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A_extensao_rural_e_modernizacao_agricola_1 (1)

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A EXTENSÃO RURAL E A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA 
DOS ANOS 19701 
 
Marcelo Miná Dias 2 
 
 
Este texto apresenta uma leitura e uma interpretação da formação do aparato pú-
blico de extensão rural no Brasil em um momento bastante peculiar de nossa história, 
aquele marcado pelo regime militar, inaugurado com o golpe de 1964 e que se estende 
até o início dos anos 1980. Este também é conhecido com o período do “milagre eco-
nômico”, fase em que o país consolidou um importante processo de urbanização e in-
dustrialização, para o qual a agropecuária assumiu um papel relevante. Veremos como, 
neste período, a extensão rural torna-se um aparato público para o qual se projetou a 
importante função de difundir conhecimentos e tecnologias para a modernização agríco-
la. 
A trajetória das concepções e práticas de extensão rural no Brasil remonta ao fi-
nal dos anos 1940 e se confunde, em grande medida, com o projeto político de constru-
ção da “agricultura moderna de caráter empresarial” (Pinto, 1991). Com o golpe militar 
de 1964 o Estado brasileiro passa a legitimar um amplo projeto político conservador que 
buscava incorporar os interesses geopolíticos norte-americanos, como também os inte-
resses das elites políticas locais, tanto as agrárias quanto a emergente oligarquia urbana 
e industrial. Com relação ao desenvolvimento agrícola, este projeto político criou, por 
um lado, uma institucionalidade pública (principalmente durante a década de 1970) para 
o funcionamento de aparatos de ciência e tecnologia e, por outro lado, possibilitou o 
estabelecimento e o crescimento de um setor industrial vinculado às atividades agríco-
las, processo social que alguns autores denominaram de “industrialização da agricultura 
brasileira” (Müller, 1989, Szmrecsányi, 1990). 
No cenário político que se configurou a partir do golpe de estado de 1964, que 
conduziu o país a vinte anos de ditadura militar, a modernização da agricultura assumiu 
um significado bastante específico. Nesse cenário, aspectos técnicos e políticos se con-
jugaram na perspectiva de ação de um dos principais sujeitos desse processo: o extensi-
onista, concebido como difusor de tecnologias validadas pelo campo científico. Vere-
mos a seguir como a ação extensionista – suas concepções e práticas –foi moldada aos 
objetivos do projeto desenvolvimentista brasileiro da década de 1970. 
 
 
1 Este texto foi produzido para utilização como material didático da disciplina ERU-451 (“Extensão Ru-
ral”), oferecida pelo Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa. Foi publicado 
online em 2016. 
2 Professor Associado do DER/UFV, Mestre em Extensão Rural pela UFSM e Doutor em Ciências Soci-
ais, Agricultura e Desenvolvimento pelo CPDA/UFRRJ. 
2 
 
Significados da modernização agrícola brasileira durante o regime militar 
A modernização, como objetivo da ação extensionista, tornou-se um projeto po-
lítico importante para a economia brasileira, principalmente para a estratégia de “substi-
tuição de importações”. O diagnóstico elaborado naquele momento é explicado da se-
guinte maneira por Masselli (1998, p. 27): 
Na década de 60, as forças progressistas, balizadas em diagnósticos como o CE-
PAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe), 
consideravam que a forte concentração fundiária e a auto-sustentação das fazen-
das (não compravam e não vendiam nada no mercado interno, só exportavam) 
como fatores limitantes do desenvolvimento industrial. Para tanto, defendiam a 
criação de um mercado consumidor a partir de uma reforma agrária progressiva, 
que elevasse o nível de vida e o poder de compra da população. 
Contudo, sabemos que o regime autoritário impediu a realização de uma reforma 
agrária, prevalecendo uma política de ocupação/colonização da fronteira agrícola como 
ação para o aumento da produção agrícola e sua integração ao desenvolvimento indus-
trial. Somente a partir dos anos 1980, com o fim do regime militar e a ação política de 
organizações que representavam os interesses dos agricultores é que tem início uma 
política de criação de assentamentos rurais para resolver conflitos pontuais deflagrados 
pela luta pela terra. A modernização tornou-se, nessa forma, caracterizou-se como con-
servadora da estrutura agrária extremamente desigual, principalmente em termos das 
possibilidades de acesso à terra para produção e moradia por parte dos agricultores tra-
dicionais (Garcia e Palmeira, 2001). 
O projeto modernizador concentrou seus esforços na mudança da base técnica 
dos processos produtivos, entendendo que esta mudança conduziria a transformações 
socioeconômicas mais amplas, condizentes com os princípios das teorias da moderniza-
ção (Reydon e Graziano da Silva, 1983). No caso do desenvolvimento rural as teorias 
da modernização encontraram nos preceitos da Revolução Verde uma referência para 
operacionalizar o projeto político de mudança da agricultura tradicional3. O papel da 
Revolução Verde na dinâmica dos processos de modernização é explicado da seguinte 
maneira por Balesto e Sauer (2009, p. 8): 
As inovações tecnológicas na agricultura, que depois se convencionou chamar de 
Revolução Verde, se iniciaram nos anos de 1940, como resultado de pesquisas e 
experimentos realizados por cientistas, contratados pela Fundação Rockfeller, no 
México. No Brasil, no entanto, essas mudanças se disseminaram apenas a partir 
do final dos anos de 1960, intensificando-se no início dos anos de 1970, devido a 
incentivos governamentais, especialmente crédito farto e barato. Pode-se dizer 
que este paradigma tecnoeconômico [um pacote de técnicas e lógicas produtivas 
baseadas na química, mecânica e genética] emula a aplicação dos mesmos prin-
cípios da manufatura no processo de produção agrícola. 
Nesse projeto, a modernização, como objetivo da ação extensionista, pressupu-
nha um conjunto de ações orientadas para mudar concepções, princípios e valores de 
 
