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HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA Dra. Sylvia Bittencourt GUIA DA DISCIPLINA 2021 1 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Pinterest – https://br.pinterest.com/pin/728738783437595837/ - acesso em 11/12/2020 https://br.pinterest.com/pin/728738783437595837/ 2 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. AS ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Olavo Bilac Objetivo Informar os caminhos da transformação ou evolução das línguas que garantiram ao humano a comunicação com fins utilitários, sagrados, lúdicos e estéticos. E da escrita que permitiu a comunicação à distância - tanto no tempo como no espaço - ligando a História da Civilização no planeta. Estes conhecimentos para um docente de língua Portuguesa ajudam a entender nosso sistema ortográfico, auxilia o reconhecimento de mecanismos linguísticos (fonéticos, morfológicos, sintáticos, semânticos) que regem as transformações da Língua Portuguesa e a permanente interação global com outros idiomas. Afinal, a Língua Portuguesa é uma língua viva que vem se transformando ao longo dos séculos e nos cinco continentes da Terra. Introdução 1.1. A romanização da Península Ibérica Os romanos desembarcam na Península no ano 218 a.C. Todos os povos da Península, com exceção dos bascos 1, adotam o latim como língua e, mais tarde, todos abraçarão o cristianismo. A área linguística do que virá a ser o galego e o português delineia-se, desde a época romana, no mapa administrativo do Ocidente peninsular. A região da Galícia espanhola e de Portugal corresponde, aproximadamente, a quatro desses territórios: de Lucus Augustus (Lugo), de Bracara (Braga), de Scalabis (Santarem) e de Pax Augusta (Beja). Delineia-se pois a área linguística do que virá a ser o galego e o português. 1 O basco já era falado muito antes de os romanos introduzirem o latim na Península Ibérica. Por não ter línguas aparentadas conhecidas, o basco é claramente diferente das outras línguas europeias, particularmente aquelas (que são a grande maioria) que têm relações de prentesco entre si no interior da família indo-europeia https://pt.wikipedia.org/wiki/Latim https://pt.wikipedia.org/wiki/Pen%C3%ADnsula_Ib%C3%A9rica https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguas_indo-europeias 3 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1.2. Os suevos e os visigodos (séculos VI e VII) Em 409, invasores germânicos — vândalos, suevos e alanos — afluem ao sul dos Pireneus, seguidos, mais tarde, pelos visigodos Esses instalam o Reino Visigótico cristão ao sudoeste da Península ibérica entre os séculos V-VIII Assim começa um período retratado por Alexandre Herculano no romance histórico Eurico, o Presbítero, E o período visigótico terminará em 711, com a invasão muçulmana. Mas durante esse período, os alanos foram rapidamente aniquilados. Os vândalos passaram para a África do Norte. Os suevos, em compensação, conseguiram implantar-se e resistiram aos visigodos mas em 585, esse território foi conquistado pelos visigodos e incorporado ao seu Estado cristão. 1.3. A invasão muçulmana e a Reconquista Em 711 os muçulmanos invadem a Península e em pouco tempo conquistam mais territórios, com inclusão da Lusitânia e da Gallaecia. Estes muçulmanos eram árabes e berberes do Maghreb2. Tinham o Islão como religião e o árabe como língua de cultura, 2 O Magreb é uma área da África Setentrional (África Branca), que corresponde à região ocidental do norte do continente africano. Países do Magreb: Marrocos, Tunísia, Argélia, Mauritânia, Saara Ocidental (território controlado pelo Marrocos). 4 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância mesmo aqueles que falavam o bérbere. Os povos ibéricos chamaram-nos “mouros”. A Reconquista cristã partiu do Norte, vai expulsando os mouros para o sul. É durante esta Reconquista que nascerá, no século XII, o reino independente de Portugal. Até por volta do ano 1000 a Espanha muçulmana domina os inimigos cristãos. É a época áurea do califado de Córdoba. Em 997, Compostela na Galícia é destruída. Mas no início do século XI, os reinos cristãos iniciam um movimento ofensivo. Na região ocidental (a que nos interessa, pois lá estão os limites de Portugal), Coimbra é reconquistada em 1064, Santarém e Lisboa em 1147, Évora em 1165, Faro em 1249. Com a tomada de Faro, o território de Portugal está completamente formado. O resto da Península só seria definitivamente reconquistado bem mais tarde, em 1492, quando os Reis Católicos – Fernando e Isabel se apoderam do reino de Granada e gradativamente promovem a unificação dos reinos cristãos em Espanha. A invasão muçulmana e a Reconquista são acontecimentos determinantes na formação de três línguas peninsulares — o galego-português a oeste, o castelhano no centro e o catalão a leste. Estas línguas, todas três nascidas no Norte, foram levadas para o Sul pela Reconquista. Nas regiões setentrionais, onde se formaram os reinos cristãos, a influência linguística e cultural dos muçulmanos tinha sido, evidentemente, mais fraca que nas demais regiões. No Oeste, a marca árabe-islâmica é muito superficial ao norte do Douro, ou seja, na região que corresponde hoje à Galícia e ao extremo norte de Portugal. 5 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Indo para o sul, as marcas árabes-islâmicas vão se tornando mais nítidas, e tornou-se duradoura na área que vai desde o Mondego até Algarve. Foi na primeira destas regiões, ao norte do Douro —que se formou a língua galego-portuguesa, cujos primeiros textos escritos aparecem no século XIII. Além das “cantigas de amigo”, de amor e de escárnio, o galaico- português está documentado nos livros de Linhagem ou Nobiliários que registravam em forma de narrativas, fatos da vida de sucessivas gerações de nobres. E dom Fernam Fernandez foi casado com dona Maria Alvarez, filha do conde dom Álvaro de Fita, e fez em ela ûu filho e ûa filha. E o filho houve nome Martim Fernandez e foi mui boo mancebo e morreu cedo, de idade de XXVI annos; E a filha houve nome dona Sancha, e demandou-a o emperador, e ela, com medo de seu irmão, nom. se atreveo. E como aquela que queria fazer mal, deu peçonha a seu irmão e matou-o, e depois foi-se para o emperador e foi sa barregãa. Livro de Linhagem (LL21G11) Biblioteca da Torre do Tombo Para fechar esse tema, registra-se que a Língua Portuguesa com o passar dos séculos diferencia-se do galego e constitui-se como uma das línguas românicas, ou seja: que apresenta características dos idiomas românicos. Porém nem todas as línguas Novilatinas apresentam as mesmas estruturas, isto é, algumas contêm vocabulário latino, outros não; alguns mostram uma sintaxe latina, outras nem tanto. O que as unem é um conjunto de similaridades, seja da forma, função ou origem. O filólogo3 Ismael de Lima Coutinho ressalta: “Há dez línguas românicas: o português, o espanhol, o catalão, o francês, o provençal, o italiano, o reto-romano [rético ou ladino], o dalmático, o romeno (ou valáquio) e o sardo” (COUTINHO, 1962, p. 46,). 3 Filólogo, o que se dedica ao estudo de uma língua em todos os seus aspectos e dos escritos que a documentam, e ao estudo científico da evolução de uma língua ou de famílias de línguas; o mesmo que Filologia, Gramática Histórica. Linguística românica ou História da Língua. 6 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Outro filólogo Said Ali (1921, p. 02) diz que: “Todas estas línguas e dialetos originaram-sedo latim; não do latim literário, que em muitos pontos era linguagem artificial, e sim do latim vulgar, isto é, da linguagem viva, do latim falado”. Portanto, o caminho que estamos seguindo nos levará a aceitar uma hipótese: a de que a língua escrita culta não passa de um idioma artificial que em nada reflete o uso e é o latim vulgar, a verdadeira fonte inesgotável para estudos. Línguas Românicas ou Novilatinas Latim Português Castelhano Francês Galego Romeno Italiano Catalão Dalmático Sardo Rético ou ladino 7 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. SOBRE CONTATOS LINGUÍSTICOS Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados. Oswald de Andrade Objetivo Tratar das diferentes formas de contatos entre duas ou mais línguas emprego fontes teóricas diferentes: Faraco (2006), Garcia e Castro (2010), Bagno (2007), Mattoso Câmara (2011). Introdução Uma língua nem sempre é constituída exclusivamente por elementos presentes em seu próprio material linguístico. A maioria das línguas apresenta, em sua estrutura interna, um conjunto de componentes lexicais originários de línguas com as quais manteve (ou ainda mantém) contato. Segundo Faraco (2006) há três diferentes situações em que o contato linguístico pode ocorrer: substrato, superstrato e adstrato. Em relação ao primeiro termo, assinala que, substrato torna-se uma mera marca de língua. Tal