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DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma síndrome caracterizada pela obstrução crônica e difusa das vias aéreas inferiores, de caráter irreversível, com destruição progressiva do parênquima pulmonar. Geralmente estão incluídos nesta definição os pacientes com bronquite obstrutiva crônica e/ou com enfisema pulmonar, os 2 principais componentes da doença, ambos relacionados a exposição à fumaça do tabaco. 1. EPIDEMIOLOGIA A prevalência é maior no sexo masculino devido à maior prevalência do tabagismo, porém, tal diferença está reduzindo pela maior proporção de mulheres fumantes. É uma doença característica de adultos mais velhos, manifestando-se na 5ª ou 6ª décadas de vida. Enquanto a mortalidade mundial por DCV (ex.: IAM, AVE) vem decaindo, a mortalidade relacionada à DPOC está aumentando progressivamente, sendo a 3ª causa de morte nos EUA. 1. Tabagismo é o principal fator de risco para a DPOC (história tabágica positiva em 90% dos casos). Até 15% dos fumantes de 1 maço/dia e 25% dos fumantes de 2 maços/dia terão DPOC no futuro, se mantiverem o hábito. As substâncias do tabaco → alterações nas vias aéreas: a. Estimulam a produção de muco e a hipertrofia das glândulas submucosas; b. Reduzem ou bloqueiam o movimento ciliar das células epiteliais; c. Ativam macrófagos alveolares → secretar fatores quimiotáticos (especialmente IL-8) → estimulam o recrutamento alveolar de neutrófilos (ativação de neutrófilos); d. Neutrófilos ativados → produzem mais enzimas proteolíticas (ex.: elastase); e. Elastase → inibe a atividade da α-1-antitripsina, enzima inibidora fisiológica da elastase. Quantifica-se o tabagismo pela “carga tabágica - CT” (média de maços/dia multiplicada pelos anos de tabagismo). Ex.: paciente fumou 2 maços/dia por 30 anos → CT = 60 maços/ano. A maioria dos pacientes com DPOC têm CT > 40 maços/ano. DPOC é incomum para CT < 20 maços/ano. 2. Asma e DPOC: a hiper-reatividade brônquica na DPOC é frequente, sendo denominada síndrome de “sobreposição asma-DPOC”. O componente “asmático” da obstrução pode ser revertido com broncodilatadores e, principalmente, com corticoide inalatório. A relação asma-DPOC não é bem conhecida. Parecem ser doenças distintas, que podem coexistir. A inflamação das vias aéreas nesta síndrome (inflamação dependente de linfócitos T CD8 citotóxicos, macrófagos e neutrófilos → fibrose das vias aéreas) difere da observada na asma (inflamação dependente de linfócitos T CD4, eosinófilos, basófilos e mastócitos, com pouca ou nenhuma fibrose). Alguns casos de asma podem evoluir com o fenômeno do remodelamento das vias aéreas → obstrução crônica progressiva por mecanismo fibrogênico, com quadro fisiopatológico semelhante ao da DPOC. 3. Outros fatores de risco: tabagismo passivo; poluição atmosférica extra e intradomiciliar (ex.: fogões a lenha); exposição ocupacional a poeiras orgânicas (minas de carvão, ouro), fumaças (ex.: cádmio) e vapores. Tais fatores podem ser aditivos ao efeito do tabagismo ou explicar a ocorrência de DPOC em não tabagistas. Crianças expostas ao tabagismo materno, inclusive durante a gestação, apresentam crescimento pulmonar reduzido → fator de risco para DPOC (VEF1 máximo é atingido por volta dos 20-30 anos e, nestas crianças, o VEF1 máximo pode estar abaixo do normal). O ↓ nível socioeconômico também é fator de risco, por múltiplos “componentes” da pobreza (ex.: baixo peso ao nascer; ↑ exposição aos poluentes extra ou intradomiciliares; ↑ número de infecções respiratórias na infância, etc.). 4. Deficiência de α-1-antitripsina: doença genética autossômica recessiva que cursa com enfisema pulmonar em pacientes jovens. Em 10% dos casos há hepatopatia crônica → cirrose hepática. Os indivíduos homozigotos para o gene Z (genótipo PiZZ em vez do genótipo normal PiMM) têm uma concentração de α-1-antitripsina < 10% do valor normal. Sem a ação da enzima → elastase neutrofílica fica livre → degrada paulatinamente o parênquima pulmonar. O tratamento desses pacientes pode ser feito com a infusão venosa semanal de α-1-antitripsina. Os pacientes heterozigotos (PiZM) tem um risco levemente aumentado para DPOC, e não se beneficiam do tratamento de reposição enzimática. É importante investigar a deficiência de α-1-antitripsina se: a. Enfisema em jovem (< 45 anos); b. Enfisema predominante em bases pulmonares; c. Forte história familiar de enfisema ou hepatopatia; d. Doença hepática associada inexplicada; e. Enfisema em não tabagistas ou com pequena carga tabágica. 5. CA de pulmão e DPOC: tabagismo é o fator de risco mais importante tanto para a DPOC quanto para o carcinoma broncogênico. Porém, a DPOC é um fator de risco independente para o CA. Assim, para uma mesma carga tabágica, a presença da DPOC → ↑ propensão para desenvolver CA de pulmão. 2. FISIOPATOLOGIA 2.1. Histopatológico Inicialmente, é preciso conhecer os achados patológicos da DPOC. A maioria dos pacientes apresenta 2 importantes e distintos componentes da doença, altamente relacionados ao tabagismo: 1. Bronquite obstrutiva crônica: as principais alterações patológicas são: a. Hipertrofia e hiperplasia das glândulas submucosas secretoras de muco + aumento no número de células caliciformes da mucosa, presentes principalmente nas vias aéreas proximais → estado hipersecretor; b. ↓ do lúmen das vias aéreas distais devido ao espessamento da parede brônquica por edema e fibrose (bronquiolite obliterante). 2. Enfisema pulmonar: é um alargamento dos espaços aéreos distais aos bronquíolos, decorrente da destruição progressiva dos septos alveolares. O tipo patológico mais comum é o enfisema centroacinar. O alargamento e a destruição parenquimatosa encontram-se nos bronquíolos respiratórios, ou seja, na região central do ácino ou lóbulo pulmonar. Esta é a forma relacionada ao tabagismo, por isso de longe a mais comum. O processo predomina nos lobos superiores dos pulmões. O 2º tipo patológico é o enfisema panacinar, típico da deficiência de α-1-antitripsina. Neste caso, o processo mórbido distribui-se uniformemente pelo ácino, na região central e periférica. Veja a figura abaixo. 