho intraocular. - No tratamento cirúrgico, realiza-se remoção do corpo estranho intraocular, tratamento da íris, tratamento da catarata, vitrectomia, implante de lente intraocular, crioterapia em casos de rotura da retina, etc. - No pós-operatório, deve-se prevenir infecções por meio de administração de antibióticos, diminuir a inflamação por meio de administração de corticoides, controlar a pressão intraocular e aliviar a dor ocular associada ao procedimento cirúrgico por meio de administração de analgésicos.
Compartilhar