idioma é completamente suplantado, restando somente, alguns resquícios, ou pequenas marcas, vocábulos. Isto pode ser atestado nos seguintes argumentos retirados do Dicionário gramatical de latim: nível básico: É a língua que, falada numa determinada região, por vários motivos, foi substituída por outra (por exemplo, no caso das invasões). A substituída acaba por influenciar, de alguma maneira, a língua que a substituiu. Os romanos, na Gália, implantaram o seu idioma, 8 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância mas o celta ainda deixou vestígios no latim, como, por exemplo, a palavra carrus (GARCIA; CASTRO, 2010). Observamos que Faraco (2006) aponta a língua celta como exemplo de substrato. Pouco se sabe sobre os celtas, mas é certo de que se trata de um antigo povo indo- germânico que viveu na região da Gália por volta do século III a. C. Do celta restaram elementos lexicais, isto é, somente algumas palavras podem ser percebidas no latim, tais como bucca, - ae (boca) e caballus, - i (cavalo). O Português do Brasil (ou Angola ou Moçambique) adotou inúmeros vocábulos de origem indígena e das línguas africanas conservaram palavras de tribos locais. Apesar do Brasil ter tido mais de mil e quinhentas línguas e atualmente restarem somente cerca de cento e cinquenta línguas indígenas, notamos traços que distinguem a produção sonora de certas palavras que se afastam das formas e construções do português europeu. Os traços característicos do idioma do Brasil podem ser de variadas naturezas: fonético-fonológicos, morfológicos, semânticos e lexicais. São essas diferenças que percebemos ao ouvirmos um falante do Brasil, de um lado, e um falante do português europeu, do outro, ressaltam sobretudo diferenças fonéticas. A definição apresentada por Mattoso Câmara (2011) em seu Dicionário de Linguística e Gramática aponta que será no léxico onde as mudanças serão mais perceptíveis. substrato substantivo masculino, essência, natureza íntima. O que restou de uma transformação; resíduo, resto Em linguística, substrato é o resultado da integração de uma língua nativa, que foi aos poucos sendo abandonada em favor de outra, porém, deixando vestígios de sua influência. 9 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O superstrato tem maior resistência e pode coexistir ao lado de outro idioma por um longo tempo, recebendo influência da língua já falada naquela região (FARACO, 2006) O bloco de línguas que compõem o tronco germânico é formado pelas línguas escandinavas, o alemão, o inglês, o holandês, entre outras. A maior parte desses idiomas germânicos perdura até o presente momento. Mas também é certo que as características de cada uma dessas línguas fazem com que tenhamos idiomas aparentemente (ou até mesmo completamente) distintos. Ao comparamos o alemão com o latim, na atualidade pouco ou quase nada veremos de comum entre as duas, mas o tronco que serviu de família era o mesmo. As diferenças entre as línguas evidenciam que as mudanças linguísticas que ocorreram internamente ao sistema foram significativas e distintivas. Entendemos que o superstrato era a língua de maior prestígio, no entanto esse prestígio não foi determinante para sua manutenção (CÂMARA JR., 2011). Esse desaparecimento de que fala o linguista brasileiro, reforça a hipótese de que uma língua só permanece como língua-padrão à medida que é empregada como língua de uso. Ao passo que um novo idioma passa a servir de veículo de comunicação entre as pessoas de uma determinada região, e a língua que antes gozava de prestígio cede lugar à nova língua. Todavia, algumas marcas ainda podem ser detectadas nesse A principal diferença entre o substrato e superstrato é que o primeiro é totalmente suplantado enquanto o segundo (superstrato) pode resistir e permanecer sendo falado até hoje. su·pers·tra·to substantivo masculino conjunto dos fatos que caracterizam uma língua que foi falada num dado território linguístico, e que, depois de ter desaparecido, deixou traços mais ou menos importantes na língua existente: https://dicionario.priberam.org/superstrato [consultado em 27-10-2019. O terceiro termo: o adstrato. De acordo com Faraco (2006) é diferente dos outros dois termos anteriores exatamente pelo fato de serem línguas que coexistem em um https://dicionario.priberam.org/superstrato 10 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância mesmo lugar, sendo que uma não afeta a outra. Exemplos disso, temos a situação vivida entre o grego e o latim durante um longo período na região da Grécia e Roma. Outra situação peculiar ocorre entre o latim e o árabe na região da Península Ibérica durante o período da Invasão Mulçumana no século VIII d. C. Faraco (2006), define o árabe como adstrato; para Bagno (2007) trata-se de um superstrato. Podemos porém de forma conciliatória, dizer que os dois conceitos se harmonizam, haja vista que em ambos os casos vemos que as línguas permanecem em contato linguístico direto. Nos dois casos também notamos que a influência entre os idiomas se reduz a troca de itens lexicais. E por último, sabemos que tanto na situação de bilinguismo que se efetuou entre a Grécia e Roma e na Península Ibérica favoreceu o enriquecimento do léxico de um dos idiomas: o latim. Considerações Finais: Nossa intenção foi a de mostrar a utilidade desse tipo de estudo formação de línguas românicas ( linguística românica) e como isso, de fato, propiciar uma formação mais sólida no que diz respeito ao acadêmico do curso de Letras, que sentirá - uma vez em sala de aula - a necessidade de explicar e exemplificar mecanismos linguísticos que ilustrem a evolução da escrita da língua portuguesa. O desconhecimento das questões históricas da língua impede, evidentemente, que um professor/pesquisador possa fazer qualquer tipo de julgamento sobre a estrutura, léxico, sintaxe ou qualquer outra parte de um sistema linguístico e ter à sua disposição argumentos teóricos para contrapor a modificações “ modernosas” que se esquecem do grande universo de lusófonosno planeta e as Leis que regem as modificações do léxico, da sintaxe e da semântica. Enfim, pense que a Língua Portuguesa é uma instituição viva e tem um DNA próprio que evolui de acordo com sua programação POTENCIALIDADE genética da sua evolução. BAGNO, Marcos, Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007, p.27, 119. CÂMARA Jr, Joaquim Mattoso, 7ª ed. História da Linguística. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011 11 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância FARACO, Carlos Alberto. Linguística Histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. 12 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. A ESCRITA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE Objetivo Introduzir para os futuros docentes da Língua Portuguesa, alguns valores da permanência de saberes e culturas que cresceram com a diversidade étnica, geográfica, histórica e linguística e fazer um contraponto à fugacidade de fazeres que se substituem vertiginosamente, sempre em busca da frágil e sazonal modernidade que vem sendo substituída de 10 em 10 anos ou até em prazos menores. Introdução Estudar a escrita de uma língua significa fazer um relacionamento da própria escrita com as seguintes áreas do conhecimento humano: as ciências e literatura originárias da Mesopotâmia, as escritas sagradas do Egito, as origens do alfabeto, da escrita e do comércio realizados pelos fenícios, a inovação das vogais no alfabeto grego, a formação da língua portuguesa com o domínio romano da Península ibérica, até a formação da Língua Portuguesa no Brasil. A escrita de uma língua é sem dúvida uma invenção antiga e muito bem estruturada a ponto de favorecer permanente adaptações. Talvez uma das mais engenhosas invenções humanas após a descoberta do fogo. Uma breve História: O registro pictográfico surge antes mesmo da comunicação verbal. Chegaram até nós, as pinturas rupestres e por esses registros carregados de significado, pudemos reconstruir a história humana desde o Paleolítico ao contemporâneo. Estudos modernos sobre a Psicogênese da Linguagem Escrita4 demonstram que todas as crianças fazem hipóteses que seguem de forma analógica a evolução da humanidade. Repetindo: a criança mantém seus primeiros contatos com os impressos rabiscando, desenhando e reconhecendo figuras, a raça humana em sua fase “criança” (o 4 O termo psicogênese pode ser compreendido como origem, gênese ou história da aquisição de conhecimentos e funções psicológicas de cada pessoa, processo que ocorre ao longo de todo o desenvolvimento, desde os anos iniciais da infância, e aplica-se a qualquer objeto ou campo de conhecimento. No campo da aquisição da escrita, esta concepção se associa aos estudos psicogenéticos de Emília Ferreiro, Ana Teberosky in http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/psicogenese-da-aquisicao- da-escrita acesso em 29-10-2019 http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/psicogenese-da-aquisicao-da-escrita http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/psicogenese-da-aquisicao-da-escrita 13 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância homem das cavernas) começou a registrar sua história através de desenhos-rabiscos. São os pictogramas5. Escrita pictográfica in - https://biblioam.wordpress.com/2014/08/22/a-historia-da-escrita/ acesso em 31/10/2019 Mais tarde algumas crianças iniciam sua comunicação verbal com sons desenhados, não identificáveis facilmente. Estas são as garatujas feitas pelas crianças que tentam inventar um alfabeto que registre o som que elas ouvem. Só elas são capazes de ler pois ainda não descobriram a função social da escrita. Os pictogramas pré-históricos também se modificaram para se tornarem Ideogramas. 