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Julia Paris Malaco Cefaleias Classificação Um sistema de classificação de cefaleias foi estabelecido pela International Headache Society (IHS). A versão mais recente, divide as cefaleias em síndromes primárias (na quais a cefaleia e as manifestações associadas constituem a condição) e distúrbios secundários (nos quais a cefaleia tem causas exógenas). A síndrome de cefaleia primária mais comum é a cefaleia tensional (representa 69% de todos os casos de cefaleia primária); entretanto, a cefaleia tensional raramente é debilitante e, de modo geral, é autotratada com medicamentos de venda livre. A segunda cefaleia primária mais comum é a enxaqueca (migrânea), com prevalência em 1 ano de 12% (17% em mulheres e 6% em homens, alcançando seu máximo na quarta década de vida). Nas cefaleias secundárias, podem observar-se aspectos clínicos que muito se asseme-lham a uma cefaleia primária, ou seja, apesar de se tratar de meningite ou hipertensão arterial, as características da cefaleia podem ser como as da enxaqueca, ao mesmo modo que, em uma sinusite aguda ou em uma situação pós-trauma cranioencefálico, as carac-terísticas podem ser como as de uma cefaleia do tipo tensional. Diagnostico Crucial para o diagnóstico apropriado da cefaleia é a obtenção de uma anamnese abrangente e precisa. Dentre os componentes da anamnese de pessoas com cefaleia estão os seguintes: Instalação: abrupta versus insidiosa; contexto no qual a cefaleia surgiu (p. ex., traumatismo cranioencefálico recente, inclusive cirurgias de cabeça/pescoço, doenças virais, gravidez/pós-parto) Cronologia: cronicidade, duração e frequência dos episódios de cefaleia; intervalo de tempo até intensidade máxima; diurna versus noturna Características: por exemplo, surda, aguda, em caráter de pressão, pulsátil, em caráter de punhalada, lancinante, em caráter de queimação Lateralidade: unilateral versus bilateral; hemicraniana constante ou alternante Localização: por exemplo, retro-orbitária, frontal, temporal, occipital Intensidade: inclusive incapacidade e interferências nas atividades laborais/cotidianas Alteração: padrão diferente de episódios anteriores de cefaleia Período predominante Sinais/sintomas associados: hipersensibilidade sensorial (p. ex., a luz, ruído, sons, odores, movimentos); náuseas/vômitos; alterações visuais; dormência/formigamento na face ou nos membros; fraqueza motora focal; comprometimento da fala; atordoamento/vertigem; disfunção cognitiva Manifestações autônomas cranianas: lacrimejamento, congestão conjuntival, edema facial ou periorbitário, ptose, alterações na pupila; congestão nasal ou rinorreia; plenitude auricular ou zumbido Características precedentes e/ou acomanhantes: manifestações apresentadas dias a horas antes dos episódios de cefaleia (p. ex., bocejos, sonolência, aumento da sede, alterações do padrão urinário/intestinal, rigidez da nuca) Fatores desencadeadores: por exemplo, ciclo menstrual; “pular” refeições; falta de sono ou dormir demais; estresse ou relaxamento após estresse; alterações barométricas ou de altitude; posição (decúbito versus posição ortostática); manobras de Valsalva ou esforço físico; luzes fortes, ruído ou odores; álcool etílico; cafeína e determinados alimentos (como aqueles contendo nitratos ou glutamato monossódico) Fatores de piora e melhora História familiar de cefaleia. A história patológica pregressa (HPP), a revisão dos sistemas, a história social, a medicação Julia Paris Malaco concomitante, os exames de imagem e os exames laboratoriais também devem ser revisados detalhadamente porque a causa da cefaleia pode ser assim revelada. O exame físico deve incluir avaliação abrangente e neurológica com atenção especial aos seguintes pontos: sopros na cabeça ou no pescoço, pulsação e dor à palpação da artéria temporal, dor à palpação de nervo occipital, simetria e tamanho das pupilas, fundoscopia (pesquisa de papiledema e pulsações venosas retinianas), campos visuais e movimentos dos músculos extraoculares, sensibilidade facial (inclusive respostas corneanas) e função motora. A primeira meta do diagnóstico consiste na diferenciação entre cefaleia benigna (geralmente uma síndrome primária) e uma condição subjacente grave (cefaleia secundária). Existem alguns instrumentos disponíveis para ajudar a identificar uma cefaleia potencialmente fatal (usando os chamados sinais de alerta ou bandeiras vermelhas). Por outro lado, “bandeiras brancas ou verdes” podem sugerir um cenário mais benigno. A literatura consagra a avaliação da intensidade da dor de cabeça em 3 níveis ou graus, de acordo com a competência que a dor de cabeça tem para interferir nas atividades do paciente, sejam de trabalho, de estudo, de lazer etc. No nível leve ou grau 1, o paciente exerce normalmente as atividades. No nível moderado ou grau 2, a dor interfere nas ati-vidades. No nível forte ou grau 3, a dor é incapacitante. Não é rara a referência ao grau 4, também chamado nível excruciante, no qual o paciente, levado pela dor, além de estar incapacitado para suas atividades normais, fica descontrolado e passa a atuar diversamente com agitação, golpes na cabeça etc. Sinais de alerta Causas alarmantes de cefaleia secundária que demandam avaliação urgente incluem meningite, hemorragia intracraniana, evento isquêmico agudo, tumor ou lesão obstrutiva, glaucoma, sinusite purulenta, trombose de veia cortical/seio craniano, dissecção de artéria carótida/vertebral, apoplexia hipofisária, síndrome de encefalopatia reversível posterior (SERP) e síndrome de vasoconstrição cerebral reversível (SVCR). Sistêmicos Sinais/sintomas sistêmicos: rigidez da nuca, vômitos que precedem a cefaleia, febre, sudorese noturna, erupção cutânea, mialgia, perda ponderal; também cefaleia durante gravidez ou após o parto e doença sistêmica concomitante (p. ex., infecção pelo HIV, processo maligno) Neurológicos Alteração do estado mental ou do nível de consciência; papiledema, diplopia; perda da sensibilidade; fraqueza; ataxia; dolorimento localizado (região da artéria temporal); cefaleia induzida por manobras de Valsalva (inclinação do corpo, elevação do corpo, tosse, espirros); dor que compromete o sono ou surge imediatamente após o despertar; relato de crise epiléptica/colapso/perda da consciência Adultos mais velhos Início após os 50 anos de idade Instalação Abrupta