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SUMÁRIO 1. Avaliação inicial das cefaleias ............................... 3 2. Epidemiologia .............................................................. 8 3. Quadro clínico ............................................................11 4. Fisiopatologia ............................................................17 5. Diagnóstico ................................................................18 6. Tratamento .................................................................22 7. Cefaleias secundárias ...........................................26 Referências Bibliográficas ........................................35 3CEFALEIA 1. AVALIAÇÃO INICIAL DAS CEFALEIAS A cefaleia está entre as razões mais comuns pelas quais os pacientes pro- curam atendimento médico, sendo responsável, em um nível global, por mais incapacidade do que qualquer outro problema neurológico. O diag- nóstico e o tratamento baseiam-se em uma abordagem clínica que é am- plificada pelo conhecimento da anato- mia, fisiologia e farmacologia das vias do sistema nervoso que medeiam as várias síndromes de cefaleia. O sistema de classificação desen- volvido pela International Headache Society caracteriza a cefaleia como primária ou secundária (com seus principais representantes no quadro abaixo). Cefaleias primárias são as cefaleias que têm o sintoma da dor de cabeça sendo seu principal, sem demais sinais ou sintomas sistêmi- cos. Não causa lesão estrutural, tende a não ser progressiva ou originar se- quelas. Já nas cefaleias secundárias, os sintomas decorrentes de afecções sistêmicas subjacentes, sendo con- sequência de uma agressão causa- da pela doença de base, a qual pode ser grave, como meningite, hemorra- gia subaracnóidea (HSA), trombose venosa cerebral (TVC) e tumores do sistema nervoso central. A cefaleia secundária branda, como a obser- vada em associação a infecções do trato respiratório superior, é comum, mas raramente preocupa. A cefaleia ameaçadora à vida é relativamente incomum, mas é necessário ter vigi- lância a fim de reconhecer e tratar de maneira apropriada os pacientes. CEFALEIA PRIMÁRIA CEFALEIA SECUNDÁRIA Tensional Infecção sistêmicas Enxaqueca Traumatismo craniano Em punhaladas, idiopática Distúrbios vasculares Por esforço Hemorragia subaracnóidea Em salvas Tumor cerebral Tabela 1. Causas comuns de cefaleia. Fonte: Kasper, Dennis L., et al. Manual de Medicina de Harrison. McGraw Hill Brasil, 2017. 4CEFALEIA O paciente que se apresenta com cefa- leia grave recente tem um diagnóstico diferencial bem diferente do pacien- te com cefaleias recorrentes durante muitos anos. Na cefaleia intensa e de início recente, a probabilidade de se encontrar uma causa potencialmente grave é bem maior do que na cefa- leia recorrente. Os pacientes com iní- cio recente da dor exigem avaliação imediata e tratamento adequado. As causas graves a serem consideradas consistem em meningite, hemorragia subaracnóidea, hematomas extradu- ral ou subdural, glaucoma, tumor e rinossinusite purulenta. Quando si- nais e sintomas preocupantes estão presentes, também conhecidos como sintomas RED FLAG, o diagnóstico e o tratamento rápidos tornam-se cru- ciais. Esses sintomas estão na figura abaixo e, também, no quadro a seguir com exemplos das etiologias preocu- pantes que podem estar sendo cau- sando o sintoma. Início com idade acima de 50 anos sem histórico familiar Cefaleia acorda o paciente Alterações do nível de consciência e comportamento Doenças sistêmicos e traumas Cefaleia Thunderclap Primeira ou pior cefaleia da vida Progressiva em frequência ou severidade Fatores provocativos (tosse, esforço) Cefaleia que muda substancialmente com decúbito Início rápido após exercício extenuante Características atípicas Mudança de padrão Sugestivos de lesão de massa ou HSAMuito severa, de início súbito, que atinge a intensidade máxima dentro de até 1 minuto ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! SINAIS DE ALARME DAS CEFALEIAS (RED FLAGS) 5CEFALEIA INÍCIO DA DOR A PARTIR DOS 50 ANOS Pior cefaleia da vida Mudança no padrão da cefaleia • Progressão ou alteração na frequência e severidade • Provocada pela Manobra de Valsava • Piora da cefaleia com a postura • Papiledema Sintomas neurológicos ou achados anormais (confusão, alteração do nível de consciência, mudança no com- portamento e personalidade, papiledema, diplopia, zumbido, sintomas neurológicos focais, meningismo e convulsões) Sintomas sistêmicos, doença ou condição associada (febre, calafrios, mialgia, sudorese noturna, perda de peso, câncer, infecção, arterite de células gigantes, gravidez, puerpério, estado de imunossupressão, incluin- do HIV) Quadro 1. Sintomas RED FLAG para diagnóstico e tratamento de cefaleia SAIBA MAIS! A cefaleia em trovoada – do inglês, thunderclap headache – é uma dor de cabeça que já co- meça muito forte. Tem início súbito, exatamente a exemplo de um ressoar de trovão. Instantâ- neo, que atinge máxima intensidade de segundos a menos de um minuto depois que a dor se instala, muito forte, que assusta o paciente e pode causar desequilíbrio. Existe a possibilidade desse tipo particular de dor de cefaleia ser sinal da existência de um aneurisma no cérebro. Este tipo de cefaleia requer avaliação urgente. Uma anamnese adequada, seguin- do a lista de perguntas para defini- ção da dor abaixo, seguidos de um exame neurológico cuidadoso são as primeiras etapas imprescindíveis na avaliação de uma anamnese. Na maioria dos casos, os pacientes com exame anormal ou história de cefaleia 6CEFALEIA da pressão intraocular e refração. O estado psicológico do paciente tam- bém deve ser avaliado, pois existe re- lação entre cefaleia e depressão. Isso se destina a identificar a comorbidade em vez de fornecer uma explicação para a cefaleia, porque a cefaleia pro- blemática raramente é simplesmen- te causada por mudança do humor. Embora seja notável que os medica- mentos com ações antidepressivas também sejam eficazes no tratamen- to profilático tanto da cefaleia do tipo tensional como da enxaqueca, cada sintoma deve ser tratado de maneira ideal. Distúrbios com cefaleia recor- rente subjacente podem ser ativados pela dor que ocorre após procedi- mentos otológicos ou endodônticos. Assim, a dor na cabeça em consequ- ência de um tecido enfermo ou trau- matismo pode reativar uma síndrome