6 Entende-se ideograma como sinal que exprime a ideia e não os sons da palavra que representa essa ideia: os caracteres egípcios eram ideogramas, os chineses e os nossos os desenhos das placas de trânsito. Portanto, desde as figuras rupestres temos o exemplo da prevalência do registro impresso sobre a oralidade quando se leva em conta a permanência da mensagem original por mais tempo e a garantia de que essa mensagem será entendida por humanos de diferentes culturas, transmitindo informações sobre uma civilização remota, mesmo depois do surgimento da escrita como um marco da História. 5 Pictograma O conjunto de desenhos-escrita, passíveis de serem compreendidos por todos os membros de um mesmo grupo, tomam a designação de pictogramas. Pertencem, pois, ao conjunto das escritas pictográficas, que no grego significam descrição da imagem, para servir de símbolo. 6 Ideograma Símbolo gráfico ou desenho que representa um objeto ou uma ideia [Em certas línguas pode ser lido como denotando o próprio objeto ou as respectivas conotações]. https://biblioam.wordpress.com/2014/08/22/a-historia-da-escrita/ 14 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A escrita é tão importante para a Humanidade que o encerramento da Pré-História e o nascimento da História deu- se no período em que o homem começou a escrever. Essa passagem foi feita lentamente ao longo de cinco milênios, e foi acontecendo em momentos diferentes por todo planeta. Ou seja: o fim da Pré-História ocorreu primeiramente no Oriente Próximo, entre os rios Tigres e Eufrates, na Mesopotâmia, cerca de 40 séculos antes da Era Cristã. Com o passar dos séculos, a escrita adquiriu autonomia e independência, tornando-se essencial no âmbito mundial. Nesse longo processo evolutivo houve os primeiros registros escritos, os chamados cuneiformes7, desenvolvidos pelos sumérios na Mesopotâmia, por volta de 4.000 a.C., segundo alguns historiadores. Um fragmento da “Epopeia de Gilgamesh” de Nínive, século 7 a.C. Primeiro livro de mundo https://www.epochtimes.com.br/licoes-duradouras-do-poema-a-epopeia-de- gilgamesh/ acesso 31/10/19 A existência da escrita distingue-se como um marco das formas de expressão, não apenas por sua capacidade de registrar a História, representar a fala ou ideias, ser apreendida e decodificada pelo entendimento humano, mas também por ultrapassar limites geográficos, sobreviver épocas, ajudar a construir ou destruir culturas, universalizar religiões, ideias, pensamentos, sofrer mutações pelas mais diversas causas, entre elas as traduções, e, ainda, ter a possibilidade de permanecer como originalmente foi produzida. 7 A escrita cuneiforme foi criada pelos sumérios, e sua definição pode ser dada como uma escrita que é produzida com o auxílio de objetos em formato de cunha. https://www.epochtimes.com.br/licoes-duradouras-do-poema-a-epopeia-de-gilgamesh/ https://www.epochtimes.com.br/licoes-duradouras-do-poema-a-epopeia-de-gilgamesh/ 15 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os egípcios, por sua vez, possivelmente foram responsáveis por introduzir o novo suporte e formas da escrita em relação ao processo cuneiforme. Diferentemente dos sumérios que cunhavam suas inscrições de formas triangulares em tábuas de argila, os egípcios usavam a forma material do livro, com o uso do papiro em forma de rolo, o emprego da tinta e a utilização das ilustrações como complemento explicativo do texto. Eles possuíam duas formas de escrita: os hieróglifos8 (figuras entalhadas sagradas), e a escrita hierática9, de uso mais fácil e mais corrente, que permitia fazer anotações rápidas. Hieróglifos egípcios Escrita hierática https://pt.wikipedia.org/wiki/Hier%C3%B3glifos_eg%C3%ADpciosacesso em 31/10/2019 Os hieróglifos eram sinais sagrados gravados (que os egípcios consideravam ser a fala dos deuses (...) essa era uma escrita de palavras. O sistema egípcio de escrita já reproduzia quase que totalmente a língua falada, pois alguns dos seus pictogramas já representavam sílabas. Além dos pictogramas, ela era formada por fonogramas (representação de sons). Podemos dizer que a escrita egípcia já constituía uma ideia mais ou menos aproximada de um alfabeto, pois já trazia uma característica de representações silábicas. (sons das sílabas) inscrições antigas. A escrita se especializa e chega ao alfabeto que é um sistema de sinais que exprimem os sons elementares da linguagem”. Este sistema resulta da decomposição da palavra em sons simples e cada um deles é representado por um só signo que representam 8 Os hieróglifos eram sinais sagrados gravados (que os egípcios consideravam ser a fala dos deuses (...) essa era uma escrita de palavras. 9 A escrita hierática no Antigo Egito permitia aos escribas escrever rapidamente, simplificando os hieróglifos quando o faziam em papiros, e estava intimamente relacionada com a escrita hieroglífica https://pt.wikipedia.org/wiki/Hier%C3%B3glifos_eg%C3%ADpcios 16 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância diretamente os sons da fala. Observe o alfabeto grego de onde surgiu o nome de empregamos para nomeá-lo: alpha+beta= alfabeto O “a” era a representação da cabeça de um boi na escrita egípcia. No grego, o alfa se escreve α. O “b” era a representação de uma casa egípcia.β O “d “era a figura de uma porta. Δ O “m” era o desenho das ondas da água µ É preciso lembrar que no princípio não havia uma relação do desenho da letra com o objeto concreto que se assemelhava. Mas com a praticidade dos interesses comerciais e de navegação dos fenícios, a escrita se torna mais prática, as letras registram os sons, os fonemas das palavras que passam a ser escritas a partir da segmentação das palavras em sílabas. Sistema ainda vigente em língua portuguesa 17 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. LEIS FONÉTICAS, METAPLASMOS E ALOMORFIAS _Vopapaia!!! _ Cevai??? Falar de jovens santistas apressados Objetivo Conhecer os processos pelos quais se regem as transformações havidas do latim às línguas românicas. Introdução A partir dos conceitos de leis fonéticas, metaplasmos e alomorfias observar como se deram as variações linguísticas, acompanhar o processo de transformação que envolve as línguas românicas. As leis fonéticas descrevem os processos de mudança regulares e sistemáticos que ocorrem na passagem de um estágio mais antigo para um mais recente. As línguas modificam-se por seus próprios mecanismos e por influência de outras línguas. As mudanças linguísticas são readaptações contínuas de um estado de equilíbrio, ou quase, a outro estado de equilíbrio pela lei do menor esforço e por necessidade de mais clareza. Vejamos: Latim Português Alemão Inglês Grego Pes, pedis Pé Fuss Foot Podus Pater, patri Pai Vater Father Pater Os casos que não seguem as regras são formados por mutações explicadas por analogia. Um exemplo de analogia na mudança fonética é o caso da palavra latina foresta (derivada da mesma raiz da palavra fora , forest em inglês) que passou para floresta, por analogia com a palavra flor. Pode haver até, de forma velada, uma analogia por motivação específica como no caso de vagalume (que vem de caga-lume).mas que sofreu um eufemismo para evitar algo grosseiro. Alguns linguistas atenuam a força das leis, pois há muitos casos inexplicáveis. Uns destacam que as modificações fonéticas são individuais e se generalizam por via imitativa. 