e/ou primeiro episódio; cefaleia intensa ou “a pior”; cefaleia “fulminante” (a dor atinge intensidade máxima rapidamente) Julia Paris Malaco Alterações do padrão Alteração da frequência, da intensidade ou das manifestações clínicas do episódio de cefaleia; agravamento subagudo ao longo de dias/semanas ou padrão acelerado, cefaleia contínua ou persistente; dor deflagrada por atividade sexual, manobra de Valsalva ou sono; agravamento com a mudança de posição No Setor de Investigação e Tratamento das Cefaleias (SITC) da Disciplina de Neuro-logia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há alguns anos, têm sido usados os diários, que permitem a anotação, no cabeçalho, das medica-ções preventivas propostas para a cefaleia do paciente e de outras eventuais medicações tomadas por outros motivos. O diário da cefaleia foi adequado aos pacientes com cefaleias de inten-sidades variando entre graus leve, moderado, incapacitante e excruciante, que ocorrem 1 ou mais vezes durante cada dia, com curta duração (menos de 4 horas)e cuja identifi-cação do momento do aparecimento nas 24 horas do dia seja importante (p.ex., cefaleia em salvas e hemicrania paroxística crônica). Há local para anotar o efeito do tratamento medicamentoso de até quatro crises por dia e seus desencadeantes. Nele, pode-se avaliar a frequência mensal, a intensidade da dor em graus, a duração em períodos de 6 horas (madrugada, manhã, tarde e noite), a relação com os dias do ciclo menstrual, a utilização de medicação para crise e seu efeito obtido, além dos possíveis desencadeantes. Bandeiras verdes Determinadas características clínicas falam a favor de cefaleia primária benigna. Questionários simples que podem ajudar a identificar enxaqueca (migrânea) incluem ID Migraine, um conjunto de três questões sobre fotofobia, náuseas e incapacidade funcional. Se houver duas das três manifestações, um diagnóstico de enxaqueca é provável (com 81% de sensibilidade e 75% de especificidade). Se as três manifestações ocorrerem, existe uma probabilidade de 93% de atender os critérios diagnósticos da IHS para enxaqueca. Julia Paris Malaco Exames de imagem não são necessários quando os pacientes apresentam cefaleia estável que atende aos critérios de enxaqueca Não solicitar TC para pacientes com cefaleia quando for possível solicitar ressonância magnética (RM), exceto em situações de emergência. P Quando o paciente chega ao setor de emergência, é necessário verificar se existem sinais de alarme (“bandeiras vermelhas”). Se houver algum, o algoritmo na Figura 7.1 deve ser seguido na investigação diagnóstica. Os exames laboratoriais úteis para a investigação de cefaleia no setor de emergência incluem os seguintes: Painel metabólico abrangente Hemograma completo Coagulograma, gonadotrofina coriônica humana beta (β-HCG, teste de gravidez) Provas de função tireóidea VHS e CRP (se houver a suspeita de arterite temporal). Se houver a suspeita de hemorragia intracraniana ou lesão expansiva, primeiro deve ser solicitada uma TC de crânio sem contraste. Uma RM de cérebro pode ser realizada posteriormente para caracterização adicional. A solicitação de exames de imagem vasculares (angiorressonância magnética/angiotomografia computadorizada, venorressonância magnética/venotomografia computadorizada ou angiografia convencional) pode ser aventada nas circunstâncias descritas anteriormente. Em outras condições pode ser necessária punção lombar, a menos que uma etiologia possa ser estabelecida de outro modo. A exclusão de causas secundárias subjacentes é sugestiva de cefaleia não potencialmente fatal. Da mesma forma, o achado de bandeiras brancas ou verdes fala a favor de cefaleia primária, mais frequentemente enxaqueca (migrânea). Tratamento Os princípios fundamentais do tratamento efetivo da cefaleia são tranquilização, hidratação adequada e controle apropriado de dor e das manifestações associadas (como náuseas). As metas terapêuticas incluem diagnóstico acurado da cefaleia, redução da incapacidade e retorno rápido à função normal, bem como prevenção do uso excessivo de medicação e de idas recorrentes ao setor de emergência. Como já mencionado, a maioria dos pacientes com cefaleia que procuram o setor de emergência tem enxaqueca (migrânea). Para os casos de cefaleia leve sem náuseas, são recomendados antiinflamatórios não esteroides (AINEs) orais e/ou triptanas como tratamento de primeira linha (ver na Tabela 54.3 informações posológicas detalhadas). Casos de cefaleia mais intensa associada ou não a náuseas podem ser tratados com hidratação venosa com uma dose única de antagonista de receptor de dopamina como clorpromazina (25 a 50 mg), proclorperazina (10 a 25 mg), prometazina (25 a 50 mg) ou metoclopramida (5 a 10 mg), ambos com propriedades antieméticas e antinociceptivas. Os pacientes devem ser monitorados em relação ao desenvolvimento de acatisia ou outros efeitos colaterais extrapiramidais (sobretudo com o uso de proclorperazina e metoclopramida), que podem ser tratados ou prevenidos com a administração concomitante de difenidramina IV. Ácido valproico IV (10 a 15 mg/kg) também pode ser considerado para o tratamento de migrânea intensa. Todavia, um estudo mostrou menor eficácia que a monoterapia com metoclopramida ou cetorolaco. O uso de ácido valproico deve ser evitado em gestantes e realizado com cautela em mulheres em idade fértil, bem como em pessoas com hepatopatias ou distúrbios do ciclo de ureia. O acréscimo de dexametasona IV (4 a 10 mg) comprovadamente reduz a recorrência de Julia Paris Malaco cefaleia com um número necessário para tratar (NNT) de 10 quando a dexametasona é administrada antes da alta do setor de emergência. Para a dor refratária pode ser útil administrar di- hidroergotamina (DHE), na dose de 1 mg por via intravenosa/intramuscular/subcutânea. De modo geral, um ciclo de 3 a 5 dias é mais efetivo do que uma infusão única. As contraindicações incluem gravidez, hipertensão arterial não controlada, história pregressa de doença coronariana (DC), doença vascular cerebral ou doença vascular periférica grave, porfiria aguda, doença de Raynaud e uso de triptana ou ergot nas 24 h precedentes. Uma infusão intravenosa contínua de lidocaína (1 a 4 mg/min) durante 7 a 10 dias, sob monitoramento cardíaco, pode ser prescrita para os pacientes com cefaleia refratária que não podem receber DHE pelos