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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA GRADUAÇÃO EM LICENCIATURA EM HISTÓRIA NELSON LOPES DE SOUZA JUNIOR TRABALHO DE AVALIAÇÃO DE DISCIPLINA – AVA 2 Rio de Janeiro 2021 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA GRADUAÇÃO EM LICENCIATURA EM HISTÓRIA NELSON LOPES DE SOUZA JUNIOR TRABALHO DE AVALIAÇÃO DE DISCIPLINA – AVA 2 Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em História da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para aprovação na disciplina Historiografia Geral e Brasileira. ORIENTADORES: PROF.ª. LUCIANA ONETY DA GAMA SOBRAL PROF. TARSIS DE CARVALHO SANTOS Rio de Janeiro 2021 RESUMO Este trabalho destina-se a apresentar uma breve análise de dois autores historiadores de períodos históricos distintos, Amiano Marcelino (por volta de 330 a 391) e Gilberto Freyre (1900 a 1987), referenciando suas maiores obras, suas metodologias, relações com seus períodos históricos e particularidades que apresentem aproximação e distanciamento entre suas características historiográficas. Palavras-chave: Trabalho acadêmico. Historiografia. Análise. Marcelino. Freyre. Períodos históricos. Características. ABSTRACT This work is intended to present a brief analysis of two historian authors from different historical periods, Amiano Marcelino (around 330 to 391) and Gilberto Freyre (1900 to 1987), referring to their greatest works, their methodologies, relations with their historical periods and particularities that present approximation and distance between their historiographic characteristics. Keywords: Academic work. Historiography. Analysis. Marcelino. Freyre. Historical periods. Characteristics. Em diversos casos, podemos analisar fatos e períodos históricos pelos materiais e obras de seu tempo. Com essas análises, ganhamos a compreensão de como a expansão dos povos, as guerras, culturas e religiões modificaram a escrita da história e, ao mesmo tempo, dimensionam nosso conhecimento de maneira mais ampla sobre o passado e sua influência no presente. Aqui abordaremos dois autores que, com visões abrangentes de suas respectivas épocas e suas obras, tratam a história como palco de conhecimento para a posteridade. Falaremos de Amiano Marcelino, historiador do império romano, e Gilberto Freyre, antropólogo e sociólogo brasileiro. Amiano Marcelino foi um militar de alta patente e historiador romano, servindo ao imperador Juliano. Nasceu por volta de 330, na cidade grega de Antioquia (atual Antáquia, na Turquia). Como militar, participou de diversas expedições militares e integrou a expedição de Juliano contra o império Sassânida, onde o imperador morreu e Amiano se retirou do exército. Após abandonar a vida militar, voltou para a Antioquia, permanecendo até 378 e tendo contato com obras antigas e contemporâneas sobre geografia, história e ciências. Depois disso, voltou para Roma, onde, com sua vasta experiência de vida, começou a escrever sua obra. Sua obra, conhecida como Res gestae é, além de uma autobiografia, um grande acervo com informações sobre o estudo da história militar romana e as diferentes regiões do império. Composta de 31 livros, dos quais apenas os últimos 18 permanecem, a obra compreendia do período de 96 d.C., com a ascensão de Nerva ao trono, até 378, com a morte do imperador Valente nos Balcãs. Os livros perdidos compunham 257 anos de material histórico pesquisado pelo autor. Os 18 livros que nos restam são os últimos 25 anos nos quais ele viveu e foi testemunha da história ². Em sua obra, apresenta elementos de vários gêneros historiográficos, com os anais, que situa os acontecimentos cronologicamente, e os res gestae, que busca as razões e as causas dos fatos narrados. Gilberto Freyre foi um polímata e um dos mais importantes sociólogos do Brasil. Nasceu em Pernambuco, em 1900. Foi escritor, autor de ficção, jornalista, poeta e pintor, além de ser considerado um dos mais importantes sociólogos do século XX. Em 1918 foi para os Estados Unidos, onde se formou em Sociologia, com bacharelado em Artes Liberais e mestrado e doutorado em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais, defendendo a tese de doutorado intitulada A vida social no Brasil em meados do século XIX. A partir da década de 1920, retornou ao Brasil, participando em 1926 da formulação do Manifesto Regionalista, além de ter sido chefe de gabinete do governador de Pernambuco entre 1927 e 1930. Em 1933, escreveu sua maior obra: Casa-grande e Senzala, em exílio político causado pela Revolução de 1930, revolução que pôs fim ao predomínio das oligarquias no cenário político brasileiro. Em 1946, foi condecorado pela Rainha da Inglaterra com o título de Cavaleiro do Império Britânico. Em sua grande obra, Casa-grande e Senzala, Freyre fugiu da previsibilidade das análises sociais, políticas e econômicas, apresentando uma análise livre sobre a miscigenação e da configuração da sociedade brasileira, comentando o papel das raças, da geografia e do patriarcado na formação do país. Ele falava sobre a posição ímpar do escravo na formação do ser mais íntimo brasileiro. A obra de Amiano Marcelino