18 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância No entanto, Coutinho (1976) não compartilha desta opinião, uma vez que não se apoia na realidade dos fatos. O que se observa é que, quando uma pronúncia desvia ou afasta do que é comumente usada em determinado meio, as pessoas tendem a repudiá-la e não a imitar10. Para ele, as modificações são sempre coletivas. A ação contínua do sistema linguístico e a identidade do meio físico e social explicam a simultaneidade com que as modificações se apresentam em todas as crianças na mesma época. *** Os Metaplasmos reúnem em classificação de forma categorizada, as palavras segundo o processo de transformação pelos quais passaram ao longo da História da Língua, até que se chegue a formas mais evoluídas, com feições próprias, mas guardando traços comuns com as origens. Para Coutinho metaplasmos são modificações fonéticas que as palavras sofreram durante a sua evolução, do Latim para o Português; e essas alterações, são apenas fonéticas, conservando, as palavras, a mesma significação. (Coutinho, 1976, p.142) Os metaplasmos são classificados em cinco classes: Por permuta: São os consistem na substituição ou troca de um fonema pelo outro. São os ele: Sonorização, Vocalização, Consonantização, Assimilação, Dissimilação, Nasalização, Desnasalação, Apofonia e Metafonia. Por aumento: São os que adicionam fonemas à palavra. Pertencem a essa classe: Prótese, ou Próstese, Epêntese, Paragoge ou Epítese. Por subtração: São os que tiram ou diminuem fonemas à palavra. São eles: Aférese, Síncope, Apócope, Crase, Sinalefa ou Elisão. Por transposição: São os que consistem na deslocação de fonema ou de acento tônico da palavra. Transposição de um fonema toma o nome de Metátese. Dessa forma a Metátese pode ocorrer na mesma sílaba ou entre sílabas. Por transformação: eles ocorrem quando um fonema de um vocábulo se transforma, passando a ser outro fonema distinto em lugar do primeiro. Pertencem a essa classe a degeneração, rotacismo, lambdacismo, ditongação, monotongação, palatização e despalatização 10 Essa antiga resistência das populações ao que era diferente, dava-se antes de haver a comunicação de massas e a ideologia que valoriza o moderno ou o estrangeiro. 19 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância *** Alomorfia tem como princípio básico trazer à tona o que podemos tirar do interior das palavras, ou seja, expressar outras maneiras de dizer a palavra com base em sua origem. Elas podem ter sido provocadas por mudanças fonéticas ou por outros fatores (jamais especificados) como se tal ocorresse sem qualquer relação visível com algo anterior. O ainda é necessário é que se reconheça que a maioria dos falantes não tem qualquer dificuldade de empregar diferentes formas, que se tem como é exemplo a palavra provável para probabilidade e chuva para fluvial etc. Melhor explicando, deu-se um retorno à forma original latina ( ch voltou a sua origem fl) e o v retornou ao B . Observe a palavra “peito” que veio do latim “pectore” não mais empregado no Português. Mas nas palavras expectorar e expectorante houve o resgate da forma latina. Prezado (a) leitor (a), Nas videoaulas 4 e 5 você encontrará o detalhamento dos cinco tipos diferentes de metaplasmos. Complete seus estudos lendo os slides e assistindo às vidroaulas. 20 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O ESTUDO DA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA A língua é um sistema vivo e pode ser modificada por seus falantes de acordo com a situação linguística Luana Castro Alves Perez Objetivo Para o estudo da Língua Portuguesa com objetivo de aprovaçãoem concursos públicos, a fim de lecionar na Educação Básica, deve-se ter no horizonte, que os conteúdos e conceitos estão ao alcance de nossos dedos e que para se ter uma visão inicial de vocábulos é fundamental para desencadear as buscas das informações necessárias em rede. Introdução Imagine você a seguinte situação em sala de aula. Um aluno fala em voz alta: — Vou tirá a mortandela da parteleria da geladera. Qual seria a reação da classe? Olhares de interrogação à espera de sua reação ou motivo para desencadear brincadeiras de mau gosto. O que você faria? Você repetiria a frase corretamente e ficaria tudo como antes? Ou seja: um aluno se sentindo excluído e todos sairão da sala, como entraram: sabendo a mesma coisa. Mesmo que você não saiba a resposta, mas tendo noções de Etimologia e de Metaplasmos poderá fazer uma rápida pesquisa no celular sobre os metaplasmos e na aula seguinte, contextualizar a produção estranha do aluno e explicar o processo evolutivo das palavras ao longo dos séculos. Todos ganhariam ao perceber que a produção do aluno seguiu adequadamente as seculares Leis Fonéticas e que se não houvesse os meios de comunicação de massa e escola em 10 anos todos estaríamos dizendo “pERciso ir de moto” .... hoje, Moto já é aceita e ninguém ri, mas no meio do século XX, todos conheciam a motocicleta, “iam ao Cinema Roxy” e não “no Cine Roxy”. Ao se conviver em sala de aula, surgem temas motivadores a partir da curiosidade que induz os alunos à reflexão sobre a linguagem. Eles perguntam o porquê dos nomes e das palavras. Veja que essa curiosidade foi tema do livro da Literatura Infantil “Marcelo, martelo, marmelo” de Ruth Rocha. Inventar novas palavras e descobrir palavras estranhas no dia a dia é uma atividade lúdica que pode alimentar o interesse pela língua materna. O 21 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância fato de a falarmos desde pequeninos, muitas vezes subestimamos a sua riqueza e assim surgem o desinteresse e o desprezo (o não prezar). É importante provocar a classe para brincar, montar e desmontar palavras. Isso é muito mais que uma bobagem, é aproximar os jovens desse material tão rico da humanidade e tirar da invisibilidade um instrumento valioso de convívio, de interação e entendimento entre os Homens: as palavras, muitas palavras, tesouro de palavras... E esse conteúdo para que serve? Perguntarão alguns: serve para que a aprendizagem da Língua Portuguesa abandone a didática do CERTO X ERRADO, que vem condicionando a atual postura de exclusão. Aqui apresento um pequeno glossário11. O que é um étimo? Etimologia (do grego antigo ἐτυμολογία, composto de ἔτυμος "étimo" e -λογία "- logia") é a parte da gramática que trata da história ou origem das palavras e da explicação do significado de palavras através da análise dos elementos que as constituem. Significa o verdadeiro significado de uma palavra, de acordo com sua origem (étumos, -ê, - on,) verdadeiro E Etimologia? É a parte da gramática que estuda a história ou origem das palavras revela a explicação do significado das palavras através de seus elementos estruturantes (morfemas)12.Estuda a composição dos vocábulos e a sua evolução. Veja o estudo etimológico da palavra Coração e seu desdobramento no seio da Língua Portuguesa 11 As palavras que aparecem no glossário são geralmente pouco conhecidas, principalmente por representarem conceitos técnicos e complexos, de conhecimento majoritário dos indivíduos familiarizados com determinada ciência ou área. Nos glossários também podem aparecer os significados contemporâneos de expressões ou palavras extintas, mas que serviam para definir corretamente determinados conceitos ou situações em tempos antigos. 12 os morfemas são as unidades significativas mínimas que, ao se unirem, compõem cada palavra, formando um todo semântico. Há diferentes processos relativos à construção de um novo vocábulo. Para o 22 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O que são palavras divergentes? Diz-se quando um único étimo gera mais de uma palavra numa língua derivada. Assim, a palavra latina umeru deu em português as formas divergentes ombro, e o termo técnico umeru; clave e chave, de clave(m). Confira na tabela a seguir: Étimo latino Via Popular Via Erudita Duplo (m) Dobro Duplo Lipidu (m) Limpo Límpido Arena (m) Areia Arena Pater ( m) Pai Padre http://www.japassei.pt/artigo.aspx?lang=pt&caso=solucao&id_object=4431 acesso em 13?11/19 O que são palavras convergentes? Diz-se quando mais de um étimo (= palavra que dá origem a outra) se torna uma palavra homônima numa língua derivada. Assim, latim sunt mudou para são (em eles são), início de nossos estudos, sugere-se a leitura do poema Lição de Gramática, de David Chericián. Cunha e Cintra (2008, p.90), Origem da palavra coração Do latim cor, cordis, que significa “coração” ou “órgão que bombeia o sangue para o corpo”. Outros etimologistas afirmam que o princípio desta palavra tenha surgido a partir de uma raiz indo-europeia krd ou kered, que deriva a palavra kardia, em grego. A partir desta raiz etimológica teriam surgidos os termos cardíaco e cardiograma, por exemplo. Uma curiosidade bastante interessante é que a raiz etimológica da palavra “coração”, ou seja, cor ou cordis, deu origem a várias palavras da língua portuguesa. Por exemplo, “concordar” é palavra formada do latim con + cordis, isto é, com coração. Quando duas pessoas concordam é porque seus corações estão juntos ou unidos. “Discordar”, por outro lado, é o oposto. Vem do latim dis (separar) + cordis. Quem discorda, portanto, afasta-se do coração do outro. “Recordar”, por sua vez, quer dizer "trazer de novo ao coração". A expressão "saber de cor" também vem diretamente do latim: “saber de coração”, isto é, de memória. E, por último, vamos destacar a palavra coragem, que também deriva do latim cor. Para os antigos romanos, o coração