de enxaqueca que de outra maneira estaria quiescente. O tratamento da cefaleia é, em grande parte, ineficaz até que a causa do problema primá- rio seja abordada. Os distúrbios sub- jacentes graves associados à cefaleia são descritos adiante. O tumor cere- bral é uma causa rara de cefaleia e, ainda menos comumente, de dor in- tensa. A maioria dos pacientes que apresentam cefaleia grave tem cau- sas benignas. de início recente devem submeter-se a uma tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) e, também, exames laboratoriais de acordo com a suspeita. Como proce- dimento de rastreamento inicial para patologia intracraniana nesse con- texto, os métodos de TC e RM pa- recem ser igualmente sensíveis. Em algumas circunstâncias, uma punção lombar (PL) também é necessária, a menos que se possa estabelecer uma etiologia benigna. ANAMNESE Instalação Localização Tipo Intensidade Duração Frequência Fatores desencadeantes Fatores de melhora ou piora Quadro 2. Critérios para avaliação da cefaleia na anamnese Uma avaliação geral de cefaleia aguda pode incluir as artérias cranianas por palpação; coluna cervical pelo efeito de movimento passivo da cabeça e por imagem, pesquisa do estado car- diovascular e renal por monitoramen- to da pressão arterial e exame de uri- na, e olhos por fundoscopia, medição 7CEFALEIA SEM MELHORA Possui RED FLAGS? Ausentes Presentes Investiga como primária Sem aura: Triptanos Com aura: Analgésico comum Investiga como secundária • Tomografia de crânio • Exames laboratórios de acordo com a suspeita • Análisedo liquor • TC de crânio normal • Sinais de meningismo • Suspeita de sangramento ou processo inflamatório • Neoplasia ou HIV-positivo sem contraindicação Tratamento: 1. Tratar a causa base 2. Analgésicos comuns para dor 3. Dexametasona, se meningite, arterite temporal, inflamação, hipertensão intracraniana benigna, lesões expansivas e edema cerebral MAPA MENTAL DA AVALIAÇÃO INICIAL DAS CEFALEIAS 8CEFALEIA 2. EPIDEMIOLOGIA Estudos epidemiológicos têm busca- do estimar a sua prevalência em di- ferentes populações e o seu impacto, tanto na população como no sistema de saúde. Nos ambulatórios de clínica médica, a cefaleia é a terceira queixa mais frequente (10,3%), suplanta- do apenas por infecções de vias aé- reas e dispepsias. Nas Unidades de Saúde, a cefaleia é responsável por 9,3% das consultas não agendadas, e nos ambulatórios de neurologia é o motivo mais frequente de consulta. Pacientes com cefaleia representam 4,5% dos atendimentos em unida- des de emergência, sendo o quarto motivo mais frequente de consulta nas unidades de urgência. Tendo por base esses dados, justifica-se a ela- boração de um protocolo clínico para condução e tratamento das cefaleias nas unidades de urgência do Brasil. No ano de 2012 foi feito uma aná- lise mundial dos dados de cefaleia analisando a prevalência do sintoma pela International Association for the Study of Pain. Foi constatado 50% da população geral tem cefaleia du- rante um determinado ano e mais de 90% refere história de cefaleia du- rante a vida. A média da prevalência de migrânea (enxaqueca) ao longo da vida é de 18% e a média estimada da prevalência durante o último ano de 13%, em crianças e adolescentes é de 7,7%. A cefaleia do tipo tensional é mais comum que a migrânea, com prevalência ao longo da vida de apro- ximadamente 52%. Contudo, apenas as cefaleias do tipo tensional frequen- tem ou crônica reduzem a capacida- de funcional. 3% da população geral tem cefaleia crônica, ou seja, cefaleia em ≥15 dias por mês. Estes são os com maior redução na sua capacida- de funcional. A relação entre os sexos na migrânea permanece estável em 2-3 mulhe- res para cada homem e é geralmente consistente entre os países. O pre- domínio da cefaleia no sexo feminino inicia-se na puberdade, com mulhe- res tendo um risco 1,5 maior para de- senvolver cefaleia e 1,9 vezes maior para desenvolver enxaqueca quando comparadas com crianças e adoles- centes do sexo masculino. Já a distri- buição da cefaleia do tipo tensional é igual entre os sexos. A história familiar de migrânea é um dos mais fortes e consistentes fatores de risco para a doença. Os resultados de estudos realizados com gêmeos sugerem que fatores de risco gené- ticos subjazem aproximadamente um terço dos grupamentos familiares de enxaqueca. Na migrânea hemiplé- gica familiar, mutação em um único gene causa essa condição. As for- mas comuns de migrânea, com e sem aura, são condições genéticas com- plexas onde múltiplos polimorfismos genéticos determinam o “limiar para migrânea”. Várias dessas impressões 9CEFALEIA digitais genéticas foram recente- mente identificadas em diversos cro- mossomos em estudos gênicos de associação. Migrânea está fortemente associa- da a ansiedade e distúrbios do hu- mor, alergias, dor crônica e epilepsia. Migrânea com aura, mas não a sem aura, é um fator de risco para infarto cerebral e lesões encefálicas silentes encontradas na Ressonância Mag- nética, particularmente em mulheres com crises frequentes. A presença de ansiedade na infância está associada com o desenvolvimento de cefaleia durante a fase de adulto jovem. Vômi- tos cíclicos, sonambulismo e cinetose durante a infância são considerados “equivalentes migranosos” e podem anunciar o desenvolvimento de en- xaqueca posteriormente. Noventa porcento dos pacientes com enxaqueca tem alguma redução fun- cional relacionada à cefaleia, sendo que aproximadamente metade fica incapacitado ou necessita ficar aca- mado durante a crise. Muitas evidên- cias indicam que a migrânea reduz a “qualidade de vida relacionada a saúde” mais que a osteoartrite ou o diabetes. Parte da redução funcional nas pessoas com cefaleia pode ser atribuída a comorbidades, as quais necessitam ser adequadamente tra- tadas. Os custos financeiros da ce- faleia provêm parte dos custos dos tratamentos diretos, mais muito mais doabsenteísmos e redução da pro- dutividade. Os custos médicos diretos anuais nos EUA atri- buídos à enxaqueca foram estimados em 1 bilhão de dólares em 1999. Na Eu- ropa (2004, 15 países avaliados), os custos totais da migrânea foram estimados em 25 bilhões de euros por ano, o maior de- les dentre as doen- ças neurológicas, perdendo apenas para demência. 