3 Usaremos este termo para designar um modo de organização dos sistemas agrícolas que tem por base o 
conhecimento empírico e os recursos locais que homens e mulheres agricultores dispunham para produzir 
e garantir a reprodução socioeconômica de suas famílias e comunidades (Altiere, 2004). Neste sentido, 
trata-se de uma categoria analítica e conceitual que se aproxima das definições correntes de “agricultura 
familiar” que, nas palavras de Neves (2005, p. 25), pode ser conceituada como “[...] uma forma, entre 
tantas outras, de organização e gestão das relações de produção e trabalho, cujo eixo fundamental está 
referenciado à dinâmica de constituição da família (composição e ciclo de vida).” 
3 
 
parte da agricultura brasileira que era empreendida, de maneira predominante, a partir 
de costumes e conhecimentos tradicionais, transmitidos informalmente entre as sucessi-
vas gerações. 
Este tipo de agricultura era baseado em uma economia cotidiana, cuja essência 
era as relações de proximidade que ocorriam em mercados locais ou regionais (Del Pri-
ore e Venâncio, 2006). Devido a estas características, os sistemas produtivos tradicio-
nais geralmente não dependiam, em grande medida, do consumo de insumos externos 
para a sua reprodução socioeconômica. Ou seja, estes sistemas tradicionais contraria-
vam a moderna lógica produtiva capitalista, por isso era considerados como pouco efi-
cientes, rústicos ou arcaicos. 
Para mudar esta situação, a ação estatal, guiada pelas políticas públicas, ao in-
centivar a integração de novas tecnologias (máquinas e implementos, adubos, agrotóxi-
cos e variedades geneticamente melhoradas) aos processos produtivos, modificou radi-
calmente as relações sociais de produção agrícola, afetando consequentemente os mo-
dos de elaboração e disseminação de conhecimentos sobre a própria agricultura. 
É importante perceber como o processo de modernização,na visão do Estado, 
não se limitava apenas à mudança da base tecnológica agropecuária, mas objetivava 
também a afirmação política, por meio da disseminação de novas concepções, compor-
tamentos, aspirações e orientações culturais, gerando com isso a necessidade de consu-
mo de bens industrializados e serviços agrícolas (Canuto, 1984). 
Para Neves (1987), também estava em jogo, no ambiente da institucionalidade 
pública, a construção e a afirmação da identidade do “agricultor moderno”, aquele que, 
ao contrário da imagem projetada ao “agricultor tradicional”, estaria disposto a inovar, a 
adotar novas tecnologias. Este “novo agricultor”, com a ajuda do extensionista, passava 
a compreender que o aumento dos custos de produção devido ao consumo de insumos 
externos e os riscos assumidos com o novo modelo (que incluía a contratação de finan-
ciamentos para executá-lo) seriam compensados com ganhos em produção e produtivi-
dade, traduzidos em aumento nos lucros. 
Este tipo de racionalidade projetada ao comportamento dos agricultores buscava 
aproximá-los das intenções explicitadas nas políticas públicas, como também aproximá-
los da própria ação extensionista que se afirmava, desde meados dos anos 1960, como 
uma prática de transferência de conhecimentos e tecnologias. Portanto, na leitura cons-
truída naquela época, o agricultor moderno era aquele que aderia à proposta extensionis-
ta, contratava o crédito, aceitava as recomendações técnicas e as incorporava ao seu 
processo produtivo, reorientando-o à otimização econômica dos fatores de produção, de 
modo a conduzi-lo à obtenção do lucro. Este, uma vez realizado, deveria ser utilizado 
para novos investimentos no sistema produtivo modernizado. Buscava-se, com esta ra-
cionalização, afirmar a necessidade de uma nova economia rural, reduzida, é bom res-
saltar, à economia dos processos de produção agrícola. 
Esta leitura, evidentemente, estava relacionada, na conjuntura política da época, 
ao que queria o governo em uma conjuntura de supressão das liberdades políticas. Ou 
seja, o projeto e a ideologia da modernização eram apresentados como opção única e 
não estava em discussão pública. O Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, 
normatizando estas intenções políticas, “recomendava” um papel mais dinâmico para o 
setor agrícola, associando-o ao fornecimento de matérias-primas, tanto para a exporta-
ção quanto para suprir as necessidades dos centros urbanos, cujo crescimento populaci-
onal e desenvolvimento industrial traziam novas e crescentes demandas (Accarini, 
1987). 
4 
 
