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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Otorrinolaringologia ANEL LINFÁTICO DE WALDEYER E FARINGOTONSILITES Anel Linfático de Waldeyer: O anel linfático de Waldeyer é definido como o conjunto de estruturas formadas por tecido linfoide capazes de reconhecer antígenos inalados ou ingeridos, atuando como a primeira linha de defesa imunológica contra esses antígenos. O anel linfático de Waldeyer é formado essencialmente por: - Adenoides ou tonsilas faríngeas: localizadas na região superior da nasofaringe. - Amígdalas ou tonsilas palatinas: localizadas na região lateral da orofaringe. - Amígdalas ou tonsilas linguais: localizadas na região posterior da língua. As tonsilas que formam o anel linfático de Waldeyer apresentam maior atividade durante a infância, principalmente na faixa etária de 4-10 anos de idade, e involução após a puberdade. A maioria das doenças que acometem as estruturas do anel linfático de Waldeyer devem-se à inflamação aguda ou crônica das tonsilas (tonsilites) e à hiperplasia das tonsilas. A hiperplasia de adenoides, por exemplo, pode evoluir com obstrução parcial ou total da nasofaringe, geralmente com obstrução da abertura da tuba auditiva (Trompa de Eustáquio), resultando em patologias da orelha média, como otite média secretora e otite média crônica. As amígdalas ou tonsilas faríngeas localizam-se na região lateral da orofaringe, sendo delimitadas pelos pilares amigdalianos anterior e posterior. O pilar amigdaliano anterior é formado pelo músculo palatoglosso e o pilar amigdaliano posterior é formado pelo músculo palatofaríngeo. O espaço virtual existente entre os pilares amigdalianos e a amígdala é denominado cápsula amigdaliana e corresponde ao local de formação dos abcessos periamigdalianos. Caso Clínico: Menino de 8 anos, com dor de garganta de início súbito há 1 dia, associada à febre de 38,8ºC, náuseas e 1 episódio de vômito. Os pais negam rinorreia e tosse. Exame Físico: Hiperemia e edema das amígdalas associados à presença de exsudatos purulentos nas amígdalas bilateralmente. Presença de linfadenopatias cervicais. Hipótese Diagnóstica: Faringoamigdalite bacteriana, devido à ausência de rinorreia e tosse, sintomas sugestivos de faringoamigdalite viral. A presença de exsudatos amigdalianos purulentos pode indicar tanto amigdalite de etiologia bacteriana quanto amigdalite de etiologia viral. Faringotonsilites: Definição: As faringotonsilites ou anginas são doenças inflamatórias e infecciosas que acometem faringe, tonsilas palatinas (amígdalas) e tonsilas faríngeas (adenoides). Classificação: As faringotonsilites podem ser classificadas clinicamente em: - Amigdalite aguda. - Amigdalite recorrente: 7 episódios de amigdalite em 1 ano, 5 episódios por ano em 2 anos consecutivos ou 3 episódios por ano em 3 anos consecutivos. - Amigdalite crônica. - Hiperplasia amigdaliana. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Epidemiologia: A dor de garganta aguda, principal queixa da faringoamigdalite aguda, é responsável por aproximadamente 2,0% das consultas ambulatoriais nos EUA. Entretanto, a maioria dos indivíduos com amigdalite aguda não procura atendimento médico. A amigdalite aguda apresenta maior incidência em indivíduos de 5-15 anos de idade e é mais comum entre o final do inverno e o início da primavera. Amigdalite Aguda: Definição: A amigdalite ou faringoamigdalite aguda é definida como a infecção aguda do parênquima das tonsilas palatinas (amígdalas), representando aproximadamente 90% dos casos de angina na população. A amigdalite aguda geralmente cursa com hiperemia e edema das amígdalas associado ou não à presença de exsudato esbranquiçado, que se desprende facilmente da mucosa oral. Frequentemente, observa-se linfadenopatia cervical associada ao quadro infeccioso/inflamatório. Etiologia: A amigdalite aguda pode ser de etiologia viral ou bacteriana. Aproximadamente 75% dos casos de amigdalite aguda são de etiologia viral. Os principais vírus associados à amigdalite aguda são rinovírus, coronavírus e adenovírus. Outros vírus menos frequentemente associados à amigdalite aguda são herpes-simples (HSV), influenza, parainfluenza, enterovírus, citomegalovírus (CMV) e Epstein-Barr (EBV). A faringoamigdalite aguda associada ao vírus Epstein-Barr (EBV) é denominada mononucleose infecciosa. Na amigdalite aguda viral, além da dor de garganta, também há disfagia, odinofagia, febre, artralgia, mialgia, rinorreia e espirros (sinais e sintomas de IVAS). A presença de exsudato amigdaliano purulento, apesar de ser mais frequente na amigdalite aguda bacteriana, também pode ocorrer na amigdalite aguda viral. Aproximadamente 10-25% dos casos de amigdalite aguda são de etiologia bacteriana. A principal bactéria associada à amigdalite aguda é o Streptococcus β-hemolítico do grupo A. A prevalência de amigdalite bacteriana é de 5-10% entre adultos e de 15- 30% entre crianças. Outras bactérias menos frequentemente associadas à amigdalite aguda são Streptococcus β-hemolítico do grupo C, Mycoplasma pneumoniae, Staphylococcus aureus, Haemophilus sp., Neisseria gonorrhoeae, Treponema pallidum e Moraxella catarrhalis. Na amigdalite aguda bacteriana, além de dor de garganta, disfagia, odinofagia e febre, também pode haver toxemia, com cefaleia, náuseas, vômitos, dor abdominal e queda do estado geral, principalmente em adultos. A faringoamigdalite aguda bacteriana causada por Streptococcus β-hemolítico do grupo A representa importante problema de saúde pública devido ao risco aumentado de evolução para febre reumática e glomerulonefrite pós-estreptocócica. Fisiopatologia: A faringoamigdalite aguda caracteriza-se por inflamação aguda da orofaringe e das amígdalas, que cursa com dor, eritema e edema de faringe e amígdalas. O processo inflamatório agudo pode estender-se superiormente para o palato mole e a úvula e inferiormente para a epiglote. Além de dor, eritema e edema, eventualmente, a inflamação aguda pode evoluir com a formação de exsudato amigdaliano purulento, tanto na amigdalite aguda de etiologia viral quanto na amigdalite aguda de etiologia bacteriana, e com o desenvolvimento de linfadenopatia cervical. Imagem: Faringoamigdalite aguda à oroscopia, com eritema, edema e exsudato amigdaliano purulento. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Prevenção: A prevenção primária da amigdalite aguda baseia-se em evitar o contato com pacientes portadores de infecção bacteriana causada por Streptococcus β-hemolítico do grupo A, pois a taxa de transmissão da bactéria é de aproximadamente 35%. A prevenção secundária da amigdalite aguda bacteriana está indicada para pacientes com história de episódio prévio de febre reumática e baseia-se em administração de penicilina G benzatina (Benzetacil) IM para prevenir a infecção recorrente por Streptococcus β-hemolítico do grupo A e, assim, prevenir episódios recorrentes de febre reumática. Diagnóstico: O diagnóstico de amigdalite aguda é essencialmente clínico e baseia-se em anamnese e exame físico (oroscopia). Na maioria dos pacientes, o quadro de faringoamigdalite aguda é benigno e autolimitado, não havendo necessidade de antibioticoterapia, pois a etiologia mais comum é a viral, na qual o tratamento baseia-se essencialmente em repouso e uso de sintomáticos (analgésicos e AINES). Para auxiliar no diagnóstico clínico de amigdalite aguda bacteriana (estreptocócica), pode-se utilizar o Escore de Centor, que considera 4 critérios clínicos na avaliação da amigdalite aguda: - História de febre > 38ºC. - Exsudato amigdaliano. - Ausência de tosse. - Linfadenopatia cervical anterior dolorosa. A positividade de 3 ou 4 dos critérios de Centor apresenta valor preditivo positivo de 40-60% para o diagnóstico de amigdalite aguda bacteriana/estreptocócica, ou seja, tornam a infecção bacteriana mais provávelque a infecção viral. A negatividade de 3 ou 4 dos critérios de Centor apresenta valor preditivo negativo de 80% para o diagnóstico de amigdalite aguda bacteriana/estreptocócica. A presença de < 2 critérios indica que o diagnóstico de amigdalite aguda bacteriana estreptocócica é altamente improvável. Os principais exames complementares que podem ser utilizados para confirmar o diagnóstico de amigdalite aguda bacteriana são o teste rápido para a detecção de antígenos estreptocócicos por meio do swab de orofaringe e a cultura de orofaringe. O teste rápido para a