motivos mencionados. A recorrência de cefaleia após a alta do setor de emergência é extremamente frequente, ocorrendo em cerca de 75% dos pacientes nas primeiras 48 horas após a alta. Assim, é necessário acompanhamento ambulatorial cuidadoso. Naproxeno (500 mg VO) e/ou sumatriptana (100 mg VO) na hora de dormir são opções úteis como terapia abortiva por ocasião da alta do setor de emergência para evitar enxaqueca recorrente. Condições especiais incluem cefalalgias autonômicas trigeminais (CAT), que são descritas com detalhes no Capítulo 54. O tratamento agudo de cefaleia em salvas inclui oxigênio a 100% via máscara com válvula unidirecional (10 a 12 ℓ/min durante 15 a 20 minutos) e/ou sumatriptana (6 mg SC). Outras opções são sumatriptana intranasal (20 mg) ou zolmitriptana (5 mg) ou di-hidroergotamina (DHE) por via intramuscular ou intravenosa. Hemicrania paroxística (HP) e hemicrania contínua (HC) respondem muito bem à indometacina VO, que pode ser iniciada em uma dose de 25 mg 3 vezes/dia durante 5 a 7 dias e, se não houver resposta, essa dose pode ser aumentada para 50 mg 3 vezes/dia durante mais 5 a 7 dias e, se necessário, para 75 mg 3 vezes/dia. Uma dose intramuscular de 100 mg de indometacina pode ser útil para confirmar o diagnóstico de HP ou HC, todavia, essa formulação não é comercializada atualmente nos EUA. Já a cefaleia neuralgiforme uniforme de curta duração com congestão conjuntival e lacrimejamento (SUNCT, short-lasting unilateral neuralgiform headache with conjunctival tearing and injection) ou a cefaleia neuralgiforme unilateral de curta duração com sintomas autonômicos cranianos (do inglês, SUNA, short-lasting unilateral neuralgiform headache with cranial autonomic symptoms) que não respondem às terapias orais (como lamotrigina) podem exigir um ciclo curto de lidocaína intravenosa (1 a 4 mg/min) sob monitoramento cardíaco. Cefaleias primarias Migranea (enxaqueca) Enxaqueca ou migrânea é um distúrbio neurobiológico com base gênica que pode estar associado a alterações do sistema nervoso e ativação do sistema trigêmino-vascular. É caracterizadapor ataques de dor de cabeça e sinais e/ou sintomas psíquicos, clínicos e neurológicos. O quadro varia em frequência, duração e incapacitação em cada paciente e entre os ataques. A aura da enxaqueca pode ser típica (5 a 60 min de duração), abrupta (menos de 5min) ou prolongada (dura mais de 60 min). Embora o termo possa sugerir uma ocorrên-cia temporalmente precedente à dor, a aura na enxaqueca não deve ser entendida assim, pois se trata de um distúrbio idiopático, recorrente, manifestado por crises de sintomas neurológicos localizáveis no córtex ou no tronco cerebral, geralmente evoluindo de forma gradual em 5 a 20 min e usualmente durando menos de 60 min. Cefaleia, náusea e/ou fotofobia geralmente seguem os sintomas neurológicos da aura, imediatamente ou após um intervalo livre inferior a 1 hora. A cefaleia persiste por 4 a 72 horas, mas Julia Paris Malaco pode, menos comumente, estar completamente ausente. Fisiopatologia A sensibilidade sensorial que é característica da migrânea provavelmente resulta de uma disfunção dos sistemas de controle sensoriais monoaminérgicos localizados no tronco encefálico e no diencéfalo. A ativação das células no núcleo trigeminal resulta na liberação de neuropeptídios vasoativos, particularmente o peptídio relacionado com o gene da calcitonina (CGRP), nas terminações vasculares do nervo trigêmeo e no interior do núcleo trigeminal. Centralmente, os neurônios trigeminais de segunda ordem cruzam a linha média e projetam- se para os núcleos ventrobasais e posteriores do tálamo para maior processamento. Existem projeções adicionais para a substância cinzenta periaquedutal e o hipotálamo, a partir dos quais sistemas descendentes recíprocos apresentam efeitos antinociceptivos estabelecidos. Outras regiões do tronco encefálico provavelmente envolvidas na modulação descendente da dor trigeminal incluem o locus coeruleus na ponte e o bulbo rostroventromedial. Dados farmacológicos e outros dados indicam a atuação do neurotransmissor, a 5- hidroxitriptamina (5-HT ou serotonina), na migrânea. As triptanas foram desenvolvidas para estimular seletivamente subpopulações de receptores 5-HT; nos seres humanos, foram identificados pelo menos 14 receptores de 5-HT diferentes. As triptanas são agonistas potentes dos receptores 5-HT1B e 5-HT1D, e algumas mostram-se ativas nos receptores 5-HT1F (os agonistas desses últimos são denominados ditanas). As triptanas interrompem a sinalização nervosa nas vias nociceptivas do sistema trigeminovascular, pelo menos no núcleo caudal trigeminal e tálamo sensitivo trigeminal, além de vasoconstrição craniana. As ditanas, que recentemente demonstraram ser efetivas na migrânea aguda, atuam apenas em alvos neuronais. Uma variedade interessante de alvos neurais está sendo ativamente investigada para um manejo agudo e preventivo da migrânea. Os dados também sustentam o papel da dopamina na fisiopatologia da migrânea. Os sintomas da migrânea podem ser induzidos, em sua maioria, por estimulação dopaminérgica. Além disso, existe uma hipersensibilidade do receptor dopaminérgico nos indivíduos que sofrem de migrânea, conforme demonstrado pela indução de bocejos, náuseas, vômitos, hipotensão e outros sintomas de crise de migrânea por agonistas dopaminérgicos, em doses que afetam os indivíduos que não sofrem de migrânea. Os agonistas dos receptores dopaminérgicos são agentes terapêuticos efetivos na migrânea, particularmente quando administrados por via parenteral ou concomitantemente com outros agentes antimigrânea. Além disso, a ativação hipotalâmica, anterior àquela observada na cefaleia em salvas, foi atualmente demonstrada na fase premonitória da migrânea por meio de exame de imagem funcional, e isso pode fornecer uma chave para entender parte do papel desempenhado pela dopamina no distúrbio. Clinica Existem várias formas de migrânea que foram definidas: migrânea com e sem aura, migrânea episódica e migrânea crônica. A aura da migrânea aparece como distúrbios visuais com luzes tremulantes ou linhas em zigue- zague que se movimentam através do campo visual ou outros sintomas neurológicos. Os pacientes com episódios de migrânea que ocorrem em 15 dias ou mais por mês são considerados portadores de migrânea crônica. A maioria dos pacientes com cefaleia incapacitante