10CEFALEIA Predominantemente mulheres (2-3 mulheres para cada homem) Iniciando-se na puberdade Com histórico familiar Fortemente associada a ansiedade e distúrbios do humor, alergias, dor crônica e epilepsia. Presença de redução funcional Com diminuição da qualidade de vida PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA MIGRÂNEA/ ENXAQUECA NO MUNDO 11CEFALEIA 3. QUADRO CLÍNICO Figura 1. Localização específica dos tipos de cefaleia Pacientes com dor de cabeça podem descrever a dor como latejante, como uma faixa ou contínua, mas ela pode ser moderada a grave, interferindo nas atividades. Cada tipo de dor as- sociado à sua localização e intensida- de pode ser associado a um tipo de cefaleia primária, as principais carac- terísticas das dores de cada doença especifica, assim como seus sinto- mas associados, serão destacadas a seguir. O quadro clínico das principais cefaleias secundárias estará na últi- ma parte desse material. 12CEFALEIA Enxaqueca A enxaqueca geralmente começa com um sinal anunciador, que pode persistir durante horas a dias, por exemplo, quando os pacientes obser- vam dificuldade de concentração ou fadiga, sem dor de cabeça. Uma aura pode ou não ocorrer, mas é geralmen- te presente antes da dor de cabeça começar. A dor de cabeça tem prin- cipal característica a unilateralidade, mas pode ser unilateral ou bilateral, latejante, moderada a grave, e, classi- camente, piora com a atividade. Características clínicas que também acompanham as crises incluem náu- seas, vômitos, sensibilidade à luz e som. Outras características clínicas incluem dor no pescoço, ocasional- mente tontura, osmofobia e dificul- dade para pensar. A enxaqueca com aura é geralmente visual, m as pode ser sensitiva ou pode incluir afasia ou vertigem. Aura de enxaqueca sem dor de cabeça começa com um dis- túrbio neurológico, como um fenô- meno visual, mas sem dor de cabeça subsequente. 13CEFALEIA CONCEITO! AURA Figura 2. Exemplos de auras visuais: A – espectro de fortificação; B – espectro de fortificação e escotoma; C – cintilações; D – espectro de fortificação. Fonte: Sociedade Brasileira de Cefaleia A aura é definida como manifestações neurológicas bem localizadas, que surge de maneira gradual, em um dos lados do corpo, podendo iniciar antes ou junto com a dor de cabeça e com duração variando entre 5 a 60 minutos cada aura, que tem completa reversibilidade. Cerca de 25% dos pacientes com enxaqueca apresentam aura. A aura visual é a mais frequente, ocorrendo em cerca de 90% das pessoas que enxaqueca com aura. Suas formas de manifestações são: pontos pretos (escotomas), pontos brilhantes (cintilações) e imagens em ziguezague (espectros de fortificação) que surgem em uma par- te do campo visual e pouco a pouco vão se espelhando e crescendo. Outras manifestações comuns são alterações sensitivas, como formigamento ou dormência geralmente unilaterais, e alterações na fala e na linguagem, como disatria e afagia. Confira na tabela abaixo os sin- tomas positivos da aura, que decorrem da descarga ativa de neurônios do sistema nervoso central. TIPO DE AURA CARACTERÍSTICAS Visual Escotomas, formas, objetos Auditiva Zumbidos, barulhos, músicas Motora Movimentos bruscos ou repetitivosSensitivos Queimação, dor, parestesia Tabela 2. Sintomas positivos da aura Os sintomas negativos da aura indicam perda ou ausência de função, como perda de visão, audição, sentimento ou capacidade de mover uma parte do corpo. 14CEFALEIA Cefaleia tensional Dores de cabeça do tipo tensional geralmente são de intensidade leve a moderada, e a maioria dos indivíduos não procura atendimento. Dores de cabeça tensionais podem ser episó- dicas, ocorrendo com menos de 15 dias por mês, ou crônicas, ocorren- do em mais de 15 dias por mês. Em muitos pacientes as dores de cabeça permanecem episódicas, mas cerca de 25% progridem para dor de cabe- ça crônica. Dos pacientes com dor de cabeça do tipo tensional crônica, cer- ca de um quarto a um terço continua como crônica, a metade pode melho- rar para episódica, e em cerca de um quarto o uso excessivo de medica- mentos pode piorar a dor de cabeça. As dores de cabeça tensionais episó- dicas podem durar minutos, horas ou dias e possui localização variada, po- dendo ser em toda cabeça ou apenas na nuca, e sem sintomas associados característicos. Cefaleia em salvas As crises de dor na cefaleia em sal- vas são quase sempre unilaterais, ra- ramente bilaterais e acompanham-se de sinais autonômicos ipsilaterais, comumente incluindo lacrimejamen- to e hiperemia conjuntiva e às vezes congestão nasal, rinorreia, semiptose, miose, rubor e edema palpebral. A lo- calização da dor normalmente é atrás ou acima do olho ou na têmpora, mas outras áreas podem incluir dor na tes- ta, bochecha, dentes ou maxilar. A dor atinge o seu máximo de intensidade em cerca de nove minutos e tende a terminar abruptamente. Os ataques ocorrem uma a oito vezes por dia e são geralmente descritos como dor excruciante ou “em punhaladas” que persiste por 15 minutos a três horas. Sintomas similares à enxaqueca po- dem coexistir, incluindo fotofobia uni- lateral, fonofobia e raramente, uma aura. Diferentemente dos pacientes de enxaqueca, que geralmente ten- tam repouso, pacientes com cefaleias em salvas andam e são incapazes de sentar ou deitar. Cefaleias em salvas, quando precipi- tados por histamina, álcool ou nitro- glicerina têm uma periodicidade diária e podem também ter uma periodici- dade sazonal. Por exemplo, a cefa- leia em salvas episódica pode ocorrer anualmente ou a cada dois anos, mui- tas vezes na mesma estação do ano a cada vez. A cefaleia em salvas crôni- ca pode ocorrer sem remissão. Na hemicrania paroxística a dor é de curta duração, geralmente de dois a 30 minutos, e ocorre unilateralmente ao redor dos olhos, têmpora ou região maxilar, algumas vezes precipitada por movimentos da cabeça. Carac- terísticas autonômicas semelhantes à cefaleia em salvas podem ocorrer. A taxa de ataque usual é de até 40 15CEFALEIA episódios cada dia. Crises de dor po- dem ser episódicas, separados por remissões, mas a maioria dos pa- cientes tem hemicrania paroxística crônica diária sem remissão. Cefaleia de curta duração, neuralgiforme, uni- lateral, com hiperemia conjuntival e lacrimejamento são ataques unilate- rais (síndrome SUNCT) e consisten- temente no mesmo lado. Embora a dor seja insuportável, o ataque é bre- ve, geralmente segundos, e a maioria dos pacientes está livre de dor entre os ataques, embora uma dor surda possa estar presente. Característi- cas autonômicas associadas incluem hiperemia conjuntiva ipsilateral e lacrimejamento. 