detecção de antígenos de Streptococcus β-hemolítico do grupo A apresenta alta sensibilidade (90%) e alta especificidade (98%) para o diagnóstico de amigdalite aguda bacteriana/estreptocócica, sendo amplamente utilizado na prática clínica. Entretanto, o teste rápido apresenta menor sensibilidade que a cultura (padrão- ouro), embora seu resultado seja imediato. Em pacientes com alta suspeita clínica de amigdalite aguda estreptocócica que apresentam teste rápido negativo, indica-se a realização de cultura da orofaringe para confirmar ou excluir o diagnóstico. A cultura, entretanto, não deve atrasar o início da antibioticoterapia. Outros exames complementares que podem auxiliar no diagnóstico de faringoamigdalite aguda são hemograma, indicado principalmente na suspeita clínica de mononucleose infecciosa ou nos casos de infecção grave em pacientes imunocomprometidos, e dosagem sérica do anticorpo antiestreptolisina O (ASLO), que aumenta em 2-4 semanas após o início da infecção aguda. Os principais achados do hemograma são leucocitose com desvio à esquerda e neutrofilia, na amigdalite aguda bacteriana, e linfocitose com linfócitos atípicos, na amigdalite aguda associada à infecção por CMV ou à mononucleose infecciosa (infecção por EBV). Os níveis séricos de anticorpo antiestreptolisina O (ASLO) normalizam-se apenas 6-12 meses após o início da infecção bacteriana estreptocócica. Assim, o aumento isolado dos níveis séricos de ASLO não apresenta relevância clínica, exceto quando o paciente apresenta quadro clínico sugestivo de infecção estreptocócica ativa. Quando há suspeita clínica de amigdalite aguda causada por clamídia ou gonococo, especialmente em adolescentes sexualmente ativos (sexo oral), indica-se a realização de cultura de orofaringe. Quando há suspeita clínica de mononucleose 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 infecciosa, indica-se a realização do monoteste. Complicações: As complicações da faringoamigdalite aguda estreptocócica classificam-se em supurativas (abcesso periamigdaliano e abcesso retrofaríngeo) e não supurativas (escarlatina, febre reumática e glomerulonefrite pós-estreptocócica). Abcesso Periamigdaliano: O abcesso periamigdaliano é definido como a coleção de pus que forma-se no espaço virtual existente entre a amígdala e os pilares amigdalianos anterior e posterior. A formação do abcesso periamigdaliano resulta de evolução da amigdalite aguda bacteriana, geralmente em casos de infecção polimicrobiana não tratada. O principal agente causal é o Streptococcus β- hemolítico do grupo A. O abcesso periamigdaliano é mais comum em adultos jovens e os principais fatores de risco são má dentição e tabagismo. Imagem: Abcesso periamigdaliano. O abcesso periamigdaliano caracteriza-se por piora da dor de garganta, geralmente unilateral, associada à disfagia, odinofagia, febre, mal-estar, cefaleia, voz abafada e trismo (limitação da capacidade de abrir a cavidade oral). Ao exame físico, observa-se abaulamento do pilar amigdaliano anterior, desvio contralateral da úvula e trismo. O tratamento baseia-se em drenagem do abcesso periamigdaliano, antibioticoterapia (penicilina G benzatina IM em dose única + penicilina de ação rápida VO por 2 dias) e corticoterapia (prednisona VO). Abcesso Retrofaríngeo: O abcesso retrofaríngeo é definido como a coleção de pus que forma-se no espaço virtual existente entre a parede posterior da faringe e a coluna vertebral. A formação do abcesso retrofaríngeo resulta da evolução de IVAS ou de trauma da parede posterior da faringe. Este tipo de abcesso é raro, sendo mais comum em crianças. Os principais achados clínicos do abcesso retrofaríngeo são dor de garganta, disfagia, odinofagia, voz abafada e trismo. O diagnóstico baseia- se em exame clínico (anamnese e exame físico) e em radiografia ou TC da coluna cervical, que confirma a presença do abcesso no espaço retrofaríngeo. Mononucleose Infecciosa: A mononucleose infecciosa é uma doença causada pelo vírus Epstein-Barr (EBV) que caracteriza-se por dor de garganta, febre, astenia, cefaleia, linfadenopatia, especialmente linfadenopatia cervical posterior, hepatomegalia e esplenomegalia. A amigdalite aguda associada à mononucleose infecciosa