tende a apresentar migrânea, em oposição à cefaleia do tipo tensional, que constitui a cefaleia primária mais comum. Os pacientes com migrânea sem cefaleia (aura típica sem cefaleia) apresentam sintomas neurológicos recorrentes, frequentemente com Julia Paris Malaco náuseas ou vômitos, porém com pouca ou nenhuma cefaleia. A vertigem pode ser proeminente; foi estimado que um terço dos pacientes encaminhados devido a vertigem ou tontura apresenta um diagnóstico primário de enxaqueca. A aura da enxaqueca pode exibir sintomas proeminentes do tronco encefálico (como diplopia, ataxia, alteração da consciência, disartria, zumbido e vertigem). Critérios: Crises repetidas de cefaleia de 4 a 72 h de duração em pacientes com exame físico normal, sem outra causa razoável para cefaleia e Pelo menos duas das seguintes características o Dor unilateral o Dor de caráter pulsátil o Agravamento com o movimento o Intensidade moderada a grave Mais pelo menos uma das seguintes características o Náuseas/vômitos o Fotofobia e fonofobia Tratamento Terapias abortivas (crise aguda): incluem anti- inflamatórios não esteroides (AINE), agonistas dos receptores 5-HT1B/1D e antagonistas dos receptores dopaminérgicos [Nível 1]. As crises intensas de enxaqueca podem exigir tratamento intranasal ou parenteral para obter um início mais rápido. Fármacos anti-inflamatórios não esteroides: Os AINE podem reduzir significativamente a gravidade e a duração de uma crise de migrânea e são mais efetivos quando tomados no início da crise. Entretanto, esses fármacos isoladamente podem não abortar por completo uma crise de migrânea moderada ou grave. (Naproxeno, ibuprofeno, AAS, acido tolfenamico, diclofenaco potássio, paracetamol) Agonistas dos receptores de 5- hidroxitriptamina1b/1d (triptanas): A estimulação dos receptores de 5-HT1B/1D pode abortar uma crise de migrânea aguda. A ergotamina e a di-hidroergotamina são agonistas não seletivos dos receptores, enquanto as triptanas são agonistas seletivos dos receptores de 5-HT1B/1D. Infelizmente, a monoterapia com triptanas orais não produz alívio rápido, consistente e completo da migrânea em todos os pacientes. As triptanas podem não ser efetivas na migrânea com aura. (naratriptana, sumatriptana) As formulações nasais de di-hidroergotamina (Migranal σʊπ>® /σʊπ>), zolmitripana (Zomig σʊπ>® /σʊπ> nasal) ou sumatriptana podem ser úteis para pacientes que necessitam de uma via de administração não oral (p. ex., devido à ocorrência de náuseas/vômitos). A administração nasal pode resultar em níveis sanguíneos substanciais dentro de 30 a 60 min. A sumatriptana e a di-hidroergotamina também estão disponíveis em injeções. A sumatriptana, na dose de 4 a 6 mg por via subcutânea (SC). Antagonistas dos receptores dopaminérgicos: Os antagonistas dos receptores dopaminérgicos por via oral ou parenteral podem ser considerados como tratamento auxiliar da migrânea aguda. A absorção desses fármacos é afetada durante a migrânea, devido à redução da motilidade gastrintestinal (mesmo na ausência de náuseas) e está relacionada com a gravidade da crise, mais do que com a sua duração. Por conseguinte, quando os AINE e/ou as triptanas por via oral fracassam, deve-se considerar a adição de um antagonista dos receptores dopaminérgicos(como metoclopramida 10 mg) para aumentar a absorção gástrica, bem como para diminuir as náuseas/vômitos. Outros medicamentos para a migrânea aguda: Os opioides são modestamente efetivos no tratamento agudo da migrânea e costumam ser administrados no serviço de emergência. Esses fármacos podem “ajudar”, no sentido de que a dor da migrânea é eliminada ou reduzida. Entretanto, esse esquema é subótimo para pacientes com cefaleia recorrente. Os opioides não tratam a fisiopatologia subjacente da cefaleia; na verdade, atuam no sentido de alterar a sensação da dor, Tratamentos preventivos para a migrânea: Indica- se o tratamento preventivo para pacientes que exibem uma frequência crescente de crises de migrânea ou cujas crises respondem inadequadamente aos medicamentos abortivos. Em geral, deve-se considerar o uso de medicação preventiva para pacientes com quatro ou mais crises por mês; entretanto, a decisão sobre quando iniciar um agente preventivo também pode depender da gravidade e da duração das crises. As classes de fármacos usadas são: Betabloqueadores: propranolol, metaprolol, atenolol, etc Anticonvulsivante: topiramato, volproato, gabapentina Antidepressivos: amitrptilina, nortriptilina, doxepina, venlafaxina Agentes serotoninérgicos: metisergida Julia Paris Malaco Cefaleia tensional Os critérios para a cefaleia do tipo infrequente só diferem quanto aos dias de cefa-leia por mês. Já no tipo crônica, além de 15 ou mais dias por mês, pode ser contínua e acompanhar náusea leve. Os três tipos são divididos em subtipos com e sem hiperalgesia pericraniana. A dor da CTT é tipicamente bilateral, com caráter em pressão ou aperto, de intensidade fraca a moderada e não piora com a atividade física. Fotofobia ou fonofobia pode (somente uma) estar presente, bem como náusea leve na forma crônica. É detectado pela palpação manual, que deve ser feita com pequenos movimentos giratórios e pressão firme com o 2o e 3o dedos sobre os músculos frontal, temporal mas-seter, pterigóideo, esternocleidomastóideo, esplênio e trapézio. Uma pontuação de dolo-rimento local de 0 a 3 em cada músculo pode ser somada para produzir a contagem total de dolorimento para cada indivíduo. Não se pode deixar de comentar que o dolorimento pericraniano também pode ocorrer nos pacientes com migrânea e principalmente na migrânea crônica. Manifestações clínicas: A cefaleia do tipo tensional (CTT) constitui a cefaleia primária mais comum, embora os pacientes raramente procurem a clínica devido ao baixo nível de incapacidade associada. A CTT caracteriza-se por um desconforto da cabeça bilateral, em aperto e semelhante a uma faixa, de intensidade leve a moderada. Em geral, a dor progride lentamente, flutua na sua intensidade e pode persistir de modo mais ou menos contínuo durante muitos dias. A cefaleia pode ser episódica ou crônica (presente em 15 dias ou mais por mês). Diferentemente da migrânea, a CTT é, nos demais aspectos, indefinida e carece de manifestações associadas, como náuseas, vômitos, fotofobia, fonofobia, osmofobia, caráter latejante e agravamento com o movimento. Fisiopatologia: A fisiopatologia da CTT não está totalmente elucidada. É provável que a CTT seja causada por um distúrbio primário de modulação da dor do sistema nervoso central isoladamente, ao contrário da migrânea, que envolve um distúrbio mais generalizado da modulação sensorial. Os dados disponíveis sugerem uma contribuição genética para a CTT, embora isso possa não ser um achado válido, visto que esses estudos provavelmente incluíram muitos pacientes com migrânea. O nome cefaleia do tipo tensional implica que a dor é um produto da tensão nervosa; entretanto, não há evidências claras de tensão como etiologia. A contração muscular tem sido considerada como uma característica que diferencia a CTT da migrânea, porém não parece haver nenhuma diferença na contração entre os dois tipos de cefaleia. A dor na CTT responde habitualmente a analgésico simples, como paracetamol, ácido acetilsalicílico ou outros AINE. Para a CTT crônica, a amitriptilina (10 a 100 mg/dia) constitui o único tratamento comprovado; outros agentes Julia Paris Malaco tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina e benzodiazepínicos não demonstraram ser efetivos. Nas crises agudas da CTT crônica, episódica, pode-se eventualmente utilizar, para alívio sintomático de crises leves, dipirona ou paracetamol, isolado ou na forma associada à cafeína. Nas crises episódicas moderadas, os AINH são eficazes em ordem crescente, isto é, aspirina (500 a 1.000 mg) é igual a paracetamol (500 a 1.000 mg). Acima, aspirina ou paracetamol (500 a 1.000 mg) + cafeína; acima, ibuprofeno (200 mg) é igual cetoprofeno (25 mg) e igual a naproxeno (275 mg); acima, ibuprofeno (400 mg) e cetoprofeno (50 mg); acima, ibuprofeno (400 mg) + cafeína (200 mg).28 Quando o quadro for de CTT crônica, o uso de analgésicos é contraindicado e pode induzir ao uso excessivo. A amitriptilina e a nortriptilina podem ser indicadas como tratamento preventivo, em 1 a 3 doses diárias de 25 a 50 mg, mas seu uso deve ser feito com cautela e por tempo limitado.6,5 A venlafaxina e a duloxetina, pelos efeitos de neu- romodulação dual, são mais indicadas que os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina Cefalalgias autonômicas do trigêmeo (cefaleias trigêmino-autonômicas) As CAT descrevem um grupo de cefaleias primárias, incluindo a cefaleia em salvas, a hemicrania paroxística, a SUNCT (cefaleia de curta duração, unilateral, neuralgiforme com hiperemia conjuntival e lacrimejamento [short- lasting unilateral neuralgiform headache attacks with conjunctival injection and tearing])/ SUNA (crises de cefaleia de curta duração, unilateral, neuralgiforme, com sintomas cranianos autonômicos [short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks with cranial autonomic symptoms]) e a hemicrania contínua (ver Tabela 54.1). As CAT caracterizam-se por crises de duração relativamente curta de cefaleia associada a sintomas cranianos autonômicos, como lacrimejamento, hiperemia conjuntival ou congestão nasal (Tabela 54.6). A dor é habitualmente intensa e pode ocorrer mais de 1 vez/dia. Devido à congestão nasal ou rinorreia associadas, os pacientes frequentemente recebem um diagnóstico incorreto de “cefaleia sinusal” e são tratados com descongestionantes, que são ineficazes. A característica essencial dessa classe de cefaleias reside na natureza lateralizada dos sintomas (p. ex., cefaleia unilateral e manifestações cranianas autonômicas ipsilaterais). As CAT devem ser diferenciadas das cefaleias de curta duração que não exibem síndromes cranianas autonômicas proeminentes, notavelmente neuralgia do trigêmeo, cefaleia primária em facada e cefaleia hípnica. O padrão cíclico e a duração, frequência e momento de ocorrência das crises são úteis na classificação dos pacientes. Os pacientes com CAT devem ser submetidos a exames de imagem da hipófise e provas de função hipofisária, visto que há um excesso de casos de CAT em pacientes com cefaleia relacionada a tumor primário. Cefaleia em salvas A cefaleia em salvas é uma síndrome de cefaleia primária rara, com frequência de aproximadamente 0,1% na população, que afeta mais os homens do que as mulheres, em uma proporção de 3:1. A dor é profunda, habitualmente retro-orbital, frequentemente de intensidade excruciante, não flutuante e de qualidade explosiva. Uma característica central da cefaleia em salvas é a sua periodicidade. Ocorre pelo menos uma das crises diáriasde dor aproximadamente na mesma hora todos os dias para a duração de um surto de cefaleia em salvas. O início é noturno em cerca de 50% dos pacientes. O paciente típico com cefaleia em salvas apresenta episódios diários de uma ou duas crises de dor unilateral de duração relativamente curta por 8 a 10 semanas por ano; essas crises são habitualmente seguidas de um intervalo sem dor por um período médio de menos de 1 ano. A cefaleia em salvas é caracterizada como crônica quando existe um período de menos de 1 mês de remissão sustentada sem tratamento. Os pacientes com cefaleia em salvas tendem a ser inquietos durante as crises e podem andar de um lado para outro, balançar ou esfregar a cabeça para obter alívio; alguns podem até mesmo se tornar agressivos durante as crises. Esse comportamento contrasta nitidamente com os pacientes com migrânea, que preferem permanecer imóveis durante as crises. Tratamento: verapamil, carbonato de lítio, corticoides, volproato de sódio, ergotamina, metisergida SUNCT/SUNA A SUNCT é uma síndrome rara de cefaleia primária, caracterizada por dor orbital ou temporal unilateral e intensa, de caráter em Julia Paris Malaco facada ou pulsátil. O estabelecimento do diagnóstico exige pelo menos 20 crises, com duração de 5 a 240 s; deve-se observar a presença de hiperemia conjuntival e lacrimejamento ipsilateral. Em alguns pacientes, a hiperemia conjuntival ou o lacrimejamento estão ausentes, e pode-se estabelecer o diagnóstico de SUNA. A dor na SUNA é unilateral e pode estar localizada em qualquer parte da cabeça. Podem-se observar três padrões básicos: facadas isoladas, que são habitualmente de curta duração; grupos de facadas; ou crise mais prolongada, que consiste em muitas facadas, entre as quais a dor não desaparece por completo, produzindo, assim, um padrão em “dente de serra”, com crises de muitos minutos de duração. Cada padrão pode ser observado no contexto de uma cefaleia contínua subjacente. As