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Doença diarreica aguda Definições - Diarreia aguda ou GECA (Gastroenterite aguda): eliminação anormal de fezes amolecidas e líquidas, frequência maior e igual a 3x por dia por período de até 14 dias. ● Não tem sangue e muco nas fezes ● Não trata com antibiótico nunca - Disenteria: diarreia com sangue ou leucócitos nas fezes. ● Tem sangue e muco e precisa ser pesquisada a etiologia. ● Trata com antibiótico às vezes - Diarreia persistente: quando a duração é maior que 14 dias. - Diarréia recorrente: recorrência após 7 dias assintomáticos. Epidemiologia - Alta prevalência ● 3 a 5 bilhões casos/ano em < 5 anos - Países em desenvolvimento ● Grandes variações geográficas • Lactentes: 6 episódios/ano? ● Crianças: 3 episódios/ano. - A segunda principal causa de morte por causa infecciosa em < 5 anos. ● 1,5 a 2 milhões óbitos/ano. Fatores prognósticos - Geralmente benigna e autolimitada (duração 5-7 d). - Quadro grave em 2% dos casos: ● Óbito em 0,6% - Fatores relacionados ao prognóstico • Idade < 6 meses ou peso < 8 Kg ● Prematuridade. ● Mães adolescentes. ● Baixa escolaridade dos pais. ● Condição socioeconômica desfavorável. ● Desnutrição. ● Crianças institucionalizadas. Fisiologia I. Absorção de H2O: passiva, segue o movimento de Na II. Mecanismos: ● Transporte eletroquímico neutro (Na+/H+ e Cl-/HCO3-). ● Transporte ativo dependente de ATPase (principal). ● Transporte acoplado a substratos (glicose e aminoácidos). 1. Diarréia infecciosa a) Gastroenterite viral: principais causadores de diarreia infecciosa. Doença autolimitada e de bom prognóstico se adequadamente tratada. O patógeno alcança o sistema digestório: - EPEC: Aderência à mucosa e destruição dos enterócitos. - ETEc e V.cholerae: Aderência e produção de enterotoxinas. - Rotavírus: Invasão e destruição do enterócito. - Salmonella e Shigella: invasão da mucosa. I. Rotavírus ● Principal causa de diarreia infecciosa em crianças. ➔ 4-24% dos casos de gastroenterites ➔ Responsável por 30-72% das internações em < 2 ano. ➔ Redução até 50% após a vacinação. ● Transmissão fecal-oral, fômites ou respiratórios. ● Mecanismos: I. Destruição de enterócitos com perda de dissacaridases. II. Produção de enterotoxinas e distúrbios de transporte de eletrólitos. ● Período de incubação: 1-3 d ● Quadro clínico: ➔ Febre, vômitos precoces, epigastralgia, seguido de diarreia em 12-24h e diarreia aquosa, intensidade variável, duração 3-8 d com evolução para diarreia crônica em 10% casos. II. Norovírus ● Causador de diarreia em todas as idades. ● Principal causador de surtos de diarreia. ➔ Alta infectividade: 10 partículas virais são capazes de causar doenças. ● Importância crescente em países com vacinação contra Rotavírus. ● Principal agente em escolares e adolescentes. ● Quadro clínico: ➔ A maioria das infecções são assintomáticas. ➔ Quase todas as crianças têm pelo menos um episódio sintomático até 2 anos. ➔ Período de incubação: 12 h-5 d. ➔ Febre, vômitos, diarreia, dor abdominal, anorexia, cefaleia, mialgia, sintomas respiratórios (norovirus: vômitos podem ser o principal sintoma). ◆ Vômitos: melhoram em 1-4 d. ◆ Diarreia aquosa, sem sangue ou muco: Duração média 5-7 d. ◆ Gravidade dos sintomas variável, pode evoluir com piora. ◆ Complicações: desidratação, choque hipovolêmico, distúrbios eletrolíticos, acidose, dermatite de fraldas, intolerância à lactose. III. Adenovírus ● Causam com mais frequência, infecção do aparelho respiratório mas dependendo do sorotipo, podem causar quadros de gastroenterite. IV. Astrovírus ● São menos prevalentes. ● Apesar de poder ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais acometidos. ● A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente provoca casos de diarreia leve e autolimitada. b) Gastroenterite bacteriana Principais agentes etiológicos de diarreia aguda depois dos vírus. Três mecanismos fisiopatológicos: Adesão e produção de enterotoxinas sem lesão de parede celular → Adesão e produção de enterotoxinas com lesão de parede celular → Invasão da mucosa intestinal. I. Bactérias invasivas - E. coli invasiva ● Invasão enterócitos intestino delgado e grosso. ● Destruição celular e reação inflamatória. ● Sintomas de intensidade variável, dependendo do grau de invasão: de diarreia leve a choque séptico. - Salmonella sp. ● S. enteritidis e S. typhimurium: sorotipos causadores de diarreia. ● Surtos relacionados à contaminação de alimentos: laticínios, aves, ovos mal cozidos. ● Destruição de enterócitos, invasão da mucosa e produção de toxinas. ● Sobrevive longos períodos dentro de macrófagos. ➔ Disseminação para corrente sanguínea em 5% dos casos. II. Bactérias toxigênicas - E. coli enterotoxigênica (ETEC) ● Produz duas toxinas: termolábil (LT) e termoestável (ST). ● LT: estimula formação de AMPc – secreção de Cl pelas células da cripta e redução da absorção de água e eletrólitos pelas células apicais. ● ST: estimula formação GMPc: Aumenta secreção H2O e eletrólitos na cripta. ● Diarreia secretora profusa III. Bactérias produtoras de citotoxinas - E. coli êntero-hemorrágica ● Sorotipo O157H7 ● Diarreia sanguinolenta, de gravidade variável ● Principal complicação: síndrome hemolítico-urêmica (SHU) em 8% dos casos: anemia hemolítica, plaquetopenia e insuficiência renal. - Clostridium difficile ● Colonizam o intestino de RN e lactentes. ● Associado à antibioticoterapia de largo espectro em pacientes internados: ➔ Clindamicina, cefalosporinas, penicilina. ● Diarreia por produção de toxinas A e B. ● Colite pseudomembranosa: mucosa colônica edemaciada, friável, com placas. ➔ PMN, infiltrado inflamatório crônico, fibrina, células epiteliais descamadas. ● Quadro clínico: Disenteria, febre, distensão abdominal, sepse IV. Não se enquadra - E.coli enteropatogênica clássica (EPEC) ● Frequentemente em nosso meio. ● Mecanismo: Injeção de proteínas virais no interior do enterócito, com ruptura das tight junctions, produção de citocinas inflamatórias e distúrbios no transporte de íons. - E. coli enteroagregativa (EAEC) ● Aderem a linhagens celulares in vitro (Hep-2 e HeLa) formando agregados característicos. ● Causa importante de diarreia do viajante. ● Causa diarreia persistente em crianças. Intoxicação alimentar: - Ingestão de alimentos contendo enterotoxinas: ● S. aureus: ➔ Produz 5 enterotoxinas: A, B, C, D e E. ➔ Alimentos: carne de vaca, aves, peixes, saladas. ➔ Toxinas termorresistentes. ➔ Início dos sintomas 1-8 h após ingestão; duração 1-2 dias. ● Bacillus ceruleus. ● C. perfringens. c) Gastroenterite por protozoários - Entamoeba hystolitica: ● Geralmente habita o intestino como comensal. ● Pode invadir a mucosa intestinal, causando disenteria, ulcerações de parede e íleo paralítico. ● Formas subagudas associadas à obstipação. ● Invasão de corrente sanguínea: abscessos hepáticos amebianos. - Giardia lamblia: ● Alta prevalência em < 3 anos. ● Quadro clínico variável: infecção assintomática, diarreia aguda, crônica ou recorrente. ● Sintomas associados: anorexia, náuseas, cólicas. - Cryptosporidium sp ● Ocorre em < 2 anos e imunocomprometidos. ● Proteção pelo aleitamento materno. 2. Não infecciosas a) Alergias. b) Intolerâncias. c) Medicamentos. 