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METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA “A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma ação integrada de suas atividades educacionais, visando à geração, sistematização e disseminação do conhecimento, para formar profissionais empreendedores que promovam a transformação e o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida. Missão da Faculdade Católica Paulista Av. Cristo Rei, 305 - Banzato, CEP 17515-200 Marília - São Paulo. www.uca.edu.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. Todos os gráficos, tabelas e elementos são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência, sendo de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 3 SUMÁRIO AULA 01 AULA 02 AULA 03 AULA 04 AULA 05 AULA 06 AULA 07 AULA 08 AULA 09 AULA 10 AULA 11 AULA 12 AULA 13 AULA 14 AULA 15 06 17 28 39 50 60 70 81 91 100 109 122 132 142 152 CONHECIMENTO CIENTÍFICO E SENSO COMUM PESQUISAS EM EDUCAÇÃO SER PROFESSOR É SER PESQUISADOR TÉCNICAS DE PESQUISA FERRAMENTAS DE ESTUDO REVISÃO DA LITERATURA TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS ÉTICA NA PESQUISA INTERPRETAÇÃO DE DADOS COMO DISCUTO MEUS DADOS ESCRITA ACADÊMICA NORMATIZAÇÃO NA PESQUISA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DESMITIFICANDO A FIGURA DE CIENTISTA COMO INICIAR UMA PESQUISA METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 4 INTRODUÇÃO Olá, estudantes sejam bem-vindos à disciplina de metodologia científica! Essa disciplina tem como objetivo fornecer subsídios para que você estudante consiga organizar suas rotinas e práticas de estudo. Entenda a importância da ética no fazer científico. Conheça as etapas de uma pesquisa, bem como as técnicas e métodos utilizados nessas investigações. Consiga elaborar trabalhos de acordo com as normas da ABNT. Após a leitura do livro e acompanhamento das aulas, você será capaz de caminhar na iniciação científica. Pontuarei na sequência os objetivos propostos para cada capítulo deste livro: O primeiro capítulo elenca os diferentes tipos de conhecimentos presentes em nossa sociedade. Aprofunda nos conceitos de conhecimento científico e conhecimento de senso comum, evidenciando as diferenças entre esses dois tipos de conhecimentos. No segundo capítulo é apresentado um breve histórico das pesquisas em educação e discutida a importância da pesquisa acadêmica para o campo educacional. No terceiro capítulo apontamos a importância da pesquisa dentro do contexto pedagógico, abordando a figura do professor-pesquisador e do professor-reflexivo, por fim apresentamos a ferramenta de diário de bordo. No quarto capítulo apresentamos os tipos de pesquisa quanto a natureza, abordagem, objetivos e procedimentos. No quinto capítulo falamos sobre hábitos e ferramentas de auxílio à construção de uma rotina de estudo. No sexto capítulo abordamos o tema de revisão da literatura, como construir e um exemplo aplicado. O sétimo capítulo trata de técnicas para a coleta de dados em uma investigação, também são apresentados exemplos. No oitavo capítulo falamos sobre a importância da ética na pesquisa, apresentamos algumas legislações que fundamentam essa área e discutimos o conceito de neutralidade na ciência. No nono capítulo, o foco é a interpretação de dados, demonstramos como realizar a sua interpretação de dados a partir de uma situação exemplo. No décimo capítulo falamos sobre o momento de discussão dos dados, trazendo os principais erros cometidos nessa fase. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 5 No décimo primeiro capítulo exploramos a escrita acadêmica, trazendo o gênero artigo científico, sua estrutura e exemplos práticos. No décimo segundo capítulo falamos sobre normatização de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Abordamos os principais pontos das normas e apresentamos exemplos. No décimo terceiro capítulo discutimos a divulgação científica, explicitando a sua importância e o papel que deve ser desempenhado por professores e pesquisadores, neste trabalho. No décimo quarto capítulo abordamos questões relativas ao estereótipo da figura de cientista, apresentamos cientistas que fogem desse estereótipo e por fim conceituamos quem é o cientista real. Para concluir, no décimo quinto capítulo é apresentado o passo a passo para a construção de um projeto de pesquisa, documento indispensável para o desenvolvimento da iniciação científica. O livro foi escrito com muito carinho e dedicação, pensando em todas as necessidades de vocês estudantes, futuros professores e pesquisadores, espero vocês nessa jornada. Boa leitura! METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 6 AULA 1 CONHECIMENTO CIENTÍFICO E SENSO COMUM 1.1 Tipos de conhecimento A espécie humana sempre teve a necessidade de compreender e explicar o mundo e seus fenômenos. Questionamentos que hoje podemos responder facilmente devido à ciência, eram verdadeiros mistérios como, por exemplo: - Por que existe o dia e a noite? - O que são essas luzes brilhantes no céu? - De onde vem a água que cai do céu? Na busca dessas respostas, ao longo da história humana, para conseguir explicar fatos e fenômenos como estes, fomos produzindo diferentes tipos de conhecimentos. Entre esses conhecimentos estão: • Conhecimento filosófico. • Conhecimento religioso. • Conhecimento empírico. • Conhecimento científico. Cada um desses conhecimentos possui suas especificidades. Na Grécia Antiga, por exemplo, as explicações quanto à realidade e à natureza se davam através da mitologia. O conhecimento religioso ou teológico tem como base a fé religiosa. É dogmático, ou seja, não tem espaço para discussão ou questionamento e não é passível de teste. No entanto, com o passar do tempo, os gregos começaram a buscar explicações mais racionais, recorrendo à filosofia. A filosofia parte da reflexão, observação e diálogo sobre a realidade. Já o conhecimento empírico é construído apenas através das experiências dos sujeitos. Não possui intencionalidade, pois sua produção depende do acaso. É assistemático, METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 7 o que significa dizer que não tem procedimento, método ou técnica. Além disso, é fortemente influenciado pelo contexto sociocultural. Finalmente, o conhecimento científico traz como características: uma linguagem rigorosa, possui métodos e técnicas específicas e, por fim, é passível de verificação. Vejamos na tabela abaixo mais informações referentes a esses tipos de conhecimentos. Tabela 1: Tipos de conhecimentos e suas características Fonte: Menezes (2021) - https://www.diferenca.com/conhecimento-empirico-cientifico-filosofico-e-teologico/ Neste capítulo, falaremos mais especificamente sobre o conhecimento científico e o empírico (senso comum). Esses dois conhecimentos, por vezes, são tratados com uma certa hierarquização. Porém, o que ocorre é que são conhecimentos de ordens diferentes, construídos e aprendidos de modos diferentes e servindo a funções diferentes. Não cabe, portanto, considerar um superior ou inferior ao outro. Devemos, sim, compreender e saber fazer uso das suas diferentes funções. https://www.diferenca.com/conhecimento-empirico-cientifico-filosofico-e-teologico/ METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 8 Como pontuado por Germano (2011, p.279), “buscar o diálogo com outras formas de conhecimento é uma atitude mais fecunda e reconhecidamente aceita pela nova visão de ciência que desponta noinício do século XXI”. Figura 1: conhecimento científico e senso comum sem diálogo Fonte: própria autora 1.2 Senso comum Cotrim (2002) define senso comum como o “[...] vasto conjunto de concepções geralmente aceitas como verdadeiras em determinado meio social.” (p.46). Esse saber que se constrói através de experiências e no contato com situações concretas é extremamente importante, inclusive, para a sobrevivência humana. Pensemos, por exemplo, nas seguintes situações: Situação 01 Uma criança está sozinha na cozinha e observa uma panela com água fervendo em cima do fogão. Em um ato de exploração do ambiente, ela decide tocar na panela. Percebe, assim, que a panela está quente (conceito que, por acaso, ela está aprendendo nesse momento!). Prontamente a criança irá descobrir que não deve repetir essa ação, ou irá se queimar. Situação 02 Uma pessoa que nunca viu e não tem absolutamente nenhuma informação sobre cobras! Essa pessoa é levada para uma região com cobras peçonhentas e, ali, avista METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 9 uma cobra coral. Fica curiosa e decide se aproximar do animal, nesse momento, a cobra dá o bote. Se essa pessoa tivesse o conhecimento de senso comum de que cobras podem ser venenosas, provavelmente não chegaria perto desse animal, o que poderia ter salvado sua vida. Isso porque “[...] o senso comum é exímio em captar a profundidade horizontal das coisas, fornecendo generalizações imediatas e fundamentais para o movimento e sobrevivência da espécie” (GERMANO, 2011, p.276). Esses conhecimentos vão sendo compartilhados de geração em geração e são importantes para tomadas de decisões no cotidiano, inclusive para nossa autopreservação. Portanto, obviamente, não faz sentido banalizar ou menosprezar o conhecimento do senso comum. Possivelmente foi a convivência sempre respeitosa que tive com o ‘senso comum’, desde os idos de minha experiência no Nordeste brasileiro, a que se junta a certeza que em mim nunca fraquejou de que sua superação passa por ele, que me fez jamais desdenhá-lo ou simplesmente minimizá-lo (FREIRE, 1999, p.58). Como pontuado por Freire (1999), não nos cabe desdenhar do senso comum ou colocá-lo em uma caixa etiquetada como menos relevante. Contudo, se é preciso reconhecer suas potencialidades, também se faz necessário reconhecer suas limitações. 