2.2. Obstrução das vias aéreas e hiperinsuflação É a característica mais marcante da DPOC. A manutenção das vias aéreas abertas durante a respiração depende da pressão gerada pelo fluxo de ar que, por sua vez, depende das forças inspiratória e expiratória. Na inspiração geralmente não ocorre limitação, pois a força geradora de fluxo provém da musculatura respiratória. A força expiratória depende da elasticidade pulmonar (que está ↓ na DPOC) e há ↑ na resistência das vias aéreas distais devido à ↓ do seu lúmen, devido a 2 fatores: (1) ↓ do tecido elástico na parede dos alvéolos (enfisema); (2) edema e fibrose na parede dos pequenos brônquios (bronquiolite obliterante). Esses fatores, somados a uma pressão intratorácica progressivamente positiva, predispõem ao colapso das vias aéreas, impedindo a eliminação do ar armazenado nas porções periféricas do pulmão. Trata-se do fenômeno do aprisionamento de ar (air trapping) → ↑ volume residual (característico), ↑ capacidade residual funcional e ↑ capacidade pulmonar total → pulmão do paciente fica cronicamente hiperinsuflado, o que pode ser notado na RX de tórax e no exame físico (“tórax em tonel”) dos portadores de DPOC avançada. A imagem abaixo ilustra o fenômeno de air trapping. Aprisionamento de ar e hiperinsuflação pulmonar → consequências danosas à fisiologia: (1) auto-PEEP: pressão alveolar positiva no fim da expiração → ↑ trabalho da musculatura respiratória na inspiração; (2) altera a mecânica do diafragma → tende à retificar → contração improdutiva para puxar ar na inspiração → uso da musculatura acessória (esternocleidomastoideo, intercostais, abdominais) → um certo grau de “esforço” para respirar, cronicamente.2.3. Distúrbio da Troca gasosa A troca gasosa está comprometida tanto pela lesão enfisematosa quanto pela lesão bronquítica (mais nesta última). Ambas as patologias → obstrução de vias aéreas de forma heterogênea → surgimento de alvéolos mal ventilados, mas bem perfundidos. Nesses alvéolos, o sangue venoso recebe pouco O2 (shunt parcial). Se há grande número de alvéolos com shunt parcial → sangue mal oxigenado → hipoxemia e dessaturação da hemoglobina (fenômeno do distúrbio V/Q - V = ventilação e Q = perfusão). Inicialmente, há hipoxemia apenas no exercício físico → com a progressão da doença → hipoxemia pode ocorrer em repouso (sinal de doença avançada, mau prognóstico). O enriquecimento do ar inspirado com O2 pode corrigir o problema → ↑ PO2 alveolar → ↑ oxigenação do sangue mesmo em alvéolos mal ventilados. Parâmetro mais sensível para avaliar o distúrbio V/Q é a diferença alvéolo-arterial de O2 (PA-aO2), que na DPOC pode estar elevada (> 15 mmHg) desde as fases iniciais. A eliminação de CO2 também pode estar comprometida, ocorrendo mais tardiamente. Nas fases mais avançadas da doença, 3 mecanismos atuam em conjunto para a retenção progressiva do CO2: (1) agravamento do distúrbio V/Q; (2) ↑ do espaço morto fisiológico (áreas ventiladas sem perfusão); e (3) hipossensibilidade do centro respiratório bulbar ao CO2. Os pacientes começam a reter CO2 de forma lenta e progressiva (acidose respiratória crônica - ARC) → estimula o rim a reter mais bicarbonato para compensar a ARC. A gasometria do retentor crônico de CO2 apresenta altos níveis de PCO2, com bicarbonato e Base Excess (BE) elevados, e uma discreta acidemia (ex.: pH ~7,32). A resposta metabólica renal mantém estável a relação bicarbonato/PCO2, determinante do pH plasmático. Assim, a gasometria pode estar com PaCO2 de 85 mmHg, bicarbonato de 33 mEq/L, mas o pH não está muito alterado (7,31). Durante a descompensação do quadro (por infecção, broncoespasmo, drogas depressoras respiratórias, etc.) pode haver fadiga respiratória ou inibição do drive ventilatório → ↑ agudo da PaCO2 → ↓ súbita do pH → ARC agudizada (efeito da carbonarcose → desorientação, agitação e depois sonolência) → mandatória fazer IOT e ventilação mecânica, pois o paciente pode evoluir rápido para uma parada cardiorrespiratória. O centro respiratório bulbar, ao tornar-se hipossensível ao CO2, pode ficar mais sensível à hipoxemia. Na teoria, a hiperoxemia pode inibir o centro respiratório → ↓ ventilação alveolar (perigoso) → retenção abrupta de mais CO2 → acidose respiratória agudizada. Além disso, o agravamento do distúrbio V/Q e o ↑ do espaço morto fisiológico pela hiperóxia alveolar: ao reverter a vasoconstricção nos alvéolos mal ventilados, desloca o sangue dos alvéolos hiperventilados para aqueles → ↑ espaço morto (alvéolos hiperventilados se tornam menos perfundidos) → retenção de CO2, pois estes pacientes já esgotaram sua reserva ventilatória. Por isso, os retentores crônicos de CO2 nunca podem ser hiperoxigenados. A administração de O2 nesses pacientes não deve ultrapassar o patamar de 3 L/min. 2.4. Cor Pulmonale É uma disfunção do VD devido a um distúrbio pulmonar. Muitas pneumopatias podem causar cor pulmonale, mas a DPOC é a causa mais comum. O principal mecanismo é a hipóxia crônica. As arteríolas pulmonares respondem à hipóxia com vasoconstricção → desvia o fluxo sanguíneo pulmonar para os alvéolos bem ventilados. Porém, se a hipóxia alveolar for generalizada (devido à má ventilação dos mesmos) → a maioria dos vasos sofrerá constrição → Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP). Posteriormente, o agravamento da HAP ocorre devido a uma combinação de hiperplasia endotelial e hipertrofia muscular → remodela a parede das pequenas artérias pulmonares. Quando a PA pulmonar sistólica atingir cifras > 50 mmHg (normal até 20 mmHg) → VD pode entrar em falência sistólica, devido ao aumento excessivo da pós-carga. As consequências da IVD são: (1) elevação da pressão venosa central; (2) congestão sistêmica; (3) baixo DC, contribuindo para o cansaço destes pacientes. 3. HISTÓRIA NATURAL O pulmão aumenta sua capacidade de trabalho progressivamente até os 20 anos, quando atinge seu máximo. A partir dos 30 anos, essa capacidade naturalmente diminui, em um ritmo lento e constante. O tabagismo é responsável por uma aceleração desse declínio; os pacientes geralmente se tornam sintomáticos quando atingem metade de seu VEF1 máximo. Enquanto nos pacientes não tabagistas a velocidade de queda do VEF1 é, em média, de 20-30 ml/ano, nos tabagistas situa-se em torno de 60 ml/ano. Cessar o tabagismo faz apenas com que a redução do VEF1 retorne à velocidade dos pacientes não fumantes, e não que haja melhora na capacidade pulmonar. Observe o clássico gráfico abaixo que mostra essa evolução. 4. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO 4.1. História clínica A dispneia aos esforços é a queixa mais marcante. A evolução é insidiosa, progressiva, marcada por pioras agudas desencadeadas por fatores descompensantes (ex.: infecção respiratória). Com o avançar da doença, a dispneia pode ser desencadeada com níveis cada vez menores de esforço, podendo evoluir para dispneia em repouso ou aos mínimos esforços. Eventualmente pode haver ortopneia e dispneia paroxística noturna (DPN), embora esses sintomas sejam mais sugestivos de IC, cujo mecanismo pode ser atribuído a 2 fatores: (1) piora da mecânica diafragmática no decúbito dorsal; (2) ↑ da secreção brônquica pela hiperatividade vagal noturna. A tosse é outro sintoma muito frequte na DPOC, sendo comumente acompanhada de expectoração e muitas vezes precedendo o quadro dispneico. Cabe aqui a seguinte definição: Na Bronquite Crônica o paciente apresenta tosse produtiva (geralmente matinal) por mais de 3 meses consecutivos de 1 ano e há mais de 2 anos. Na maioria dos casos, a bronquite crônica é devida ao tabagismo. O seu mecanismo é a hipertrofia das glândulas submucosas que passam a secretar quantidades expressivas de muco. O muco acumula-se nas vias aéreas, principalmente durante a noite de sono, pois o tabagismo inibe a atividade ciliar do epitélio brônquico. Se a bronquite crônica não está relacionada à obstrução crônica de vias aéreas, trata-se de uma Bronquite Crônica simples, que não é uma DPOC. 4.2. Exame físico Os achados variam segundo a forma predominante da doença (enfisematoso ou bronquítico). Na bronquite obstrutiva crônica, a ausculta pulmonar revela uma série de ruídos adventícios (sibilos, roncos, estertores crepitantes e subcrepitantes) + ↓ do murmúrio vesicular (MV). Nos pacientes com predomínio do componente enfisematoso, a ausculta revela apenas a ↓ do MV, sem ruídos adventícios. Há ↓ da elasticidade e expansibilidade pulmonar e à percussão há ↑ timpanismo. A respiração do paciente com DPOC mostra que a fase expiratória está prolongada em relação à fase inspiratória, desproporcionalmente. Nos pacientes dispneicos, o esforço é maior na expiração, havendo contração da musculatura abdominal. Alguns pacientes expiram como se estivessem soprando. Nos casos mais avançados, o paciente pode mostrar-se pletórico (com tom de pele avermelhado), devido à policitemia reativa à hipoxemia crônica, mediada pelo ↑ da eritropoietina renal. A dessaturação da hemoglobina associada à eritrocitose → cianose. A mistura do tom vermelho com o tom azul da cianose dá o aspecto da eritrocianose. O aspecto do tórax pode revelar a hiperinsuflação pulmonar, com aumento do diâmetro anteroposterior (tórax em tonel). No paciente com cor pulmonale, o edema de MMII e a TJP podem chamar atenção. O baqueteamento digital NÃO é sinal da DPOC e seu aparecimento deve levar à investigação de outras doenças (CA de pulmão é uma das causas mais importantes nesse contexto). O exame físico pode revelar 2 tipos estereotipados de pacientes: os pink puffers e os blue bloaters.1. Pink Puffers (“sopradores róseos”): é o estereótipo do enfisematoso. Na inspeção, notam-se apenas a pletora e o tórax em tonel. Geralmente são magros, às vezes consumidos pela doença, apresentando dispneia do tipo expiratória (“sopradores”), mas sem sinais de cor pulmonale e hipoxemia significativa. A ausculta pulmonar revela apenas a ↓ acentuada do MV, sem ruídos adventícios. 2. Blue Bloaters (“inchados azuis”): é o estereótipo do bronquítico grave. Os pacientes possuem um distúrbio mais grave da troca gasosa do que o enfisematoso puro, apresentando-se com hipoxemia significativa, manifesta como cianose (“azuis”). A hipoxemia → cor pulmonale → IVD e congestão sistêmica. Estes pacientes frequentemente são obesos e apresentam a síndrome da apneia do sono. A ausculta pulmonar é rica em ruídos adventícios (sibilos, roncos, estertores). A maioria dos pacientes com DPOC apresenta graus variados de bronquite obstrutiva crônica e enfisema, apresentando um quadro misto entre esses dois estereótipos. 4.3. Exames complementares 1. Hemograma: pode mostrar eritrocitose (hematócrito > 55%). O tabagismo pode estar associado à eritrocitose (síndrome de Gäisbok), porém a hipoxemia deve ser afastada como mecanismo causal. A hipoxemia é um estímulo importante para a produção de eritropoietina pelos rins → ↑ produção de hemácias na medula óssea. 2. Gasometria Arterial: pode estar cronicamente alterada na DPOC, geralmente nos casos mais avançados de doença. O dado mais comumente encontrado é a hipoxemia, que pode ser leve, moderada ou graves (PaO2 < 55 mmHg ou SaO2 < 88%). A hipercapnia com ARC, marcada pelo ↑ compensatório do bicarbonato e do BE (base excesso - quando a soma de todas as bases ultrapassa os parâmetros de referência do Buffer Base) ocorre em 30% dos pacientes com DPOC (casos mais avançados da doença). O pH está discretamente baixo. Entretanto, na descompensação, pode haver piora da hipoxemia e da hipercapnia → acidose respiratória agudizada. São indicações de solicitação de gasometria arterial: a. Suspeita de hipoxemia/hipercapnia aguda (ex.: DPOC com descompensação grave); b. Presença de VEF1 < 40% do previsto, mesmo sem contexto de descompensação; c. Sinais de IVD. 3. ECG: procurar as alterações do cor pulmonale, que são, na verdade, os sinais da sobrecarga cardíaca direita. Os seguintes achados sugerem essa sobrecarga: a. Onda P alta e pontiaguda, medindo mais de 2,5 mm na amplitude (P pulmonale): denota aumento atrial direito. b. Eixo do QRS desviado para direita. c. Graus variados de bloqueio de ramo direito (BRD). d. Relação R/S maior que 1 em V1. A hipoxemia crônica associada à cardiopatia do coração direito predispõe a taquiarritmias. As mais comuns são as extrassístoles atriais, ritmo atrial multifocal (“arritmia da DPOC”), flutter e FA. Muitas arritmias melhoram apenas com a correção da hipoxemia, reposição eletrolítica (potássio e magnésio) e compensação do quadro respiratório. Figura 1 - Taquicardia atrial multifocal ("da DPOC") em paciente com DPOC e cor pulmonale descompensado 4. RX de tórax: está alterado nos casos mais avançados de DPOC (sensibilidade de 50%). Os sinais clássicos da DPOC na RX são: a. Retificação das hemicúpulas diafragmáticas; b. Hiperinsuflação pulmonar (↑ do número de costelas visíveis na incidência PA – mais de 9-10 arcos costais); c. Hipertransparência; d. ↑ dos espaços intercostais; e. ↓ do diâmetro cardíaco (“coração em gota”) ou ↓ índice cardiotorácico; f. ↑ do espaço aéreo retroesternal no perfil; g. Espessamento brônquico. Bolhas pulmonares também podem ser eventualmente observadas. Na RX também devem ser procuradas complicações, tais como pneumonia, pneumotórax e tumor. 