3. Diarréia osmótica A diarreia osmótica predomina nos quadros virais. - Acúmulo de solutos e nutrientes osmoticamente ativos na luz intestinal, com retenção de água e eletrólitos - Mecanismos: Não absorção: ● O rotavírus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias apicais, que concentram as dissacaridases, principalmente a enzima lactase. ➔ Com a destruição dos enterócitos e a reposição por células imaturas há a diminuição da atividade enzimática reduzindo a absorção dos carboidratos com ênfase na lactose → Os açúcares não absorvidos aumentam a pressão osmótica na luz intestinal o que determina a maior passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para manter o equilíbrio osmótico. ● Deficiência de lactase ● Doença celíaca. Ingestão: ● Diarreia induzida por dieta (ex:abusos alimentares). ● Usode laxantes osmóticos - PEG / lactulona. - Quadro clínico: ● Diarreia explosiva, com cólicas, fezes ácidas, dermatite perineal. 4. Diarréia secretora Causada por distúrbios no transporte de eletrólitos pelos enterócitos: I. Aumento da secreção de CL- II. Redução da absorção de Na+ III. Aumento de H20 na luz intestinal. - Causas: ● Bactérias enteropatogênicas: ➔ V. cholerae. ➔ E. coli enterotoxigênica (ETEC). ➔ C. difficile. ➔ Clostridia perfringens ● Vírus. ● Outros: peptídeos gastrointestinais, medicações, diarréia congênita. - Quadro clínico: ● Diarréia. ● Febre baixa. ● Vômitos tardios. ● Não melhora com jejum. 5. Diarréia inflamatória Ocorre em diarreias agudas infecciosas e em diarreias crônicas - Mecanismos: I. Inflamação com exsudação de proteínas, muco e sangue para a luz intestinal. II. Distúrbio de transporte de eletrólitos: secreção Cl, menor absorção Na. III. Lesão de enterócitos e acúmulo de solutos osmóticos na luz intestinal. - Etiologia infecciosa: ● Vírus ● Bactérias ● Protozoários helmintos. Ex: Enteropatógenos invasores: Salmonella, Campylobacter, C. difficile. - Etiologia não infecciosa ● Alergia e intolerância alimentar. ● Erro alimentar. ● Medicamentos. - Quadro clínico: ● Mal estar, vômitos, febre (se causas infecciosas), dor em cólica. ● Sintomas sistêmicos variáveis, dependendo da invasividade do agente. ● Disenteria: presença de muco, sangue e leucócitos nas fezes. - Mecanismo de transmissão: Diagnóstico das diarréias - Dados da anamnese: ● Características das fezes, número de evacuações, duração. ● Presença de náuseas ou vômitos. ● Presença e características da dor. ● Febre, anorexia, estado geral, diurese, aceitação de líquidos. ● Medicamentos utilizados, uso recente de antibióticos. ● Contato com doentes, ingestão de alimentos suspeitos, viagens recentes. - Exame físico: completo: ● Sinais de desidratação e toxemia. ● Avaliação nutricional. - Exames laboratoriais: ● Geralmente desnecessários. ● Indicações: ➔ Desidratação grave. ➔ Suspeita de distúrbios eletrolíticos. ➔ Toxemia, piora do estado geral. ➔ Disenteria. ➔ Lactentes < 2 meses. ➔ Doença de base grave. ➔ Suspeita de agente etiológico específico. ● Quais solicitar? ➔ Hemograma completo ➔ Na/K, U/C ➔ Gasometria. ● Pesquisa de agentes etiológicos: ➔ Investigação de surtos, pacientes com doenças de base, diarreia > 7 d, isolamento hospitalar. ➔ Rotavirus, adenovírus, coprocultura (se suspeita de etiologia bacteriana). ● pH fecal < 5,5 e presença de substâncias redutoras: intolerância a CH. ● Pesquisa de sangue oculto e leucócitos fezes. ● Pesquisa de toxina para Clostridium. Complicações: - Desidratação. ● Choque hipovolêmico, insuficiência renal. ● Mais frequente em < 2 anos e crianças com doenças de base. - Distúrbios eletrolíticos: ● Hipo ou hipernatremia, hipocalemia. - Acidose metabólica. - Intolerância a carboidratos (lactose). - Dermatite perineal. - Desnutrição. Tratamento 1. Hidratação: ● A prevenção da desidratação ou a reidratação constituem a base do tratamento. ● Solução de reidratação oral (SRO) hipoosmolar. ● Hidratação endovenosa: desidratação grave, vômitos incoercíveis, falha na TRO, presença de íleo, irritabilidade ou sonolência excessivas. 