16CEFALEIA Mais comum em mulheres ENXAQUECA CEFALEIA EM SALVAsCEFALEIA TENSIONAl Piora com atividade Presença de aura Latejante Moderada a grave Náuseas, vômitos, sensibilidade à luz e som Grave Término abrupto Crise de 15 min a 3 horas Dor excruciante em punhaladas Média de 8 ataques por dia Presença de períodos de remissão Unilateral + sinais autonômicos ispilaterais Lacrimejamento e hiperemia conjuntiva, congestão nasal, rinorreia, semiptose, miose, rubor e edema palpebral Mais comum em homens Leve a moderada Episódica Pode progredir a crônica Uso excessivo de medicamentos piora dor QUADRO CLÍNICO DAS DIFERENTES CEFALEIAS PRIMÁRIAS 17CEFALEIA 4. FISIOPATOLOGIA Figura 3. Anatomia do nervo trigêmeo. Fonte: https://www.kenhub.com/ A sensibilidade dolorosa da cabeça é veiculada pelos aferentes trigeminais primários que inervam vasos sanguí- neos, mucosas, músculos e tecidos. Fi- bras nervosas, a partir dessas fontes, atingem o gânglio trigeminal, especial- mente através da primeira divisão do nervo trigêmeo (nervo oftálmico). Os aferentes trigeminais terminam no nú- cleo sensitivo principal do V nervo cra- niano e seu núcleo da raiz espinal, que tem vários pequenos subnúcleos, dos quais o mais importante é o subnúcleo caudalis. Esse subnúcleo recebe afe- rentes de vasos meníngeos, regiões sensíveis da dura-máter e mesmo da medula cervical superior que então projetam-se para o tálamo mediai e lateral através do trato espinotalâmico e para regiões do diencéfalo e do tron- co encefálico envolvidas na regulação de funções autonômicas. Informação 18CEFALEIA nociceptiva talâmica ascende para o córtex sensorial, bem como para ou- tras áreas do cérebro. Embora dores de cabeça secundá- rias estimulem a via nociceptiva por meio de processos como inflamação e compressão, as cefaleias primárias ocorrem espontaneamente e media- dores químicos estão envolvidos nes- te processo. A sequência de eventos começa com ativação periférica cau- sada pelo extravasamento neurogê- nico do plasma ativado espontanea- mente ou pela depressão alastrante cortical. O complexo trigeminocervi- cal, especialmente o subnúcleo cau- dalis, é então ativado, e os pacientes podem experimentar alodinia, uma condição em que um estímulo não nocivo é percebido como doloroso. Aura é definida como um distúrbio focal neurológico visual, sensorial ou motor, que pode ocorrer com ou sem dor de cabeça. A aura parece ocor- rer quando a depressão alastrante cortical causa a despolarização das membranas neuronais. Tanto neurô- nios como células da glia podem cau- sar constrição e dilatação dos vasos sanguíneos. A enxaqueca claramen- te tem um componente genético. A enxaqueca hemiplégica familiar tipo l (FHM1) pode ser causada por muta- ções no gene CACNAlA, que está lo- calizado no cromossomo 19p 13.2-p 13.1 e é responsável pela codificação dos canais de cálcio neuronais de- pendentes de voltagem. Muitas mutações são encontradas no gene CACNAlA, e envolvem ou- tros fenótipos como ataxia episódica e epilepsia. A enxaqueca hemiplégica familiar tipo 2 (FHM2) é devida a mu- tação no gene ATP1A2 que está lo- calizado no cromossomo 1q21-q23 e codifica a subunidade catalítica alfa- 2 da enzima ATPase sódio-potássio. Um terceiro locus genético é o gene SCNlA no cromossomo 2q24.3, que é um canal de sódio controlado pela voltagem. Apesar de existirem liga- ções com muitos loci genéticos para as formas mais comuns de enxaque- ca, provavelmente, ocorrem múlti- plas interações de genes com fatores ambientais. 5. DIAGNÓSTICO O diagnóstico das cefaleias primárias é baseado no histórico e classificação das dores com seus sintomas asso- ciados. Assim, cada doença tem sua especificidade de critérios diagnós- ticos. Por exemplo, a enxaqueca se- gue os critérios diagnósticos da Clas- sificação Internacional de Cefaleias. Esse diferencia os critérios diagnósti- cos paras as formas de manifestação da doença, por exemplo, o diagnósti- co de um paciente com dor com pre- sença de aura tem critérios diferentes para um paciente sem aura. Contudo, há critérios básicos para diagnóstico da migrânea, esses estão abaixo 19CEFALEIA No mínimo 5 episódios de dor CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS BÁSICOS PARA ENXAQUECA/MIGRÂNEA Episódios com duração: 4 – 72h (sem tratamento ou com falha de tratamento) Cefaleia tem ≥ 2 das seguintes características: Durante a cefaleia apresenta pelo menos 1 dos seguintes: Unilateral Pulsátil Dor moderada a grave Piora com atividade física de rotina(ex: andar, subir escadas) Náusea e/ou vômito Foto e fonofobia OU Enxaqueca com aura 1 ou mais sintomas de aura, reversíveis: Pelo menos 2 das 4 características: Visual Sensitivo Linguagem ou fala Motor Tronco cerebral Retiniano 1 sintoma de aura alastra gradualmente em 5 min ou mais e/ou 2 sintomas aparecem sucessivamente Cada sintoma individual de aura dura 5 a 60 minutos Pelo menos 1 sintoma de aura é unilateral Aura é acompanhada ou seguida em 60 min por cefaleia 20CEFALEIA Já nas cefaleias do tipo tensional o diagnóstico é muitas vezes confun- dido com cefaleias do tipo enxaque- ca, hemicraniana contínua, cefaleia persistente e diária de início súbito e dores de cabeça causadas por tumo- res cerebrais, pressão intracraniana elevada ou baixa, ou arterite de célu- las gigantes. Os seus critérios diag- nósticos estão listados abaixo: 10 episódios de dor CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS CEFALEIA TENSIONAL Episódios com duração: 30 min – 7 dias ≥ 2 das seguintes características: Apenas 1 dos seguintes sintomas presentes: Bilateral Em pressão ou aperto Leve ou moderada Não piora com atividade física Fotofobia ou fonofobia Ausência de náusea e/ou vômito + Os critérios diagnósticos para cefaleia em salvas incluem dor forte unilateral orbitária, supraorbitária ou temporal, que persiste por 15 a 180 minutos com pelo menos um dos seguin- tes: hiperemia conjuntiva ipsilateral ou lacrimejamento, congestão nasal ou rinorreia, edema palpebral, trans- piração facial e na testa, miose com ou sem semiptose, inquietação ou agitação. Não existe outra causa do distúrbio. A hemicrania paroxística é definida por dor unilateral persistente por dois a 30 minutos, cerca de cin- co vezes por dia, com uma ou mais características autonômicas, como hiperemia conjuntiva, congestão na- sal, edema palpebral, sudorese facial e na testa, e ptose ou miose (ou am- bos). A prevenção completa pode ser conseguida com indometacina. Pro- cedimentos de imagem como resso- nância magnética, são indicados para todos os pacientes com cefaleias em salvas ou outras cefalalgias trigêmi- no-autonômicas, pois essas formas de cefaleia podem ser secundárias a outras lesões, como uma infecção, malformação vascular ou neoplasia, especialmente tumor pituitário. 