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FARMACOTÉCNICA II Letícia Vieira Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer os principais métodos de preparação de xaropes. � Identificar os principais componentes dos xaropes simples e para pacientes diabéticos. � Listar pontos críticos da preparação de xaropes. Introdução Os xaropes são uma das formas farmacêuticas mais utilizadas na admi- nistração de medicamentos orais em solução. Isso se deve, em grande parte, à incapacidade de pacientes infantis e idosos de deglutirem for- mas farmacêuticas sólidas, além do sabor agradável dos xaropes, o que favorece as características organolépticas dessas formulações e dissipa relutâncias. Dessa forma, é bastante comum a solicitação ao farmacêu- tico que prepare xaropes que veiculem medicamentos disponíveis na farmácia alopática na forma de cápsulas ou comprimidos. É claro que esse profissional responsável pela formulação deve avaliar a solubilidade, a estabilidade e a biodisponibilidade do fármaco em questão. Neste capítulo, você irá estudar os principais métodos de desen- volvimento de xaropes. Também vai ver quais são os componentes de xaropes simples e dos xaropes para pacientes com diabetes, e quais são os pontos críticos da preparação dessas formulações. Xaropes à base de sacarose e xaropes isentos de açúcar Os xaropes são formulações de consistência viscosa, com densidade entre 1.30 a 1.33 a 15ºC, o que significa que cada 100 mL de xarope pesa de 130 a 133 g (ANJOS, O.; ANJOS, A., 1964). O xarope simples, como o próprio nome faz referência, é o mais simples dos xaropes. Também denominado xarope base, é preparado por meio da dissolução de 85 g de sacarose em água purificada, em quantidade suficiente para produzir 100 mL de xarope, como você pode ver no Quadro 1 (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000). Fonte: Adaptado de Ansel, Popovich e Allen Jr (2000) e Brasil (2019). Componentes Quantidade Sacarose 85 g Água purificada qsp 100 mL qsp = quantidade suficiente para Quadro 1. Fórmula de xarope simples A maioria dos xaropes contém uma proporção de sacarose que varia de 60 a 80% do total da formulação, quantidade que se encontra próxima à sa- turação, formando uma solução hipertônica (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; FERREIRA, 2008). Essa alta concentração de sacarose não confere apenas sabor adocicado e viscosidade, mas também estabilidade ao produto final, uma vez que soluções concentradas de açúcar são muito resistentes à proliferação de microrganismos. Isso se deve ao fato de não haver água suficiente para sua proliferação (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000) ou ao desencadeamento de sua desidratação e consequente plasmólise devido à hipertonicidade da solução (FERREIRA, 2008). É interessante ressaltar que soluções de sacarose diluída, têm um efeito contrário, sendo um eficiente meio nutriente para a proliferação de microrganismos, sobretudo fungos e leveduras (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000). Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos2 Embora a sacarose seja o açúcar mais empregado no desenvolvimento de xaropes pelas vantagens de seu uso, em alguns casos ela é substituída, no todo ou em partes, por outros açúcares, como a dextrose, ou por não açúcares, como a glicerina, o sorbitol e o propilenoglicol (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000). No caso de pacientes em condições fisiológicas especiais, como os com diagnóstico de diabetes mellitus, ou sobrepeso, que apresentam restrição a formulações que contenham esse veículo clássico, o farmacêutico deve lançar mão de um produto tecnicamente elaborado que atenda às necessidades dietéticas dessas pessoas (BRASIL, 2012). Nessas situações, todos os com- ponentes glicogênicos (que se convertem em glicose no organismo) — entre elas, as substâncias citadas —, devem ser substituídas por componentes não glicogênicos, como a hidroxietilcelulose e a metilcelulose (LUBI; SATO; GAENSLY, 2003). A hidroxietilcelulose e a metilcelulose são matérias-primas que não são hidrolisadas e nem absorvidas, e, dessa forma, constituem um excelente veí- culo para pacientes com diabetes e aqueles cuja dieta precisa ser controlada. Além disso, a viscosidade produzida por essas substâncias é muito semelhante àquela produzida pela sacarose. Dessa forma, o emprego desses derivados, associados à adição de um ou mais edulcorantes artificiais, proporciona ao produto final uma excelente imitação do xarope base, eficaz em mascarar o sabor desagradável dos fármacos e com viscosidade adequada (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000). De uma maneira geral, os xaropes podem apresentar os seguintes compo- nentes, além da água purificada e do(s) princípio(s) ativo(s): � Edulcorante: açúcar (por exemplo, sacarose, dextrose), ou seus subs- titutos mencionados anteriormente, utilizados para que o produto se torne doce e viscoso. � Flavorizantes. � Conservantes antimicrobianos. � Corantes. Muitos xaropes podem conter ainda solventes especiais, estabilizantes, agentes solu- bilizantes e espessantes, entre outros (ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL; 2013). 3Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos Edulcorantes e flavorizantes São adicionados aos xaropes, assim como a outras formas farmacêuticas de uso oral, no intuito de melhorar a aceitação do medicamento pelos pacientes. Destaca-se aqui que o sabor amargo é o menos aceito pelo público em geral e, infelizmente, é o sabor mais comumente produzido pelos fármacos, o que evidencia a importância de uma boa escolha de flavorizantes e edulcorantes para comporem o produto final. A adesão ao tratamento depende muito das características organolépticas da formulação, especialmente em pacientes pediátricos (THOMPSON, 2006). Os edulcorantes mais utilizados pela indústria farmacêutica são a sacarose e seus substitutos artificiais (sacarina sódica, ciclamato de sódio e aspartame) e o sorbitol (BALBANI; STELZER; MONTOVANI, 2006). Quanto aos fla- vorizantes, geralmente os xaropes são flavorizados com produtos naturais, como óleos essenciais extraídos de plantas (por exemplo, óleo de laranja) ou artificiais, como a vanilina (ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Outro exemplo de flavorizante natural são os sabores naturais de frutas. Já entre os artificiais, destacam-se os álcoois aromáticos, aldeídos, bálsamos, fenóis, terpenos, entre outros (BALBANI; STELZER; MONTOVANI, 2006). Normalmente, os flavorizantes são segredos industriais, portanto não vêm especificados nas bulas. Como os xaropes são preparações aquosas, os flavorizantes utilizados devem ser solúveis em água. No entanto, algumas vezes, uma pequena quan- tidade de álcool é acrescida para assegurar a dissolução de flavorizantes pouco hidrossolúveis (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Reações adversas associadas a esses componentes são muito raras, uma vez que são empregados em concentrações ínfimas nos medicamentos (BALBANI; STELZER; MONTOVANI, 2006). Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos4 Conservantes Em relação aos conservantes, a quantidade necessária a ser adicionada para proteger um xarope contra o crescimento microbiano varia de acordo com a proporção de água disponível na formulação, além da natureza e da atividade conservante de alguns componentes presentes na formulação. Por exemplo, muitos óleos utilizados como flavorizantes são estéreis e possuem atividade antimicrobiana, exercendo também a função de conservante (ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Entre os conservantes mais empregados em soluções orais, destaca-se o metilparabeno, o propilparabeno e o benzoato de sódio (BALBANI; STELZER; MONTOVANI, 2006). O Quadro 2 mostra os mais utilizados em xaropes com as respectivas concentrações eficazes. Fonte: Adaptado de Ansel, Popovich e Allen Jr (2000). Conservante Concentração eficaz Ácido benzoico 0,1 a 0,2% Benzoato de sódio 0,1 a 0,2% Associações de metil,propil e butilparabeno Juntas somam cerca de 0,1% Quadro 2. Conservantes e suas respetivas concentrações empregadas em xaropes É interessante ressaltar que o álcool possui atividade conservante em pro- porções que variam de 15 a 20% do produto final. Entretanto esse componente é utilizado em xaropes apenas para auxiliar na dissolução de matérias-primas, em quantidades que não são suficientes para promover a conservação (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). 5Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos Corantes Podem ser orgânicos ou inorgânicos, de origem natural ou não. Os corantes naturais são derivados de plantas ou animais, já os artificiais são sintetizados em laboratório (BALBANI; STELZER; MONTOVANI, 2006). Esses compo- nentes são adicionados para tornar a formulação mais atraente. Dessa forma, a escolha do corante deve combinar com o sabor flavorizante empregado. Além disso, o corante deve ser hidrossolúvel, não reagir com outras matérias-primas da formulação e, é claro, ser estável frente às variações de pH e intensidade de luz às quais será exposto durante o período de armazenamento (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Exemplos de formulações Agora que você tem conhecimento a respeito dos principais componentes de xaropes, veja nos Quadros 3 e 4 exemplos de formulações dietéticas, destinadas a pacientes com diabetes mellitus, sobrepeso, ou outras condições fisiológicas especiais, nas quais se faz necessário dietas com restrição de açúcares. Fonte: Adaptado de Conrado, Cordeiro, P. C. e Cordeiro, P. P. (2008) e Brasil (2012). Componentes Quantidade