1.3 Conhecimento científico O conhecimento empírico (senso comum) se baseia na observação e dedução, sem um processo de investigação daquelas informações. Retomemos o exemplo da cobra coral, existem duas espécies de cobras extremamente parecidas: a Micrurus altirostris (coral verdadeira), que é um animal peçonhento, e a Lampropeltis triangulum (coral falsa), que não é peçonhenta. Acontece que, com o conhecimento do senso comum, é improvável que se consiga fazer uma identificação correta acerca de qual é a cobra venenosa. No entanto, um biólogo especialista em répteis certamente terá o conhecimento científico que tornará essa identificação possível. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 10 Figura 2: cobra coral falsa e verdadeira Fonte: própria autora De acordo com o dicionário on-line de Língua Portuguesa, método científico é definido como: Conjunto estruturado de procedimentos que devem ser seguidos para a produção do conhecimento; consiste na observação sistemática e controlada dos fenômenos da natureza, por meio de pesquisas de campo e experimentos que, posteriormente analisados pela lógica, devem corroborar ou falsear o conjunto de hipóteses que sustentam determinada teoria científica. O conhecimento científico é historicamente construído. Ou seja, não se trata de algo pronto e acabado, nem de uma verdade absoluta e inquestionável. Ele está sempre em processo de construção, sujeito à mudança, reformulações e a ser refutado. Ou seja, também é passível de erros! Contudo, há alguns aspectos-chave que diferenciam o conhecimento científico dos demais conhecimentos: a) o uso da racionalidade, pois ele não se baseia na ideia de fé, pelo contrário, fundamenta-se em pensamento crítico e explicações racionais. Diferentemente do conhecimento religioso, aqui, as explicações são pautadas na razão. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 11 b) a comprovação: todo conhecimento científico é passível de verificação e comprovação. Quando a ciência alcança um determinado conhecimento, essa informação, dado ou produto é validada pelos seus pares. Existem processos de análise que averiguam, testam e atestam aquele conteúdo. Pensemos na criação das vacinas para COVID-19, para que elas chegassem até a sociedade, primeiro foi necessário a realização de testes in vitro tendo como objetivo verificar se existia, afinal, um potencial de imunização. Quando alcançaram um resultado promissor na fase in vitro foram realizados estudos com animais para comprovação dos dados obtidos. Após essa fase, chegaram à clínica (teste em seres humanos). Neste momento, existem números mínimos necessários para que se possa chegar à conclusão. Ou seja, a validação estatística de que a resposta imune, apresentada em um indivíduo poderá ser replicada em outras pessoas. c) a existência de um método próprio ao seu fazer. Como pontuado por Moreira e Ostermann (1993, p. 114) “[...] os cientistas têm maneiras características de trabalhar e reportar seus resultados”, mas vale ressaltar que o método científico não é algo fechado, engessado, composto por etapas mecânicas (CARVALHO, 2014). Embora, claro, este processo tenha seu rigor. Moreira e Ostermann (1993) nos apresentam cinco concepções equivocadas quanto ao método científico: Concepção número 1: “O método científico não começa na observação” (MOREIRA, 1993, p. 113). Os autores explicam que o método científico não se inicia em uma observação no vazio. Quando um pesquisador observa um determinado fenômeno, já traz consigo um repertório teórico e de experiência acerca daquele tema. Imaginemos um professor que quer investigar o porquê seus alunos estão tendo dificuldades no processo de aquisição da língua escrita (alfabetização). Esse professor já possui um repertório sobre as teorias dessa área, logo, sua observação já estará imbuída de conceitos elaborados previamente. Concepção número 2: “o método científico é um procedimento lógico, algorítmico, rígido; seguindo-se rigorosamente as etapas do método científico chega-se necessariamente, ao conhecimento científico” (MOREIRA, 1993, p. 113). METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 12 Nesse ponto, os autores alertam para o fato de que o método científico não é uma receita de bolo. Em um contexto real de pesquisa, novas direções podem ser tomadas, hipóteses podem surgir, equipamentos necessários para o desenvolvimento de um experimento podem não estar disponíveis. Ou seja, no fazer científico cada cientista terá o seu próprio caminho e seus próprios obstáculos. Concepção número 3: “O método científico é indutivo” (MOREIRA, 1993, p. 113). Moreira e Ostermann afirmam que é um equívoco considerar que o método científico é necessariamente indutivo. Vale pontuar que aqui os autores se referem a esse método como: um método que parte de casos específicos para se concluir uma verdade geral. Seriam espécies de generalizações a partir da observação. Por exemplo, uma pessoa está observando gatos que estão passando pela rua e nota que os gatos que passaram são brancos, e a partir dessa observação conclui que todos os gatos são brancos, mas não é porque todos os gatos observados eram brancos que não existem gatos com outras cores de pelagem. Concepção número 4 e 5: “A produção do conhecimento científico é cumulativa; linear.” “o conhecimento científico é definitivo” (MOREIRA; OSTERMANN, 1993, p. 113).Quanto a essas duas concepções, os autores pontuam que a construção do conhecimento científico não é necessariamente linear, muitas vezes, sofre rupturas. Isso porque o conhecimento científico está sempre passando por transformações, evoluindo. Tomemos como exemplo a teoria do geocentrismo, na qual a Terra seria o centro do universo. Esse já foi um modelo cientificamente aceito, mas, como sabemos, essa teoria foi refutada e hoje temos a informação de que, na verdade, o centro do nosso Sistema Solar é o sol (heliocentrismo). Portanto, não faria sentido considerarmos o conhecimento científico como algo definitivo e imutável. Na verdade, a ciência se pauta nos frequentes questionamentos, na busca por respostas e caminhos que solucionem problemas existentes em nossa sociedade. Na ciência sempre partimos de perguntas, nos embasamos na racionalidade e em métodos adequados para a investigação, tendo como objetivo encontrar explicações verificáveis. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 13 Portanto, como pontuado por (MOREIRA; OSTERMANN, 1993), o método científico não é algo duro, inflexível, quase robótico, mas é um fazer estruturado. Nesse sentido, compartilho aqui, com você, procedimentos importantes que compõem esse método. Figura 3: método científico – um esquema nada linear. Fonte :própria autora A partir da execução desses procedimentos é que são produzidos novos conhecimentos de ordem científica. Ao longo de uma pesquisa novos questionamentos podem surgir, hipóteses podem ser descartadas e substituídas por outras. Enfim, como a própria imagem deixa claro, a ideia não é transpor em blocos ou sequenciar os procedimentos em fases 1, 2 e 3 ou A, B e C. Transformando o método científico em uma receita de culinária. Estamos falando de um processo dinâmico, vivo. Afinal, a construção do conhecimento científico acontece através de mãos humanas. 1.4 Etnociência Como já pontuado neste capítulo, por vezes, o saber de senso comum é posto em um lugar de inferioridade em relação ao conhecimento científico. Na contramão deste preconceito, atribuir validade para esses saberes populares tem sido o foco dos estudos em etnociências. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 14 [..] podemos dizer que os estudos em etnociências têm como objeto de investigação o repertório de conhecimentos, saberes e práticas dos povos tradicionais (indígenas, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, quilombos, entre outros) em um movimento de documentação, estudo e valorização de suas culturas” (BASTOS, 2013, p. 6197). Trata-se de um movimento de desmarginalização desses saberes, de rompimento com a lógica social que desqualifica os saberes tradicionais. Quem nunca ouviu alguém da família recomendar chá de boldo para problemas gastrointestinais ou no fígado? Ou um copo de açúcar para se acalmar? Ou ainda, oferecer sal quando tem uma queda de pressão? Provavelmente, essa pessoa não saberia explicar quais são as propriedades do boldo que atuam no processo de melhora dos sintomas relacionados com problemas no fígado (pois esse já seria um conhecimento de ordem científica), mas ela aprendeu através da experiência dela, ou de terceiros, que o chá funciona. O boldo tem diversas propriedades medicinais, como a boldina, um antioxidante presente no boldo chileno, ou a forscolina e a barbatusina, encontradas no boldo brasileiro que estimulam a produção da bile pelo fígado, responsável por diversas funções como a digestão e absorção de gorduras e vitaminas. Cientificamente falando, o uso da mistura de água com açúcar não tem nenhum efeito calmante, na verdade, pode até ter um efeito contrário, visto que o açúcar libera glicose responsável pela liberação de energia o que pode deixar a pessoa até mais agitada. A explicação para o nascimento desse mito está relacionada com o fato de o açúcar liberar serotonina, um hormônio responsável pela sensação de prazer. Já no caso do sal, esse também é um mito, a ingestão de sal para aumento da pressão não funciona porque o corpo demora para metabolizar esse sal, não é algo instantâneo. Muitos medicamentos que encontramos hoje em farmácias e que foram desenvolvidos em laboratórios têm suas origens em plantas que já eram utilizadas como alternativas medicinais por povos tradicionais. Ou seja, a medicina através de testes científicos, por vezes, confirma o saber popular e o embasa com estudos. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Peço licença para contar uma história da minha região (Litoral Sul de São Paulo) que exemplifica essa prática. A população caiçara utiliza há muito tempo uma planta popularmente conhecida como erva-baleeira ou maria-milagrosa. Essa METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 15 planta é utilizada para o tratamento de contusões e inflamações. Ocorre que um laboratório famoso desenvolveu um anti-inflamatório a partir das propriedades dessa planta. É claro que, para o desenvolvimento de um remédio farmacológico, existe a necessidade de aplicação do método científico para então sua verificação e validação, antes que seja finalmente comercializado. O fato é que os saberes populares sempre tiveram função no cotidiano de diversas comunidades e isso não podemos ignorar. Etnociência é reconhecer os conhecimentos produzidos por grupos tradicionais. Não cabendo a nós, grupos que têm acesso ao conhecimento de ordem científica, colocarmo-nos em um pedestal, intitulando-nos pertencentes a uma elite intelectual, um grupo especial da sociedade, detentores de uma consciência crítica e, portanto, superiores. É preciso romper com essa lógica colonizadora. Da mesma forma como não devemos diminuir os saberes populares, não podemos aceitar a restrição do saber científico. Não deveria ser considerado algo normal uma determinada parte da população ter garantido o acesso ao conhecimento científico e outra não. Nesse sentido, o papel da escola e mais especificamente dos professores e professoras se torna fundamental. A forma de fazer isso é não criar uma oposição entre o científico e o popular, e sim encontrando a conexão entre ambos. Quando o estudante chega à sala de aula, seja criança, jovem ou adulto, não temos ali um livro em branco, um receptáculo pronto para receber conteúdos de maneira passiva. O aluno é alguém com uma história, uma identidade, pertencente a um contexto sociocultural e detentor de múltiplos saberes, o nosso papel enquanto educadores é o de conseguir acessar esses conhecimentos e, juntamente com nossos estudantes trabalhar na sua sistematização, realizando as intervenções necessárias. É neste sentido que volto a insistir na necessidade imperiosa que tem o educador ou a educadora progressista de se familiarizar com a sintaxe, com a semântica dos grupos populares, de entender como fazem eles sua leitura do mundo, de perceber suas “manhas” indispensáveis à cultura de resistência que se vai constituindo e sem a qual não podem defender-se da violência a que estão submetidos. (FREIRE, 1999, p.107). Dentro dos saberes populares encontraremos elementos mais ou menos próximos do conhecimento científico. Discutir conceitos e conteúdos científicos a partir desses conhecimentos trazidos pelos estudantes é extremamente importante. Por duas razões: 1° porque, desse modo, não corremos o risco de desconsiderar/ passar por cima do repertório do aluno. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 16 2° porque quando o aluno participa efetivamente na construção de suas aprendizagens, e não apenas servindo como depósito de conteúdo, ou seja, quando o estudante age e discute sobre o objeto de conhecimento, tem uma maior probabilidade de uma aprendizagem significativa. Portanto, para concluir este capítulo, gostaria de trazer a fala de Santos, que nos apresenta,de forma muito breve, essa relação entre essas duas formas de conhecimento: A ciência moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e falso. A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo (1988, p.70). A ideia é que possamos estabelecer diálogo entre esses dois saberes, compreendendo as possibilidades e limites de cada um deles. Figura 4: conhecimento científico e senso comum em diálogo. Fonte: própria autora. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 17 AULA 2 PESQUISAS EM EDUCAÇÃO 2.1 Um breve histórico das pesquisas em educação A palavra pesquisa faz parte do nosso cotidiano. Observemos as seguintes falas: - Hoje, na escola, a professora pediu para fazermos uma pesquisa sobre o dia da Independência do Brasil. - Meu pai gosta de pesquisar os preços em diferentes mercados. - Minha mãe viu na pesquisa da televisão que o candidato daquele partido está com maiores intenções de votos. - Participei de uma pesquisa feita por uma marca de camisetas. - Minha irmã participou como voluntária na pesquisa para desenvolvimento da vacina para COVID-19. Vemos, aqui, diferentes empregos da palavra pesquisa. Pesquisa escolar, pesquisa de preço, pesquisa eleitoral, pesquisa mercadológica e, por último, o emprego na pesquisa enquanto estudo científico. Esse último é o significado que nos interessa, nesta disciplina de Metodologia Científica. Gatti, aprofunda esta definição de pesquisa: Pesquisa é o ato pelo qual procuramos obter conhecimento sobre alguma coisa. [...] Contudo, num sentido mais estrito, visando a criação de um corpo de conhecimentos sobre um certo assunto, o ato de pesquisar deve apresentar certas características específicas. Não buscamos, com ele, qualquer conhecimento, mas um conhecimento que ultrapasse nosso entendimento imediato na explicação ou na compreensão da realidade que observamos (2010, p. 9-10). A história da pesquisa focada em educação no Brasil é relativamente recente. De acordo com Gatti (2010), é possível encontrar investigações voltadas para a área educacional no Brasil no início de 1920. Contudo, esses estudos eram isolados. Foi apenas a partir dos anos 30, com a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 18 Educacionais (INEP), que se iniciaram pesquisas mais sistematizadas na área da educação. No ano de 1944, vivemos um marco importante. Nasceu a publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos do INEP, que se tornou uma plataforma para a divulgação dos trabalhos científicos da área. Já em 1955, com Anísio Teixeira, veio a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). A partir da década de 1960, o desenvolvimento das pesquisas passou por uma aceleração. Um dos fatores que contribuiu para essa mudança foi a implementação de programas sistemáticos de pós-graduação. A consolidação de cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) resultou na diversidade das temáticas de estudo, bem como no aprimoramento metodológico: “passou-se a utilizar tanto métodos quantitativos mais sofisticados de análise, como também, qualitativos e, no final da década, um referencial teórico mais crítico, cuja utilização estende-se a muitos estudos” (GATTI, 2010, p.18). Importante dizer que as temáticas exploradas por essas investigações passavam por variações de acordo com o contexto histórico, social e cultural da sociedade de cada período. Entre 1940 e 1950, por exemplo, havia uma predominância voltada para os estudos psicopedagógicos “[...] a temática abrangia estudos do desenvolvimento psicológico das crianças, adolescentes, processos de ensino e instrumentos de medida de aprendizagem” (GATTI, 2010, p.16-17). Aproximadamente em 1950, as pesquisas deslocam-se “[..] para as condições culturais e tendências de desenvolvimento da sociedade brasileira” (GATTI, 2010, p.17). Na década seguinte ganham destaque “[..] estudos de natureza econômica, com trabalhos sobre a educação como investimento, demanda profissional, formação de recursos humanos, técnicas programadas de ensino, etc” (GATTI, 2010, p.17). Entre os anos de 1980 e 1990, as investigações se voltam para situações do cotidiano escolar. Além disso, antes dessa época, o desenvolvimento de pesquisas em educação usava, como base, a psicologia ou a sociologia. A partir daqui, outras áreas de conhecimento são adotadas como aliadas, sendo elas: a antropologia, linguística, história e filosofia (ANDRÉ, 2007). Essa, aliás, é uma característica que permanece até hoje. Costumamos dizer que, na construção das pesquisas em educação, bebemos água em diferentes fontes. A interdisciplinaridade possibilita novos olhares, perspectivas mais críticas e aprofundadas. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 19 ISTO ESTÁ NA REDE Quer saber um pouco mais sobre a história da pesquisa em educação no Brasil e seus desdobramentos? Leia o artigo intitulado “A jovem pesquisa educacional brasileira” escrito pela professora Marli André. Disponível em: https://www.redalyc. org/pdf/1891/189116275002.pdf Figura 5: principais marcos na história da pesquisa em educação Fonte: própria autora 2.1.1. Expansão da pesquisa e o aparecimento de desafios De acordo com Gatti (2010), junto com o crescimento das temáticas de investigação, do número de pesquisadores e dos métodos, também surgiram problemas na produção das pesquisas. Entre esses problemas, André (2007) destaca três: (a) problemas referentes aos fins da investigação e à natureza dos conhecimentos produzidos. As principais questões são: O que caracteriza um trabalho científico? Qual a relação entre conhecimentos científicos e outros tipos de conhecimento? b) problemas relativos aos critérios de avaliação dos trabalhos científicos. Pergunta-se: Como julgar o que é uma boa pesquisa? Quem define esses critérios? c) problemas voltados aos pressupostos dos métodos e técnicas de investigação, tanto nas abordagens qualitativas quanto nas quantitativas. Entre outras questões, indaga-se: Como se desenvolve um estudo de caso etnográfico? Quais os principais cuidados numa pesquisa-ação? Como elaborar instrumentos válidos e fidedignos? Quando é possível generalizar os resultados? (p.122). https://www.redalyc.org/pdf/1891/189116275002.pdf https://www.redalyc.org/pdf/1891/189116275002.pdf METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 20 2.1.2. Finalidade da pesquisa André (2007) afirma que existe uma dualidade entre os pesquisadores. De um lado, aqueles que têm como foco o desenvolvimento da pesquisa e seus processos, do outro, aqueles que se interessam mais pela sua aplicação social. Falaremos mais sobre essa divisão no quarto capítulo (pesquisa básica e pesquisa aplicada). No que se refere a essa questão, Gatti (2010) afirma que, sim, precisamos reconhecer a necessidade de pesquisas que abordem problemas originados na realidade social. Nesse sentido, desenvolver trabalhos vinculados com a realidade e questões imediatas. Por outro lado, é preciso parcimônia. Corre-se o risco de os estudos caírem em um imediatismo que resulte em uma carência teórica, inclusive porque o tempo da pesquisa não é o tempo do agora, do imediato. O processo de pesquisa não é o fast- research, como os fast-foods. A autora também alerta sobre o risco de tornar os estudos apagadores de incêndio, ou seja, resolução de problemas momentâneos e cotidianos, o que pode se tornar um problema futuro, uma vez que, ao investigar apenas questões momentâneas, não desenvolvemos estudos mais profundos de questões que estão em processo de imersão, mas ainda não são visíveis. Penso que sejanecessário encontrar um equilíbrio entre as investigações focadas nos problemas do agora e as investigações que pensem o futuro. 2.1.3. Problemas metodológicos Diversos são os trabalhos que investigam pesquisas na educação e evidenciam fragilidade nos métodos (WARDE, 1993; ANDRÉ, 2000; GATTI, 2010). Situações como: - Número baixo de participantes do estudo; - Análises com falhas em suas fundamentações; - Falta de fundamentação teórica, entre outras. Gatti (2010) discorre de maneira resumida sobre esses problemas, tanto em investigações quantitativas: [...] verificamos hipóteses mal-colocadas, variáveis pouco operacionalizadas ou operacionalizadas de modo inadequado, quase nenhuma preocupação com a validade e a fidedignidade dos instrumentos de medida, variáveis tomadas como independentes sem o serem, modelos estatísticos aplicados a medidas que não suportam suas exigências básicas, por exemplo, de continuidade, intervalaridade, proporcionalidade, forma de distribuição dos valores, entre outros. Constata-se, ainda, ausência de consciência dos limites impostos pelos dados, pelo modo de coleta, às possíveis interpretações. E, ainda, interpretações empobrecidas pelo não-domínio dos fundamentos dos do método de análise empregado (p.31). METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 21 Como nas qualitativas: [...]sem parâmetros teóricos, a descrição do óbvio, a elaboração pobre de observações de campo conduzidas com precariedade, análises de conteúdo realizadas sem metodologia clara, incapacidade de reconstrução do dado e de percepção crítica de vieses situacionais, desconhecimento no trato da história e de estórias, precariedade na documentação e na análise documental (GATTI, 2010, p. 31). Como podemos saber se estamos realizando uma pesquisa com qualidade? Para isso, falaremos a seguir sobre a avaliação das pesquisas. 2.1.4. Avaliação das pesquisas André (2007) apresenta uma síntese com critérios que possibilitam avaliar a qualidade das pesquisas. São eles: A importância dos estudos se encontrarem em um quadro teórico que evidencie sua contribuição à literatura existente; A necessidade de se ter um objeto de estudo bem definido, com objetivos e questões claras; Uma metodologia que de fato converse com os objetivos; A realização de uma análise profunda, muito bem fundamentada; A comprovação das afirmações e conclusões do estudo. O avanço do conhecimento (o que a investigação trouxe de novo para os conhecimentos já existentes). ANOTE ISSO Esses são inclusive, pontos que devemos levar em consideração quando formos realizar um trabalho acadêmico, seja ele um trabalho de conclusão de curso, um artigo científico, uma dissertação ou uma tese. 2.2. A importância da pesquisa para o campo educacional Uma das frases que mais escuto quando falo que sou pesquisadora é: METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 22 - Mas na prática a teoria é outra! Vale ressaltar que, apesar de ter optado por também seguir na carreira acadêmica, nunca tirei os pés da escola. Sou professora e atuo como professora da educação básica. Assim, retomando a frase acima, o que eu quero pontuar é que, de fato, existe uma rixa antiga entre teoria e prática. Porém, será que essa é uma realidade? Ao entrar na universidade, no curso de pedagogia, lembro muito bem que uma das coisas que me chamou atenção foi o quanto as práticas das minhas professoras e professores conversavam com as teorias que estava aprendendo. Eu lembro claramente de pensar: - Nossa a professora X era tradicional. - A professora y era construtivista. - O professor A era comportamentalista. O que eu quero dizer com isso é que, mesmo que não saibamos, a nossa prática enquanto docente pode ser explicada por teorias que já foram desenvolvidas. Ou seja, independentemente de o profissional ter consciência ou não, alguma teoria embasa seu fazer diário como professor. Porém, agora pretendo aprofundar um tema contrário a esse. Ou seja, não nos pontos de encontro entre a prática e a teoria, e sim na inegável distância que existe entre a ciência da educação e os sistemas de ensino. Como pontuado por Gatti (2001, p.11) “Há inegavelmente uma porosidade entre o que se produz nas instâncias acadêmicas e o que se passa nas gestões e ações nos sistemas de ensino [...]”. A autora ainda fala que os caminhos que fazem essa ponte nessa relação não são fáceis e nem imediatos. Campos (2009), em seu artigo intitulado “Para que serve a pesquisa em educação?”, traz uma questão importantíssima. Afirmando que as pesquisas não devem servir como respostas prontas para a prática docente, e sim, levadas em consideração, mas não devem ser os únicos pontos a considerar e muito menos serem incorporadas cegamente. Assim como as pesquisas desenvolvidas na área da saúde não são impostas aos médicos em seus consultórios (apesar de nortearem todas as decisões), as pesquisas em educação não devem ser impostas, e sim acolhidas em espaços de diálogo fortes, abertos e efetivos. No entremeio de todo esse diálogo, claro, há uma complicação inesperada! Vejamos um exemplo dessa dinâmica. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 23 Suponhamos que diversas pesquisas descobriram que as crianças desenvolvem habilidades de alfabetização científica de maneira mais significativa ao terem práticas de ensino em laboratórios. Após esta descoberta ter sido realizada por um certo grupo de pesquisadores, eles se reúnem com representantes de diferentes cargos dentro do sistema de ensino. Professores, diretores, coordenadores, dirigentes, entre outros profissionais. Longas conversas e longas discussões até que todos decidem que será, de fato, muito importante para o desenvolvimento acadêmico das crianças a implementação de um laboratório em cada unidade escolar do país. Seria incrível, não? Aí esbarramos em questões de políticas públicas. Por exemplo, a redução do número de alunos por sala para melhor aprendizagem das crianças. Isso já é consenso entre pesquisadores e profissionais da educação, porém, está para além do alcance de ambos os grupos e as salas de aula seguem superlotadas. 2.3. Exemplos de estudos que transformaram a educação Uma pesquisa sempre terá como início uma pergunta, um questionamento: “para o espírito científico qualquer conhecimento é uma resposta a uma pergunta. Se não tem pergunta não pode ter conhecimento científico” (JAPIASSÚ, 1999, p. 84). Dentro do campo da educação, claro, temos diversas temáticas para explorar: - Ensino de ciências; - Alfabetização; - Dificuldade de aprendizagem; - Metodologias de ensino; - Formação de professores; - Gestão escolar; - Educação Física; - Necessidades Educacionais Especiais. Enfim, existem diversas temáticas e, dentro delas, inúmeras ramificações que podem ser exploradas. Falaremos mais detalhadamente sobre isso nos próximos capítulos. Por hora, vamos focar em exemplos de estudos que transformaram a educação. Afinal, já parou para pensar que houve um tempo em que o uso da palmatória era comum nas escolas como método de ensino? METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 24 as escolas de ensino primário tinham antes o aspecto de casas penitenciárias do que de casas de educação. O método da palmatória e da vara era geralmente adotado como o melhor incentivo para o desenvolvimento da inteligência! Não era raro ver-se nessas escolas o bárbaro uso de estender o menino, que não havia bem cumprido os seus deveres escolares, em um banco, e aplicarem-lhe o vergonhoso castigo do açoite! (FLORESTA, 1989, p. 57). Exemplo 01 Dentro dos conhecimentos construídos na temática de alfabetização temos um trabalho muito importante e que trouxe mudanças significativas nos métodos de ensino. Essa pesquisa,realizada por duas mulheres argentinas, Emília Ferreiro e Ana Teberosky, teve como objetivo descobrir como o sujeito constrói conhecimentos acerca da língua escrita. Investigar como