foi escrita entre os anos de 383 e 397, sendo sua principal divulgação a leitura pública, para um grupo de pessoas aptas a acompanhar com atenção um texto extenso e erudito. Seu interesse no público romano pode ser notado no fato do autor, sendo grego, escreveu sua obra em latim. Uma das particularidades da obra de Amiano era a proposta de escrita seguindo as regras da historiografia clássica, quando em sua época era diferente, dominada por breviários e biografias. Sua obra mantinha a tradição da escrita histórica, descrevendo a vida e os costumes em Roma, mas também mostrando respeito pelo passado glorioso da cidade. Ele usou de diversas referências da literatura latina, dedicando atenção a Tácito, Tito Lívio, Cícero entre outros autores, como por exemplo Tucídides, do qual utilizou sua cronologia de dividir o tempo em verões e invernos. Com a riqueza de detalhes de sua obra, como longas descrições geográficas e temas diversos, como topografia, recursos naturais e meio ambiente, além de províncias, relatórios sobre povos, judiciário e estruturas administrativas, tornam sua narrativa cheia de possibilidades de pesquisa e interpretação, não só para a área de história, remontando Heródoto num contexto de tradição etnográfica. Seus livros falam de diversos momentos históricos, preenchidos com digressões muitas vezes extensas, quebrando a estrutura formal da história. Num breve resumo, seus relatos como soldado que vivenciou o período corroboram não só pela grande experiência como, com as digressões, mostram o quanto era erudito, demonstrando que atingiu um nível equivalente ao dos autores do passado que pretendia imitar. Por exemplo, como quando descreve com precisão sobre o funcionamento do ano bissexto, quando foi implementado e como ele afetava o comportamento daquela sociedade. Na obra de Amiano Marcelino, encontramos os últimos ecos da presença de Roma como a capital do Império. Através dessa obra podemos entender a expansão do império, sua luta com os bárbaros e culminando na morte do Imperador Valente. Novamente, sua riqueza de informações é um presente para as gerações futuras de diversas áreas de pesquisa. Em Casa-grande e Senzala, Gilberto Freyre aponta a oligarquia, os latifúndios, o patriarcalismo e a escravidão, além de diversos outros pontos. Seus escritos não cumpriam uma linhagem acadêmica, era dito que ele não possuía linguagem técnica, que era comum do mundo acadêmico. Ainda assim, através dessa liberdade textual, a intenção do autor era entender como se dava a união, a integração dos elementos que pareciam antagônicos.Ele falava, de maneira otimista, da formação do povo brasileiro e a união das culturas através da mestiçagem. Ele concordava com os outros pensadores da época, que afirmavam que o período colonial brasileiro poderia ser resumido como uma “sociedade agrária de latifúndio monocultor, pautado no trabalho escravo, formada por pequenos núcleos autossuficientes dispersos pelo território e dominada pela família patriarcal. ” No final do século XIX, o processo de abolição da escravatura considerava uma questão: Qual o lugar do negro agora? Houveram muitos pontos de vista científicos racistas que tentavam justificar a inferioridade dos negros. Na época de sua obra, Freyre apresenta uma relação diferente, indagando que a mestiçagem seria a solução da realidade brasileira. O conceito da Casa-grande, na obra, incorpora a ideia de que a escravidão criou um complexo de relações entre dominador e dominado, além da dicotomia de ‘negros são coitados e brancos são malvados’. Dentro disso, o patriarcalismo apresenta o patriarca como dono de tudo, numa visão em que o patriarca tem domínio sobre tudo na casa-grande, sendo dono de sua esposa, dos parentes distantes que convivem na casa-grande, dos inquilinos ao redor, além dos escravos. Com isso, Freyre mostra que o Brasil, agora República, ainda seria uma continuidade deste sistema, onde o Brasil seria uma Casa-grande e o sistema que domina a política seria o regime do patriarcalismo. Levantando a questão da miscigenação, ele refuta as teses racialistas do início do século XX, que, em alguns casos, ditavam que a miscigenação degenerava a ‘raça- pura’ dos brancos e negros. Através do aprendizado com o antropólogo Franz Boas (1858 até 1942), ele separa duas coisas fundamentais, raça e cultura. Em sua visão, o Brasil era formado de uma heterogeneidade portuguesa, a mistura de diversas culturas e povos que estavam em frente ao mar Mediterrâneo e norte da África. Um ponto forte na obra de Freyre, é sobre os relatos de que o senhor dos escravos, que normalmente era casado, se relacionava com escravas. E quando a sinhá, esposa do senhor, descobria, como não podia terminar o casamento, pois não havia divórcio, torturava as escravas para torná-las menos atrativas ao senhor. Isso denota a maior característica do patriarcalismo: o homem branco sempre isento das relações de violência, sendo a culpa sempre do oprimido. A casa-grande e a senzala não possuíam muros, existindo um complexo contato, violento e sútil, entre o branco e o escravo. Freyre também utilizava a ideia dessa interpretação da formação