também caracteriza-se por hiperemia, edema e formação de exsudato amigdaliano purulento e deve ser suspeitada em pacientes que não apresentam resposta à antibioticoterapia (quadro clínico semelhante ao de amigdalite aguda bacteriana). O uso de amoxicilina em pacientes com mononucleose infecciosa pode causar erupção eritematosa maculopapular pruriginosa, devido à reação cruzada entre antígenos virais e moléculas do antibiótico e não à reação alérgica à penicilina. Imagem: Amigdalite aguda associada à mononucleose infecciosa (infecção por EBV). Como a apresentação clínica da amigdalite aguda associada à mononucleose infecciosa é muito semelhante à amigdalite aguda 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 bacteriana, inclusive à oroscopia, indica-se a realização de monoteste (pesquisa de anticorpos anti-EBV), que confirma ou exclui o diagnóstico de mononucleose infecciosa. Outro exame que pode auxiliar no diagnóstico é o hemograma, cujos principais achados são linfocitose com presença de linfócitos atípicos. A infecção por CMV também é muito semelhante à mononucleose infecciosa, inclusive no hemograma, entretanto cursa com monoteste negativo. O tratamento da mononucleose infecciosa baseia-se em suporte com hidratação e uso de analgésicos. Epiglotite: A epiglotite é definida como a infecção/inflamação aguda da epiglote e caracteriza-se por dor de garganta intensa e de início abrupto, febre alta, abafamento da voz, disfagia, odinofagia, estridor inspiratório e posição de tripé (paciente inclinado para a frente, babando e com a língua proeminente). Além da inflamação aguda da epiglote, também há inflamação aguda de estruturas supraglóticas, como orofaringe e úvula. A epiglotite geralmente é causada por Haemophilus influenzae ou Streptococcus β- hemolítico do grupo A. O quadro clínico tende a ser mais grave e apresentar pior evolução em crianças, com maior risco de comprometimento das vias aéreas e da ventilação. Imagem: Epiglote normal à esquerda e epiglotite à direita. O diagnóstico de epiglotite baseia-se em exame clínico e em radiografia ou TC da coluna cervical, que confirma a presença de edema da epiglote (“sinal do dedo”). O tratamento da epiglotite baseia-se em antibioticoterapia, uso de corticoides e uso de adrenalina em nebulização. Às vezes, há necessidade de intubação orotraqueal ou de cricotireoidostomia. Escarlatina: A escarlatina é uma doença exantemática causada por produção de exotoxinas eritrogênicas A, B ou C por Streptococcus β- hemolítico do grupo A, caracterizando-se por exantema maculopapular vermelho-vivo associado à febre alta e à faringoamigdalite aguda, que cursa com eritema, edema e exsudato amigdaliano purulento. O exantema geralmente manifesta-se em 24- 48 horas após o início do quadro de faringoamigdalite aguda estreptocócica e é autolimitado, durando aproximadamente 3-4 dias. A resolução do exantema cursa com descamação da pele, principalmente em palmas e plantas. Imagem: Exantema maculopapular associado à pele áspera. A escarlatina é mais frequente em criançasde 3-15 anos de idade, principalmente durante o final do inverno e o início da primavera, que correspondem às características epidemiológicas da amigdalite aguda bacteriana/estreptocócica. Os principais achados clínicos característicos de escarlatina são as linhas de Pastia, que correspondem à acentuação do exantema em regiões de dobras, como axila, cotovelo e virilha, a face esbofeteada, que corresponde ao eritema facial, principalmente em região malar, poupando a região perioral (Sinal de Filatov) e a língua em framboesa, que corresponde ao achado de língua eritematosa e edemaciada. Imagem: Sinal de Filatov. 