características que levam à suspeita de um diagnóstico de SUNCT são os deflagradores cutâneos (ou outros) das crises, ausência de período refratário à deflagração entre as crises e falta de resposta à indometacina. Com exceção do distúrbio sensitivo trigeminal, o exame neurológico apresenta-se normal na SUNCT primária. O diagnóstico de SUNCT é frequentemente confundido com neuralgia do trigêmeo (NT), particularmente na NT afetando a primeira divisão do nervo trigêmeo (conforme discutido no Capítulo 55). A presença de sintomas autonômicos cranianos mínimos ou a sua ausência e a observação de um período refratário claro aos deflagradores indicam um diagnóstico de NT. A SUNCT secundária pode ser observada em lesões da fossa posterior ou hipofisárias. Todos os pacientes com SUNCT/SUNA devem ser avaliados com provas de função hipofisária e RM do cérebro com vistas da hipófise. Tratamento: A terapia abortiva não é prática na SUNCT/SUNA, visto que as crises são de duração muito curta. A principal meta do tratamento consiste em prevenção a longo prazo, de modo a reduzir ao máximo a incapacidade. O medicamento profilático mais efetivo é a lamotrigina, em doses de 200 a 400 mg/dia. O topiramato (50 a 300 mg/dia) e a gabapentina (800 a 2.700 mg/dia) também podem ser efetivos. Alguns relataram que a carbamazepina (400 a 600 mg/dia) é moderadamente efetiva. Hemicrania contínua As características essenciais da hemicrania contínua consistem em dor unilateral moderada e contínua, com exacerbações sobrepostas de dor intensa, que pode estar associada a manifestações autonômicas cranianas e fotofobia/fonofobia do lado afetado. A idade de início varia de 11 a 58 anos; as mulheres são acometidas duas vezes mais frequentemente do que os homens. A causa não é conhecida; todavia, à semelhança de outras síndromes de CAT, a HC tem sido associada a uma patologia da hipófise. À semelhança da HP, o tratamento definitivo consiste em indometacina (25 a 75 mg, 3 vezes/dia); outros AINE parecem ter pouco ou nenhum benefício. A indometacina deve ser iniciada em uma dose de 25 mg VO, 3 vezes/dia; em seguida, a dose é aumentada para 50 mg 3 vezes/dia se não for observado nenhum efeito, com aumento adicional para 75 mg, 3 vezes/dia, se houver necessidade. Podem ser necessárias até 2 semanas com dose máxima para verificar se uma dose possui algum efeito útil. O topiramato pode ser útil em alguns pacientes, assim como bloqueios do nervo occipital maior. A estimulação do nervo occipital provavelmente desempenha um papel em pacientes com hemicrania contínua que são incapazes de tolerar a indometacina. Pag 436 tratado de neurolgoia merritt Outras cefaleias primarias Cefaleia primária da tosse: A cefaleia primária da tosse consiste em cefaleia generalizada de início súbito, duração de vários minutos, algumas vezes de até algumas horas, que é precipitada pela tosse. A cefaleia primária da tosse é passível de prevenção evitando a tosse ou outros eventos desencadeantes, que podem incluir espirros, esforço ao urinar ou defecar, riso ou curvar o corpo. Em todos os pacientes com essa síndrome, é preciso descartar a possibilidade de etiologias graves antes que se possa estabelecer um diagnóstico de cefaleia primária da tosse “benigna” (conforme discutido anteriormente neste capítulo, bem como no Capítulo 7). A cefaleia da tosse benigna pode se assemelhar à cefaleia benigna do esforço físico (no texto adiante), porém os pacientes com a primeira Julia Paris Malaco condição tipicamente são de idade mais avançada. O tratamento de escolha consiste em indometacina, 25 a 50 mg 2 a 3 vezes/dia. Alguns pacientes com cefaleia primária da tosse conseguem uma interrupção completa das crises com punção lombar; trata-se de uma opção simples quando comparada com o uso prolongado de indometacina, que se mostra efetiva em cerca de um terço dos pacientes. O mecanismo dessa resposta não está bem esclarecido. Cefaleia primária do esforço físico: A cefaleia primária do esforço físico (CPEF) possui características que se assemelham tanto à cefaleia primária da tosse quanto à migrânea. Pode ser desencadeada por qualquer forma de exercício e, com frequência, tem o caráter pulsátil da migrânea. A dor, cuja duração pode ser de 5 min a 24 h, é bilateral e pulsátil no início; pode-se observar o desenvolvimento de características migranosas em pacientes suscetíveis à migrânea. Quando ocorre, tende a ser de duração mais curta em adolescentes. É possível prevenir a CPEF evitando esforços excessivos, particularmente em climas quentes ou em grandes altitudes. O mecanismo das CPEF não está bem esclarecido. A distensão venosa aguda pode ser responsável pelo início agudo de cefaleia com esforço na micção ou defecção e interrupção da respiração. À semelhança da cefaleia primária da tosse, é preciso descartar a possibilidade de condições subjacentes graves. A dor da angina pode ser referida à cabeça, provavelmente por conexões centrais de aferentes vagais, e pode se manifestar como cefaleia do esforço físico (cefalgia cardíaca) com a realização de exercício. Outras causas potenciais incluem feocromocitoma, lesões intracranianas e estenose da artéria carótida. O tratamento da CPEF benigna consiste em indometacina (25 a 150 mg/dia) e modificação do esquema de exercícios do indivíduo. O propranolol também pode proporcionar um benefício profilático. A indometacina (50 mg), a ergotamina (1 mg VO) ou a di-hidroergotamina (2 mg por via intranasal), administradas 30 a 45 min antes do exercício, podem ser úteis como profilaxia. Cefaleia primária associada à atividade sexual: A dor da cefaleia primária associada à atividade sexual começahabitualmente na forma de cefaleia bilateral surda, que subitamente fica intensa no orgasmo. É possível prevenir ou aliviar a cefaleia com a interrupção da atividade sexual antes do orgasmo. São relatados três tipos de cefaleia associada à atividade sexual: uma dor surda na cabeça e no pescoço, que se intensifica à medida que aumenta a excitação sexual; uma cefaleia súbita, intensa e explosiva que ocorre no orgasmo; e uma cefaleia postural que se desenvolve após o coito e que se assemelha à cefaleia da hipotensão do LCS. Este último tipo surge em consequência de atividade sexual vigorosa e constitui uma forma de cefaleia de hipotensão do LCS. As cefaleias que aparecem no momento do orgasmo nem sempre são benignas; 5 a 