4.4. Prova de função pulmonar Exame mandatório na avaliação de um paciente com (ou suspeita de) DPOC. Tal como na asma, é a espirometria que dará as informações mais importantes acerca do grau de obstrução das vias aéreas. As principais medidas a serem avaliadas são o VEF1 e a relação VEF1/CVF (Índice de Tiffenau). Critério Diagnóstico DPOC: relação VEF1/CVF < 70% do previsto, sem alteração significativa após a prova broncodilatadora (tal achado revela a existência de obstrução “fixa” das vias aéreas). O grau de obstrução é diretamente quantificado pelo VEF1, que deve ser acompanhado de forma seriada no portador de DPOC, pelo menos anualmente, a fim de demonstrar a evolução da doença. É importante reconhecer que o VEF1 é um excelente parâmetro prognóstico (ex.: quanto menor o VEF1, maior a chance de exacerbação e maior a mortalidade nos próximos anos), sendo igualmente útil na avaliação do risco cirúrgico (estima o risco de complicações respiratórias): se VEF1 < 1 L, a chance de complicações respiratórias após qualquer cirurgia é grande, sendo o risco “proibitivo” em se tratando de procedimentos que envolvam ressecções do parênquima pulmonar (ex.: pneumectomia). Porém, o VEF1 não prediz com acurácia a intensidade dos sintomas atuais, uma vez que muitos pacientes com obstrução grave podem ser oligo/assintomáticos, ao passo que outros apresentam relativamente pouca obstrução e muitos sintomas, pois a ocorrência de sintomas depende não apenas do VEF1, mas também do nível de atividade física do paciente no seu dia a dia. O FEF 25-75% é outro parâmetro que deve ser analisado, sendo o 1º a alterar na DPOC. Logo, trata-se do marcador mais sensível (e precoce) de obstrução das vias aéreas, mas não serve para confirmar o diagnóstico. Os volumes pulmonares estão caracteristicamente aumentados (volume residual, capacidade residual funcional e capacidade pulmonar total). O teste de difusão do monóxido de carbono, ao contrário da asma, está reduzido, especialmente quando há enfisema, ou seja, na presença de destruição do parênquima (teste de difusão do CO avalia a extensão da superfície alveolar disponível para troca gasosa). 4.5. Tomografia Computadorizada (TC) de Tórax É o teste definitivo para estabelecer a presença ou não de enfisema nos pacientes DPOC, determinando ainda sua extensão e localização. Todavia, na prática, este exame influencia pouco nas decisões terapêuticas, existindo apenas uma indicação precisa e aceita: avaliação dos pacientes candidatos à terapia cirúrgica da DPOC (cirurgia de redução do volume pulmonar – neste caso, a TC orienta que porção do parênquima deve ser preferencialmente ressecada, isto é, aquela onde a presença de enfisema é mais importante). 4.6. Exacerbação Pacientes com DPOC possuem uma baixa reserva pulmonar. Assim, qualquer insulto sobre o AR pode piorar a clínica → exacerbação da dispneia e eventualmente à insuficiência respiratória. O principal fator de descompensação é a infecção respiratória, bacteriana ou viral. Infecções bacterianas das VAS (sinusite, traqueobronquite) ou inferiores (pneumonia) devem ser tratadas. Dados clínicos que sugerem infecção bacteriana (ex.: traqueobronquite bacteriana) são: ↑ do volume do escarro e a alteração do seu aspecto (purulento). Na dúvida, sempre tratar com ATB. Outros fatores desencadeantes importantes: hiper-reatividade brônquica (broncoespasmo), drogas depressoras do centro respiratório, IC, TEP e pneumotórax. 5. CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA Usa-se o sistema de classificação da DPOC proposto pelo guideline GOLD (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease), que conjuga dados como a intensidade dos sintomas e o grau de obstrução das vias aéreas, com o risco de exacerbações e a presença de comorbidades, fornecendo uma visão “integrada” do verdadeiro impacto que a doença exerce na QV do paciente. O objetivo é uma estratégia terapêutica individualizada, baseada em evidências. Inicialmente serão analisadas cada componente da classificação para depois juntar tudo num modelo lógico. 1. Intensidade dos sintomas: avaliada por meio de escores validados, que são capazesde identificar os pacientes para os quais o tratamento é benéfico, com base em evidências científicas. Dos escores existentes, o GOLD prioriza 2, que são simples e fáceis de aplicar (Modified Medical Research Council Questionnaire - mMRC e COPD Assessment Test - CAT). Ambos são questionários que podem ser respondidos pelo próprio paciente. O mMRC avalia apenas a dispneia. O CAT fornece uma avaliação sintomática mais abrangente, refletindo o impacto da dispneia e outras manifestações da doença na vida do paciente. Na hora de classificar a DPOC, deve-se selecionar apenas um escore (desnecessário fazer os 2 ao mesmo tempo), o ideal é o CAT (mais “abrangente”). Todavia, na ausência dele, o mMRC é igualmente válido. Modified Medical Research Council Questionnaire - mMRC Grau 0 Dispneia apenas com esforços extenuantes. Grau 1 Dispneia ao andar com pressa em nível plano, ou quando sobe normalmente uma inclinação. Grau 2 Caminha mais lentamente do que pessoas da mesma idade por causa da dispneia ou necessidade de parar de andar por causa da dispneia, mesmo andando em seu próprio ritmo em nível plano. Grau 3 Para de andar por causa da dispneia após 100 m de caminhada ou após alguns minutos em nível plano. Grau 4 Dispneia que impede o indivíduo de sair de casa, ou que aparece com esforços mínimos, como vestir ou tirar as próprias roupas. 