Ao disseminar a adoção de um padrão tecnológico moderno, associando-o à 
oferta de crédito subsidiado e assistência técnica pública e gratuita para alguns agricul-
tores, a intervenção estatal buscava incrementar o potencial produtivo da terra e do tra-
balho agrícola, possibilitando, de acordo com a expectativa gerada, ganhos em produti-
vidade em quase todos os cultivos e regiões alcançados pelas mudanças técnicas e pela 
ação do Estado (Martine, 1990). 
No entanto, é importante compreender que o processo de modernização foi mar-
cadamente seletivo. O investimento público na disseminação de novas tecnologias foi 
concentrado em determinados produtos, regiões ou tipos de agricultores (nos documen-
tos da época geralmente referidos como “produtores rurais”), geralmente aqueles que 
ofereciam maior potencial de retorno econômico. Essa característica do modelo era coe-
rente com as recomendações de alguns economistas, que defendiam uma estratificação 
do público a ser beneficiado pela ação das políticas públicas de desenvolvimento agríco-
la4. Na prática, estas recomendações legitimaram a marginalização da “pequena escala 
de produção”, uma vez que o retorno econômico eficiente parecia ser prerrogativa das 
médias e grandes unidades, sendo estas consideradas mais próximas ou receptíveis à 
racionalidade empresarial que demandavam os sistemas de produção de monocultivos, 
dependentes do uso intensivo de fatores modernos de produção, de áreas planas e férteis 
mais extensas e de contratação de crédito vinculado à assistência técnica contínua (Gra-
ziano da Silva et al., 1983). 
Além do caráter seletivo, o conservadorismo foi outra característica importante 
das políticas públicas de modernização da agricultura no Brasil. Ao escamotearem a 
necessidade de reforma agrária para corrigir as assimetrias de acesso à terra, elas manti-
veram a histórica concentração fundiária como traço marcante do espaço agrário brasi-
leiro; e, ao promoverem novas relações sociais de produção, agravavam, de um modo 
geral, a precariedade das relações trabalhistas (Medeiros, 1989, Moreira, 1990). Os di-
versos tipos e graus de expropriação a que foram submetidos os agricultores e trabalha-
dores rurais que não se encaixavam ou não se adequavam aos requisitos das estratégias 
políticas da modernização completavam o quadro de efeitos sociais perversos associa-
dos àquelas políticas. 
Uma das consequências destas políticas públicas foi o enorme êxodo rural levou 
às grandes cidades, para onde convergiam os migrantes do campo, os problemas sociais 
causados, nas origens desta população, pelo caráter excludente, concentrador de renda e 
gerador de desigualdades sociais do processo de modernização da agricultura brasileira 
(Martins, 1991). 
Além das consequências sociais, a difusão do padrão tecnológico moderno foi 
acompanhada pelo impacto ambiental da proliferação dos sistemas de monocultivos, 
que crescentemente substituíam a diversidade dos ecossistemas naturais ou dos sistemas 
de cultivo e criação tradicionais. A agricultura moderna abriu novas fronteiras, desbra-
vando amplas regiões do Centro-Oeste e do Norte do país. Neste processo, a implanta-
ção e manutenção dos monocultivos demandavam o uso de sementes geneticamente 
 
4 Para Theodore Shultz, em um texto bastante influente na época, as tecnologias agrícolas possuíam uma 
elevada especificidade biológica e ambiental, ou seja, eram adaptadas às condições para as quais tinham 
sido criadas, fato que inviabilizava a simples transferência entre regiões distintas. Tal especificidade se 
revelava até mesmo entre agricultores de uma mesma região. Estes argumentos eram parte das ideias 
divulgadas no livro “Transformando a agricultura tradicional”, lançado em 1965. Para Shultz, não era 
viável, do ponto de vista econômico, para os países pobres do Terceiro Mundo, uma política de promoção 
do reordenamento de amplos setores da agricultura tradicional. A sua tentativa, dispendiosa, implicaria, 
no final das contas, inexpressivos ganhos de produtividade (Shultz, 1965). 
5 
 