ocorre esse processo de aquisição da língua nessa modalidade. As autoras descobriram que o sujeito formula hipóteses acerca do código escrito e, então, vai avançando nessas hipóteses com as mediações ambientais e adequadas. As cientistas identificaram cinco hipóteses de escrita, que foram nomeadas como: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. A partir dessa descoberta, os métodos utilizados em sala de aula para alfabetizar os estudantes sofreram alterações. Foi percebido, por exemplo, que o uso de cartilhas e métodos mecânicos de ensino não eram as formas mais eficazes de se trabalhar alfabetização com os alunos. Ao compreender como a criança aprende a língua escrita (por intermédio da teoria desenvolvida pelas autoras) o professor consegue elaborar aulas fazendo uso de um método que contribua efetivamente para o avanço na construção de aprendizagens de seus alunos. Exemplo 02 Na área do ensino de ciências, diversos são os estudos que afirmam que o ensino deve superar o caráter livresco e memorístico, tendo como objetivo a formação de uma cultura científica (ZANETIC; 1992, CARVALHO; 2005; BIZZO; 2009). Esses e diversos outros estudos trazem respaldos para que práticas de ensino que explorem o ensino por experiências em sala de aula. Ou seja, são estudos que contribuíram para a criação METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 25 de uma sala de aula repleta de atividades práticas, envolvendo jogos e dinâmicas, enfim, formas imersivas de ensinar e aprender. Exemplo 03 Na área de currículo temos investigações que abordam a descolonização da grade. Um exemplo prático das implicações disso no cotidiano escolar pode ser visto nas aulas de educação física. Afinal, é digno de nota (e questionamento) porque somos apresentados a esportes como handebol e basquetebol - que foram “adquiridos” de outras culturas -, mas raramente se apresenta, para os alunos, a capoeira. Um esporte com presença marcante na história e cultura do Brasil. Exemplo 04 Professor Dermeval Saviani, juntamente com o educador José Carlos Libâneo, desenvolveu a Teoria Crítica-Social dos Conteúdos, que tem como perspectiva a difusão dos conteúdos indissociáveis da realidade. atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhes um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização da sociedade (LIBÂNEO, 1985, p. 39). Nesse sentido, a escola é entendida como um espaço que apresenta conteúdos válidos, que vão auxiliar seus estudantes a compreenderem a realidade na qual eles estão inseridos, mas também, a agirem de modo a transformar essa realidade. Se, atualmente, discutimos o papel transformador da escola e questionamos a ideia de uma escola que reproduz o status quo, que segue na lógica de aparelho ideológico do estado é porque, certamente, bebemos na fonte dessa teoria. Exemplo 05 Dentro do tema de alfabetização de jovens e adultos, Paulo Freire revolucionou o modo como se pensava o ensino. O educador pernambucano desenvolveu um método pautado em palavras geradoras, no qual ele propõe que o educador identifique e METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 26 catalogue as palavras que fazem parte do vocabulário dos alunos, essas palavras devem estar ligadas com as situações cotidianas daquele estudante. Por exemplo, se pensarmos em um trabalhador da construção civil, provavelmente uma palavra recorrente em seu cotidiano seja a palavra “tijolo”, e o processo de alfabetização ocorrerá com base nessas palavras geradoras. A metodologia desenvolvida por Freire (que, claro, é muito maior do que as palavras geradoras) tem impacto até os dias de hoje no contexto educacional. Esse impacto não ficou restrito apenas à área da alfabetização de jovens, adultos e crianças. Também “afetou” a educação básica e os cursos do ensino superior. Não me refiro, apenas, às licenciaturas. Encontramos, por exemplo, artigos escritos por professores de medicina, os quais teorizam a partir de Freire para se pensar os processos de ensino-aprendizagem. Exemplo 06 O biólogo Jean Piaget tinha como problema de pesquisa a seguinte pergunta: “como o ser humano aprende?” Para responder a esse questionamento ele iniciou investigações com crianças. Através de seus estudos demonstrou que as crianças constroem conhecimento por meio de sua interação com o mundo que as cerca. Seus estudos também revelaram que existem diferentes estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa de acordo com as fases da vida. Essa foi uma descoberta que trouxe muitas mudanças no campo da educação, porque a criança não pode simplesmente “pular” essas fases, mas, o que isso implica no cotidiano escolar? Bom, em determinadas fases as crianças ainda não estão em condições de aprender determinados conceitos, logo, como professor ao me apropriar desse conhecimento consigo determinar os conceitos que devem ser trabalhados naquela determinada fase e quais devem ser trabalhados posteriormente. No entanto, isso não significa que devemos apenas esperar que o estudante se desenvolva e alcance o nível máximo do desenvolvimento sem nenhuma intervenção. Na verdade, a partir dessa descoberta o professor entende a importância do seu papel enquanto organizador de um ambiente no qual a criança avance nos estágios do desenvolvimento. Esses são apenas alguns exemplos de como as pesquisas desenvolvidas dentro da área da educação impactam de maneira positiva o sistema escolar e, mais METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 27 especificamente, a sala de aula. As contribuições das pesquisas em educação trazem subsídios para que professores, diretores, coordenadores, supervisores de ensino e demais profissionais da educação possam refletir e repensar constantemente sua prática. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 28 AULA 3 SER PROFESSOR É SER PESQUISADOR 3.1 Professor-pesquisador Ao trabalhar com crianças somos surpreendidos todos os dias com suas ideias e falas. Certa vez, um aluno me trouxe a seguinte definição de professor: - Professor é uma pessoa que tem uma bola de cristal, pois sabe de todas as coisas. As definições infantis são muito engenhosas. Não é à toa que o professor colombiano Javier Naranjo compôs um livro apenas com este material. Uma espécie de dicionário de “entendimentos” dos pequenos. No Brasil, o livro se chama “Casas das Estrelas - O universo contado pelas crianças”. Lá, o termo “professor” é definido por uma criança de oito anos como: “Uma pessoa que não se cansa de copiar” (NARANJO, 2013, p.99). Agora que já vimos as definições das crianças, vamos ver a definição de dois adultos. A primeira de Freire (2014), falando sobre o trabalho do professor. É preciso atrever-se para continuar ensinando por muito tempo e nas condições que conhecemos, mal pagos, sem ser respeitados e insistindo no risco de ser vencidos pelo cinismo. É preciso atrever-se, aprender a atrever-se, para dizer não a burocratização da mente a qual somos expostos diariamente. É preciso atrever-se para continuar quando às vezes se pode deixar de fazê-lo, com vantagens materiais (p. 26, tradução nossa). A segunda, que conversa muito com a anterior, vem de um poema de autoria do grande poeta Bráulio Bessa. Chama-se “A Força do Professor”, no qual esse profissional é descrito da seguinte maneira: “Um guerreiro sem espada/ sem faca, foice ou facão/ armado só de amor/ segurando um giz na mão/ o livro é seu escudo/ que lhe protege de tudo/ que possa lhe causar dor/ por isso eu tenho dito/Tenho fé e acredito/ na força do professor.” METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 29 ISTO ESTÁ NA REDE Quer escutar o poema completo do Bráulio? Acesse o link: https://www.youtube. com/watch?v=LFEcuDGuIPg Mas, afinal, onde o professor se conecta com o ser pesquisador? Honestamente, penso que seja impossível dissociar a figura do professor da figura do pesquisador. Neste capítulo exploraremos a concepção de um professor-pesquisador. De modo geral, quando pensamos na produção de pesquisas, imaginamos as seguintes situações: Pesquisas realizadas por estudantes dos cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado); Pesquisas realizadas por docentes universitários; - Instituições públicas de pesquisa como o Instituto Butantã ou instituições particulares. Sim, esses são locais que desenvolvem pesquisas científicas com rigor e aplicação de métodos científicos, mas vale lembrar que em nosso país, a maior parte dos pesquisadores desempenham também a função de docente em universidades. Inclusive, a nossa constituição federal, em seu artigo 207, estabelece a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Portanto, as universidades precisam trabalhar essas três atividades de forma equivalente. Mas e o professor da educação básica, pode desenvolver pesquisas? As pesquisas desenvolvidas por professores são diferenciadas por Becker (2010) da pesquisa estrita, sendo nomeada como pesquisa no sentido amplo. A pesquisa no sentido amplo (lato sensu), pode ser definida como: [...] se dá dentro desse ambiente cambiante, fora, portanto, daquele estudo feito no âmbito controlado de um laboratório, em condições sujeitas a normas predefinidas de conduta e procedimentos parametrizados de verificação (OLIVEIRA, 2010, p.18). O ambiente escolar tem seu próprio contexto e dinâmica. O fazer docente se diferencia em muitos aspectos do fazer próprio do pesquisador, mas isso não quer dizer que o professor, mesmo que não exercendo a função de pesquisador, não possa refletir e teorizar acerca de temas presentes em seu dia a dia como: - O desenvolvimento de sua