2. Grau de obstrução das vias aéreas: é quantificado pela queda do VEF1 em relação ao previsto, que deve ser medido pós-prova broncodilatadora. Com isso, classifica-se segundo a descrição da tabela abaixo. ESTADIAMENTO CARACTERÍSTICAS GOLD I DPOC LEVE 1. VEF1,0/CVF < 70%* pós-pbd (critério diagnóstico). 2. VEF1,0 ≥ 80% do previsto. GOLD II DPOC MODERADA 1. VEF1,0/CVF < 70%* pós-pbd (critério diagnóstico). 2. VEF1,0 entre 50-80% do previsto GOLD III DPOC GRAVE 1. VEF1,0/CVF < 70%* pós-pbd (critério diagnóstico). 2. VEF1,0 entre 30-50% do previsto. GOLD IV DPOC MUITO GRAVE 1. VEF1,0/CVF < 70%* pós-pbd (critério diagnóstico). 2. VEF1,0 ≤ 30% do previsto OU (3) 3. VEF1,0 ≤ 50% com insuficiência respiratória (hipoxemia com PaO2 < 60 mmHg, independente do PCO2) ou sinais de IC direita. O grau espirométrico de obstrução ao fluxo aéreo é avaliado de maneira complementar à classificação integrada proposta na figura abaixo, isto é: por si só, o grau espirométrico não muda a classificação (A, B, C ou D) – esta é definida apenas em função dos sintomas e da história de exacerbações. Contudo, na definição final do caso, devemos citar o grau espirométrico, de modo a compreender melhor a gravidade da doença do paciente. 3. Avaliação do risco de exacerbações: o maior fator de risco para exacerbações futuras da DPOC é a história de exacerbações prévias, particularmente quando estas motivaram uma internação hospitalar. 4. Presença de comorbidades: não entra diretamente no sistema de classificação da DPOC, como mostra a figura abaixo, porém precisa ser considerada. A DPOC é uma doença crônica grave e progressiva, e a coexistência de outras doenças crônicas graves e progressivas (ex.: ICC, hepatopatia, IRC) vai afetar o prognóstico. Muitas comorbidades podem ser consequências diretas da DPOC ou de fatores de risco “compartilhados” (ex.: CA de pulmão - tanto a DPOC quanto o tabagismo são fatores de risco independentes; DCV - associação com tabagismo; síndrome da caquexia/sarcopenia - decorre do estado inflamatório crônico associado à DPOC, particularmente em sua forma enfisematosa; síndrome metabólica e osteoporose - condições que ↑ risco dos glicocorticoides empregados no TTO da DPOC). A importância de considerar as comorbidades reside no fato de que às vezes elas podem modificar a conduta terapêutica, tornando-a mais complexa e/ou limitada. Conjugando os elementos descritos (exceto a presença de comorbidades e o grau espirométrico, que não entram na matriz 2 x 2 a seguir, figura abaixo, devendo ser “agregados” à parte no raciocínio do médico), classificamos a DPOC em 4 “grupos” de gravidade crescente: A, B, C ou D. Veja o exemplo abaixo: Imagine 2 pacientes com VEF1 < 30% após a prova broncodilatadora (GOLD IV) e muito sintomáticos (escore CAT = 20). Esses pacientes só podem ser grupo B ou grupo D. Agora, imagine que um deles nunca exacerbou a doença, ao passo que o outro apresentou 3 exacerbações no último ano. O 1º, portanto, será classificado como DPOC GOLD IV grupo B, e o 2º DPOC GOLD IV grupo D. Em suma, a interpretação final da classificação deve ser: • GRUPO A – “baixo risco e pouco sintomático”; • GRUPO B – “baixo risco e muito sintomático”; • GRUPO C – “alto risco e pouco sintomático”; • GRUPO D – “alto risco e muito sintomático”. 6. TRATAMENTO A obstrução das vias aéreas do paciente com DPOC tem uma melhora imprevisível e bastante variável com o TTO farmacológico, diferentemente da asma brônquica. A base fundamental para a abordagem terapêutica da DPOC está nos seguintes pontos: 1. Abstinência ao tabagismo; 2. TTO farmacológico das exacerbações; 3. TTO farmacológico crônico; 4. Programas de reabilitação cardiopulmonar; 5. Oxigenoterapia nos pacientes francamente hipoxêmicos; 6. Avaliação da indicação de transplante pulmonar ou cirurgia pneumorredutora. De todas as medidas citadas, apenas 3 mostraram redução na mortalidade: 1. Abstinência ao tabagismo; 2. Oxigenoterapia nos pacientes francamente hipoxêmicos; 3. Transplante de pulmão (atualmente questionada) ou cirurgia pneumorredutora. 6.1. Abstinência ao Tabagismo Ao parar de fumar, o paciente com DPOC controla a progressão da doença. Após 1 ano, a taxa de queda do VEF1 iguala-se a dos não tabagistas. Com isso, a doença tende a se estabilizar nos próximos anos, os sintomas tendem a melhorar (parcialmente), pois a lesão pulmonar existente é irreversível. O aconselhamento médico, mesmo que breve (ex.: apenas 3 min de conversa) é comprovadamente capaz de ↑ taxa de abstinência ao tabaco (5-10% de maneira isolada). Além disso, foi demonstrado também que existe uma forte relação “dose-resposta” entre a intensidade do aconselhamento médico e a taxa de abandono do tabagismo (ou seja, quanto mais o médico se dedicar a convencer e ajudar o paciente a parar de fumar, mais sucesso ele terá). A adição de drogas eficazes na obtenção de abstinência duradoura deve ser considerada em TODOS os pacientes, na ausência de CI. Atualmente, 3 classes farmacológicas principais podem ser empregadas em combinações variadas: (1) reposição de nicotina (goma de mascar, administração inalatória ou intranasal, adesivo transdérmico); (2) bupropriona (antidepressivo inibidor da recaptação de serotonina) 150 mg VO 12/12h; (3) vareniclina 1 mg, VO, 12/12h. Outras drogas como a nortriptilina e a clonidina têm papel limitado (eficácia baixa ou moderada; muitos efeitos colaterais). A vareniclina, um agonista parcial dos receptores nicotínicos da acetilcolina, foi o último lançamento da terapia antitabagismo, porém, tem perdido espaço porque estudos de fase IV (pós-marketing) sugeriram que talvez ela promova ↑ nas taxas de suicídio. Tais drogas ↓ sintomas da abstinência relacionados ao SNC → ajuda o paciente motivado a parar de fumar. Taxa de sucesso com estratégia multimodal (aconselhamento + terapia farmacológica) ± 20-30%. 