2. Orientação alimentar: ● Pausa alimentar durante reidratação. ● Reiniciar dieta habitual após a hidratação. ● Manutenção e incentivo ao aleitamento materno. ● Dieta fracionada, se vômitos. ● Estimular ingestão hídrica (líquidos variados, alternados com a SRO). ● Evitar alimentos laxantes. ● Nos casos agudos não está indicada a restrição de lactose. 3. Antieméticos: ● Não devem ser utilizados rotineiramente. ● A correção da desidratação resulta em melhora dos vômitos, na maioria das vezes. ● Vômitos de difícil controle: ondansetrona: ➔ Reduz a frequência dos vômitos. ➔ Reduz a necessidade de hidratação parenteral. ➔ Reduz a necessidade de internação. ➔ Via de administração: oral ou EV. 4. Zinco ● Micronutriente essencial, cofator enzimático. ● Proteção da membrana celular contra estresse oxidativo. ● Efeito direto nas vilosidades intestinais, na atividade da dissacaridase e no transporte de água e eletrólitos. ● Estimula imunidade celular e humoral: depuração de agentes patogênicos. ● Reduz a duração da diarreia, a ocorrência de diarreia persistente e a ocorrência de novos episódios em 3 meses. ● Apresentações: Gliconato Zn e Sulfato Zn. ● Doses: < 6 meses: 10 mg/d, 10 a 14 d; > 6 meses: 20 mg/d, 10-14 d. 5. Antibióticos ● Indicados em condições específicas; ➔ Sepse. ➔ Disenteria com febre e comprometimento do estado geral. ➔ Cólera. ➔ Pacientes imunossuprimidos. ➔ Infecção comprovada por Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica (tratar com Metronizadol) ou Shigella. ● Demais: ➔ Ciprofloxacino 3 d (primeira escolha). ➔ Azitromicina 5 d (segunda escolha). ➔ Ceftriaxona 5 d. 6. Probióticos ● O uso de probióticos, especialmente lactobacilos, pode reduzir a frequência de evacuações, encurtar a duração da diarreia e até mesmo reduzir a disseminação do rotavírus. ● Possíveis mecanismos: bloqueio competitivo dos sítios receptores, intensificando a resposta imunológica e produzindo substâncias que inativam as partículas virais. ● Probióticos recomendados: ➔ Saccharomyces boulardii (Floratil): 250-750 mg/dia (5-7 dias). ➔ Lactobacillus reuteri DSM 179381 (Colidis): 108 a 4 x 108 (5-7 dias). ➔ L acidophhilus LB (Leiba): 5-9 doses de 1010 CFU/d (2-5 d). ➔ Lactobacillus GG (Culturelle Junior): ≥ 1010 CFU/dia (5-7 dias). 7. Racecadotrila ● Inibidor da encefalinase, responsável pela degradação das encefalinas. ● Redução das perdas diarreicas (volume e frequência) e da duração da diarreia. ● Segura, eficaz, não interfere na motilidade intestinal. ● Contra-indicada em < 3 meses. 8. Vitamina A ● Indicada para populações com risco de hipovitaminose A. ● Reduz o risco de hospitalização e mortalidade por diarreia. ● Utilizada em regiões mais carentes (N e NE). Prevenção - Aleitamento materno exclusivo até 6 m. - Alimentação suplementar adequada após 6 m. - Saneamento básico. - Higiene das mãos, alimentos e utensílios. - Vacinação contra Rotavirus. - Vacinação contra Sarampo. - Vacinação contra rotavírus: ● Administração via oral. ● Reduz formas graves e hospitalizações por rotavírus em 84% e hospitalizações por gastroenterites de qualquer etiologia em 42%. ● Rotarix: ➔ Vacina monovalente de vírus atenuado, cepa G1P(8) ➔ Duas doses: 2m (6-14 sem) e 4m (14-24 sem) ● Rotateq: ➔ Vacina pentavalente, cepas G1, 2, 3, 4, P1A (8). ➔ 3 doses: 2, 4, 6 (1ª dose 45d-3m 7d; 2ª dose até 7m 0d; 3ª dose até 8m 0d).
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