prática; https://www.youtube.com/watch?v=LFEcuDGuIPg https://www.youtube.com/watch?v=LFEcuDGuIPg METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 30 - Os processos de construção de aprendizagens dos alunos; - A constituição curricular da instituição; - As relações entre gestão-docentes, gestão-alunos, gestão-comunidade, Enfim, sobre as mais diversas questões que rodeiam o cotidiano escolar. O professor é alguém que elabora planos de atividades, aplica metodologias, reproduz conteúdos, interpreta esses conteúdos, observa comportamentos e avalia processos. Assim como o cientista no laboratório, ele inventa e implementa ações que produzem novos fenômenos cognitivos, avalia os fenômenos observados, cria novas compreensões desses fenômenos. Ele põe à prova conhecimentos existentes. Não seria um desperdício esse professor perder a oportunidade de elaborar e formalizar o que ele vai constituindo em termos de novos conhecimentos? Já nos demos conta de quantas e ricas experiências docentes se perdem porque não são sistematizadas e relatadas? Na maior parte das vezes nem sequer são refletidas e sistematizadas (BECKER, 2010, p.7). Ou seja, o professor não é um mero reprodutor de técnicas de ensino, alguém que cumpre funções quase que de maneira robótica sem pensar sobre a função que desenvolve (ao menos não deveria ser). Como pontuado por Freire (2014), no cotidiano da docência é preciso romper com a burocratização da mente. Nesse sentido, o professor não precisa se limitar a ser um mero reprodutor de apostilas, semanários e livros didáticos. Quando ele elabora e reelabora saberes, sempre redesenhando seu fazer, encontra-se muito próximo do fazer do pesquisador. Logo, não é desejável ser professor sem usar habilidades próprias do cotidiano do pesquisador. O professor que se restringe a ser um reprodutor de conhecimentos está fadado ao fracasso, uma vez que as máquinas são muito melhores nisso do que nós humanos. Um trecho do texto intitulado “As mídias na educação”, deixa muito claro esse fato. A transmissão de informação é a tarefa mais fácil e onde as tecnologias podem ajudar o professor a facilitar o seu trabalho. Um simples CD-ROM contém toda a Enciclopédia Britânica, que também pode ser acessada on-line pela Internet. O aluno nem precisa ir à escola para buscar as informações (MORAN, 2007, p. 164). METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 31 O próprio Becker (2010) pontua que o biólogo Jean Piaget chamava atenção para o fato de que professores como meros reprodutores de conhecimentos seriam substituídos por máquinas de ensinar. O professor tem um papel muito maior que o da reprodução. Ele interpreta, analisa e contextualiza conhecimentos, incentiva seus alunos a questionarem, encontrarem novas percepções, construir suas próprias hipóteses, conclusões e aplicarem os saberes em suas realidades de modo a transformá-las. Apenas reproduzir é muito pouco! Ser um professor-pesquisador é transformar sua prática em uma atividade intelectual na qual seus objetos de observação e estudo são fornecidos por seu próprio cotidiano de trabalho. É ser um profissional capaz, inclusive, de avançar para a divulgação das descobertas gerando conhecimentos que servirão para outras escolas e realidades educacionais (BECKER, 2010). 3.1.1 Importância da pesquisa para a prática pedagógica Essa postura de professor-pesquisador resulta em um professor-reflexivo. Esse é um ganho incrível para educação, um professor que reflete! Porque refletir, na verdade, não é algo próprio da nossa sociedade capitalista. Em geral, somos obrigados a correr mais e mais para conseguir sobreviver em um sistema repleto de desigualdades. Como refletir espremido no metrô lotado? Como refletir entre as duas ou três conduções entre uma escola e outra? A jornada de trabalho é, por vezes, tão pesada que não resta espaço. De uma maneira teórica, Marx (1983) aborda a alienação ocasionada pelo trabalho. Ou de um modo poético podemos nos lembrar da música “Cotidiano”, de Chico Buarque, que diz “Todo dia eu só penso em poder parar/ Meio-dia eu só penso em dizer não/ Depois penso na vida pra levar/ E me calo com a boca de feijão”. ISTO ESTÁ NA REDE O filme intitulado Tempos Modernos, criado por Charlie Chaplin, faz a discussão acerca da alienação do trabalho. Ele está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=3tL3E5fIZis https://www.youtube.com/watch?v=3tL3E5fIZis METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 32 A alienação do trabalhador em seu produto significa não somente que seu trabalho se converte em um objeto, em uma existência estranha, mas que existe fora dele, independente, estranho que se converte em um poder independente frente a ele, que a vida que emprestou ao objeto o enfrenta como uma coisa estranha e hostil (MÉSZÁROS, 1981, p.16, grifo nosso). O professor-reflexivo, ou seja, “aquele que reconstrói reflexivamente seus saberes e sua prática” (Miranda 2006, p. 132), rompe com esse ciclo de alienação, uma vez que encontra, ou melhor, constrói maneiras de repensar sua prática, as implicações do seu trabalho dentro e fora da escola, em sua própria vida e na vida dos seus estudantes. No livro A República, Platão (1999) nos apresenta a alegoria da caverna. Lá, é relatada uma situação hipotética na qual pessoas vivem no interior de uma caverna desde suas infâncias. Elas estão acorrentadas por suas mãos, pernas e pescoços de modo que não conseguem se mexer ou mover suas cabeças em quaisquer direções, tendo acesso visual apenas a uma parede. Na entrada desta caverna se localiza uma fogueira e, na medida em que outras pessoas ou animais passam porali, as sombras são projetadas nesta parede, no interior da caverna. Aquela mesma que os acorrentados enxergam. As pessoas presas dentro da caverna acreditam que aquelas sombras projetadas são a realidade tal como ela é. Ocorre que, certo dia, um dos acorrentados consegue se soltar e decide sair da caverna. Ao caminhar para o lado de fora, uma luz forte lhe toma o rosto, seus olhos começam a doer quando entram em contato com a luz solar. Ele fica cego por algum tempo, mas aos poucos, ainda com dificuldade, volta a enxergar. O até então prisioneiro, agora livre, começa a ver os animais, pessoas e diferentes objetos tais como eles são. Fica, claro, encantado com a beleza de tudo e chega à conclusão de que o mundo fora da caverna é o verdadeiro mundo real. Que aquilo que ele acreditava ser a realidade, por toda sua vida, era apenas projeção, era apenas uma ilusão. Ele então decide voltar para a caverna e contar aos demais prisioneiros o que havia descoberto! Todavia, os demais prisioneiros não acreditam no que ele está dizendo. Após a insistência do rapaz, consideram que ele ficou louco, acabando por matá-lo. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 33 ISTO ESTÁ NA REDE Quer saber mais sobre a alegoria da caverna? Assista ao vídeo do Professor Doutor em filosofia Filicio Mulinaria, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=SmmLYWtxvE0 Quando fazemos uma analogia entre o conceito do professor-reflexivo e a alegoria da caverna, que vimos agora, entendemos que o ato de refletir é sair do mundo das sombras, a partir de um esforço intelectual. É importante pontuar que essa reflexão, assim como o processo de pesquisa, não pode acontecer no vazio, pautada por opiniões ou achismos. Toda reflexão precisa estar embasada teoricamente. Trata-se de um encontro entre teoria e prática. Figura 6: Ação de refletir Fonte: própria autora Portanto, enquanto professores-reflexivos, é necessário termos muito bem definidos quais são os quadros teóricos nos quais nos ancoramos. Eu, enquanto professor, me apoio em quais teorias/estudos para mediar situações de conflito entre meus alunos? Ou, nos momentos de pensar a avaliação, quais autores conversam com as minhas concepções e critérios? Perceba que ter embasamento não significa seguir instruções sem criticidade! Por exemplo, Magda Soares (2004) defende que a alfabetização e o letramento devem acontecer concomitantemente. Mas e eu, enquanto professor? O que eu penso sobre isso? A partir dos meus conhecimentos o que eu reflito e concluo sobre o assunto? https://www.youtube.com/watch?v=SmmLYWtxvE0 METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 34 Concordo? Discordo? Concordo parcialmente e reformulo outras formas de perceber os conhecimentos trazidos pelos autores? É importantíssimo entender que esse lugar de professor-pesquisador/ professor-reflexivo não é de sujeição, e sim, de protagonismo. O que eu, como docente, a partir dos saberes teóricos que tenho, determino como sendo a melhor maneira de atuar dentro das múltiplas situações que envolvem o fazer docente. Não por acaso, na concepção de Nóvoa, O professor pesquisador e o professor reflexivo, no fundo, correspondem a correntes (conceitos) diferentes para dizer a mesma coisa. São nomes distintos, maneiras diferentes dos teóricos da literatura pedagógica abordarem uma mesma realidade. A realidade é que o professor pesquisador é aquele que pesquisa ou que reflete sobre a sua prática. Portanto, aqui estamos dentro do paradigma do professor reflexivo. É evidente que podemos encontrar dezenas de textos para explicar a diferença entre esses conceitos, mas creio que, no fundo, no fundo, eles fazem parte de um mesmo movimento de preocupação com um professor que é um professor indagador, que é um professor que assume a sua própria realidade escolar como um objeto de pesquisa, como objeto de reflexão, como objeto de análise. (Nóvoa, 2001, sp). O autor ainda afirma que é preciso “criar lógicas de trabalho