6.2. Oxigenioterapia Domiciliar O uso contínuo de oxigênio (O2) domiciliar em pacientes hipoxêmicos com DPOC melhorou a sobrevida e a QV. O ↑ da sobrevida é proporcional ao número de horas diárias de oxigenioterapia (ex.: em 3 anos, a sobrevida de pacientes hipoxêmicos tratados com oxigenioterapia contínua foi de 65%, comparada aos 45% de sobrevida do tratado com oxigenioterapia apenas noturna). As indicações de oxigenioterapia domiciliar contínua devem basear-se no resultado da gasometria arterial em ar ambiente, colhida com o paciente fora dos períodos de exacerbação. Neste caso, uma PaO2 ≤55 mmHg ou uma SaO2 ≤ 88% são indicações de oxigenioterapia diária contínua (por mais de 15h). Quando a PaO2 está entre 55-60 mmHg (ou a SaO2 entre 88-90%), deve-se verificar se há critérios para o diagnóstico de cor pulmonale ou eritrocitose. Na presença de sinais de falência crônica do VD (ex.: edema de MMII devido à congestão sistêmica, alterações na onda P no ECG compatíveis com onda “P pulmonale”), ou hematócrito > 55%, está indicada a oxigenioterapia contínua. É preciso confirmar os valores alterados repetindo a gasometria pelo menos 2 vezes num intervalo de 3 semanas. Para pacientes que tiveram alta hospitalar após uma exacerbação, a indicação de oxigenioterapia terapia domiciliar contínua (reconhecimento de hipoxemia persistente) só pode ser dada após 3 meses da alta, obedecendo aos critérios expostos. INDICAÇÕES DE OXIGENIOTERAPIA DOMICILIAR NA DPOC 1. PaO2 ≤ 55 mmHg e/ou SaO2≤ 88% em repouso; 2. PaO2 entre 56-59 mmHg ou SaO2 entre 88-90% com evidências de cor pulmonale e/ou policitemia (HTo > 55%). A oxigenioterapia pode ser indicada apenas durante o sono (oxigenioterapia noturna), quando a PaO2 < 55 mmHg (ou a SaO2 < 88%) somente durante o sono do paciente ou quando há uma queda da PaO2 > 10 mmHg (ou da SaO2 > 5%), relacionada a sintomas como insônia e agitação noturna. Os mesmos valores de PaO2 e SaO2 são utilizados para indicar a oxigenioterapia durante o exercício físico. O benefício dessa indicação em termos de mortalidade não está tão bem estabelecido. O O2 pode ser administrado por cânula nasal tipo óculos ou cateter transtraqueal. As fontes de O2 podem provir de sistemas de O2 líquido, cilindros de compressão gasosa ou aparelhos concentradores. Os últimos são capazes de captar O2 atmosférico, tendo um custo mensal inferior. Os aparelhos podem ser portáteis ou estacionários (ideal: paciente ter os 2). O fluxo de O2 deve ser 1-3 L/min, de acordo com a resposta gasométrica do paciente. 6.3. Tratamento das Exacerbações Uma exacerbação da DPOC é a piora aguda dos sintomas respiratórios (além da variação circadiana esperada) que requer mudanças igualmente agudas no esquema terapêutico. Assim, o diagnóstico da exacerbação é clínico: piora da dispneia, tosse e/ou expectoração (escarro previamente claro se torna purulento, além de ser produzido em maior quantidade). Na maioria das vezes as exacerbações são desencadeadas por infecções respiratórias. Exposição a elevados níveis de poluição ambiental também parecem ser desencadeadores frequentes. Outros fatores podem mimetizar as exacerbações da DPOC ou mesmo agravá-las: hiper-reatividade brônquica (broncoespasmo), IC, pneumotórax espontâneo (devido à formação de bolhas subpleurais que se rompem com facilidade), TEP, drogas depressoras do centro respiratório (opiáceos, barbitúricos, BZD) e outros. Cerca de 1/3 das exacerbações da DPOC não têm etiologia clinicamente definida. O tratamento envolve: 1. ATB; 2. Broncodilatadores; 3. Corticosteroides sistêmicos (alguns casos); 4. Teofilina ou aminofilina (opcional); 5. Ventilação não invasiva, se necessária; 6. Ventilação invasiva, se necessária. Os objetivos terapêuticos na DPOC agudizada são: 1. Tratar fator associado: infecção, TEP, pneumotórax, isquemia cardíaca, arritmia e ICC. 2. Melhorar a oxigenação do paciente: manter SaO2 entre 88-92%. 3. ↓ resistência das vias aéreas: broncodilatadores, corticoides e fisioterapia respiratória. 4. Melhorar a função da musculatura respiratória: suporte ventilatório não invasivo, nutrição adequada, ventilação mecânica. Alguns casos de exacerbação aguda da DPOC podem ser tratados em regime ambulatorial. Outros merecem internação hospitalar, como os citados abaixo: 1. Insuficiência respiratória aguda grave a. Aumento acentuado da dispneia; b. Distúrbios de conduta ou hipersonolência. c. Incapacidade para se alimentar, dormir ou deambular. 2. Piora da hipoxemia ou hipercapnia com acidose respiratória aguda (comparar com gasometrias prévias do paciente). 3. Complicações: embolia pulmonar, pneumonia ou pneumotórax. 4. Comorbidades de alto risco: arritmia, IC, DM, insuficiência renal e insuficiência hepática. 5. Impossibilidade de realizar corretamente o tratamento ambulatorial, por ausência de condição socioeconômica. 6. Resposta inadequada ao tratamento extra-hospitalar. 7. Dúvida diagnóstica. A. Antibioticoterapia (ATB): deve ser iniciada no paciente com exacerbações graves (ex.: que necessita de suporte ventilatório invasivo) OU quando houver pelo menos 2 das seguintes condições: a. ↑ do volume do escarro; b. Alteração do seu aspecto para purulento; c. ↑ da intensidade da dispneia. A maioria das descompensações se relaciona a infecção viral das vias aéreas, porém, mesmo assim, sempre existe a participação de bactérias (colonizam de forma excessiva a via aérea inferior do paciente com DPOC → ↑ densidade populacional na vigência de outro insulto pulmonar qualquer → ↑ grau de exposição antigênica da mucosa → agrava a intensidade do processo inflamatório). As bactérias mais implicadas são: Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae e Moraxella catarrhalis. Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae são encontrados em 5-10% das exacerbações. Nas exacerbações graves suspeitar de micro-organismos Gram-negativos entéricos (ex.: Pseudomonas aeruginosa). Outros fatores de risco para infecção por Pseudomonas incluem hospitalizações frequentes, administração prévia de ATB (4 cursos no último ano) e o isolamento de P. aeruginosa durante uma exacerbação prévia ou colonização demonstrada durante um período estável. A gravidade da DPOC, assim como a presença de comorbidades, apresenta relação direta com os micro-organismos causadores do quadro infeccioso. Pode-se estratificar o paciente DPOC com infecção em 3 grupos, de acordo com os patógenos causadores esperados. A partir dessa estratificação, é feita então a recomendação da ATB empírica, conforme mostram as tabelas abaixo. A prevenção do quadro infeccioso pode ser feita através de 2 vacinas: contra a gripe (influenza – anual) e contra pneumococo (polivalente), estando indicadas no paciente DPOC. O uso de ATB