modificadas combinado com práticas diversas de irrigação, mecanização e uso de corre-
tivos, adubos químicos e biocidas, na tentativa de compensar a instabilidade agroecoló-
gica gerada pela simplificação dos ecossistemas naturais para instalação das monocultu-
ras. As consequências ambientais deste padrão tecnológico se revelaram rapidamente na 
elevação dos índices de desmatamento, poluição ambiental; nas perdas de solos por ero-
são e na nem sempre lembrada perda de patrimônio genético, uma vez que muitos culti-
vos e variedades tradicionais cederam lugar aos cultivos de “valor comercial” (Graziano 
Neto, 1982, Worster, 1990, Resende, 1997). 
Em todo o processo histórico de difusão e legitimação do padrão tecnológico 
moderno na agricultura, a ação extensionista desempenhou um papel central e decisivo 
para a realização das intenções políticas dos governos que se sucederam desde o final 
dos anos 1950. Pinto (1991), refletindo sobre a trajetória da extensão rural brasileira até 
o final dos anos 1980, usou a expressão “serva do Estado” para resumir seu diagnóstico 
acerca desta trajetória. O fato é que para realizar os objetivos da modernização agrícola 
um tipo específico de intervenção sociotécnica junto aos agricultores seimpôs como 
requisito essencial para superar o que era diagnosticado como o “atraso do mundo ru-
ral”. Assim, a estruturação de um aparato público de extensão rural e a formação de 
profissionais extensionistas estiveram na base do projeto modernizador (Fonseca, 1985, 
Oliveira, 1999). No ambiente político de ausência de democracia não havia possibilida-
de de alternativas e a extensão rural passou a cumprir uma missão quase que monolítica. 
Antes de seu empenho incondicional na realização do projeto modernizador, em 
sua primeira fase de institucionalização em nosso país – que, de acordo com Pinto 
(1991), aconteceu entre 1948 a 1964 – a ação extensionista envolvia-se com ações edu-
cativas capazes de levar ao homem do campo conhecimentos para superar o “atraso” da 
vida simples que levavam. Um tipo de vida imaginada como alheia às demandas de so-
cialização e acumulação financeira, entendidas por seus teóricos como prerrogativas dos 
mercados. Tratava-se, naquele momento, de difundir informações e conhecimentos que 
contribuíssem para superar o que era compreendido como a racionalidade atrasada do 
agricultor (Fonseca, 1985). Neste sentido, as inovações tecnológicas, ao incrementar 
seus processos produtivos, buscavam melhorar a condição de vida daqueles agricultores 
que “demonstrassem querer ser ajudados”, oferecendo-lhes as oportunidades do mundo 
capitalista. 
Este conjunto de intenções políticas e própria criação da extensão rural no Bra-
sil, como demonstram Seiffert (1987) e Oliveira (1999), associaram-se aos interesses 
geopolíticos norte-americanos no contexto da Guerra Fria. Desta forma, havia um proje-
to político orientando a cooperação internacional, especialmente a norte-americana, 
levando-a a incentivar iniciativas governamentais que buscassem propagar a imagem da 
prosperidade que poderia ser alcançada por meio da expansão dos mercados e, em sua 
esteira, o próprio ethos capitalista-monopolista então vigente. A ação extensionista se 
adequava e buscava legitimar, então, à promoção do que Fonseca (1985) denominou de 
“um projeto educativo para capital”. 
De uma visão do capitalismo democrático e gerador de oportunidades, as práti-
cas de extensão rural passaram a ser influenciadas – em uma segunda fase, iniciada na 
segunda metade dos anos 1960 – pela vertente capitalista “patrimonialista, concentrado-
ra e excludente” desse mesmo capitalismo, disseminada pelos mecanismos da coopera-
ção técnica norte-americana, de acordo com a argumentação desenvolvida por Oliveira 
(1999, p. 132). Esta vertente ideológica seria característica do processo de moderniza-
ção conservadora da agricultura. Se antes o público da extensão rural era indistinto, na 
fase do predomínio da “filosofia desenvolvimentista” (Pinto, 1991), a extensão rural, já 
6 
 
estruturada em várias regiões do país, passou a priorizar os médios e grandes produto-
res. O discurso de conotação mais democrática e as práticas de cunho social foram pra-
ticamente deixados de lado, assumindo papel de destaque na intervenção extensionista a 
aplicação de programas de crédito orientado (Figueiredo, 1984). A extensão rural no 
Brasil começava a adquirir as feições que ainda identificamos hoje, construindo sua 
razão de ser como facilitadora de processos de modernização agrícola. 
 