era a fonte da coragem. https://www.dicionarioetimologico.com.br/coracao/ acesso em 17/11/19 http://www.japassei.pt/artigo.aspx?lang=pt&caso=solucao&id_object=4431 https://www.dicionarioetimologico.com.br/coracao/ 23 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância tornando-se homônimo de sanu > são (em homem são). Dizemos então que são (verbo) e são (adjetivo) são formas convergentes, pois agora são idênticas. A forma verbal rio, do latim rideo, e o verbo ridere "rir", convergiram para o substantivo rio, do latim rivus "curso de água", por isso são palavras convergentes. O que são variantes? A variação linguística é um fenômeno que acontece com as línguas vivas e pode ser compreendida por intermédio das variações históricas e regionais. Em um mesmo país, com um único idioma oficial, a língua pode sofrer diversas alterações feitas por seus falantes. Como não é um sistema fechado e imutável, a língua portuguesa ganha diferentes nuances. O português que é falado no Nordeste do Brasil pode ser diferente do português falado no Sul do país. Claro que um idioma nos une, mas as variantes podem ser consideráveis e justificadas de acordo com a comunidade na qual se manifesta. As variações acontecem porque o princípio fundamental da língua é a interação social, então é compreensível que seus falantes façam rearranjos de acordo com suas necessidades comunicativas. Os diferentes falares devem ser considerados como variações, e não como erros. Quando tratamos as variações como erro, incorremos no preconceito linguístico que associa, erroneamente, a língua ao status. O português falado em algumas cidades do interior do estado de São Paulo, por exemplo, pode ganhar o estigma pejorativo de incorreto ou inculto, mas, na verdade, essas diferenças enriquecemesse patrimônio cultural que é a nossa língua portuguesa. Leia a letra da música “Samba do Arnesto”, de Adoniran Barbosa, e observe como a variação linguística pode ocorrer: Samba do Arnesto O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás Nós fumos não encontremos ninguém Nós voltermos com uma baita de uma reiva Da outra vez nós num vai mais Nós não semos tatu! No outro dia encontremos com o Arnesto Que pediu desculpas mais nós não aceitemos Isso não se faz, Arnesto, nós não se importamos Mas você devia ter ponhado um recado na porta https://dicionario.priberam.org/rir https://dicionario.priberam.org/rio 24 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra esperá Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância, Assinado em cruz porque não sei escrever. Ouça a música cantada por Adoniram Barbosa: https://www.youtube.com/watch?v=TH5zxAiq0k8 acesso 13/11/19 Dou aqui uma orientação com base na Linguística que sustenta o ensino de língua nas concepções do que é adequado ou inadequado, pois tudo depende do contexto histórico, social e de interlocução. Lembre-se de que é a escola, o lugar em que os alunos terão a oportunidade de empregar os diferentes contextos, de forma consciente, aprendendo assim usar o idioma conscientemente e não automaticamente, numa repetição de modismos caricatos: COMCERTEZA! TIPO ASSIM!!!!!! Ki NÉM !!!!! numa sala de aula, pensando que está falando sua língua materna. https://www.youtube.com/watch?v=TH5zxAiq0k8 25 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. FORMAÇÃO DE PALAVRAS Neologismo Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana. Inventei, por exemplo, a verbo teadorar. Intransitivo: Teadoro, Teodora. Manuel Bandeira Objetivo Quanto nos debruçamos sobre o significado da palavra História, temos a impressão de que falaremos do passado. Mas de fato, tratamos do tempo no “seu vir a ser”, portanto tratamos do presente e do futuro e suas possibilidades, sem precisar usar “bola de cristal”. Conhecer os mecanismos de formação das palavras, ajuda o falante da língua inferir o significado de uma palavra a partir dos radicais e sufixos mais frequentes da língua. Trata- se do mecanismo de transferência de conhecimento. Introdução Com frequência a publicidade nos presenteia com palavras novas. No entanto, não são palavras de formação aleatória e sim seguem os mecanismos já registrados e descritos há séculos. A publicidade tem um interlocutor que precisa ser convencido por meio da sedução, do emocional e não pela lógica. A aderência do leitor/ consumidor ao produto se faz pelo “estranhamento” diante de algo novo e isso desperta a atenção que alcança o seu registro na memória. Inventar palavras decifráveis e não enigmas indecifráveis. O publicitário cria palavras que apresentem certa transparência ao falante da língua. Vejamos de neologismos: 26 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Faço a seguir uma paráfrase do fragmento do artigo “Desvelando os processos de formação de palavras no texto” de Ilana da Silva Rebello 13 em que analisa neologismos criados em champanhas publicitárias. “Vai levar a garantidona, a garantidaça ou a garantidésima? Linha de TVs Lumina. O máximo em tecnologia, o mínimo em consumo de energia.” Nessa propaganda, publicada na Revista Veja do dia 01/08/2002, o publicitário afirma que os aparelhos de televisão da SEMP TOSHIBA oferecem o máximo em tecnologia, com o mínimo de consumo de energia. A anunciante parte do pressuposto de que o leitor se lembra da crise no setor de energia elétrica ocorrida em alguns estados brasileiros e as pessoas devem economizar. Como o contrato de comunicação feito pelo publicitário dá-se pela credibilidade conferida pelo conhecimento de mundo do leitor. Assim, nesse período de crise, para atrair o comprador, uma das características positivas do produto deveria ser a de pouco consumo de energia elétrica. Além disso, o publicitário utiliza três vezes o radical “garanti-” com sufixos aumentativos. Ou seja: o Máximo com o mínimo de energia. O aparente paradoxo provoca o leitor, com o estranhamento O aumentativo é também utilizado no texto publicitário para tornar-se um evento mais sedutor aos olhos do leitor. Os sufixos aumentativos (dona e daça), tem valor pejorativo, acrescentando ou reforçando um sentido de depreciação, porque aquilo que é de tamanho excessivo é geralmente visto como feio, ridículo. Isso confere ao texto publicitário o tom grotesco, desagradável. Mas como a linguagem afetiva foge a toda lógica, o mesmo sufixo aumentativo pode ser também valorizador, salientando a solidez, a força, o valor, a conveniência e sobretudo a intimidade 13 Cadernos de Letras da UFF – PIBIC – GLC, nos 30-31, 2004-2005 in http://www.cadernosdeletras.uff.br/joomla/images/stories/edicoes/30-31/artigo5.pdf acesso em 17/11/19 http://www.cadernosdeletras.uff.br/joomla/images/stories/edicoes/30-31/artigo5.pdf 27 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância do produto com o humor do leitor capaz de sorrir cm cumplicidade diante da “invencionice”. Fez-se assim a ponte com o consumidor. Este é um atributo admirável para uma boa campanha. Vamos ao conteúdo da aula para que você possa mostrar a seus alunos que a Língua Portuguesa pode ser aprendida por meio da didática lúdica e contextualizada no presente. Comecemos pelos conceitos básicos relativos à formação de palavras. Palavras primitivas: são palavras que servem como base para a formação de outra e que não foram formadas a partir de outro radical da língua. Exemplos: pedra, flor, casa. Palavras derivadas: são palavras formadas a partir de outros radicais. Exemplos: pedreiro, floricultura, casebre. No português, os principais processos para formar palavras novas são dois: derivação. Diferença entre Raiz e Radical de uma Palavra. GEOGRAFIA Os radicais são GEO (terra) e GRAFOS (descrição) são os elementos básicos e significativos das palavras, consideradas sob o aspecto gramatical e prático. É encontrado através do abandono dos elementos secundários (quando houver) da palavra. INFELICIDADE A raiz é o elemento originário e irredutível em que se concentra a significação das palavras consideradas sob o ângulo histórico. A raiz encerra o sentido geral das palavras e não inclui possíveis prefixos. FELI é a raiz originada de Felix FELICITAS (latim) O seu oposto, “infeliz” recebeu o prefixo negativo IN. Também seu oposto, “infeliz”, pela agregação do prefixo negativo IN. 28 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Há dois processos de Derivação: Na derivação, a formação de uma nova palavra ocorre a partir de uma única palavra simples ou radical, ao qual se juntam afixos14, formando uma nova palavra com significação própria.Existem cinco tipos de derivação: Derivação prefixal - acrescenta-se um prefixo a uma palavra já existente. Ex:desnecessário (des- + necessário) , contramão (contra- + mão) Derivação sufixal -Na derivação sufixal acrescenta-se um sufixo a uma palavra já existente Ex: casarão, ruazinha, sapateiro, punição, boiada Derivação parassintética: Na derivação parassintética acrescenta-se