12% dos casos de hemorragia subaracnóidea são precipitados por relações sexuais. A cefaleia associada à atividade sexual é relatada mais frequentemente por homens do que por mulheres e pode ocorrer a qualquer momento durante os anos de atividade sexual. Pode ocorrer em várias ocasiões sucessivamente e, em seguida, desaparecer, até mesmo sem alteração óbvia na atividade sexual. Nos pacientes que interrompem a atividade sexual quando a cefaleia é inicialmente percebida, a dor pode desaparecer no decorrer de um período de 5 min a 2 h. Em cerca da metade dos pacientes, a cefaleia associada à atividade sexual sofre remissão espontânea dentro de 6 meses. Cerca de 50% dos pacientes com cefaleia associada à atividade sexual apresentam uma história de cefaleia do esforço físico, e a migrânea comórbida também é mais provável nessa população. O tratamento inclui tranquilizar (uma vez descartada a possibilidade de causas graves) os pacientes e orientá-los no sentido de interromper a atividade sexual se ocorrer cefaleia de “alerta”. Se a cefaleia ocorrer de modo regular, pode-se utilizar o propranolol para prevenção (40 a 200 mg/dia) ou, como alternativa, pode-se administrar diltiazem (60 mg 3 vezes/dia). A ergotamina (1 mg) ou a indometacina (25 a 50 mg), tomadas cerca de 30 a 45 min antes da atividade sexual também podem ser úteis. Cefaleia primária em facada: A cefaleia primária em facada (CPF) caracteriza-se por dor na cabeça semelhante a facadas ou, raramente, na face, com duração de um a muitos segundos ou minutos e ocorrência na forma de uma única facada ou série de facadas, ausência de características cranianas autonômicas associadas, ausência de deflagradores cutâneos das crises e padrão de recidiva a intervalos irregulares (horas a dias). A dor tem sido variadamente descrita como dor em picador de gelo ou golpes e abalos e é mais comum em Julia Paris Malaco pacientes com outras cefaleias primárias, como migrânea e CAT. Se a dor for frequente, pode-se utilizar a indometacina (25 a 50 mg, 2 a 3 vezes/dia) para profilaxia. Cefaleia numular: A dor na cefaleia numular é localizada em uma área redonda ou elíptica fixa, cujo tamanho varia de 1 a 6 cm, e que pode ser contínua ou intermitente. Em raros casos, pode ser multifocal. Em geral, a cefaleia numular é contínua, com exacerbações, embora possa ser episódica. Pode haver distúrbios sensitivos focais, como alodinia e hipoestesia. A fisiopatologia não é conhecida, embora se tenha sugerido um distúrbio neuropático focal. É preciso descartar a possibilidade de lesões dermatológicas ou ósseas locais por meio de exame e investigação. O tratamento consiste em agentes tricíclicos, como amitriptilina, ou fármacos antiepilépticos, tais como topiramato, valproato ou gabapentina; entretanto, o tratamento da condição pode ser difícil. Cefaleia hípnica: A cefaleia hípnica caracteriza- se pela sua ocorrência dentro de algumas horas após o início do sono. A cefaleia, cuja duração é de 15 a 30 min, é tipicamente generalizada e de intensidade moderada, embora também possa ser unilateral e pulsátil. Em geral, não há fotofobia ou fonofobia, nem náuseas. As crises podem ocorrer até três vezes durante a noite, e os cochilos durante o dia também podem desencadear cefaleia. A maioria dos pacientes é constituída por mulheres, e o início é habitualmente observado depois dos 60 anos. A principal consideração secundária nesse tipo de cefaleia consiste em hipertensão inadequadamente controlada; nesses casos, recomenda-se o monitoramento da pressão arterial de 24 h. Os pacientes com cefaleia hípnica respondem habitualmente ao carbonato de lítio (200 a 600 mg à noite). Para pacientes que não toleram o lítio, pode-se tentar o uso do verapamil (160 mg) ou da indometacina (25 a 75 mg). Uma a duas xícaras de café ou o uso de cafeína oral (60 a 100 mg) ao deitar podem ser efetivos em cerca de um terço dos pacientes. Os relatos de casos sugerem que a melatonina e a flunarizina (5 mg à noite) também podem ser úteis. Cefaleia persistente e diária nova: A cefaleia persistente e diária nova (CPDN) é uma síndrome clinicamente distinta, caracterizada por cefaleia diária desde o início, durante pelo menos 3 meses. O paciente com CPDN claramente pode lembrar a data e o momento exatos de início. Em geral, a cefaleia começa de maneira abrupta, embora o início possa ser mais gradual em alguns casos; foi proposta uma evolução ao longo de 3 dias como limite superior para essa síndrome. Foi relatada a ocorrência de doença antecedente (como infecção das vias respiratórias superiores ou pródromo viral) em cerca de um terço dos pacientes com CPDN em uma série. Entretanto, com frequência, não se observa nenhum evento deflagrador notável. A prioridade é diferenciar uma causa primária de uma causa secundária nessa síndrome. A hemorragia subaracnóidea é a mais grave das causas secundárias, e é preciso descartar a sua possibilidade por meio de anamnese ou investigação adequada. Outras causas incluem meningite crônica, bem como anormalidades da pressão do LCS (ver Capítulo 7). A CPDN primária pode ser de tipo migranoso ou pode aparecer de maneira indefinida, na forma de CTT de início recente. As características migranosas são comuns e consistem em cefaleia unilateral e dor pulsátil; ocorrem náuseas, fotofobia e/ou fonofobia em cerca da metade dos pacientes. Alguns pacientes apresentam história pregressa de migrânea episódica. O tratamento da CPDN primária de tipo migranoso consiste no uso das terapias preventivas padrão para a migrânea (ver discussão anterior). A CPDN indefinida tende a ser mais refratária ao tratamento – embora possam-se oferecer terapias preventivas convencionais para a cefaleia (como antidepressivos tricíclicos e anticonvulsivantes), cuja maior parte é ineficaz. Cefaleia pós-traumática: Um evento traumático pode desencadear um processo de cefaleia de muitos meses ou anos de duração após o evento. O termo trauma é empregado aqui de maneira muito ampla: a cefaleia pode se desenvolver após uma lesão da cabeça (incluindo procedimentos neurocirúrgicos, odontológicos ou procedimentos em otorrinolaringologia); todavia, pode ocorrer também depois de um episódio infeccioso, como meningite viral ou doença de tipo gripal. A causa subjacente parece ser um evento traumático envolvendo as meninges produtoras de dor, podendo desencadear um processo de cefaleia de