coletivos dentro das escolas, a partir das quais – através da reflexão, através da troca de experiências, através da partilha – seja possível dar origem a uma atitude pensada da parte dos professores” (Nóvoa, 2001, sp). De fato, a troca entre pares é muito importante, ao entrar em contato com outras concepções e outros repertórios, novas perspectivas são despertadas em todos os participantes. Nesse exercício, somam-se experiências e olhares. Agindo como um coletivo, professores e demais profissionais da educação podem explorar novas formas de atuação e intervenção dentro e fora da escola. Por fim, refletir sobre a prática para então transformar a realidade na qual estamos inseridos. Estamos falando aqui de uma pedagogia da mudança (FRANCO, 2005). Essa mudança pode acontecer com o desenvolvimento de pesquisas realizadas pelos docentes. Existe, aliás, uma modalidade de pesquisa que conversa muito bem com essa necessidade de transformação do contexto – a pesquisa-ação. Definida por Fagundes (2016, p.285) como: Ação-pesquisa-ação e pesquisa-ação são nomenclaturas que se referem ao mesmo conceito, cujo significado pode ser assim enunciado: a busca de formas de ações coletivas que objetivam a resolução de algum problema ou a transformação de uma dada realidade (THIOLLENT, 2011, p. 13). METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 35 Tripp (2005) apresenta a pesquisa-ação em quatro fases após a identificação de um problema: - Planejamento para solucioná-lo; - Implementação da solução; - Monitoramento e descrição dos impactos da ação; - Avaliação dos resultados; O autor ainda pontua que essa modalidade de pesquisa: [...] é principalmente uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos, mas mesmo no interior da pesquisa-ação educacional surgiram variedades distintas (TRIPP, 2005, p.445). ISTO ESTÁ NA REDE Quer saber mais sobre essa modalidade de pesquisa? Leia o artigo intitulado “Pesquisa-ação: uma introdução metodológica”, escrito por David Tripp e disponível no link: https://www.scielo.br/j/ep/a/3DkbXnqBQqyq5bV4TCL9NSH/?format=pdf&la ng=pt Recomendo ainda a leitura do artigo “Pedagogia da pesquisa-ação” de Maria Amélia Santoro Franco. Disponível no link: https://www.scielo.br/j/ep/a/DRq7QzKG6Mth8hrFjRm43vF/?lang=pt&format=pdf Abordaremos, na sequência, uma ferramenta que serve como auxílio para exercitar o processo de reflexão. 3.2 Diário de bordo O Diário de Bordo recebe este nome pois era utilizado nas viagens de navios. Lá, os Diários tinham como função registrar os acontecimentos ocorridos ao longo da viagem. Entre os cientistas, o Diário de Bordo é comumente nomeado como Caderno ou Diário de Campo. Dentro da prática docente, o Diário de Bordo também tem um papel importante. Nesse caso, mais do que uma ferramenta de registro, é uma ferramenta de reflexão preciosa para a prática docente. https://www.scielo.br/j/ep/a/3DkbXnqBQqyq5bV4TCL9NSH/?format=pdf&lang=pt https://www.scielo.br/j/ep/a/3DkbXnqBQqyq5bV4TCL9NSH/?format=pdf&lang=pt https://www.scielo.br/j/ep/a/DRq7QzKG6Mth8hrFjRm43vF/?lang=pt&format=pdf METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 36 [...] escrever sobre o que estamos fazendo como profissional (em aula ou em outros contextos) é um procedimento excelente para nos conscientizarmos de nossos padrões de trabalho. É uma forma de “distanciamento” reflexivo que nos permite ver em perspectiva nosso modo particular de atuar. É, além disso, uma forma de aprender (ZABALZA, 2004, p. 10). Distanciar-se da própria prática é fundamental para refletir sobre a forma de trabalho, sobre os métodos de ensino que utilizados, sobreo modo como se medeia conflitos etc. [...] podemos identificar as dificuldades encontradas, os procedimentos utilizados, os sentimentos envolvidos, as situações coincidentes, às situações inéditas e, do ponto de vista pessoal, como se enfrentou o processo, quais foram os bons e maus momentos por que se passou e que tipos de impressões e de sentimentos apareceram ao longo da atividade, ao longo da ação desenvolvida. É uma via de análise de situações, de tomada de decisões e de correção de rumos (BERTONI, 2004, p. 4 apud CANETE, 2010, p. 73). Analógica ou digital, on-line ou off-line, não importa! Pouco interfere a modalidade que os registros serão feitos, cada um escolherá a tecnologia de preferência, seja ela papel e caneta ou um computador. O importante é realizar o registro. Quanto mais recente o registro em relação ao acontecimento, melhor. Afinal, com o passar do tempo, esquecemos os detalhes e eles são muito importantes. O processo de registro é pessoal, mas existem alguns elementos que permitirão um melhor aproveitamento. O registro deve ser organizado a partir das datas em que aconteceram os eventos, deve haver organização e cuidado na manipulação do Diário. Além da escrita, também podemos utilizar outras modalidades de registro, como fotografias e desenhos. No começo, os registros tendem a ser mais descritivos do que analíticos. Essa é uma situação comum e esperada, como pontuado por Pórlan e Martin (2004) e Zabalza (1994; 2004). No entanto, é importante que, aos poucos, sejam inseridos nos registros reflexões e comentários críticos acerca do conteúdo. Esse, afinal, é o objetivo final do Diário de Bordo, ser uma ferramenta de reflexão da prática docente. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 37 Vejamos um exemplo de registro mais descrito e menos analítico: Semana de 25-29 de abril Desenvolvemos todas as atividades previstas para a semana. Trabalhamos diariamente as atividades de calendário, hora e contagem. Calendário (“que dia do mês foi ontem?”, “que dia da semana é hoje?”, “que dia do mês será sexta feira?” etc) Hora (“agora é hora do lanche”, “em menos de uma hora vamos embora”, “vamos olhar pros ponteiros e ver onde eles estão”, “daqui 20 minutos vamos para a próxima atividade” etc) Contagem: o ajudante do dia conta todas os meninos e as meninas separadamente e depois faz a somatória para chegar no total de crianças. Letramento Na sexta feira jogos o bingo dos sons iniciais (jogo do material do PNAIC). Durante a semana trabalhamos o gênero bilhete e em casa com seus pais as crianças confeccionaram seus próprios bilhetes e com esse material construímos um cartaz que se encontra no lado externo de nossa sala. O momento da leitura tem sido respeitado diariamente, sempre cobro uma postura de escuta e atenção deles. Hora da leitura é hora de ouvir e deixar a imaginação passear pelas páginas do livro. Eles sempre ficam muito empolgados e pedem para ver os livros que levo. Agora, um exemplo de registro mais analítico. Além de descrever os fatos, são realizadas reflexões acerca desses fatos. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 38 Relatório semanal de 21-23 de março Essa semana pude concluir que não é possível seguir com atividades referentes ao 2º ano do E.F. A sala foi atribuída e está classificada como 2º ano, contudo cada dia se torna mais nítido que os Parâmetros Essenciais do 1º ano do E.F. não foram consolidados. O grande problema: As avaliações cujo as crianças serão submetidas partem da premissa de que o conhecimento referente ao primeiro ano do ensino fundamental (alfabetização matemática e letramento) foi consolidado, embora este não seja o quadro real. Deixo aqui registrada minha preocupação. Acredito que isso se dá principalmente pela não reprovação da criança no primeiro ano, independentemente de suas aprendizagens por ela conquistadas. Tangibilizando: Identifico que os educandos possuem baixa alta estima e autoimagem negativa o que gera dificuldade de aprendizagem, “se eu não acredito em mim, por que tentar aprender?”. Para tornar bem clara a situação, nesta semana fomos desenvolver uma atividade, enquanto eu a projetava na lousa e realizava a leitura, solicitando que eles acompanhassem com o dedo junto comigo e dando ênfase nas sílabas Cerca de 70% da sala não conseguia encontrar as palavras por diversos motivos muito preocupantes: a) uma parte não sabia o que era vogal e então expliquei b) outra parte não sabia identificar o que é uma palavra, cortava a palavra no meio, pegava metade de uma palavra e grudava com outra, ou seja, esse grupo não possui a noção de segmentação. Este é só um exemplo de tantas situações que ocorrem na sala diariamente e que mostra que eles não consolidaram os parâmetros do 1º ano do ensino fundamental. Pensando no desenvolvimento de uma consciência crítica e reflexiva, o Diário de Bordo se torna indispensável, visto que é uma ferramenta com potencialidade para “[...] criar as condições e ser palco para o desenvolvimento de um tipo de reflexão que, além de capturar a prática, crie a base para a crítica consciente dessa ação, sua colocação sócio-histórica e transformação” (LIBERALI, 1999, p. 32). METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 39 AULA 4 TÉCNICAS DE PESQUISA 4.1 Especificidades do conhecimento científico A etimologia da palavra ciência tem origem no latim “scientia”, significa conhecimento. De acordo com Medeiros (2010), podemos definir ciência como um campo de conhecimentos com técnicas especializadas que implicam na utilização de verificação, interpretação e inferência da realidade. Carvalho (2004, p. 4) nos apresenta cinco pontos importantíssimos acerca do conhecimento científico: i. Não há um método científico fechado, o que vai contra uma visão rígida da ciência, que apresenta no ensino o “Método Científico” como um conjunto de etapas mecânicas. ii. A construção do conhecimento científico é guiada por paradigmas que influenciam a observação e a interpretação