A extensão rural e a modernização agrícola pela difusão de tecnologias 
A criação da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Em-
brater), em 1974, fez surgir um sistema de assistência técnica e extensão rural com ele-
vada capacidade governamental de coordenação, cuja centralização político-
administrativa pretendeu impor e garantir, por meio das organizações de extensão rural, 
a execução do projeto modernizador (Rodrigues, 1997). Naquele contexto, as associa-
ções estaduais de crédito e assistência técnica (ACAR) foram convertidas em empresas 
públicas, definindo uma crescente “profissionalização” e padronização dos serviços 
prestados, além da expansão destes serviços a boa parte dos municípios brasileiros. 
[...] a sucessão da ABCAR e suas filiadas, associações civis sem fins lucrativos, 
pela Embrater e suas associadas, empresas públicas, significou mais uma modifi-
cação formal do que substantiva. O único aspecto diferencial que merece ser ci-
tado é que, enquanto na administração da ABCAR havia uma salutar cogestão 
das suas filiadas, a Embrater deslocou-se de suas associadas a quem tendeu a co-
ordenar imperialmente. Quanto à submissão ao Setor Público, entretanto, o sis-
tema anterior já se empenhava num estrito alinhamento às diretrizes governa-
mentais do regime autoritário, manifestamente concentradoras e injustas social-
mente (Figueiredo, 1984, p. 21 – grifo no original). 
No contexto institucional descrito acima podemos considerar a fase inaugurada 
pela criação da Embrater e das Emater (empresas públicas estaduais de assistência téc-
nica e extensão rural) como a mais importante da extensão rural brasileira, marcada pela 
afirmação institucional da ação extensionista, pela força política dos aparatos públicos 
de extensão rural e pela unificação da missão extensionista associada à promoção da 
modernização da agricultura. 
Sem dúvida, é nesta fase de predomínio da orientação difusionista produtivista 
que se verifica a maior expansão da estrutura operacional do sistema de extensão 
rural. Enquanto em 1960 a relação entre o número de extensionistas locais e o 
número total de estabelecimentos agropecuários existentes era de 1:6965, em 
1970 esta relação melhorava, passando para 1:2203, caindo ainda mais em 1980, 
quando se situa em 1:618. Por outro lado, o percentual de municípios assistidos 
que era de 10% do total da federação em 1960, salta para 40,2% em 1970 e 
77,7% em 1980 (Rodrigues, 1997, p. 126). 
Naquele momento, como afirma Brandemburg (1993, p. 56), a extensão rural 
trabalhou não apenas com a difusão de modernas técnicas de produção, mas também 
com a reeducação dos agricultores de acordo com a racionalidade técnica e empresarial, 
“comprometida com o lucro, com a realização do capital, da sociedade de consumo.” 
Neste processo, a transferência ou difusão de tecnologias com foco nos meios de 
comunicação foi a principal abordagem teórico-metodológica orientadora da ação ex-
tensionista. A questão tecnológica tornou-se o centro das ações e do debate – que ocor-
7 
 
ria sob a limitação do regime autoritário – sobre as melhores maneiras para alcançar a 
“modernidade no campo” (Carvalho, 1982). 
Os fundamentos conceituais e teóricos do difusionismo, que davam suporte à in-
tervenção dos aparatos de extensão rural, elaboravam e defendiam uma visão muito 
simplista e limitada do processo de desenvolvimento rural, restringindo-o ao ambiente 
da produção agrícola, imaginando que as diferenças de produtividade observadas entre 
os agricultores de uma mesma região – ou até mesmo entre distintas regiões ou países – 
poderiam ser explicadas pela falta de conhecimento e de divulgação de informações e 
tecnologias já existentes em outros contextos, em que eram aplicadas com sucesso. Es-
tas tecnologias, uma vez difundidas aos agricultores tradicionais ou atrasados, e por eles 
adotadas, resultariam no incremento dos índices de produção e produtividade, tornando-
se base à sua integração competitiva em mercados agropecuários. 
Nesta perspectiva, a promoção do desenvolvimento da agricultura era reduzida a 
um mero problema de comunicação (seguindo o viés difusionista) e de ação para a mu-
dança de comportamento, significando a adoção de tecnologias modernas (Caporal e 
Costabeber, 1994). Aos agentes de extensão rural bastaria trabalhar na difusão de tecno-
logias já conhecidas pela sua capacidade de promover ganhos em produtividade. Este 
seria o principal argumento levado aos agricultores para que eles as adotassem em seus 
sistemas produtivos. Deste modo, num primeiro momento do processo de moderniza-
ção, a necessidadede pesquisa, experimentação ou adaptação de tecnologias foi coloca-
da em segundo plano e a extensão rural, como difusora de inovações, assumiu um papel 
dominante na promoção da modernização da agricultura tradicional (Accarini, 1987, 
Pinheiro, 1995). Analisando a trajetória histórica da difusão de tecnologias na experiên-
cia brasileira Sousa (1987, p. 190) argumenta que neste primeiro momento do processo 
de modernização: 
Nunca chegou a ser relevante a consideração do processo social de geração de 
tecnologias e, tampouco, a participação, neste processo, do próprio extensionista 
e do produtor rural. As grandes ações dentro da extensão circunscreviam-se, ba-
sicamente, à utilização ótima dos meios de comunicação. Desta forma, a difusão, 
enquanto atividade, envolvia um agente de mudança (o extensionista) e um agen-
te a ser modificado (o produtor). Concebia-se, assim, uma linearidade de in-
fluência do primeiro para o segundo. A informação a ser transmitida vinha das 
agências de pesquisa e devia ser adicionada ao processo produtivo. Afinal, era 
importante o aumento da produção e da produtividade agropecuária [...] Ao se 
ignorar a problemática da pesquisa nos processos de difusão de tecnologia, defi-
niu-se, também, a extensão como uma ponte entre a pesquisa e o produtor rural, 
não reconhecendo, na prática, o campo interativo entre o pesquisador e o produ-
tor. 
Desde a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 
1972, começa a se instaurar uma mudança institucional importante. A Embrapa surgia 
para substituir o sistema de pesquisa agropecuária federal, institucionalizado no Depar-
tamento Nacional de Pesquisa e Experimentação Agrícola (DNPEA), criado em 1971, 
que havia sucedido o escritório de Pesquisa e Experimentação (EPE). Ambas as institui-
ções, na leitura de Sousa (1987, p. 191), eram marcadas por resultados limitados que 
impediam a “[...] libertação da agricultura dos desígnios das leis naturais e da utilização 
intensiva da força de trabalho rural”. Isto ocorreu porque, ainda de acordo com o argu-
mento do referido autor, “[...] os anos 50 e parte dos anos 60 representaram um período 
em que as diretrizes da política econômica não privilegiavam a transformação da agri-
cultura via modernização”, mas por meio do aumento da produção possibilitado pela 
expansão da fronteira agrícola. 
8 
 