muitos anos de duração. A cefaleia pode ser acompanhada de queixas de tontura, vertigem e comprometimento da memória. Os sintomas podem sofrer remissão depois de várias semanas, ou podem persistir por meses e até mesmo anos após a lesão. Nos casos típicos, o exame neurológico é normal, e a TC ou RM são inespecíficas. Entretanto, é preciso descartar a possibilidade de causas subjacentes graves, como hematoma subdural crônico, hemorragia subaracnóidea e dissecção da carótida. Julia Paris Malaco Cefaleia secundaria Geralmente, as cefaleias secundárias apresentam iníciorecente ou abrupto em pacientes que nunca apresentaram tal sintoma ou para os quais houve piora de seu padrão e podem ser acom- panhadas de alterações do exame neurológico, de características atípicas ou de quadro clínico sistêmico adverso. Os principais sinais de alarme em cefaleia que devem sugerir a possibilidade de etio-logia não primária são: início abrupto de cefaleia ou alteração das características da dor; piora da intensidade e frequência da cefaleia; persistência da cefaleia mesmo com analgesia adequada; sinais sistêmicos de outras doenças (febre, consumpção) ou história pregressa de neoplasia; alterações nos exames físico geral ou neurológico. Cefaleia atribuída a trauma cefálico e/ou cervical: trauma (pós-traumática aguda ou crônica); lesão em chicotada (aguda ou crônica); hematoma intracraniano traumático; outro trauma encefálico; • craniotomia (pós). Cefaleia atribuída à doença vascular craniana ou cervical acidente vascular encefálico (AVE) ou ataque isquêmico transitório; hemorragia intracraniana não traumática; malformação vascular não rota; arterite; dor da artéria carótida ou vertebral (dissecção, procedimentos endovasculares); trombose venosa cerebral; outros transtornos intracranianos. Cefaleia atribuída a transtorno intracraniano não vascular hipertensão liquórica; hipotensão liquórica; doença inflamatória não infecciosa; neoplasia intracraniana; injeção intratecal; crise epilética; malformação de Chiari tipo I; outro distúrbio não vascular intracraniano. Cefaleia atribuída à infecção infecção intracraniana (meningite, encefalite, abscesso cerebral, empiema subdural); infecção sistêmica; HIV/Aids; pós-infecciosa (crônica). Cefaleia atribuída a distúrbios da homeostase hipóxia e/ou hipercapnia; diálise; hipertensão arterial; hipotireoidismo; jejum; eventos cardíacos; outro distúrbio. Cefaleia atribuída a transtorno psiquiátrico transtorno de somatização; transtorno psicótico. Principais causas secundarias Meningite: cefaleia intensa e aguda com febre e rigidez da nuca sugere meningite (ver Capítulo 61). Com frequência, ocorre agravamento significativo da dor com o movimento ocular. É necessário realizar uma punção lombar para o diagnóstico. A meningite pode ser facilmente confundida com a enxaqueca, devido à presença frequente dos sintomas fundamentais de cefaleia de caráter pulsátil, fotofobia, náuseas e vômitos, refletindo, talvez, a fisiologia subjacente em alguns desses casos Hemorragia subaracnóidea: cefaleia intensa e aguda com rigidez da nuca, porém sem febre, sugere a ocorrência de hemorragia subaracnóidea (ver Capítulo 39). Além disso, pode-se observar a presença de ruptura de aneurisma, malformação arteriovenosa ou hemorragia intraparenquimatosa com cefaleia isoladamente. Em casos raros (particularmente se a hemorragia for pequena ou abaixo do forame magno), a tomografia computadorizada (TC) da cabeça pode ser normal. Por conseguinte, pode ser necessária a realização de punção lombar para o diagnóstico definitivo de hemorragia subaracnóidea Tumor cerebral: o tumor cerebral constitui uma causa rara de cefaleia e, com menos frequência ainda, uma causa de dor intensa. A dor da cefaleia geralmente é indefinida – uma dor surda, intermitente e profunda de intensidade Julia Paris Malaco moderada, que pode se agravar com o esforço ou a mudança de posição e que pode estar associada a náuseas e vômitos. Esses sintomas são causados com muito mais frequência pela enxaqueca do que por um tumor cerebral. A cefaleia do tumor cerebral desperta o paciente do sono em cerca de 10% dos casos. Os vômitos que precedem o desenvolvimento da cefaleia em semanas são altamente característicos dos tumores cerebrais da fossa posterior. A dor da cefaleia desencadeada por manobras de Valsalva, como inclinar-se, levantar uma carga ou tossir, pode ser causada por massa na fossa posterior. A cefaleia de novo em um paciente com neoplasia maligna conhecida pode sugerir metástases cerebrais e/ou meningite carcinomatosa Arterite temporal: a arterite temporal (de células gigantes) é um distúrbio inflamatório das artérias, que frequentemente acomete a circulação extracraniana da carótida. A idade média de início é de 70 anos, e as mulheres representam 65% dos casos. Em cerca da metade dos pacientes com arterite temporal não tratada, ocorre cegueira em consequência do comprometimento da artéria oftálmica e seus ramos. Como o tratamento com glicocorticoides é efetivo na prevenção dessa complicação, é importante o reconhecimento imediato do distúrbio. A cefaleia, que constitui o sintoma dominante, aparece frequentemente em associação com mal-estar e mialgias. A dor da cefaleia pode ser unilateral ou bilateral e de localização temporal em 50% dos pacientes, porém pode acometer qualquer parte do crânio ou todas elas. A qualidade é quase sempre descrita como surda ou terebrante, com dor em punhalada episódica sobreposta e hipersensibilidade intensa do couro cabeludo. Com frequência, os pacientes descrevem uma origem superficial da cefaleia (externa ao crânio, em lugar de estar profunda dentro da cabeça, como na enxaqueca). A cefaleia é habitualmente mais intensa à noite e, com frequência, é agravada por exposição ao frio. Outros achados podem incluir nódulos avermelhados hipersensíveis ou estrias vermelhas da pele sobre as artérias temporais e hipersensibilidade das artérias temporais ou, menos comumente, occipitais. O tratamento da arterite temporal é discutido de modo mais detalhado nos Capítulos 7 e 42 Glaucoma: o glaucoma pode se manifestar com cefaleia extenuante, associada a náuseas e vômitos. Com frequência, a cefaleia começa com dor ocular intensa. No exame físico, o olho frequentemente está avermelhado com pupila fixa e moderadamente dilatada.
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