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Imagem: Sinal de Pastia. Imagem: Língua em framboesa. O diagnóstico de escarlatina é clínico e laboratorial. O exame laboratorial padrão- ouro para confirmar o diagnóstico de escarlatina é a identificação da bactéria Streptococcus β-hemolítico do grupo A (Streptococcus pyogenes) na cultura de orofaringe. O tratamento da escarlatina baseia-se em antibioticoterapia com amoxicilina VO por 10 dias ou penicilina G benzatina (Benzetacil) IM em dose única. Difteria: A difteria é uma doença infecciosa aguda causada pela bactéria Corynebacterium diphtheriae, cuja transmissão dá-se por meio de gotículas e secreções da nasofaringe. A difteria é uma doença rara atualmente devido à vacinação em massa da população (vacina antidiftérica). A difteria caracteriza-se por quadro de faringoamigdalite aguda com formação de pseudomembranas branco- acinzentadas sobre a amígdala, que invadem os pilares amigdalianos e a úvula, aderindo-se fortemente à mucosa e sangrando ao serem removidas. Além disso, a linfadenopatia cervical também é comum, principalmente em casos mais graves. O diagnóstico de difteria baseia-se em exame bacterioscópico direto e em cultura da orofaringe ou das pseudomembranas. A difteria é uma doença de notificação compulsória e todos os contatos não adequadamente vacinados ou vacinados há > 5 anos de pacientes infectados devem receber a vacina antidiftérica. O tratamento da difteria baseia-se em uso de soro antidiftérico e antibioticoterapia. Imagem: Difteria, com presença de pseudomembranas sobre amígdala, pilares amigdalianos e úvula. Angina de Vincent: A angina de Vincent é a infecção das membranas mucosas orais causada por bactérias espiroquetas, bactérias fusiformes e algumas espécies de bacteroides, sendo mais comum em crianças, adolescentes e adultos jovens. Os principais fatores de risco são má higiene bucal, tabagismo, estresse emocional, alcoolismo e desnutrição. Imagem: Angina de Vincent, com presença de ulceração e pseudomembrana unilaterais na orofaringe. A angina de Vincent caracteriza-se por dor de garganta e odinofagia unilateral, disfagia e ausência de febre. À oroscopia, observa-se a presença de ulceração da amígdala e da orofaringe e de pseudomembrana friável com tecido necrótico. O diagnóstico baseia- se em exame clínico e em exame bacterioscópico direto das lesões. O tratamento baseia-se em antibioticoterapia (penicilina). Estomatite de Vincent: A estomatite de Vincent é a infecção bacteriana das gengivas e da região periodontal, apresentando os mesmos agentes causais e os mesmos fatores de risco da angina de Vincent. A estomatite de 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Vincent cursa com eritema e edema das gengivas, que sangram facilmente. À oroscopia, observa-se a presença de ulceração da gengiva e de pseudomembrana friável com tecido necrótico. O diagnóstico baseia-se em exame clínico e em exame bacterioscópico direto das lesões. O tratamento baseia-se em antibioticoterapia (penicilina). Imagem: Estomatite de Vincent, com presença de ulceração da gengiva e da região periodontal. Síndrome de Lemierre: A síndrome de Lemierre é definida como a tromboflebite da veia jugular interna associada à bacteremia por microrganismos anaeróbios resultante de infecção bacteriana recente da orofaringe. A síndrome de Lemierre deve ser suspeitada em pacientes jovens e saudáveis que apresentam sintomas persistentes de faringite seguidos por sintomas de septicemia e/ou dor cervical lateral atípica. Na suspeita clínica de síndrome de Lemierre, deve-se realizar hemocultura, na qual identifica-se o crescimento de bactérias anaeróbias, e TC com contraste da região cervical, na qual observa-se tromboflebite da veia jugular interna. O tratamento baseia-se em antibioticoterapia. Angina de Ludwig: A angina de Ludwig é definida como a infecção necrosante de rápida evolução do tecido submandibular, que resulta de doença dentária e cursa com dor na boca e no pescoço, dor de garganta, disfagia e odinofagia. Ao exame físico, observa-se eritema e edema da região submandibular e da cavidade oral, com risco de obstrução das vias aéreas. Na suspeita clínica de angina de Ludwig, deve-se realizar TC da região cervical para confirmar o diagnóstico e avaliar a extensão da infecção. O tratamento baseia-se em antibioticoterapia. Doença de Kawasaki: A Doença de Kawasaki é uma vasculite sistêmica que acomete principalmente crianças < 5 anos de idade, cujos sintomas são semelhantes a infecções virais. Aproximadamente 15-25% das crianças não tratadas desenvolvem aneurismas coronarianos, que podem causar IAM e morte súbita. A Doença de Kawasaki cursa com febre de, no mínimo, 5 dias de duração associada à conjuntivite, linfadenopatia