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TUTORIA 2 – MANEJO DO AVC ISQUÊMICO ORGANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO INTEGRADO AO PACIENTE COM ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL Segundo as recomendações da American Stroke Association’s Task Force on the Development of Stroke Sistems, um sistema integrado e organizado para o atendimento do AVC deve consistir em: 1. Programa de prevenção primária. 2. Educação da comunidade sobre fatores de risco, sinais e sintomas e conduta frente a eles. 3. Notificação com resposta de emergência do serviço de ambulância (resgate). 4. Tratamento da fase aguda por meio de protocolos preestabelecidos na literatura, tanto no departamento de emergência e como nas unidades de AVC (U-AVC). 5. Tratamento da fase subaguda em U-AVC, com enfoque na definição etiológica, prevenção secundária e reabilitação. 6. Acompanhamento ambulatorial e reabilitação. PRÉ-HOSPITALAR A filosofia de que time is brain (tempo é cérebro) é atualmente considerada tão importante quando a golden hour (hora de ouro) para o trauma ou a desfibrilação em locais públicos paraas vítimas de parada cardiorrespiratória. Para que o atendimento ao AVC seja factível deve-se criar uma cadeia de sobrevivência com participação direta dos serviços de emergência pré-hospitatares, que inclui: 1. Detecção: rápida detecção dos sinais e sintomas realizada pela equipe da ambulância, bem como testemunhas do evento, existindo, assim, a necessidade de educação da população, tomando como exemplo a experiência com o infarto agudo do miocárdio. 2. Reação: a população (testemunha) deve estar ciente da importância do serviço de emergência pré- hospitalar a ser acionado na suspeita de AVC, ou seja, reconhecer o AVC como uma emergência. 3. Resposta: o serviço de emergência pré-hospitalar deve dar preferência ao atendimento, e a equipe da ambulância deve estar preparada para reconhecer e manejar vítimas de AVC por meio de protocolos preestabelecidos, dando máxima agilidade no atendimento se o icto foi há menos de 6 horas. 4. Encaminhamento: estes pacientes devem ser triados para hospitais preestabelecidos, com condições de atendimento de emergência, com acesso a neurologista, tomografia computadorizada (TC) de crânio, terapias de reperfusão etc. Uma das principais barreiras ao atendimento pré- hospitalar é a falta de conhecimento por parte da comunidade dos sinais e sintomas do AVC e da necessidade do atendimento médico de emergência, como já ocorre com a doença coronariana. O transporte dos pacientes com AVC pelo serviço de ambulância no lugar de veículo privado está associado a maior rapidez no acesso ao departamento de emergência hospitalar, menor tempo para o paciente ser submetido a TC de crânio e ser avaliado por médicos especialistas em AVC. Os paramédicos são capazes de suspeitar de AVC pela história, mas não são familiarizados com o exame neurológico. Assim foram criadas escalas pré- hospitalares para avaliação de AVC, que são uma simplificação da National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS). A primeira foi a Cincinnati Prehospital Stroke Scale (CPPS), que avalia três itens: assimetria facial, força nos braços e linguagem. Qualquer anormalidade nestes itens leva à suspeita de AVC. Outra escala utilizada é a Los Angeles Prehospital Stroke Screen, que avalia assimetria facial, força nos braços e aperto da mão. Outras escalas utilizadas tanto para treinamento da equipe da ambulância como da população são a Face Arm Speech Test (FAST) e a Melbourne Ambulance Stroke Screen (MASS), com sensibilidade excedendo 90%. É importante o conhecimento, pela equipe da ambulância e pelo departamento de emergência, da possibilidade de flutuação dos sintomas e que uma recuperação parcial ou total dos déficits pode ocorrer. Assim, pacientes com AIT devem ser avaliados e receber atendimento emergencial e especializado. Segundo as diretrizes da European Stroke Organization (ESO), recomendam-se como classe II, nível B o contato imediato com serviço de emergência pré-hospitalar e prioridade no transporte com contato com o hospital de destino, e classe III nível B para que a vítima seja transportada para o hospital mais próximo com atendimento ao AVC emergencial. Vale ressaltar que no Brasil, nos últimos anos foi incentivada a criação em diversos municípios das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), com o objetivo de desafogar os atendimentos emergenciais até então restritos aos hospitais. Estas unidades têm cumprido o seu papel, mas para o atendimento emergencial ao AVC passou a ser uma barreira, dificultando a chegada do paciente de forma direta ao serviço de referência para o atendimento da patologia, objetivando as terapias de reperfusão. As medidas de saúde pública devem ser aplicadas coordenadamente para não haver prejuízo para nenhuma linha do cuidado. As UPAs, sem dúvida, limitam o acesso ao tratamento adequado. Deve-se reforçar a importância da educação da população sobre fatores de risco, sinais e sintomas do AVC e necessidade de utilização dos serviços de emergência de transporte pré-hospitalar de cada região. HOSPITALAR Segundo as diretrizes da European Stroke Initiative (EUSI), os objetivos do manejo do AVC na fase aguda são: minimizar a extensão do tecido cerebral com lesão irreversível, reduzir a incapacidade e prevenir a recorrência. Para que estes objetivos sejam atingidos devemos: 1. Manejar fatores que têm influência no prognóstico funcional, como níveis pressóricos, temperatura corporal e níveis glicêmicos, o que chamamos de neuroproteção. 