simultaneamente um sufixo e um prefixo a uma palavra já existente. Ex: esquentar (es - + quente + -ar) entediar (en- + tédio + -ar) Derivação regressiva: Na derivação regressiva, também chamada de formaçãodeverbal, ocorre redução da palavra primitiva e não acréscimo. Ex: boteco < botequim cinematógrafo< cine metropolitano < metro Na derivação imprópria, não há alteração da palavra primitiva, que permanece igual. Há, contudo, mudança de classe gramatical com consequente mudança de significado: 14 Afixos são os sufixos e prefixos Sufixos Prefixos 29 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância verbos passam a substantivos, adjetivos passam a advérbios, substantivos passam a adjetivos,... Diversas possibilidades de mudança de classe gramatical. As mudanças principais são: Verbos que se convertem em substantivos O saber não ocupa lugar. Você já reparou no falar daquele senhor? Adjetivos que se convertem em substantivos Os bons serão bem-vindos. Estou contemplando o azul do céu. Adjetivos que se convertem em advérbios Fala sério! Advérbios que se convertem em substantivos Estou esperando o sim da direção Substantivos que se convertem em adjetivos Meu filho sempre foi um menino prodígio. Esta cidade fantasma é assustadora! Numerais que se convertem em adjetivos Estou num estado de tolerância zero em relação a meus filhos. O processo de formação por COMPOSIÇÂO será tratado na Videaula 6 30 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7. AS LÍNGUAS INDÍGENAS DO TRONCO TUPI E GUARANI E A INFLUÊNCIA LEXICAL NA LÍNGUA PORTUGUESA Meu xará, carioca da Tijuca, foi ao Pará surfar a pororoca, em um rio infestado de piranhas e jacarés. Nas margens, viu jaguares, quatis e capivaras. No céu, sobrevoavam araras, tucanos e urubus. Vito Abdala in http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2014-12/ Objetivo No Brasil há duas líguas oficiais: Português e Libras15. Mas existem línguas minoritárias e o censo de 2010 contabilizou 305 etnias indígenas no Brasil, que falam 274 línguas diferentes. A proximidade entre as línguas indígenas e a Língua Portuguesa remonta à época dos descobrimentos. Há uma longa história que está viva em nosso cotidiano. Veja: o filme da TV pode ser americano, mas a pipoca é tupi. Cantamos o Hino Nacional e lembramos das margens do Ipiranga. Comprove: desde a nossa Independência, trazemos na língua oficial Português do Brasil as profundas marcas da línguas indígenas que nasceram do Tupi-guarani. Desconstruir o preconceito linguístico e a intolerância étnica, é parte da formação básica, pois ao se ensinar a presença tão forte da cultura indígena na identidade do país, pratica-se o multiculturalismo, uma das metas da Educação Básica Introdução O tupi antigo foi, durante as primeiras décadas de ocupação portuguesa, a principal língua de comunicação entre índios, europeus e uma geração de brasileiros mestiços que começava a povoar o território nacional.Com o passar do tempo, o tupi antigo evoluiu para outras línguas, como o nheengatu (ou língua geral amazônica, falada até hoje), mas acabou perdendo importância a partir de meados do século XVIII, quando o então primeiro- ministro português, Marquês de Pombal, proibiu o uso e o ensino do tupi no Brasil, como 15 A Libras foi reconhecida como a segunda língua oficial do Brasil pela lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, ela reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2014-12/ 31 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância vinha sendo realizado por padres jesuítas com publicações e escolas de catequeze e por decreto oficializou o Português como língua oficial. O objetivo de Pombal era enfraquecer a Igreja Católica e os jesuítas, que utilizavam a língua indígena para se aproximarem dos nativos e os catequizarem .Com a proibição, o tupi desapareceu como idioma funcional (sobrevivendo apenas como a variação nheengatu na Amazônia). Apesar disso, a língua se manteve viva, principalmente, por meio de palavras do português falado no Brasil. Segundo o filólogo Evanildo Bechara, difícil dizer quantas palavras do português são originárias do tupi. “Nos dicionários, há palavras que não são mais usadas e há algumas até que só têm um uso em determinada região”, diz. De acordo com Bechara, a contribuição do tupi se deu principalmente no vocabulário, já que não houve influências importantes na gramática do português (na pronúncia, na fonética ou na sintaxe). “Desde cedo, a língua portuguesa entrou em contato com essas línguas [indígenas]. Então é natural que, do ponto de vista do vocabulário, os portugueses tenham encontrado nomes de plantas e animais que não eram conhecidos [até então]. O vocabulário da língua portuguesa está repleto de palavras indígenas, porque os portugueses encontraram aqui um novo mundo da fauna e da flora”, explica. Além dos nomes de plantas, animais e gastronomia, houve uma grande contribuição do tupi para os nomes de lugares no Brasil. Topônimos como Iguaçu, Pindamonhangaba, Ipiranga, Ipanema, Itaipu e Mantiqueira são palavras ou expressões indígenas. Há heranças do tupi também em verbos, como cutucar, e em expressões populares como estar na pindaíba ou ficar jururu. A contribuição do tupi não ficou restrita ao Brasil. Entre os casos da influência tupi no mundo está a palavra akaîu, que se transformou em caju na língua portuguesa. A fruta tipicamente brasileira ganhou espaço na culinária mundial, tanto por sua polpa quanto pela castanha. Várias línguas hoje conhecem a fruta por palavras derivadas do akaîu. Entre os exemplos de vocábulos derivados do original indígena estão cashew (inglês, sueco, alemão,holandês, dinamarquês), acagiú (italiano), kaju (turco), cajou (francês), kásious(grego), kashu (búlgaro e japonês) e kašu (estoniano). 32 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7.1. As Línguas Gerais no processo de colonização. Nos primeiros tempos da colonização portuguesa no Brasil, a língua dos índios Tupinambá (tronco Tupi) era falada em uma enorme extensão ao longo da costa atlântica. Já no século XVI, ela passou a ser aprendida pelos portugueses, que de início eram minoria diante da população indígena. Aos poucos, o uso dessa língua, chamada de Brasílica, intensificou-se e generalizou-se de tal forma que passou a ser falada por quase toda a população que integrava o sistema colonial brasileiro. Grande parte dos colonos vinha da Europa sem mulheres e acabavam tendo filhos com índias, assim a Língua Brasílica era a língua materna dos seus filhos. Além disso, as missões jesuítas incorporaram essa língua como instrumento de catequização indígena. O padre José de Anchieta publicou uma gramática, em 1595, intitulada Arte de Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. Em 1618, publicou-se o primeiro Catecismo na Língua Brasílica. Um manuscrito de 1621 contém o dicionário dos jesuítas, Vocabulário na Língua Brasílica. Com um certo acervo de estudos da linguagem, surgiu indicios de surgimento de um novo idioma. A partir da segunda metade do século XVII, essa língua, já bastante modificada pelo uso corrente de índios missionados e não-índios, passou a ser conhecida pelo nome Língua Geral16. Mas é preciso distinguir duas Línguas Gerais no Brasil-Colônia: a paulista e a amazônica. Foi a primeira delas que deixou fortes marcas no vocabulário popular brasileiro ainda hoje usado (nomes de coisas, lugares, animais, alimentos etc.) e que leva muita gente a imaginar que "a língua dos índios é apenas o Tupi". Esta é a Língua Geral paulista que se originou da língua dos índios Tupi de São Vicente e do alto rio Tietê. No século XVII, já era faladapelos exploradores dos sertões conhecidos como bandeirantes. Por intermédio deles, a Língua Geral paulista penetrou em áreas jamais alcançadas pelos índios tupi-guarani, influenciando a linguagem corriqueira de brasileiros. 