cervical, eritema de lábios e mucosa oral, língua em framboesa, erupção cutânea eritematosa e alteração da pele em extremidades. O tratamento baseia-se em uso de imunoglobulina humana e em uso de corticoide. Doença Mão-Pé-Boca: A doença mão-pé-boca é uma doença infecciosa causada por coxsackievírus e enterovírus, de transmissão por via oral e/ou por via respiratória, mais comum em crianças. A doença apresenta pródromo de febre baixa, lesões vesiculares em boca (língua, mucosa oral e região perioral) e exantema maculopapulovesicular em mãos e pés com duração de aproximadamente 7 dias. O diagnóstico é clínico e o tratamento baseia-se em suporte com sintomáticos. Herpangina: A herpangina é uma doença infecciosa da boca causada por coxsackievírus, mais comum em crianças, assintomática ou com lesões papulovesiculares de base esbranquiçada localizadas no palato mole próximas ao pilar amigdaliano anterior e à úvula, associadas à presença de dor de garganta, febre e adenopatia cervical. As lesões papulovesiculares podem progredir para úlceras. A herpangina é autolimitada, com evolução para cura em 7-10 dias. O diagnóstico é clínico e o tratamento baseia- se em suporte com sintomáticos. Herpes Simples: O herpes simples é a infecção causada por HSV-1 ou HSV-2 e caracteriza-se por quadro de gengivoestomatite aguda e/ou de faringoamigdalite aguda com formação de vesículas, que podem evoluir para úlceras, 8 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 em amígdalas e orofaringe, associadas à febre e à linfadenopatia cervical. O quadro apresenta resolução espontânea em 7-10 dias, podendo ser reativado em situações de estresse, pois o vírus permanece latente em gânglios nervosos. O diagnóstico é clínico e o tratamento baseia-se em suporte com sintomáticos, podendo ser utilizado aciclovir (antiviral). Imagem: Herpangina. Amigdalite Sifilítica. Tratamento das Faringotonsilites: O tratamento das faringotonsilites agudas baseia-se em uso de AINES, analgésicos e anestésicos locais, corticoides, principalmente em pacientes que apresentam inflamação e dor intensas, e antibioticoterapia, em casos de faringoamigdalites de etiologia bacteriana. Os corticoides apresentam maior probabilidade de causar resolução completa da dor em 24 horas quando são administrados em combinação com antibióticos. Quanto às opções de antibioticoterapia para o tratamento de faringoamigdalite aguda bacteriana/estreptocócica, recomenda-se:- 1ª Escolha: → Penicilina G benzatina (Benzetacil) IM em dose única. OU → Penicilina V potássica VO por 10 dias. → Alergia à penicilina: azitromicina VO por 5 dias, claritromicina VO por 10 dias ou eritromicina VO por 10 dias (macrolídeos). - 2ª Escolha: → Amoxicilina VO por 10 dias. → Suspeita de germe produtor de β- lactamase: amoxicilina + clavulanato VO por 10 dias. → Alergia à penicilina: azitromicina VO por 5 dias, claritromicina VO por 10 dias ou eritromicina VO por 10 dias (macrolídeos). Outras opções de antibioticoterapia são cefalosporinas, como cefalexina (1ª geração), cefuroxima (2ª geração) e ceftriaxona (3ª geração). Os antibióticos sulfametoxazol + trimetoprim (Bactrim) e doxiciclina são contraindicados para o tratamento de faringoamigdalite aguda estreptocócica, pois não têm cobertura para Streptococcus β-hemolítico do grupo A. A antibioticoterapia para o tratamento de faringoamigdalite aguda por Streptococcus β-hemolítico do grupo A diminui a intensidade e a duração dos sintomas e previne o desenvolvimento de complicações supurativas (abcesso periamigdaliano) e não supurativas (febre reumática). A resolução dos sintomas geralmente ocorre após 24 horas de antibioticoterapia. Nas faringoamigdalites agudas virais, as complicações são raras e a resolução do quadro geralmente ocorre em 7-10 dias. Adenoidite: A adenoidite é definida como a infecção das adenoides ou tonsilas faríngeas, que pode ser classificada em aguda, aguda recorrente ou crônica. O tratamento baseia-se em antibioticoterapia, uso de corticoide tópico intranasal (eficácia não comprovada) e cirurgia de adenoidectomia em casos de adenoidite crônica associada à hiperplasia de adenoides. Amigdalite Lingual: A amigdalite lingual caracteriza-se por presença