Com a criação da Embrapa e a institucionalização do Sistema Nacional de Cré-
dito Rural, a política de extensão rural começou a priorizar a difusão dos resultados das 
pesquisas de adaptação tecnológica que começavam a ser desenvolvidas nas estações 
experimentais desta empresa. Neste processo, o convencimento para a adoção de inova-
ções incluía um forte argumento: o crédito acessível e barato, para financiar a compra 
de implementos e insumos, incrementando o desempenho das novas tecnologias. Os 
extensionistas passaram a se empenhar então na difusão de “pacotes tecnológicos”, que 
incluíam a inovação, a assistência técnica e o recurso financeiro para implementá-la. 
É também uma marca deste período a construção de estradas, silos, armazéns e 
centrais de abastecimento. Viabilizado pelo Estado, forma-se, assim, durante a 
década de 70, novo bloco de interesses rurais (na verdade, agroindustriais), em 
que a linguagem comum é o aumento da produção agropecuária via aumento da 
produtividade. Nessa coligação agropecuária, formada pelo grande capital indus-
trial, pelo Estado e pelos grandes e médios produtores rurais, a geração, difusão e 
adoção de tecnologias são as peças essenciais para o objetivo que se perseguia: o 
aumento da produtividade agropecuária (Sousa, 1987, p. 192). 
É importante compreender que os aparatos públicos de ciência e tecnologia, re-
presentados principalmente pelas unidades descentralizadas da Embrapa, e os aparatos 
de extensão rural tinham funções específicas e independentes no processo de promoção 
do desenvolvimento agrícola durante os anos 1970. Institucionalmente, pesquisa e ex-
tensão rural eram aparatos técnicos dissociados e pouco se comunicavam. Logo após 
sua criação a Embrapa se esforça para criar e institucionalizar sua própria ação extensi-
onista, institucionalizada na atividade de “difusão de tecnologias”, sendo o Departamen-
to de Difusão de Tecnologias (DDT) “uma de suas unidades centrais” (Sousa, 1987, p. 
192). Conforme esse mesmo autor, a difusão de tecnologias, como método de ação e de 
orientação para a pesquisa tinha uma agenda bem definida: 
[...] uma das primeiras tarefas do DDT foi a de liderar, de 1973 até mais ou me-
nos o final da década, uma série de encontros reunindo produtores, extensionistas 
e pesquisadores, com a finalidade de elaborar os chamados “pacotes tecnológi-
cos”, diferenciados por tipo de produto, produtor e região edafoclimática e sócio-
econômica. Era a primeira ação concreta da nova empresa de pesquisa, associada 
à extensão e a grupos de produtores, para o aumento, a curto prazo, da produtivi-
dade agropecuária. 
O trabalho de pesquisa científica se justificava como uma atividade quase que 
autônoma da realidade na qual seriam aplicados seus resultados5. A criação de diversas 
estações experimentais, verdadeiros simulacros das condições agroecológicas de aplica-
ção dos resultados de pesquisa, era o símbolo da distância entre a produção de um tipo 
de conhecimento sobre a agricultura, que gerava novas tecnologias, e a realidade dos 
agricultores que as utilizaria, respondendo muito mais a demandas de mercados do que 
a demandas dos agricultores. Além disso, como destaca Rogers (1995), o processo de 
geração de tecnologias, parte fundamental da ação de difusão, é concebido como uma 
etapa de preponderância do pesquisador (de seus interesses, conhecimentos e autorida-
de), sendo os extensionistas e os produtores agentes acessórios ou secundários do mes-
mo, embora teoricamente atuem em todas as fases do processo. 
 