21CEFALEIA Dor muito forte, unilateral, supraorbitária e/ou temporal com duração de 15-180 minutos (quando não tratatda) 5 CRISES Um dos dois ou ambos os seguintes: 1. Pelo menos um dos seguintes sintomas/sinais ipsilaterais a cefaleia 2. Sensação de inquietação Hiperemia conjuntival ou lacrimejo Congestão nasal ou rinorreia Edema de pálpebra Sudorese facial e da região frontal Rubor facial e da região frontal Sensação de ouvido cheio Miose e/ou ptose Crises com frequência de 1 em cada 2 dois a 8 por dias, durante mais da metade do tempo em que a perturbação está ativa 22CEFALEIA 6. TRATAMENTO Enxaqueca/ Migrânea Nos casos de enxaqueca, o manejo clínico segue as seguintes recomen- dações de acordo com a Academia Brasileira de Neurologia: • Em todos os casos tentar manter o paciente em repouso sob penum- bra em ambiente tranquilo e silen- cioso (leitos de observação). • Nos casos em que a dor tem dura- ção inferior a 72 horas: ◊ I. administrar antiemético pa- renteral se vômitos ou uso prévio de medicações: dime- nidrato 30mg por via intrave- nosa (IV) diluído em 100ml de soro fisiológico a 0,9% ou di- menidrato 50 mg por via intra- muscular (IM); ◊ II. recomenda-se jejum, com reposição de fluidos (soro fi- siológico 0,9%) por via intra- venosa (IV) se houver indícios de desidratação; ◊ III. Dipirona 1 grama (2 ml) IV diluído em água destilada (8ml); ◊ III. Cetoprofeno 100mg IV di- luído em soro fisiológico 0,9% (100ml) ou 100mg IM. ◊ IV. Reavaliar paciente em 1 hora; se não houver melhora, prescrever sumatriptano 6mg subcutâneo (1 seringa com 0,5ml), repetindo a dose, se necessário, em 2 horas. • Se houver melhora da dor, liberar o paciente e encaminhar para acom- panhamento ambulatorial na UBS. • Se houver piora ou não melhora da dor após 2 horas de observação, encaminhar paciente para hos- pital terciário por meio da Central de Regulação para avaliação de neurologista. • Nos casos em que paciente chega à urgência com dor há mais de 72 horas (estado migranoso): ◊ I. Jejum e acesso venoso para reposição de fluidos se neces- sário. Infundir soro fisiológico a 0,9% 500ml em pinça aberta; ◊ II. Tratamento da crise como citado anteriormente asso- ciado a dexametasona 10mg (ampola 10mg/2,5ml) IV lento. ◊ III. Se não melhorar com de- xametasona e estiver na ur- gência da UBS encaminhar o paciente para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde deverá ser prescrito: clorpromazina 0,1-0,25mg/kg IM (ampola 25 mg/5 ml); man- ter infusão de soro fisiológico a 0,9%; ◊ III. Se em 1 hora o pacien- te mantiver a dor, repetir 23CEFALEIA clorpromazina por até três ve- zes, no máximo. • Atentar para hipotensão arterial e sinais / sintomas extrapiramidais (como rigidez muscular e inquie- tude) causados pela medicação, orientar o paciente a não se le- vantar bruscamente. Não repetir a dose se ocorrer hipotensão ou si- nal/sintoma extrapiramidal. • Se houver melhora clínica, o pa- ciente recebe alta da UPA com encaminhamento para acompa- nhamento ambulatorial na UBS para que seja encaminhado a um ambulatório não hospitalar de neurologia • Se não houver melhora da dor após as três doses de clorpromazina, acionar CR e encaminhar pacien- te para hospital terciário, onde será realizada avaliação por neurologis- ta e tomada conduta específica. Dentro dessas recomendações, cabe ainda comentar que em casos de uso de analgésicos simples e AINES (aci- ma de 15 dias) e triptanos e ergota- mínicos (acima de 10 dias) há risco de cronificar a dor do paciente, aumenta a frequência das crises e tornando a enxaqueca em cefaleia por uso ex- cessivo de medicamentos. Já no tratamento profilático, 5 tra- tamentos podem ser usados nos pacientes com migrânea. Esses são os betabloqueadores (Proprano- lol 80-240mg/dia ou Atenolol 25- 150mg/dia), bloqueadores de canal de cálcio (Flunarizina 5-10mg/dia), antidepressivos tricíclicos (Amitrip- tilina 25-150mg ou Nortriptilina 10- 75mg), anticonvulsivantes (Ácido Valproico 500-1500mg ou Topira- mato 25-200mg) e, também, a toxina botulínica com aplicações na cabeça e nos ombros para pacientes refratá- rios a outras terapias. Cefaleia tensional Dores de cabeça tensional em sua fase aguda ou episódica geralmente são tratadas com analgésicos sim- ples, como paracetamol 750-1.000 mg até 6/6 h; dipirona 500 1.000 mg até 6/6 h e/ou anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), como ibuprofeno 400-800 mg até 6/6 h, diclofenaco 50 mg até 8/8 h, cetoprofeno 50 mg até 6/6 h e naproxeno sódico 500 mg dose inicial e 250 mg até 6/6h. Com o mesmo cuidado com essas medicações de não se utilizar medica- mentos de forma excessiva. Essa ce- faleia também pode se beneficiar com o tratamento profilático com amitripti- lina (começando com 10 mg na hora de dormir e aumentada lentamente – 10 a 12,5 mg a cada 2-3 semanas - até 100 mg, até que o paciente me- lhore ou se desenvolvam sintomas colaterais intoleráveis), nortriptilina ( 24CEFALEIA 25 a 100 mg à noite), doxepina (25 a 75 /dia), maprotilina (10 a 25/mg/dia), ou a fluoxetina (10 a 20 mg/ dia). Re- laxantes musculares, fisioterapia e a acupuntura também são úteis. Cefaleia em salvas A cefaleia em salvas segue uma abordagem da crise com, principal- mente administração de oxigênio a 100%, em máscara sem recirculação, com fluxo de 10- 15 l/min durante 20 minutos, ou sumatriptano 6mg por via subcutânea se disponível. Caso o paciente tenha utilizado algum me- dicamento vasoconstrictor, o suma- triptano deve ser evitado. A oxigenoterapia sozinha já tem sucesso em 60-70% dos ca- sos. Analgésicos comuns e opioides são ineficazes e não devem ser utilizados. Apósmelhora do quadro álgico, o pacien- te deve ser orientado a evitar fatores desencadeantes (bebidas alcoólicas e substâncias voláteis), até o final do período de crises. O tratamento pro- filático para as crises pode usar vera- pamil 240-480mg/dia ou carbonato de lítio 300-900mg/dia, dividido em 3 doses, podendo ser aumentada gra- dualmente 300 a 600mg diariamen- te, a cada 1 a 7 dias. Esse segundo medicamento possui quantidade maior de efeitos colaterais, tendo pre- ferência ao uso de Verapamil. 