brasileira para apresentar a relação entre senhor e escravo à esfera política, como duas faces da mesma moeda. Em sua obra: "Mas esse sadismo de senhor e o correspondente masoquismo de escravo, excedendo a esfera da vida sexual e doméstica, têm-se feito sentir através da nossa formação, em campo mais largo: social e político. Cremos surpreendê-lo em nossa vida política, onde o mandonismo tem sempre encontrado vítimas em quem exercer-se com requintes às vezes sádicos (...) A nossa tradição revolucionária, liberal, demagógica, é antes aparente e limitada a focos de fácil profilaxia política: no íntimo, o que o grosso do que se pode chamar ‘povo brasileiro’ ainda goza é a pressão sobre ele de um governo másculo e corajosamente autocrático" (p.51). Entendemos assim que, através de uma romantização da sociedade pós abolição da escravatura, Gilberto Freyre defende sua ideia de Democracia Racial, que terá muita importância nas décadas seguintes para projetarmos como a história brasileira precisa ser analisada constantemente, de modo que se possa concentrar todo o aprendizado para melhoria social, política e econômica. Podemos perceber um senso de pertencimento político e social dos autores para com suas épocas, demonstrados através da própria vivência e da narrativa implementada por eles. Marcelino, como soldado de Roma, utiliza sua obra para expor às gerações futuras seu conhecimento, mas também seu ponto de vista sobre a grandeza do império romano e os outros povos, muitas vezes tachados de barbárie. Já Freyre, antecedeu a ideia do pluralismo cultural em sua época, levantando o ideal de que as muitas culturas do Brasil seriam o alicerce para uma política de inclusão harmônica das diferentes etnias do Brasil. Como dito pelo historiador George Reid Andrews: “Os proponentes do branqueamento tinham buscado europeizar o Brasil e torná-lo branco; Freyre, em contraste, aceitou que o Brasil não era nem branco nem europeu, e que nunca o seria. Em vez de a Europa dos trópicos, o Brasil estaria destinado a ser um novo mundo nos trópicos: um experimento exclusivamente americano no qual europeus, índios e africanos tinham se juntado para criar uma sociedade genuinamente multirracial e multicultural." ¹ Um diferencial entre os dois autores aqui citados é o modo como enxergam a história: por um lado, Amiano Marcelino vê com os olhos de quem vivencia a história, apontando em sua obra com detalhes todo o período do império romano e as mudanças geradas pela sua expansão e guerras; por outro lado, Gilberto Freyre utiliza de romantização ao descrever a relação entre a negritude, os indígenas e a casa- grande para tratar um assunto passado, através de seu próprio ponto de vista como sociólogo e antropólogo, tratando de maneira distante fatos que até hoje impactam na sociedade brasileira, como o patriarcalismo e o racismo. Mesmo assim, podemos aprender, decerto com ambos os autores, que a história contada do ponto de vista do autor, levando em conta sua opinião pessoal sobre determinados assuntos, não impede que novos pontos de vista ou pesquisa sejam propostos, visto que toda história escrita é plena de ser analisada por ângulos diferentes. Exemplificando com ambos os autores, Marcelino, que dá sua própria opinião sobre as guerras, do ponto de vista de soldado do império, teve, obviamente, fidelidade ao império ao qual pertence; assim como Freyre que, como homem branco, latifundiário e conservador, trata da questão do Brasil pós abolição da escravatura, estando do mesmo lado que cita como o ‘lado privilegiado’. Em ambos os casos, mesmo que estudiosos de outras áreas não concordem completamente com suas opiniões, há de se afirmar que suas contribuições para o legado posterior foram, e serão, amplamente utilizadas. Referências: A democracia cultural em Gilberto Freyre. Canal Futura, Canais Globo. 4 mar. 2021. Amiano Marcelino, Os Feitos, XVI. 1. “Com 69 anos de colaboração, Gilberto Freyre fez do Diário a sua casa intelectual”. Diário de Pernambuco. 15 de março de 2020. FERREIRA, Gabriela Nunes. A formação nacional em Buarque, Freyre e Vianna. Lua Nova, São Paulo, n. 37, p. 229-247, 1996. FREYRE, Gilberto. Manifesto regionalista. 7.ed. Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1996. p.47-75. FREYRE da Casa Grande. Visão. São Paulo, 28 fev. 1958, p. 18-21. MARQUES, Juliana Bastos. As faces de Roma e os centros do poder em Amiano Marcelino; Dimensões, vol. 26, 2011, p. 173-188. PORFÍRIO, Francisco. "Gilberto Freyre"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/gilberto-freyre.htm. scielo.br | ANDREWS, George Reid. Democracia racial brasileira 1900-1990: um contraponto americano. Estud. av., São Paulo, v. 11, n. 30, p. 95-115, agosto de 1997. Disponível em <scielo.br>. acessado em 7 de setembro de 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141997000200008. SOUZA NETO, José M. G. Amiano Marcelino e a Representação da Barbárie. Cadernos de História UFPE, 2017. https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/gilberto-freyre.htm http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141997000200008
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