profilático não mostrou benefício na DPOC, não sendo indicado. ESTRATIFICAÇÃO DO PACIENTE COM DPOC PARA TTO COM ATB E POTENCIAIS MICRO-ORGANISMOS ENVOLVIDOS EM CADA GRUPO GRUPO DEFINIÇÃO PATÓGENOS ENVOLVIDOS A Exacerbações leves; nenhum fator de risco para prognóstico adverso. H. influenzae; S. penumoniae; M. catarrhalis; C. pneumoniae; Vírus. B Exacerbação moderada com fator de risco para prognóstico adverso. Patógenos do grupo A; S. pneumoniae resistente à penicilina; Enterobactérias (K. pneumoniae, E. coli, Proteus, Enterobacter, etc.). C Exacerbação grave com fator de risco para infecção por P. aeruginosa Patógenos do grupo B; P. aeruginosa. OBS.: fatores de risco para prognóstico adverso: comorbidade, DPOC grave, exacerbações frequentes (> 3/ano) e uso de ATB nos últimos 3 meses. TRATAMENTO ANTIMICROBIANO NAS EXACERBAÇÕES DO DPOC GRUPO TTO ORAL TTO ORAL ALTERNATIVO TTO PARENTERAL A 1. Betalactâmicos (BL); 2. Tetraciclina; 3. Sulfametoxazol-Trimetropin 1. BL + IBL; 2. Macrolídeos; 3. Cefalosporinas (CP) de 2ª e 3ª gerações. - B 1. BL + inibidor da betalactamase (IBL). 1. FQ: levofloxacino, moxifloxacino. 1. BL + IBL; 2. CP de 2ª e 3ª gerações; 3. FQ: levofloxacino, moxifloxacino C 1. Fluoroquinolonas (FQ): ciprofloxacino, levofloxacino – altas doses. - 1. FQ: ciprofloxacino, levofloxacino – altas doses; 2. BL com atividade antipseudomonas. 1. Betalactâmicos: penicilina, ampicilina, amoxicilina; 2. Inibidores da betalactamase: clavulanato, sulbactam, tazobactam; 3. Macrolídeos: azitromicina, claritromicina, roxitromicina; 4. Fluoroquinolonas: levofloxacino, moxifloxacino, ciprofloxacino; 5. Betalactâmico com atividade antipseudomonas:cefepime, meropenem, imipenem; 6. BL + IBL: ampicilina-sulbactam; amoxicilina-clavulanato. B. Broncodilatadores: prescrever a associação de β-2-agonista de curta duração (salbutamol, fenoterol ou terbutalina) com o anticolinérgico brometo de ipratrópio, por via inalatória (nebulização ou spray aerossol). A dose deve ser repetida a cada 4-6 horas. O β-2-agonista tem a vantagem de seu rápido efeito, combinado à maior duração de ação do ipratrópio. Prefere-se a nebulização, pois o spray de aerossol tem administração técnica mais difícil, especialmente nos idosos e com esforço respiratório. O spray de aerossol necessita da coordenação entre ativação da dose e inspiração do paciente. C. Corticosteroides sistêmicos: seu efeito é benéfico na exacerbação aguda da DPOC (↓ duração da internação, melhora mais rápida do quadro clínico e ↓ chance de nova exacerbação futura). Por isso, atualmente são drogas indicadas de rotina, por 7-10 dias, prednisona 40 mg/dia ou equivalente (corticoide venoso é usado nas exacerbações graves por 72h e depois trocado por prednisona). A nebulização com budesonida é uma alternativa ao corticoide oral nos pacientes ambulatoriais com exacerbações leves. INDICAÇÕES E DOSES DE CORTICOIDES NA EXACERBAÇÃO AGUDA 1. Exacerbação aguda em pacientes com sibilância + dispneia e sem necessidade de internação (especialmente nos pacientes com VEf1,0 < 50%): a. Prednisona 40 mg/dia, por 3-5 dias → depois → 20 mg/dia por 3-5 dias; OU b. Dose equivalente de outro corticoide → reavaliar para continuar ou suspender. 2. Exacerbação aguda com necessidade de internação: a. Metilprednisona (escolha), 0,5-1 mg/kg/dose (62,5-125 mg), a cada 6/8 horas por 72 horas. Depois, se possível e necessário → tratamento oral. b. Hidrocortisona, 3-5 mg/kg/dose (200-300 mg), a cada 6 horas. D. Metilxantinas (teofilina e aminofilina): apresentam efeito analéptico respiratório (↑ contratilidade diafragmática), broncodilatador moderado e ativador do movimento ciliar. São drogas de 2ª linha, estando reservadas para casos graves, não responsivos à terapia com broncodilatadores inalatórios. Possuem grande potencial de toxicidade → convulsões e arritmias → acompanhar o nível sérico dessas drogas com dosagens sanguíneas seriadas. E. Mucolíticos: NÃO HÁ benefício do uso na exacerbação aguda da DPOC. F. Oxigenioterapia: a exacerbação aguda da DPOC frequentemente cursa com hipoxemia, às vezes grave. Por isso, praticamente todos os pacientes devem receber suplemento de oxigênio para manter a SaO2 entre 88-92%. G. Ventilação Não invasiva com Pressão Positiva (VNI): seu uso nos pacientes com DPOC descompensado é altamente benéfico, com redução de mortalidade, necessidade de intubação e tempo de internação hospitalar. Os critérios de indicação da VNI são pelo menos 2 dos seguintes: a. Dispneia moderada a grave, com uso dos músculos acessórios e movimento abdominal paradoxal; b. Acidose moderada a grave (pH entre 7,30-7,35) com hipercapnia entre 45-60 mmHg; c. FR > 25 ipm. Os métodos mais utilizados são o CPAP (pressão positiva contínua nas vias aéreas) e o BiPAP (pressão positiva nas vias aéreas com 2 níveis de pressão). A VNI está CI nos pacientes com instabilidade cardiovascular, ↓ nível de consciência ou incapacidade de cooperar, secreção respiratória copiosa, queimaduras, obesidade extrema e anormalidades craniofaciais (prejudicam o acoplamento da máscara). H. Ventilação invasiva (Intubação Traqueal + Ventilação mecânica): o principal critério de intubação no paciente com DPOC descompensado é a alteração do estado de consciência (desorientação, agitação, sonolência), precipitada pela fadiga da musculatura respiratória, agudizando a ARC (carbonarcose). O ajuste dos parâmetros ventilatórios deve envolver um tempo expiratório prolongado, evitando-se o auto-PEEP. Lembre-se de que esses pacientes muitas vezes são retentores crônicos de CO2 e, como resposta adaptativa, retentores crônicos de bases (representado por um BE e um HCO3 elevados); desse modo, a ↓ da pCO2 para níveis normais pode → alcalose severa. Não havendo um parâmetro gasométrico anterior, os níveis de pCO2 devem ser ajustados levando-se em consideração o pH sérico. As principais indicações de ventilação invasiva na DPOC são: a. Dispneia grave, com uso importante da musculatura acessória. b. FR > 35 ipm. c. Hipoxemia muito grave: PaO2 < 40 mmHg após oferta de O2. d. Acidose grave: pH < 7,25, com PaCO2 > 60 mmHg. e. Sonolência, estado mental debilitado. f. Outras complicações graves: instabilidade hemodinâmica, sepse, pneumonia extensa, etc. g. Insuficiência da