25CEFALEIA CEFALEIA TENSIONAL crise tratamento profilático crise tratamento profilático tratamento profilático crise > 72h crise < 72h Sem melhora Sem melhora Propranolol 80-240mg/dia Atenolol 25-150mg/dia ENXAQUECA CEFALEIA EM SALVAS Verapamil 240-960mg/dia Oxigenoterapia FiO2 100% 10 a 15 L ou Sumatriptano 6mg por via subcutânea Amitriptilina 100mg ou Nortriptilina (25-100 mg) Analgésicos (Paracetamol 750mg e Dipirona 500-1000mig) ou AINES (Cetoprofeno 100mg, Diclofenaco 50-100mg) Repouso Dimenidrato 30mg Reposição de fluidos Dipirona 1 grama Cetoprofeno 100mg Tratamento crise <72h + Dexametasona 10mg IV Betabloqueadores Bloqueadores de canal cálcio Flunarizina 5-10mg/dia Amitriptilina 25-150mg Nortriptilina – 10-75mg Antidepressivos tricíclicos Anticonvulsivantes Ácido Valproico 500-1500mg Topiramato 25-200mg Sumatriptano 6mg Clorpromazina 0,1-0,25mg/kg IM CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS CEFALEIA EM SALVAS 26CEFALEIA Adaptado de: https://sbcefaleia.com.br/images/file%205.pdf] 7. CEFALEIAS SECUNDÁRIAS Como já explicado anteriormente as cefaleias secundárias são doenças em que a dor é um sintoma da etiolo- gia, essas incluem doenças neuroló- gicas, sistêmicas e cranianas. Desse modo, essas doenças podem ser mais perigosas para a vida do paciente e, por isso, em um paciente com cefaleia o primeiro passo da anamnese e do exame físico é excluir essas causas. Uma cefaleia secundária é conside- rada, principalmente, quando há red flags, como já comentado. A pior dor da vida, mudança no padrão, piora com exercício ou postura, exame neu- rológico alterado, sinais ou sintomas sistêmicos e início das crises após 50 Cefaleia intensa, pulsátil, com náusea e vômito Cefaleia não pulsátil, intensidade moderada, sem náusea, foto ou fonofobia Cefaleia excruciante, unilateral, peritorbitária, temporal ou frontal, com coriza e/ou lacrimejamento ipsilaterais Enxaqueca/migrâneaCefaleia do tipo tensional Cefaleia em salvas Tratamento abortivo O2 a 100% ou sumatriptano 6mf SC Ausência de melhoraMelhora Avaliação pela neurologia Avaliação pela neurologiaSeguimento na UBS ABORDAGEM DO PACIENTE COM CEFALEIA AGUDA RECORRENTE. anos são alguns exemplos de sinais de alerta. A partir de agora será co- mentado sobre cada uma das princi- pais etiologias causadoras de cefaleia secundária. Arterite temporal ou de Células Gigantes A arterite temporal é um processo inflamatório visto principalmente em indivíduos idosos. Cefaleia temporal nova é um dos sintomas mais co- muns. A sua incidência é de aproxi- madamente 12 por 100.000 e au- menta com a idade chegando a 51 por 100.000 em indivíduos com mais de 80 anos de idade. Ela afeta mu- lheres com mais frequência do que 27CEFALEIA os homens (3:1) e é mais comum em indivíduos brancos, especialmente aqueles de descendência escandina- va e britânica. A doença está associada à polimial- gia reumática. A dor de cabeça não tem nenhum achado específico, mas a dor em geral é contínua, generaliza- da e ocasionalmente latejante. Têm- poras são geralmente dolorosas, e os pacientes se queixam de dor ao rea- lizar certas atividades da vida diária, como mastigar alimentos ou pentear o cabelo. Cegueira monocular transi- tória e diplopia podem ocorrer. Em exames, o hemograma pode mostrar leucocitose e neutrofilia, mas é a VHS que mais frequentemente se altera. Encontra-se acima de 40 mm na grande maioria dos casos, po- dendo ultrapassar os 100 mm. Um estudo populacional feito pela Mayo Clinic encontrou que apenas 5,4% dos pacientes tinham VHS maior que 40 mm/hora e 10,8%, menor que 50 mm/hora, embora, em outros estu- dos, esta proporção possa chegar até 25% dos casos. A proteína C reativa, por sua vez, parece ser mais sensível tanto para o diagnóstico quanto para predizer recidiva, assim como a inter- leucina-6 parece ser um bom marca- dor da atividade da doença. O diag- nóstico de certeza pode ser feito pela biópsia da artéria temporal. A prin- cípio, a literatura recomenda a con- firmação diagnóstica com biópsia da artéria temporal, embora, na prática clínica, nem sempre se faça este pro- cedimento. Se, ao exame físico, a ar- téria temporal é claramente anormal, basta apenas um pequeno pedaço da artéria para confirmação diagnóstica; porém, se a palpação da artéria for normal, é necessário um segmento de 3 a 5 cm para o diagnóstico, pois o envolvimento inflamatório do vaso costuma ter caráter intermitente e contínuo. Com este tipo de aborda- gem, apenas 10% das biópsias terão achados negativos. Exames de imagem podem auxiliar no diagnóstico. Cintilografia e resso- nância magnética podem ajudar no diagnóstico de sinovite; a ultrasso- nografia de ombros pode demonstrar bursite subacromial ou subdeltoidia- na em quase todos os pacientes com polimialgia reumática. Caso exista suspeita de acometimento extracra- niano da arterite temporal, pode ser realizada angiografia ou angiotomo- grafia ou angiorressonância mag- nética, as quais podem demons- trar estenose ou oclusão bilateral de subclávia, axilar ou ramos da artéria braquial. Biópsias falso-negativas podem ocorrer, mas biópsias perma- necem positivas mesmo 2 semanas após a terapia com corticosteroide. Um achado de infiltrado mononuclear pan-mural que pode formar granu- lomas na biópsia da artéria temporal confirma o diagnóstico. O tratamen- to imediato com corticosteroides, al- gumas vezes antes do resultado da 28CEFALEIA biópsia estar disponível, é necessário em doses entre 40 e 80 mg ao dia, com a dose, então, titulada para bai- xo, enquanto monitora-se a VHS. Os corticosteroides geralmente previ- nem complicações da arterite tempo- ral, inclusive a cegueira. O transtorno pode ser de longa duração. Figura 4. Ressonância magnética orbitária no diagnóstico da cegueira por arterite de células gigantes. Fonte: https:// www.neurologia.com/ Figura 5. Ultrassom de artéria temporal evidenciando sinal do halo. Fonte: https://prod-images-static.radiopaedia.org/ images/27926613/56875a347f7bfdc9717273f596ceb2_big_gallery.jpeg 29CEFALEIA Hipertensão lntracraniana idiopática (Pseudotumor cerebral) A hipertensão