de dor, eritema e edema das amígdalas linguais resultante de processo alérgico, infeccioso ou inflamatório. Além da dor de garganta, os pacientes também podem apresentar febre, disfagia, odinofagia, voz abafada e linfadenopatia cervical. A amigdalite lingual geralmente é de etiologia bacteriana e o diagnóstico baseia- se em swab com cultura e antibiograma. A amigdalite lingual e a hiperplasia de amígdalas linguais pode ocorrer como 9 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 mecanismo compensatório pós- adenoidectomia ou pós-amigdalectomia. Se a amigdalite lingual for unilateral, indica- se a realização de biópsia devido ao risco de neoplasia maligna subjacente (carcinoma epidermoide em adultos ou linfoma em crianças). O tratamento da amigdalite lingual de etiologia viral baseia-se apenas em sintomáticos e da amigdalite lingual de etiologia bacteriana baseia-se em antibioticoterapia. O tratamento cirúrgico está indicado em casos de obstrução da via aérea, apneia obstrutiva do sono, infecção crônica ou recorrente e neoplasias. Hiperplasia Tonsilar: A hiperplasia de adenoides (tonsilas faríngeas) e/ou de amígdalas (tonsilas palatinas) acomete aproximadamente 5% das crianças de 2-10 anos de idade e apresenta etiologia desconhecida. A hiperplasia de adenoides e/ou de amígdalas causa obstrução nasal persistente, respiração oral, roncos associados a períodos de apneia obstrutiva do sono, sonolência diurna e diminuição da velocidade de crescimento pôndero-estatural em crianças. O diagnóstico baseia-se em exame clínico e em exames complementares, como radiografia e nasofibrolaringoscopia. Imagem: Hiperplasia amigdaliana. O tratamento clínico baseia-se em uso de corticoide tópico intranasal, anti-histamínicos orais e/ou antileucotrienos. O tratamento cirúrgico baseia-se em adenoidectomia, amigdalectomia ou adenoamigdalectomia, estando indicado em casos de falha do tratamento clínico (obstrução moderada à grave da via aérea e/ou apneia obstrutiva do sono moderada à grave). A amigdalectomia também está indicada nos seguintes casos de amigdalite de repetição: - 7 episódios de amigdalite aguda em 1 ano. - 5 episódios anuais em 2 anos consecutivos. - 3 episódios anuais em 3 anos consecutivos. - 2 ou mais abcessos periamigdalianos prévios. Além disso, a amigdalectomia também pode ser realizada para profilaxia de febre reumática em pacientes incapazes de realizar antibioticoprofilaxia adequada. Considerações Finais: - O diagnóstico diferencial entre faringoamigdalite viral e faringoamigdalite bacteriana pode ser desafiador. - A maioria dos pacientes com amigdalite aguda não procuram atendimento médico. - A maioria dos casos de amigdalite aguda resolvem-se espontaneamente, não havendo necessidade de antibioticoterapia, ou seja, são de etiologia viral. - Há algumas evidências de que a amigdalectomia pode ser eficaz em crianças selecionadas que apresentam amigdalites agudas graves e recorrentes. - As diretrizes não mais recomendam o uso de antibióticos empíricos para o tratamento de faringoamigdalite bacteriana estreptocócica em pacientes sem teste rápido positivo ou cultura de orofaringe indicando o crescimento de Streptococcus β- hemolítico do grupo A. - Os sintomas de conjuntivite, rinorreia, tosse e diarreia são mais comuns na faringoamigdalite de etiologia viral. - A linfadenopatia cervical posterior é típica de mononucleose infecciosa. - Devido ao risco de complicações graves, como aneurismas de artérias coronárias, o médico emergencista sempre deve manter alta suspeita clínica de Doença de Kawasaki em crianças < 5 anos que apresentam febre de duração ≥ 5 dias. - O exame de ultrassonografia point of care pode auxiliar a diferenciar o abcesso periamigdaliano da amigdalite aguda simples. 10 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Na presença de trismo, voz abafada e diminuição da amplitude dos movimentos do pescoço, deve-se suspeitar de abcesso periamigdaliano, abcesso retrofaríngeo, angina de Ludwig e síndrome de Lemierre, podendo ser realizada a TC de coluna cervical. - Em criança toxêmica apresentando a posição do tripé, deve-se considerar a possibilidade de epiglotite.
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