de certo fenômeno (Borges, 1996; Gil-Pérez et al., 2001; Toulmin, 1977 e Kunh, 2000); iii. O conhecimento científico é aberto, sujeito a mudanças e reformulações, e assim foi na história da ciência, portanto, a ciência é um produto histórico; iv. É um dos objetivos da ciência criar interações e relações entre teorias, o conhecimento não é construído pontualmente, o que descaracteriza uma visão analítica da ciência muito difundida entre os professores e estudantes; v. O desenvolvimento da ciência está relacionado a aspectos sociais, políticos; as opções feitas pelos cientistas muitas vezes refletem seus interesses. A ciência, portanto, é humana, viva. Dessa forma, é necessário que ela seja caracterizada como tal. Vamos comentar cada um desses pontos? Primeiro ponto - como pontuado no primeiro capítulo, o método científico não é uma receita culinária, em que você segue um passo a passo e tem um produto final. Na construção do conhecimento científico somos tomados por imprevistos, percalços e dificuldades, essa lógica mecânica de construção do conhecimento científico é irreal. Segundo ponto - não sendo uma ação mecânica, a construção do conhecimento científico está sujeita a paradigmas e à interpretação do cientista. Cada cientista terá METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 40 o seu próprio repertório, conhecimento acerca da literatura, afinidades em relação a teorias existentes, logo essa construção sofre influência pelo seu construtor. A forma como um pedagogo enxerga a infância é diferente da forma como um pediatra enxerga, e no exercício da pesquisa cada um desses profissionais irá desenvolver investigações pautadas em seus olhares e concepções. Terceiro ponto - ciência não é algo que está pronto,acabado e imaculado. Se um dia Plutão era classificado como um planeta, hoje ele não é mais, foi rebaixado para planeta anão, por quê? Justamente porque tiveram alterações na forma de se classificar esses astros. Conhecimento científico é historicamente construído e está, sempre, sujeito a alterações. Quarto ponto - a construção do conhecimento científico é multinterativa e multidisciplinar, se olharmos para as pesquisas em educação essa situação fica muito clara. Por exemplo, para falar sobre desenvolvimento da cognição infantil eu preciso recorrer a pesquisas de diferentes áreas como a psicologia, a sociologia da infância e a biologia. A interação entre os diferentes campos de estudo não só são desejáveis como são imensamente frutíferas, uma vez que o cruzamento dessas múltiplas áreas torna a minha investigação, bem como os conhecimentos dela provindos muito mais ricos. Quinto ponto – conversa em muito com o primeiro ponto, basicamente a ciência sendo produzida por seres humanos está sujeita a refletir os interesses dos cientistas. A princípio, a ciência se divide em: lógicas e empíricas. Nas lógicas incorporam, por exemplo, os estudos na área da matemática. Já as empíricas se dividem entre as Naturais e Sociais (MEDEIROS, 2004). Dentro disso, as pesquisas em educação se encontram dentro das empíricas e sociais. Figura 7: localização das pesquisas em educação. Fonte: própria autora com base nos apontamentos de Medeiros (2004). METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 41 As ciências empíricas exploram, descrevem, explicam e formulam predições sobre os acontecimentos do mundo que nos rodeia: suas proposições devem ser confrontadas com os fatos e somente são válidas se verificadas experimentalmente. Por outro lado, as ciências não empíricas, como a Lógica e a Matemática, comprovam suas proposições sem recorrer à experiência (VERA, 1989) (SILVA, 2015, p.20). Vale ressaltar que o termo empírico (que provém da palavra experiência) aqui não se refere ao conhecimento construído apenas na experiência do indivíduo, como senso comum. É comum ocorrer uma confusão em relação a isso, já que a palavra experiência tem diferentes significados. - Meus pais tiveram uma péssima experiência com a compra deste produto. - Eu tenho experiência na área da educação; - Hoje na aula fizemos uma experiência. - Pela minha experiência hoje o mercado estará lotado, pois amanhã é natal. - O instituto Butantã está fazendo experiências com soro de cavalo. O conhecimento de senso comum se baseia na palavra experiência na mesma acepção que encontramos na quarta frase (“pela minha experiência hoje o mercado estará lotado, pois amanhã é natal”). Já o conhecimento científico se baseia na experiência com a acepção da quinta frase (“O instituto Butantã está fazendo experiências com soro de cavalo”). Ou seja, a palavra empírico pode ser usada para se referir a um conhecimento de senso comum - experiência de um ou alguns sujeitos que vão sendo passadas de geração em geração. Mas também pode ser usada para se referir a um conhecimento científico - construído por intermédio de experiências e métodos, revisadas por seus pares. 4.1.1 Metodologia científica O conhecimento científico é construído com embasamento no método científico e amparado por técnicas. Técnica é um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência ou arte; é a habilidade para usar esses preceitos ou normas, a parte prática. Toda ciência utiliza inúmeras técnicas na obtenção de seus propósitos (MARCONI; LAKATOS, 2017, p.173). METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 42 Isso significa que existem regras e protocolos a serem seguidos no momento de se realizar uma investigação. Ao conjunto dessas técnicas damos o nome de metodologia. Muitas vezes, metodologia é entendida erroneamente como conjunto de regras que tratam da apresentação de um trabalho científico, isto é, da forma e do formato, que envolve o tamanho das margens, o tipo de letra, o espaço entre linhas, a numeração de seções e a colocação dos títulos das seções, dentre outros. É preciso esclarecer que isso não é metodologia, mas sim padronização e uniformização da apresentação de trabalhos científicos, como as normas brasileiras [NBR][...] Muitas vezes a disciplina de metodologia é atrelada a essa questão, como uma disciplina que tem por objetivo ficar falando sobre as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Logia é um sufixo utilizado para indicar o estudo de uma determinada área. Por exemplo, sociologia é a ciência que estuda a sociedade. Cardiologia é a ciência que estuda o sistema cardiovascular. A metodologia é o estudo dos métodos. A palavra método deriva do latim “methodus” cujo significado é caminho. Bom, a metodologia se refere justamente aos caminhos traçados e seguidos para o desenvolvimento de uma investigação científica. Ela consiste na descrição precisa dos processos que foram realizados na investigação, ao ler a metodologia de uma pesquisa qualquer outro cientista poderá replicar aquele estudo, ou seja, a metodologia é fundamental para tornar as investigações replicáveis e, portanto, verificáveis. A escolha metodológica dependerá do tipo de investigação que será desenvolvida, bem como qual a pergunta da pesquisa e seus objetivos. 4.2 Tipos de pesquisa As pesquisas ou investigações científicas podem ser definidas como “Procedimento formal para aquisição de conhecimento sobre a realidade” (MEDEIROS, 2006, p. 49). As pesquisas são divididas da seguinte maneira: - Quanto à abordagem, podendo ser: qualitativa ou quantitativa. - Quanto à sua natureza: básica ou aplicada. - Quanto aos objetivos, podendo ser: exploratória, descritiva e explicativa. - Quanto aos procedimentos: pesquisa experimental, pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, pesquisa de campo, estudo de caso, pesquisa-ação, pesquisa etnográfica, pesquisa participante etc. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 43 Quando você for desenhar o percurso metodológico da sua investigação, precisa ter muito bem definida qual a natureza da sua pesquisa, qual a abordagem, quais os objetivos e quais os procedimentos. Lembrando que todas essas definições dependerão do seu problema e objetivos de pesquisa. 4.2.1 Quanto à abordagem As pesquisas das mais diferentes áreas podem se enquadrar em duas abordagens – quantitativa e qualitativa. 4.2.1.1 Abordagem Quantitativa Essa abordagem trabalha com problemas de pesquisa pautadas em compreender fenômenos através de indicadores numéricos. Portanto, O método quantitativo preocupa-se com representatividade numérica, isto é, com a medição objetiva e a quantificação dos resultados. Tem, portanto, o objetivo de generalizar os dados a respeito de uma população, estudando somente uma pequena parcela dela. Assim, as pesquisas quantitativas utilizam uma amostra representativa da população para mensurar qualidades (ZANELLA, 2006, p. 89). 4.2.1.2 Abordagem Qualitativa Já as pesquisas qualitativas têm como resposta do problema de pesquisa informações mais subjetivas e aprofundadas. Por exemplo, se eu quero saber quantos alunos reprovaram na minha sala no ano de 2011, trata-se de uma pesquisa quantitativa, mas se eu quero compreender os motivos pelos quais esses alunos reprovaram, então essa será uma pesquisa qualitativa. Triviños (1987) comenta cinco características dos métodos qualitativos. Sendo elas respectivamente: a) a pesquisa é naturalística; b) tem dados descritivos; c) a preocupação é com o processo; d) é indutiva; e) a compreensão dos fenômenos a partir do ponto de vista dos sujeitos de pesquisa. METODOLOGIA CIENTÍFICA PROF.a JULIANA COELHO BRAGA DE OLIVEIRA PENNA FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 44 Ou seja, a abordagem qualitativa, [...] não emprega procedimentos
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