intracraniana idiopáti- ca pode ser primária e em mulheres obesas em idade fértil. Hipertensão intracraniana secundária pode ser vista com trombose venosa cerebral, processos expansivos intracranianos, hidrocefalia ou outros processos in- tracranianos. O aumento da pressão intracraniana idiopática ocorre em 20 por 100.000 indivíduos (15 a 55 anos de idade) que são obesos. Mulheres são acometidas mais frequentemente que homens. O início é normalmente na idade adulta jovem. A causa do au- mento da pressão intracraniana pode ser má absorção do LCR como pode ser problema na hipertensão intracra- niana idiopática, hipertensão venosa, como é visto na trombose venosa ou uma massa expansiva intracraniana. A hipertensão intracraniana idiopá- tica é caracterizada por cefaleia em mais de 90% dos indivíduos, cerca de 90% dos quais são obesos. Outros sintomas incluem zumbido pulsátil, obscurecimentos visuais transitórios e visão dupla. No exame, papilede- ma pode ser encontrado. O restante do exame geral e neurológico é ge- ralmente normal em pacientes com hipertensão intracraniana idiopática, mas anormalidades no exame podem apontar para uma causa secundária subjacente, como a trombose de seio venoso, acidente vascular isquêmico, infecção do sistema nervoso centralou tumor cerebral. Embora alguns indivíduos tenham hipertensão in- tracraniana idiopática por anos, a do- ença pode ser autolimitada. Em cerca de um terço dos pacientes, sequelas visuais permanentes relacionadas ao efeito do papiledema se desenvolvem. HORA DA REVISÃO: PAPILEDEMA Figura 6. Papiledema. Fonte: https://www.msdmanuals.com/ O papiledema é um edema do disco óp- tico decorrente do aumento da pressão intracraniana. Disco óptico inchado re- sultante de causas que não envolvem aumento da pressão intracraniana, por exemplo, hipertensão maligna e trombo- se da veia retiniana central) não é con- siderado papiledema. Não há sintomas prévios, embora diminuição passageira da visão possa ocorrer. O papiledema requer pesquisa imediata da causa. O diagnóstico é realizado por oftalmosco- pia acompanhada de testes adicionais, normalmente imagiologia cerebral e, às vezes, punção lombar subsequente para identificar a causa. O tratamento é dire- cionado à causa de base. 30CEFALEIA O diagnóstico da pressão intracra- niana é feito pela presença de carac- terísticas clínicas, bem como através de sinais, tais como papiledema. A RM é necessária para excluir causas secundárias de aumento da pressão intracraniana. A venografia por TC ou RM é muitas vezes necessária para excluir trombose de seio venoso. A punção lombar deve ser realizada, a menos que os pacientes tenham con- traindicação como uma lesão expan- siva intracraniana e a pressão do LCR deve ser medida. O diagnóstico pode ser feito se a pressão está elevada (LCR > 250 mm H2O). Campos vi- suais devem ser examinados formal- mente porque a acuidade visual não é afetada até tardiamente na evolução do distúrbio. Embora nenhum ensaio clínico controlado de tratamento de hipertensão intracraniana tenha sido realizado, a acetazolamida em doses de 500 a 1.000 mg/dia parece ser útil para o tratamento de hipertensão in- tracraniana idiopática. Qualquer cau- sa secundária subjacente deve ser tratada. A perda de peso é benéfica em indivíduos obesos. O prognóstico de pacientes com hipertensão intra- craniana idiopática é bom com o trata- mento, mas até um terço dos pacien- tes tratados de maneira inadequada podem apresentar perda permanente do campo visual ou acuidade visual. Hipotensão lntracraniana A hipotensão intracraniana causa dor de cabeça que fica caracteristi- camente melhor quando o paciente está em decúbito dorsal e pior quan- do o paciente está em posição ereta. Ela pode ser primária (espontânea) ou secundária a outra causa subjacente, mais comumente uma punção lom- bar. A hipotensão intracraniana era outrora considerada rara, mas as téc- nicas modernas de imagens sugerem uma incidência de cerca de cinco a cada 100.000 por ano. A causa mais importante da hipoten- são intracraniana é a perda liquórica geralmente por laceração da dura- -máter, geralmente na região lombar em torno de estruturas císticas cha- mada de cistos de Tarlov. Evidente- mente qualquer fístula, em qualquer ponto dos envoltórios do sistema ner- voso central, pode determinar a sín- drome de hipotensão liquórica. A cau- sa de hipotensão intracraniana pode não ser a própria fístula em si, mas baixa pressão venosa epidural, que auxilia no desenvolvimento da hipo- tensão liquórica e, portanto, da fístula. A hipotensão intracraniana é caracte- rizada clinicamente por uma cefaleia de caráter postural. A localização da dor é variável e a característica mais frequente é a alteração ortostática da dor. Visão dupla pode se desenvolver se a herniação do rombencéfalo ocor- re. Podem ocorrer também zumbidos, náuseas e vômitos. 31CEFALEIA O diagnóstico de hipotensão intra- craniana é feito por RM mostrando o realce dural com injeção do contras- te gadolínio, com espessamento da dura-máter. Além disso pode haver descida das tonsilas cerebelares. A punção lombar também pode mos- trar baixa pressão do LCR (< 50 mm H 20). O diagnóstico diferencial in- clui cefaleia crônica diária primária, enxaqueca ou outras causas secun- dárias de dor de cabeça. O diagnós- tico é confirmado se fístula liquórica é demonstrada por estudos utilizan- do isótopos radioativos intratecais, mielografia por ressonância nucle- ar magnética ou mielotomografia de TC. O tratamento de vazamento de LCR inclui repouso no leito, cafeína e líquidos. Para pacientes com cefaleia pós-punção um tampão sanguíneo (blood patch) melhora os sintomas. Raramente existe necessidade de re- paro cirúrgico. Com o tratamento, os sintomas e achados de RM devem ser completamente resolvidos. Neuralgia Trigeminal Neuralgia do trigêmeo é uma condi- ção distinta, terrivelmente dolorosa provocada por estímulos sensoriais na distribuição do nervo trigêmeo. Neuralgia do trigêmeo ocorre em quatro por 100.000 indivíduos, mais comumente em pessoas entre 50 e 70 anos de idade e em mulheres le- vemente mais do que em homens (1,5:1). Nos indivíduos mais jovens, esclerose múltipla pode estar as- sociada à condição. Em indivíduos mais velhos, uma dobra vascular no sistema vertebrobasilar pode cau- sar a síndrome, comprimindo o ner- vo trigêmeo. A zona de entrada da raiz