16 A língua geral é uma língua franca: é a língua que um grupo multilíngue de seres humanos intencionalmente adota ou desenvolve para que todos consigam sistematicamente comunicar-se uns com os outros. https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_franca acesso em 21/11/2019 https://www.labeurb.unicamp.br/elb/portugues/lingua_franca.htm https://pt.wikipedia.org/wiki/Comunica%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_franca 33 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Língua geral amazônica desenvolveu-se inicialmente no Maranhão e no Pará, a partir do Tupinambá, nos séculos XVII e XVIII. Até o século XIX, ela foi veículo da catequese e da ação social e política portuguesa e luso-brasileira. Desde o final do século XIX, a Língua Geral amazônica passou a ser conhecida, também, pelo nome Nheengatu (ie’engatú = “língua boa”). O Nheengatu ainda é falado especialmente na bacia do rio Negro (rios Uaupés e Içana). É a língua materna da população cabocla, mantém o caráter de língua de comunicação entre índios e não-índios, ou entre índios de diferentes línguas. É instrumento de afirmação étnica dos povos que perderam suas línguas, como os Baré, os Arapaço e outros. Estudiosos apontam ainda uma terceira Lingua Geral , falada no sul do país, ela surgiu do convívio do guarani e o espanhol decorrente das Missões, durante o domínio espanhol. Um pequeno vocabulário de palavras indígenas presentes em nosso cotidiano: Animais arara (do tupi arára) capivara (do tupi kapii-wára) cupim (do tupi kupií) cutia (do tupi akutí) gambá (do tupi wa-ambá) jabuti (do tupi iawotí) jacaré (do tupi iakaré) maracanã (do tupi maraka'na) perereca (do tupi pereréka) Nomes de flora indígena açaí (do tupi ywa-saí) aipim (do tupi aipĩ) bacuri (do tupi ywa-kurí) caatinga (do tupi kaa-tínga) cajá (do tupi akaiá) 34 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância caju (do tupi akaiú) capim (do tupi kapíi) Nomes de localidades (topônimos) Copacabana Curitiba Goiás Grajaú Guarujá Iguaçu Ipanema Mário de Andrade - grande expressão da Literatura Brasileira do Modernismo - é o autor de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. É sua obra-prima publicada em 1928, narra a história do herói índio Macunaíma desde seu nascimento na selva até ua morte. Sua missão era encontrar uma pedra mágica, o muiraquitã17, mas que fora perdida e acabara em posse de Piaimã, um gigante comedor de gente que era um abastado burguês em São Paulo. Aproveite para ler o primeiro capítulo da rapsódia Macunaíma em que Mário de Andrade registra a herança indígena em nosso idioma, além de outros traços da identidade brasileira, tais como a miscigenação das raças negra, branca e indígena. 17 Muiraquitã é uma palavra indígena que em tupi-guarani significa literalmente ¨nó das árvores¨ ou ¨ nó das madeiras¨. Define um objeto talhado em pedra ou madeira, representando pessoas ou animais, ao qual são atribuídos poderes sobrenaturais. 35 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 18 Água de chocalho - “Diziam, lá no meu sertão, que quando a criança demorava a falar davam água para ela beber num chocalho. Era remédio santo, ela destravava a língua. https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/6193438 acesso em 14/11/2019 I – Macunaíma No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Sio incitavam a falar exclamava: If — Ai! que preguiça! . . . e não dizia mais nada." Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz-que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos, e frequentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo. Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras- feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar. Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam muito simpatizadas, falando que "espinho que pinica, de pequeno já traz ponta", e numa pajelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente. Nem bem teve seis anos deram água num chocalho18 pra ele e Macunaíma principiou falando como todos. https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/6193438 36 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 8. A PRESENÇA DAS LÍNGUAS AFRICANAS NO LÉXICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Objetivo Responder uma pergunta: por que não existe o Crioulo Brasileiro se em Cabo Verde há o crioulo caboverdiano? Introdução A primeira informação a ser dada é explicar o que é crioulo: segundo o “site” CONCEITO.DE (https://conceito.de/crioulo acesso em 24/11/2029): Para a Linguística, o crioulo é a língua natural resultante da mistura da língua autóctone com uma outra língua e que com o passar o tempo, mesmo não sendo a língua oficial do país, passa a ser língua materna de um povo que passou pela colonização europeia. Para aprofundar , vejamos o termo “crioulo” para se referir à língua do ponto de vista de Lázaro Carreter: “os crioulos são formados a partir de línguas da Europa como o espanhol, o francês ou o inglês e o de base lexical portuguesa, isto é, aqueles que resultam do contato linguístico entre falantes portugueses e falantes de línguas não europeias, durante a época dos Descobrimentos”. Chama-se crioulo ao dialeto falado em Cabo Verde. E tem recebido maior atenção por parte de linguistas, escritores e artistas. Ele já é sistematizado e estudado além de ser um património cultural, que define a identidade do povo cabo-verdiano. Com tal emprego, é um equívoco atribuir de forma apressada o peso de ser “politicamente incorreto”. Ler e interpretar exige a leitura do contexto em que a palavra está sendo usada. Não se apresse em julgar. O crioulo cabo-verdiano é uma língua que teve sua origem no Arquipélago de Cabo Verde. Vejamos a letra de uma morna de Cesária Évora:19 para você refletir sobre o futuro das línguas nesse milênio. 19Conheça esta morna caboverdiana no site: https://www.youtube.com/watch?v=4fmTWrvW6q8 em 24/11/2019 https://conceito.de/crioulo%20acesso%20em%2024/11/2029 https://www.youtube.com/watch?v=4fmTWrvW6q8 37 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Para se ajustarem à língua dominante, algumaspalavras africanas modificaram sua fonética ao perder o som inicial de consonantes isoladas como m e n. Por exemplo, ndengue se torna dengue, nzambi se torna zambi (ou zumbi), mbunda se toma bunda e mbanguela se torna banguela. A influência de uma língua sobre a outra tem, pois, caminho duplo. A língua do "mais fraco" parece procurar permanecer de algum modo. Às vezes, o que parece estar morto pode somente ter sido transformado. Muitas das outras palavras encontradas correspondem a nomes de línguas e tribos africanas, nomes de miscelâneas, enquanto outras são usadas para designar espíritos maus, lugares sinistros, artigos de caça, nomes de chefes, e itens de casa. São exemplos de algumas palavras africanas: caruru, manguzá, bancar, mangar, zombar, bocó, dengoso, tanga, quenga, muganga, carcunda, capeta, coringa e atabaque. Um problema interessante a ser investigado é o campo de aplicação dessas palavras. É conhecida a influência das palavras africanas no mundo da religião, música, comidas e utensílios, no entanto, muitos adjetivos e verbos africanos conotam significados de ridículo, escárnio e humor. Pode-se imaginar se estão relacionados à condição de escravidão e às tentativas do povo africano de resistir à essa situação usando de humor ou Paraiso di atlantico Cabo Verde e um arv' frondoso Sumnho'd na mei d'Atlantico Ses rama espaiode Na mund inter Cada folha e um fidjo querid' Parti pa longe pa ventura' Pa'um futur mas feliz e dignidade Nos gent e um povo unid Na paz e morabeza Cabo Verde nos cantinho querido Berco de amor e sodade Paraiso do Atlântico Cabo Verde é uma árvore frondosa Sonho de meu Atlântico Seus ramos se espalham No mundo inteiro Cada folha é um filho querido Que partiu para longe para aventura Nossa gente é um povo unido Na paz e na cordialidade Cabol Verde nosso cantinho querido Berço do amor e da saudade. 38 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância escárnio social como armas da mesma forma que empregaram a capoeira na forma de jogo para dissimular a luta de ataque e defesa. Desde os anos 90, segundo Lucchesi (2000) há mudança em relação à bipolaridade do português brasileiro, a qual se configura desde a época colonial. De um lado, os estratos socioeconômicos alto e médio da sociedade brasileira apresentam comportamento linguístico conservador, pautado nos padrões linguísticos e culturais da Metrópole; ao passo que os estratos populares apresentam usos marcados pela interferência das línguas indígenas e africanas. Nos últimos anos, com a ascensão social de falantes de variedades não-padrão, verificou-se a maior aceitação destas; simultaneamente, o acesso mais amplo ao sistema formal de ensino, somado ao amplo alcance da mídia, sobretudo da televisão, promoveu uma aproximação de variedades não-padrão ao padrão (LUCCHESI, 2000). Mais recentemente, os estudiosos do contato de línguas no Brasil são unânimes quanto ao maior impacto que as línguas africanas exerceram em nosso idioma comparado àquele das línguas indígenas. Aponta serem mais facilmente perceptíveis estes fenômenos de interferência na língua portuguesa de comunidades rurais afro-brasileiras isoladas, lembrando a importância da pesquisa sobre a constituição do seu falar, com vistas à sua legitimação, uma vez que resulta do caráter pluriétnico dos seus falantes. Não se trata, portanto, de “português errado”, “deturpado” “simplificado”, como pensam aqueles sem noções de linguística e da história linguística brasileira. Pequeno vocabulário de palavras africanas que substituíram outras da Língua Portuguesa AFRICANAS > PORTUGUESAS Cachaça > caninha Caçula > benjamim, ( filho amado) influência das amas de leite Cochilar > dormitar Sinete > carimbo, corcunda Dengoso > carinhoso Mangação> deboche 39 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Marimbondo > vespa Molambo> trapo Moleque > menino Moringa > bilha Sambista > músico Xingamento, xingar > Insultar E como chegamos ao final da aula voltamos à pergunta inicial: : por que não existe o Crioulo Brasileiro se em Cabo Verde há o crioulo caboverdiano? Temos que partir da relação colonizador e os nativos das Américas : Foram várias as tribos indigenas que se relacionaram com o colonizador tanto no litoral norte como no sul, além disso a população indigena foi sendo exteminada , tanto que no século XVI passou a ser a minoria da população brasileria e além disso a decisão do Marques de Pombal proibir o emprego da Língua Geral que poderia ter originado uma lingua crioula. Em relação ao contato com as línguas africanas, um fato importante precisa ser lembrado: para evitar revoltas e fugas, os navios negreiros traziam os cativos de nações diferentes que para se comunicarem adotaram entre eles formas rudimentares de comunicação, uma lingua franca não escrita. Portanto a Lingua Portuguesa não partilhou de forma constante o convivio comum com outra lingua que pudesse vir a ser adotada nas escolas ou outra instituição da colônia. 