Carboximetilcelulose sódica 2% Metilparabeno 0,15% Sucralose 0,15% Água purificada qsp 100 mL Quadro 3. Xarope dietético de sucralose Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos6 Fonte: Adaptado de Conrado, Cordeiro, P. C. e Cordeiro, P. P. (2008) e Brasil (2012). Componentes Quantidade Carmelose 2 g Solução conservante de parabenos 2,5 g Sacarina sódica 0,1 g Ciclamato de sódio 50 mg Água purificada qsp 1000 mL Quadro 4. Xarope dietético de sacarina sódica e ciclamato de sódio Alguns xaropes não contém fármacos. Essas preparações são denominadas não medicamentosas, cuja finalidade é servir de veículo de sabor agradável para que fármacos sejam incorporados durante a manipulação de medica- mentos. Em outras situações, essas formulações compõem a preparação de outro xarope medicinal, que é aquele que contém o agente terapêutico. Veja no Quadro 5 alguns exemplos de xaropes não medicamentosos (ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Fonte: Adaptado de Allen Jr, Popovich e Ansel (2013) Xarope de cereja Desenvolvido à base de sacarose, contendo cerca de 47% de suco de cereja. O sabor frutado agrada a maioria dos pacientes. Xarope de framboesa Desenvolvido à base de sacarose, contendo cerca de 48% de suco de framboesa. Trata-se de um bom veículo para disfarçar o sabor salgado ou ácido de fármacos salinos. Xarope de cacau Suspensão de cacau em pó em veículo líquido, edulcorado e espessado com sacarose, glicose líquida e glicerina, e flavorizado com baunilha e cloreto de sódio. Muito eficaz na administração de fármacos amargos a pacientes pediátricos. Quadro 5. Exemplos de xaropes não medicamentosos (veículos) 7Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos Principais métodos de preparação de xaropes e seus pontos críticos Existem quatro métodos gerais disponíveis para a preparação de xaropes, de acordo com as características físico-químicas das matérias-primas presentes na formulação. São métodos amplamente conhecidos, acompanhe (ANJOS, O.; ANJOS, A., 1964; ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013): � Dissolução por aquecimento. � Dissolução por agitação, sem o auxílio de aquecimento. � Dissolução por adição de sacarose a uma solução medicamentosa pronta ou a um líquido flavorizado. � Percolação da fonte de substância ativa ou da sacarose. Em algumas situações, um xarope pode ser desenvolvido pela utilização de mais de um desses métodos. Dessa forma, a escolha pode ser simplesmente uma questão de preferência. Além disso, muitos xaropes oficiais não têm um método de preparação descrito, porque a maioria deles se encontra disponível comercialmente, não sendo aviada de forma extemporânea pelo farmacêutico (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Dissolução por aquecimento A dissolução a quente é utilizada quando se deseja rapidez na preparação do xarope e quando suas matérias-primas não são degradadas ou volatilizadas pelo calor. Nesse método, o açúcar utilizado é acrescentado à água purificada e o aquecimento é aplicado até que o açúcar seja dissolvido. Posteriormente, os outros componentes da formulação, que são termoestáveis (estáveis sob aquecimento), são acrescentados ao xarope quente. Deixa-se a mistura esfriar sob repouso e o volume final é ajustado pela adição de água purificada. Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos8 Um dos pontos críticos de se utilizar este método é que, quando existem agentes termolábeis ou voláteis presentes na composição da fórmula, como alguns óleos flavorizantes e o álcool, esses componentes devem ser adicionados ao xarope após o açúcar ter sido dissolvido e a solução ter sido resfriada à temperatura ambiente (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Uma das vantagens de se utilizar o calor é que ele facilita a dissolução rápida do açúcar e dos outros componentes da preparação. No entanto o farmacêutico deve ser cauteloso e não usar calor em excesso, uma vez que o aquecimento favorece a hidrólise da sacarose (dissacarídeo), que é convertida nos monossacarídeos glicose e frutose. Essa reação é conhecida como inversão da sacarose, e a combinação dos dois monossacarídeos resultantes é conhecida como açúcar invertido. Na verdade, quando se aplica calor na preparação de um xarope com sacarose, sempre ocorre alguma inversão do açúcar. O ponto crítico é que a velocidade da inversão aumenta muito com a presença de ácidos, uma vez que o íon hidrogênio funciona como um catalisador da reação; com a inversão, o dulçor do xarope é alterado, visto que o açúcar invertido é mais doce do que a sacarose. Outras características da formulação que podem ser alteradas sob calor excessivo são a coloração e o aspecto. No caso da cor, o xarope escurece devido ao efeito do calor sobre a frutose; já no aspecto, torna-se âmbar em decorrência da caramelização da sacarose. Essas decomposições tornam os xaropes mais susceptíveis à fermentação e ao crescimento microbiano (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Durante este método de produção, o uso da água purificada fervida au- menta a estabilidade do xarope, assim como a adição de conservantes e o acondicionamento em recipientes hermeticamente fechados (requisito para todos os xaropes) (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Devido à decomposição pela ação do calor, os xaropes não podem ser esterilizados em autoclave (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). 9Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos Dissolução por agitação, sem o auxílio de aquecimento Processo no qual os xaropes são obtidos por simples dissolução à temperatura ambiente, misturando-se o açúcar à água ou líquido medicinal da formulação, tendo o cuidado de agitar com frequência para que a dissolução ocorra mais rapidamente (ANJOS, O.; ANJOS, A., 1964). Para a produção em pequena escala, o açúcar e as outras matérias-primas da fórmula podem ser dissolvidas em água purificada, com a adição de todos os componentes em um recipiente de capacidade maior do que o volume do xarope, permitindo a agitação completa da mistura. Já em larga escala, são empregados grandes tanques de aço inoxidável ou revestidos de vidro, acoplados a misturadoresou agitadores mecânicos. Uma desvantagem desse método em relação à dissolução por calor é que ele é mais lento; entretanto o produto final apresenta maior estabilidade (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Ao contrário do método de dissolução por aquecimento, a dissolução por simples agitação a frio não oferece riscos de inversão da sacarose. Em algumas situações, um adoçante ou outro xarope não medicamentoso são empregados no lugar da sacarose. Nesses casos, é muito importante que os líquidos adicionados sejam miscíveis (solúveis), sendo competência do farmacêutico garantir que o produto final formado a partir da mistura desses componentes seja homogêneo. Além disso, sempre que for preciso acrescentar substâncias sólidas a um xarope, o ponto crítico é dissolvê-las antes em uma quantidade mínima de água purificada, para, posteriormente, incorporar a solução resultante ao xarope. Isso de deve ao fato de que, quando acrescidos diretamente ao xarope, os componentes sólidos se dissolvem muito lenta- mente, devido à natureza viscosa dessa preparação, que não permite que essas substâncias se distribuam até a água disponível para solubilização (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos10 Dissolução por adição de sacarose a uma solução medicamentosa pronta ou a um líquido flavorizado Ocasionalmente, um líquido que contém substâncias ativas (líquido medica- mentoso), como uma tintura ou um extrato fluido, por exemplo, são empregados como fontes de medicamentos na preparação de xaropes. Muitas dessas subs- tâncias contêm componentes solúveis em etanol, sendo, portanto, preparados com veículos alcoólicos ou hidroalcoólicos. Se os componentes solúveis em álcool forem os princípios ativos que deverão estar presentes no xarope, o farmacêutico deverá lançar mão de uma técnica para torná-los solúveis em água. No entanto, se não forem desejados ou necessários no xarope, poderão ser removidos por meio do processo de filtração. O ponto crítico é deixar que a mistura da tintura ou do extrato fluido com água fique em repouso até que a separação dos componentes não hidros- solúveis seja completa. O filtrado obtido representa o líquido medicamentoso, ao qual se acrescenta a sacarose na preparação do xarope. Nos casos em que a tintura ou o extrato fluido são hidrossolúveis, eles podem ser acrescentados diretamente ao xarope simples ou ao flavorizado (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Percolação O termo percolação, do latim per, que significa “através”, e coare, que significa coar, pode ser descrito como um processo no qual componentes solúveis são extraídos de drogas e reduzidos a partículas diminutas pela passagem lenta de um solvente apropriado através de uma coluna de droga (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000). No método de percolação, tanto a sacarose pode ser percolada ao se pre- parar o xarope quanto o próprio componente medicinal pode ser percolado, formando, neste caso, uma solução extrativa, à qual a sacarose ou o xarope podem ser adicionados. Este último exemplo implica dois procedimentos distintos: primeiro, a preparação da solução extrativa do fármaco, e, depois, a preparação do xarope. Um exemplo de xarope preparado pelo método de percolação do compo- nente medicinal é o de ipecacuanha, preparado com a adição de glicerina e xarope a um extrato de pó de ipecacuanha obtido por percolação (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). 11Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos A ipecacuanha consiste nos rizomas e raízes secas da Cephaelis ipecacuanha, que contém os alcaloides ativos emetina, cefaelina e psicotrina, extraídos do pó da ipecacuanha por percolação com a utilização de um solvente hidroalcoólico (ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Esse xarope tem ação emética, sendo administrado na dose usual de 15 mL, quantidade utilizada no tratamento de intoxicações em crianças, quando é necessária a evacuação do conteúdo estomacal. Cerca de 80% das crianças que recebem essa dose vomitam em torno de meia hora após a ingesta. Esses medicamentos podem ser comprados sem prescrição médica, sendo também utilizados como expectorante em doses mais baixas que a necessária para causar ação emética. O grande problema associado a esse xarope é que existem evidências de pacientes com bulimia (normalmente mulheres no final da adolescência, até os 30 anos de idade) que fazem uso do xarope para produzir crises de vômito, na tentativa de perder peso. Dessa forma, é de extrema importância que o farmacêutico esteja atento ao uso inadequado desse medicamento, além de que alerte os pacientes sobre os riscos de seu uso em longo prazo. Em uso prolongado, a emetina presente na fórmula atinge concentrações tóxicas nos tecidos do organismo e, dentro de três a quatro meses, pode causar danos irreversíveis aos músculos cardíacos (ANSEL; POPOVICH; ALLEN JR, 2000; ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). O encorpamento característico que a sacarose e outras matérias-primas conferem ao xarope é, essencialmente, o produto de uma viscosidade adequada. Associado à qualidade dos edulcorantes e flavorizantes, tem-se um produto final muito eficaz para mascarar o sabor desagradável dos fármacos. Quando o xarope é deglutido, apenas uma porção do fármaco entra, de fato, em contato com as papilas gustativas. O restante é carreado pelo xarope viscoso, que funciona como um veículo, passando pelas papilas gustativas sem entrar em contato com elas. Esse disfarce físico do sabor não seria possível em uma solução não espessa, móvel e aquosa. No caso dos xaropes antitussígenos, o veículo doce e espesso ainda confere efeito calmante, pela sua passagem nos tecidos irritados da garganta (ALLEN JR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos12 ALLEN JR, L. V.; POPOVICH, N. G.; ANSEL, H. C. Formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. ANJOS, O. P.; ANJOS, A. C. Lições de farmacotécnica. 2. ed. Curitiba: UFPR, 1964. ANSEL, H. C.; POPOVICH, N. G.; ALLEN JR, L. V. Farmacotécnica: formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos. 6. ed. São Paulo: Premier, 2000. BALBANI, A. P. S.; STELZER, L. B.; MONTOVANI, J. C. Excipientes de medicamentos e as informações da bula. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 72, n. 3, p. 400−406, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rboto/v72n3/a18v72n3.pdf. Acesso em: 15 nov. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário na- cional da farmacopeia brasileira. 2. ed. Brasília, DF, Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33832/259372/FNFB+2_Revisao_2_CO- FAR_setembro_2012_atual.pdf/20eb2969-57a9-46e2-8c3b-6d79dccf0741. Acesso em: 15 nov. 2019. CONRADO, M. F. L.; CORDEIRO, P. C. C.; CORDEIRO, P. P. M. Gestão farmacotécnica magistral. São Paulo: Basse, 2009. v. 1-3. FERREIRA, A. Guia prático da farmácia magistral. 3. ed. São Paulo: Pharmabooks, 2008. LUBI, N. C.; SATO, M. E. O.; GAENSLY, F. Desenvolvimento de forma farmacêutica líquida de uso oral, isenta de substâncias glicogênicas, com extrato fluido de Mikania glome- rata Sprengel - Asteraceae (guaco). Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 13, p. 43−46, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbfar/v13s1/a17v13s1.pdf. Acesso em: 15 nov. 2019. THOMPSON, J. E. A prática farmacêutica na manipulação de medicamentos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. Leituras recomendadas CABRAL, C.; PITA, J. R. Ciclo de exposições: temas de saúde, farmácia e sociedade: for- mas e formatos dos medicamentos: a evolução das formas farmacêuticas. Coimbra: Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, 2015. Disponível em: https://www. uc.pt/ffuc/patrimonio_historico_farmaceutico/publicacoes/catalogosdeexposicoes/ catalogo_2exp.pdf.Acesso em: 15 nov. 2019. SILVA, M. R. M. Formulação líquida oral do acetato de hidrocortisona incluso em ciclodextrina: desenvolvimento e validação da metodologia analítica. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas) - Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: http://objdig.ufrj.br/59/teses/650949.pdf. Acesso em: 15 nov. 2019. 13Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Preparo de xaropes simples e para pacientes diabéticos14
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