VNI. Assim, as terapias voltadas para a exacerbação, podem ser resumidas da seguinte maneira: ABC DA CONDUÇÃO DA EXACERBAÇÃO AGUDA DA DPOC SEM NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO COM NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO ATB na presença de pelo menos 2 das seguintes condições: 1. ↑ volume de expectoração; 2. Mudança de aspecto da expectoração para purulento; 3. ↑ intensidade da dispneia. Broncodilatator inalatório: 1. Iniciar ou ↑ a frequência de uso de β2- agonista de curta duração e/ou brometo de ipratrópio. Broncodilatator: 1. β2-agonista de curta duração a cada 20 min até 3 doses e, em seguida, a cada 4 horas até estabilização 2. Brometo de ipratrópio a cada 4 horas. Corticoide se dispneia ou sibilância (especialmente se VEF1,0 sabidamente < 60%) 1. Prednisona ou equivalente, VO. Xantinas: a critério médico Oxigênio: Oferta de O2 mantendo a SpO2 entre 88-92% VNI Ventilação invasiva: na falência ou CI à VNI Fisioterapia respiratória: avaliação individual. 6.4. Farmacoterapia de manutenção Broncodilatadores ↓ sintomas → melhora a QV e previne exacerbações da DPOC. Porém, não diminuem a mortalidade em longo prazo, nem a taxa de declínio da função pulmonar e não evitam a progressão da doença (nenhuma droga até hoje é capaz de ↓ a velocidade de progressão). 1. β-2-agonistas inalatórios: benéficos na terapia crônica → melhora sintomas. Os β-2- agonistas de longa ação (LABA → salmeterol e formoterol) são broncodilatadores de 1ª linha no tratamento crônico da DPOC. Os β-2-agonistas de ação curta (LABA → salbutamol, fenoterol e terbutalina) são reservados à terapia de resgate nos pacientes em crise. 2. Anticolinérgicos inalatórios: podem ser associados aos β-2-agonistas (ABA) inalatórios ou de maneira isolada. O brometo de tiotrópio (Spiriva), principal agente, administrado a cada 24h; pode ter uma eficácia superior ao salmeterol e uma menor incidência de efeitos colaterais → considerado por alguns autores o broncodilatador de escolha nos pacientes com DPOC (custo mais elevado que os ABA). O brometo de ipratrópio (Atrovent) é um anticolinérgico de ação curta, sendo utilizado também nos pacientes em crise. 3. Corticoides inalatórios: não são úteis na progressão da DPOC (diferente do que ocorre na asma, onde são essenciais para evitar o remodelamento brônquico), embora se associem à ↓ do número de exacerbações. São genericamente prescritos para todos os pacientes dos grupos C e D da classificação da DPOC. 4. Corticoides sistêmicos: não estão indicados no tratamento crônico da DPOC, tanto pela falta de benefícios quanto pelo perfil desfavorável de efeitos adversos (ex.: miopatia esquelética → pode afetar a musculatura respiratória → falência ventilatória crônica). No entanto, estão indicados no tratamento das exacerbações. 5. Teofilina: pode beneficiar alguns pacientes com DPOC → melhora a ↓ noturna da função pulmonar e sintomas matinais. Contudo, pelos efeitos adversos, não é droga de 1ª linha → utilizada como fármaco aditivo nos pacientes sintomáticos mesmo após a terapia padrão. 6. Inibidores da fosfodiesterase-4 (PDE-4): o roflumilast é um inibidor oral da enzima fosfodiesterase-4 que tem ação anti-inflamatória (predominante), e não broncodilatadora. Por isso, é particularmente indicado em portadoresde bronquite crônica obstrutiva. Todavia, a associação com outras drogas (ex.: broncodilatadores inalatórios de longa duração) → fornece incrementos adicionais no VEF1. Também é útil em ↓ o número de exacerbações em pacientes de alto risco (ex.: duas ou mais exacerbações prévias). ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA CRÔNICA NA DPOC GRUPO 1ª ESCOLHA OPÇÃO A Broncodilatadores de curta ação conforme a necessidade: 1. SABA ou anticolinérgicos Uso regular de: 1. LABA; ou 2. Anticolinérgico de longa duração (ALD); ou 3. SABA + anticolinérgico de curta duração (ACD). B 1. LABA; ou 2. ALD. LABA + ALD C Corticoide inalatório + LABA ou ALD 1. LABA + ALD; ou 2. LABA + inibidor PDE-4; ou 3. ALD + inibidor PDE-4. D Corticoide inalatório + LABA e/ou ALD 1. Corticoide inalatório + LABA + ALD; ou 2. Corticoide inalatório + LABA + inibidor PDE-4; ou 3. ALD + inibidor PDE-4; ou 4. LABA + ALD. 6.5. Reabilitação cardiopulmonar É parte fundamental da terapia da DPOC, indicada para todos os pacientes. Há aumento significativo da capacidade funcional após a realização de exercícios físicos controlados por fisioterapeutas. Os resultados são visíveis clinicamente e confirmados no laboratório experimental, ao demonstrar a melhora no perfil bioquímico da atividade muscular. Além disso, há evidências de que a sobrevida do portador de DPOC possa ser prolongada pela prática de atividades físicas. 6.6. Cirurgia na DPOC Sabe-se que a DPOC ↑ risco cirúrgico de cirurgias tóracoabdominais → prolonga a intubação traqueal + complicações pós-operatórias. O risco cirúrgico é mais acentuado se o VEF1,0 pré- operatório < 1 L. Apesar disso, há cirurgias indicadas para a própria DPOC. 1. Transplante de Pulmão: o limitante é o ↓ número de órgãos disponíveis. Atualmente, sua indicação é mais questionada, pois, apesar da melhora na QV, não há benefícios claros de ↓ de mortalidade nos pacientes DPOC terminal. Ainda não há uma definição se o transplante de um único pulmão ou dos 2 seria a melhor estratégia. 2. Cirurgia Redutora Pulmonar (Pneumoplastia): tem mostrado resultados promissores recentemente com o avanço das técnicas cirúrgicas e da medicina intensiva pós-operatória. Baseia-se na retirada de 20-30% de tecido pulmonar (da região bastante afetada pela doença). A ↓ pulmonar → melhora a mecânica diafragmática e o distúrbio V/Q → melhora da mortalidade e na QV nos pacientes com baixa capacidade de exercício e enfisema predominante nos lobos superiores, sendo este o subgrupo no qual está indicada. Na presença de grandes bolhas parenquimatosas complicando com sintomatologia local, como infecções, hemoptise e dor torácica, o tratamento também pode ser cirúrgico (“bulectomia”). 6.7. Vacinação Não esquecer de recomendar as vacinas anti-influenza (anual, composta por vírus mortou ou vivo inativado) e anti-pneumocócica (vacina 23-valente, 1 dose com reforço após 5 anos).
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