5 De acordo com Neves (1987, p. 354), os pesquisadores se voltavam para a “produção de um conheci-
mento auto-referido ou tendo por referência os debates e as temáticas perseguidas e valorizadas pelas 
instituições de pesquisa ou pelo campo intelectual e cultural específico das Ciências Agronômicas”. Deste 
modo, poucas vezes questionavam a natureza do conhecimento ou das tecnologias que produziam. “O 
questionamento recai sobre o agricultor e não sobre a tecnologia, um dado que se impõe e que fascina”. 
9 
 
Para os pesquisadores, a ênfase no conteúdo exclusivamente técnico-científico – 
e nos potenciais resultados econômicos dos processos de geração de conhecimentos e 
tecnologias agropecuárias – justificava a falta de consideração das reais condições soci-
oculturais nas quais os conhecimentos e tecnologias seriam incorporados. Deste modo, a 
pesquisa agropecuária era realizada para responder demandas e pressupostos das políti-
cas de desenvolvimento econômico, idealizando as condições reais de sua aplicação. 
Para os extensionistas, esta dissociação entre a geração de tecnologias e as demandas 
dos agricultores não era, naquele momento, uma questão importante, por isso não era 
problematizada. Afinal, o seu trabalho na difusão ou transferência de tecnologias não 
dependia da consideração das características e peculiaridades dos contextos locais ou de 
identificar as demandas dos agricultores. Com argumenta Neves (1987, p. 351), constru-
ía-se, neste processo, “um saber sobre a agricultura e não sobre os agricultores”. Pode-
mos acrescentar que era construído um saber sobre a agricultura moderna e empresarial, 
não sobre a agricultura que se afirma historicamente como espaço de vida (Wanderley, 
2009). 
Em razão do predomínio destas concepções a respeito do conhecimento e da ge-
ração e difusão de tecnologias, entre extensionistas e agricultores estabelecia-se, como 
regra, uma relação bastante desigual. Os técnicos geralmentepossuíam os conhecimen-
tos considerados válidos e o poder de decisão sobre os rumos dos processos de inter-
venção. Os pacotes tecnológicos disponibilizados aos agricultores associavam o crédito 
à aceitação de uma proposta de mudança radical do sistema social produtivo praticado 
pelos agricultores. O poder de questionamento ou de negociação destes agricultores era, 
no entanto, praticamente nulo. O conhecimento técnico tornava-se, portanto, instrumen-
to para o exercício do poder decisório dos técnicos, legitimando a intervenção governa-
mental e a prática extensionista como uma relação de transmissão de conhecimento da-
queles que consideravam que o detinham, os extensionistas, para aqueles que eram tidos 
como desprovidos dos mesmos, os agricultores (Freire, 1988). 
Na prática, como fundamento desta relação assimétrica e autoritária, para ter 
crédito e assistência técnica, os agricultores deveriam se submeter a projetos predefini-
dos; e a técnicas que, muitas vezes, lhes eram estranhas e de difícil compreensão. O 
conhecimento técnico difundido e as tecnologias, de um modo geral, não eram questio-
nados. Quando ocorria, a resistência ou a rejeição dos agricultores às novidades transmi-
tidas ou impostas eram interpretadas como teimosia, medo da mudança, apego ao pas-
sado, falta de iniciativa ou de caráter empreendedor. As estratégias extensionistas, na-
quele contexto, não interpretavem a agricultura como um modo de vida; reduziam-na ao 
papel de substrato (ecológico e humano – humanos considerados como “mão de obra”) 
para emprego de técnicas e modos de organização da produção para torná-la “economi-
camente mais eficiente”. Deste modo, os agricultores eram educados para se tornar su-
jeitos passivos do processo difusão das tecnologias modernas e deveriam adotar as re-
comendações transmitidas pelos técnicos (Graziano da Silva et al., 1983, Canuto, 1984). 
Entre meados dos anos 1960 até o início da década de 1980, a ideologia e a prá-
tica extensionista estiveram intimamente relacionadas à legitimação do projeto econô-
mico desenvolvimentista e do regime político autoritário que o conduziu. Estas relações 
de poder encontraram coerência e continuidade nos métodos e práticas dos serviços de 
extensão rural naquele momento. 
Neste sentido, como argumenta Figueiredo (1984), a ideologia extensionista era 
alimentada por uma série de concepções que a distanciavam do cotidiano e das necessi-
dades e carências dos agricultores que sofreram as consequências prejudiciais do pro-
cesso de modernização ou que sequer foram atingidos por ele. Esta dissociação entre a 
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ideologia extensionista e a realidade dos agricultores era decorrência da própria com-
preensão vigente a respeito do papel do conhecimento científico, da ciência e tecnologia 
e seus produtos nos processos de promoção do desenvolvimento, vistos como instru-
mentos essencialmente positivos para a sociedade e ideologicamente neutros, o que es-
camoteava a questão de que a produção de conhecimentos e tecnologias não acontece 
em vazios sociais ou ideológicos, desprovidos de intenções políticas (Gomes e Rosens-
tein, 2000). 
Esta compreensão sustentava a crença que a superação do assim-chamado atraso 
e da pobreza no campo poderia ser alcançada com a mera difusão de novos conhecimen-
tos, habilidades e tecnologias, repassados pelos extensionistas, apesar da desconsidera-
ção das reais condições de vida, do conhecimento empírico acumulado e das necessida-
des dos agricultores tradicionais. Neste caso, a adoção de novas tecnologias era compre-
endida como um processo decisório racional e individualizado, no qual a inovação tec-
nológica assumia ares de única possibilidade ou única solução disponível para resolver 
o problema do “não desenvolvimento” da agricultura tradicional. 
Para agravar esta idealização do processo de intervenção social conduzido pelos 
extensionistas havia o predomínio de uma concepção sobre o Estado e sobre os proces-
sos políticos que descartava a explicitação da ocorrência de conflitos entre os distintos 
interesses e projetos políticos que marcavam e eram constituintes das diferentes classes 
e os grupos sociais que configuravam nossa sociedade. Nesta visão, como argumenta 
Figueiredo (1984, p. 23), “o Estado seria descomprometido com interesses classistas, 
sendo o guardião do bem comum”. Conceber o Estado acima dos jogos e disputas polí-
ticas legitimava uma ação extensionista pretensamente neutra e direcionada ao bem co-
mum, na qual o técnico extensionista não estava envolvido ou comprometido com inte-
resses ou reivindicações de grupos ou classes sociais específicos, mas tão somente com 
a execução das políticas governamentais. A ação extensionista, “serva do Estado”, situ-
ava-se à margem das realidades e das demandas dos agricultores tradicionais em uma 
conjuntura política que legitimava tal comportamento (Pinto, 1991). 
 