40 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 9. O FUTURO DA LÍNGUA PORTUGUESA Será esse? Objetivo Refletir sobre o lugar do professor de Língua Portuguesa que precisa ser o ponto de encontro de duas forças contárias: a força natural das línguas vivas e por serem vivas elas se transformam e se tornam outras , como pudemos testemunhar em nossa disciplina e o papel de ensinar Língua Materna em variantes socialmente prestigiada, para que em poucas gerações não passemos pela experiência - já esboçada – de uma nova versão da Torre de Babel e para que seus alunos encontrem lugar no mercado de trabalho. Introdução A programação pedagógica da Educação Básica está registrada em documentos que vêm sendo construídos desde a década de 90, e discutido em consultas populares com 41 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância espaços para manifestação de instituições e educadores. Se por um lado devemos tratar e observar as normas da lingua padrão, devemos respeitar as variantes sociolinguísticas, pois é possível a adoação dos dois registros pelos falantes, o que revelaria a competência de saber a diferença entre diferentes usos da linguagem. Muitos consideram o português do Brasil (PB) uma língua distinta do português Europeu ( PE). Registramos , no entanto, do ponto de vista da ciência Linguística, que a diferença o português do Brasil do português Europeu são aspectos relacionados à fonética e fonologia (pronúncia, sotaque), à organização sintática de frases, bem como colocações pronominais e ao léxico. Veja alguns exemplos: O que se pode chamar de reduções vocálicas no PE e ausente no PB dá ao ouvinte estrangeiro a impressão auditiva de o português da Europa ser mais consonântico e o brasileiro mais vocálico. Lembre-se de que na variante europeia ouve-se DI- FREN- TE no lugar de DIFERENTE. Essa impressão é reforçada pelo fato de o PB enfraquecer as consoantes em posição final da palavra, posição em que o PE apresenta articulação forte; O PE caracteriza-se pelo enfraquecimento das sílabas pretônicas, pela pronúncia do /R/ vibrante, pelo fato de o /l/, em posição final de sílaba, tem pronúncia velarizada, não sendo substituído pela vogal /w/; O PB vocaliza o /l/ final em /w/: animal > animaw, aspira o/r/ final ou reduz a zero: ama/h/> am/a/; Maior frequência do emprego de você e do a gente como pronomes pessoais, no PB (em algumas regiões) “a gente costuma sair pela manhã” PB e “costuma-se sair pela manhã” PE Predominância da colocação proclítica20 dos pronomes oblíquosno PB; No PB, desaparece na fala o objeto direto pronominal clítico21, como em Eu vi ela ano cinema. > vi-a ou eu a vi 20 Próclise: é a colocação do pronome antes do verbo. “Nós nunca nos encontramos no supermercado “ 21 Os termos átono e clítico são sinónimos na descrição gramatical do português, embora possam corresponder a realidades linguísticas diferentes noutras línguas. Aplicam-se aos pronomes pessoais 42 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância No PB, extenso vocabulário de origem tupi: capim, mingau, guri, taquara, piranha, capivara, mandioca, jacarandá, caatinga, mandacaru etc., e de origem africana: moleque, cafuné, samba, maxixe, caçula, acarajé, vatapá, bunda, cambada, candango, camundongo e outras. Como podemos observar, as mudanças que ocorreram no português para a versão brasileira não são tão significativas a ponto de se identificar uma “nova língua”. As transformações foram também inevitáveis, em decorrência do fluxo natural de uma língua. A língua portuguesa do Brasil não perdeu nada ao desencadear uma nova organização em seu sistema pronominal e criar pronúncias específicas. As contribuições dos diferentes povos proporcionaram, em relação ao Brasil, a fixação da língua portuguesa com uma nova roupagem em relação ao português europeu, visto que enquanto sistema linguístico, elas são praticamente iguais. Mesmo com a normatização do português falado no Brasil, não se pode negar a diversidade que ele apresenta e a visível diferença entre as classes sociais, ou seja as dotadas de prestígio e as estigmatizadas e desprestigiadas no âmbito profissional. Fator de difícil dissolução, já que o domínio da língua padrão ainda não alcança todos os falantes da comunidade linguística do país. A situação linguística do Brasil hoje não é tão diferente de alguns tempos atrás. Ao lado de uma variedade padrão, como já dissemos, privilégio de poucos e esperada no desempenho profissional, cresce um número incalculável de expressões populares, conjugações verbais que não empregam o modo subjuntivo. Por exemplo: Você quer que eu fecho a porta? No lugar de: Você quer que eu feche a porta? E o futuro da Língua Portuguesa? Essa evolução da língua, em suas duas modalidades principais, vem desde sempre, e tudo indica que vai continuar. Pelo que sabemos do passado, e pelo que esperamos do futuro, no Brasil o povo vai continuar usando a mesma língua que hoje chamamos simplesmente “português”. (Mário Alberto Perini, 2004) sem função de sujeito e cuja acentuação se sujeita à da forma verbal a que se ligam: «vi-a», «não o pus na mesa», «dei-lhe a chave», «já lhe falei», «enganou-se», «não se impôs». Assim, são pronomes átonos porque o valor da sua acentuação depende de outra palavra (um pronome átono não tem acento próprio; por isso, é impossível *«ajuda-"mé"», com acento tônico no pronome me). 43 História da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A grande diversidade que hoje apresenta a língua portuguesa do Brasil abrange, além das formas populares, os empréstimos e os estrangeirismos que se infiltram em nosso vocabulário, daí as hipóteses sobre a probabilidade do desaparecimento parcial ou apagamento da língua. É oportuno saber que as palavras estrangeiras acabam por assimilar-se à nossa língua, adaptando-se às características estruturais do nosso vernáculo. Algumas delas já são bastante conhecidas como por exemplo: balé, pingue- pongue, avalanche, surfar, deletar, estresse, sinuca e outras. Nós professores precisamos oferecer argumentos científicos e sociolinguísticos para afastar tal conjectura que é impossível de se tornar verdadeira. A língua portuguesa não está passível de deterioração, muito menos de se misturar a uma potência econômica/ linguística, seja ela o inglês /chinês) por ter uma estrutura linguística totalmente sistematizada, com características próprias como qualquer outra língua. Não se pode entretanto negar a significante influência que a língua inglesa tem exercido nas pessoas. E, muitas vezes, observamos jovens desvalorizando a língua materna em detrimento da estrangeira. Acredito que isso seja um perigo para o reconhecimento da nossa nação enquanto caracterização étnica, visto que a língua é um elemento de suma importância para a identificação das pessoas e da nossa diversidade histórica/ cultural. Por fim, a questão das diferenças da língua portuguesa do Brasil em relação à de Portugal reside apenas em fenômenos linguísticos que não foram capazes de excluir uma da outra, já que compreendem uma mesma hegemonia estrutural. Quanto à variação linguística do Brasil e às influências estrangeiras, é certo que elas continuam ocorrendo e ocorrerão futuramente. No entanto, é necessário que se comece uma conscientização sobre a necessidade de se aplicar, nas escolas e instituições de ensino em geral, o ensino da norma padrão, de maneira a contribuir para que o falante possa adequar o uso da língua em diferentes situações de comunicação, não excluindo, é claro, a variedade linguística corrente. Mesmo a cultura da globalização que inaugurou o atual milênio, não exclui as diversidades linguísticas.
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