do nervo trigêmeo parece ser o local da patologia. Desmielinização ou compressão da região determina desmielinização de aferentes trige- minais. Quando uma causa específica pode ser definida, o termo “neuralgia trigeminal sintomática” é usado com frequência. A dor da neuralgia do trigêmeo é ca- racteristicamente aguda, penetrante e semelhante a choque elétrico na distribuição do nervo trigêmeo: ao redor do olho e testa (V1), bochecha (V2), queixo ou dentes inferiores (V3). Quando mais de um ramo é afetado, a associação de V2 e V3 é a mais co- mum. Os paroxismos são curtos, com duração de segundos até dois minu- tos. Alguns pacientes têm uma dor surda e contínua, porém na maioria das vezes a dor é exclusivamente pa- roxística. A dor é geralmente desen- cadeada por estímulos como tocar a face, escovar os dentes, estimula- ção por corrente de ar sobre a face, ou mastigar alimentos. Uma vez que um evento da dor é desencadeado, há um período refratário no qual a dor não irá ocorrer. Os critérios de diagnóstico incluem crises paroxísticas de dor persistente 32CEFALEIA por um segundo a dois minutos e afe- tam uma ou mais divisões do nervo trigêmeo. Para fazer o diagnóstico, a dor precisa ser intensamente agu- da, “em punhaladas”, ou precipitada por um evento desencadeador. Cada ataque é estereotipado, e geralmente não existem outros defeitos neuroló- gicos. A neuralgia idiopática do trigê- meo por definição não tem nenhuma lesão causadora, enquanto a neural- gia trigeminal sintomática tem uma causa, tais como compressão vascu- lar da zona de saída da raiz do nervo trigêmeo. O diagnóstico diferencial inclui cefalalgia trigêmino-autonôrni- ca, que apresenta acompanhamentos autonômicos que não estão associa- dos à neuralgia do trigêmeo. Dor fa- cial atípica e a síndrome de Tolosa- -Hunt, uma síndrome inflamatória do seio cavernoso anterior, também são incluídas no diferencial. Neuralgia trigeminal é tratada com medicamentos ou cirurgia. Carbama- zepina (100 a 1.200 mg) é conside- rada o agente de primeira linha para a neuralgia. Baclofeno (40 a 80 mg), clonazepam (2 a 6 mg), lamotrigina (25 a 400 mg), gabapentina (300 a 1.200 mg), oxcarbazepina (600 a 1.800 mg) e topiramato (25 a 400 mg) também são usados. Tratamen- tos cirúrgicos incluem descompres- são microvascular, que pode aliviar os sintomas e preservar função senso- rial. Outros tratamentos incluem des- truição parcial do nervo trigêmeo com o calor (lesões de radiofrequência) ou com glicerol (destruição química). Pacientes com neuralgia do trigêmeo podem ter remissão espontânea ou induzida por medicação. A descom- pressão microvascular muitas vezes é curativa. Outras etiologias importantes são a meningite, hemorragia intracraniana e o tumor cerebral, que serão comen- tados brevemente. MeningiteA cefaleia aguda e intensa com rigi- dez de nuca e febre sugere meningite. Frequentemente há marcada acentu- ação da dor com os movimentos dos olhos. É fácil confundir meningite com enxaqueca, pois os sintomas cardi- nais de cefaleia latejante, fotofobia, náuseas e vômitos frequentemente estão presentes, talvez refletindo a biologia subjacente de alguns pacien- tes. A punção liquórica é importante para o diagnóstico. Hemorrágia subaracnóidea Cefaleia aguda e intensa com rigidez de nuca, mas sem febre, sugere he- morragia subaracnóidea. Um aneuris- ma roto, malformação arteriovenosa ou hemorragia intraparenquimatosa também podem apresentar-se ape- nas com cefaleia. Raramente, se a hemorragia for leve ou abaixo do fo- rame magno, a TC de crânio pode ser 33CEFALEIA normal. Portanto, a punção liquórica pode ser necessária para estabelecer o diagnóstico definitivo de hemorra- gia subaracnóidea. Tumor Cerebral Cerca de 30% dos pacientes com tumores cerebrais consideram a ce- faleia como sua queixa principal. A dor de cabeça costuma ser indescri- tível – uma dor maçante, profunda, intermitente, de intensidade modera- da, que pode piorar aos esforços ou por mudança de posição e pode ser acompanhada de náuseas e vômi- tos. Esse padrão de sintomas resulta de enxaqueca com frequência muito maior do que a de tumor cerebral. A cefaleia de um tumor cerebral per- turba o sono em cerca de 10% dos pacientes. Os vômitos que precedem o início da cefaleia em semanas são altamente típicos de tumores cere- brais da fossa posterior. Uma história de amenorreia ou galactorreia deve levar à suspeita de adenoma hipofi- sário secretor de prolactina (ou de sín- drome dos ovários policísticos) como a origem da cefaleia. A cefaleia que surge originalmente em paciente com câncer conhecido sugere metástase cerebral ou meningite carcinomatosa, ou ambas. A dor de cabeça que sur- ge abruptamente após a inclinação ou elevação do corpo ou tosse pode ser causada por uma massa na fossa posterior, malformação de Chiari ou baixo volume de líquido cerebrospinal (LCS). 34CEFALEIA Cefaleia no curso de uma doença Investigar causas antes de confirmar como primária Decorrente de causa secundária Decorrente de primeira apresentação de cefaleia primária Primeiro acometimento Cefaleia nova Mudança de padrão Enxaqueca Tensional Em salvas Buscar causa secundária Foto e fonofobia Náuseas e/ou vômitos > 4 horas Piora com atividade física Leve a moderada Em aperto/pressão Não piora com atividade física Mais intensa Unilaterais Mais comum em homens Alterações autonômicas Neoplasia HIV Avaliação direcionada para a doença de base Investigar como cefaleia secundária TC ou RM Angiografia Punção liquórica CEFALEIA Cefaleia crônica MAPA MENTAL CEFALEIA 35CEFALEIA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Kasper, Dennis L., et al. Manual de Medicina de Harrison. McGraw Hill Brasil, 2017. Goldman, Lee, and Dennis Ausiello. Cecil tratado de medicina interna. No. 616. Elsevier,, 2009. Abu-Arafeh I, Razak S, Sivaraman B, Graham C. Prevalence of headache and migraine in children and adolescents: a systematic review of population-based studies. Dev Med Child Neurol 2010;52:1088–97. Speciali, José Geraldo. “Classificação das cefaléias.” Medicina (Ribeirao Preto Online) 30.4 (1997): 421-427. Speciali, José Geraldo, et al. “Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias nas unidades de urgência do brasil” Neto JPB, Takayanagui OM. Tratado de neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. 36CEFALEIA
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