O “saber-fazer” extensionista encontrou seu sentido no processo de modernização 
Para concluir, podemos afirmar que este momento ou fase da configuração do 
serviço público de extensão rural em nosso país pode ser definido como aquele em a 
extensão rural torna-se de fato uma instituição, ou seja, é parte constituinte de um con-
junto de concepções, normas, papéis sociais e profissionais que se afirmam em um “sa-
ber-fazer”6: ser extensionista naquele momento era estar comprometido com um projeto 
político de modernização, de caráter etnocêntrico e viés difusionista. Este projeto ex-
pressava as relações de poder que predominavam na sociedade brasileira naquele mo-
mento. Fazia sentido pertencer a uma corporação de servidores públicos imbuída em um 
projeto governamental de mudança social com este conteúdo, visto que era construído, 
ideologicamente, como um desejo da sociedade. Ainda mais quando consideramos que 
este projeto era executado sob um regime político autoritário, onde o debate e o conflito 
não eram constituintes da construção de alternativas para ação. 
 
6 “Saber” aqui adquire o significado que lhe é conferido por Foucault (1996), como o processo por meio 
do qual o sujeito do conhecimento modifica-se durante o fazer da atividade que empreende para conhecer. 
Há, portanto, um componente reflexivo – e por vezes crítico – que conduz à construção dos sentidos da 
ação extensionista ao longo do tempo e da variação dos espaços em que se realiza. 
11 
 
Como afirma Scott (2010, p. 115), “as instituições fornecem às pessoas defini-
ções de eventos que lhes permite identificar os papéis que podem adotar nas situações 
particulares com que se defrontam.” Entende-se, portanto, que instituições afetam com-
portamentos, ou seja, os atores e agentes sociais interagem a partir de certa influência 
daquilo que estabelecido como desejável. Assim, naquele momento de sua trajetória 
histórica entendo que a extensão rural brasileira passou a integrar um sistema coerente 
de orientações ideológicas que configuraram um tipo de serviço público direcionado a 
um tipo específico de agricultor e voltado a um fim explícito (modernizar o rural pouco 
integrado à dinâmica capitalista). Este sistema, por meio das diretrizes governamentais, 
buscou legitimar e tornar coerente com sua missão institucional um perfil profissional 
(o do extensionista) de um agente “técnico”, imbuído em uma racionalidade instrumen-
tal sobre os processos de promoção do desenvolvimento. Este perfil profissional foi 
adotado de norte a sul na formação de estudantes de ciências agrárias: um agente mol-
dado para o controle e para a intervenção instrumental sobre a natureza e a sociedade 
(Dias, 2006 e 2008). 
Entendo que a trajetória histórica da extensão rural em nosso país torna compre-
ensível o surgimento e a afirmação de um ethos da ação extensionista que perdura até 
hoje, possuindo enorme capacidade de orientar práticas e afirmar uma concepção bas-
tante difundidasobre a extensão rural (Dias, 2007). Este “saber-fazer” da extensão rural 
nunca deixou de estar vinculado à tarefa de transmitir conhecimentos e informações e 
difundir inovações tecnológicas, embora o significado desta missão tenha variado ao 
longo de sua trajetória. Hoje parece que não se justificam mais os pressupostos e princí-
pios da concepção difusionista que prevaleceu naquele momento. No entanto, sua capa-
cidade de influenciar a ação extensionista permanece, a meu ver, bastante presente. 
 
12 
 
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