2. Realizar procedimentos diagnósticos para a confirmação e a classificação etiológica do AVC. 3. Tratamento específico de acordo com a patogenia, como, por exemplo: se oclusão, pensar em terapia trombolítica. 4. Prevenir e tratar as complicações da imobilidade, como: broncoaspiração, infecções, úlceras de pressão, trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar, entre outras. 5. Abordagem interdisciplinar, incluindo protocolos, times e U-AVC. 6. Instituir a prevenção secundária para reduzir a recorrência. 7. Reabilitação precoce. Acima de 25% dos pacientes com AVC apresentam deterioração neurológica significativa nas primeiras 72 horas após a admissão hospitalar, sendo a maioria nas primeiras 24 horas, e muito desta progressão está associada à instabilidade fisiológica. Elemento fundamental no tratamento do AVC agudo é a prevenção de complicações secundárias. Prevenção efetiva e manejo de aspiração, insuficiência respiratória, convulsões, arritmia cardíaca e níveis pressóricos resultam em redução da morbimortalidade. Assim, o cuidado básico com estes pacientes incluiria monitoração contínua, detecção precoce da progressão do AVC, utilizando, por exemplo, a aplicação da NIHSS e tomando medidas para preservar a oxigenação e a perfusão cerebral. Os tipos de serviço de atendimento de AVC oferecidos tradicionalmente pelos hospitais variam de um lugar para outro, refletindo características e experiências locais. Porém as evidências revelam que estes serviços devem compor-se de U-AVC, que consiste em uma forma coordenada interdisciplinar, especializada no atendimento aos pacientes vitimados por doença cerebrovascular. Entre as recomendações do EUSI está que pacientes com AVC devem ser atendidos em U-AVC. Vítimas suspeitas devem ser encaminhadas em caráter de emergência para o serviço mais próximo com condições para o atendimento da patologia e, depois, ser transferidas para U-AVC. Porque a U-AVC é aplicável para todos pacientes, o impacto no prognóstico é consideravelmente maior do que as terapias de reperfusão, devendo ser esta a intervenção priorizada. Entre os modelos de unidades de AVC existentes temos: 1. U-AVC aguda: geralmente associada a serviços neurointervencionistas. Admite na fase aguda, com internação média de 5 dias, possibilitando o controle mais rigoroso das variáveis fisiológicas e mobilização precoce.2. U-AVC (integral): provavelmente o modelo de maior sucesso já implantado, admite na fase aguda, possuindo também um enfoque reabilitador, com internação média de 14 dias. É o modelo adotado pela Noruega e Suécia e incluído na revisão sistemática que mostrou benefício das unidades de AVC (Stroke Unit Trialists’ Collaboration). Este atendimento enfoca a fase aguda associada à reabilitação e promove continuidade no cuidado. 3. Unidade de AVC reabilitadora: também chamada de unidade de reabilitação, admite após a fase aguda, com internação prolongada por semanas a meses. Equipes volantes de AVC (stroke teams) constituem uma opção em hospitais sem possibilidade de dispor de uma área restrita para o tratamento do AVC, pois melhoram o processo do cuidado, mas não têm um impacto importante no prognóstico como as U-AVCs. Provavelmente o grande benefício de uma unidade com área restrita ao atendimento seja a equipe de enfermagem treinada, focada no atendimento à patologia e envolvida com o processo da reabilitação. Por que o atendimento em U-AVC é melhor? A resposta deve-se a um melhor controle dos níveis pressóricos, glicêmicos e da temperatura corpórea; reabilitação precoce; melhora da acurácia diagnóstica; padronização do atendimento e equipe interdisciplinar especializada. Todos os pacientes com AVC devem ser atendidos na U-AVC, independentemente de idade, sexo ou estado funcional, inclusive aqueles com ataque isquêmico transitório, o que constitui recomendação classe I, nível A, pela ESO. Entre os objetivos está o uso coordenado de procedimentos médicos, de reabilitação, educacionais e sociais para levar o indivíduo ao melhor nível funcional possível. Tratamento médico deve ser eficaz na fase aguda, que requer um diagnóstico preciso e cuidados ótimos para reduzir a reincidência (prevenção secundária) e complicações clínicas inerentes à lesão neurológica e da imobilidade. A composição básica, para dez leitos, deve incluir: neurologista especializado em AVC como coordenador, neurologista ou médico com especialização em AVC (1), enfermeiros (7 a 12), fisioterapeutas (2), terapeuta ocupacional (1), fonoaudiólogo (1 com enfoque em disfagia), assistente social (1/2), psicólogo (1/2), nutricionista (1/4). Outros profissionais que têm papel importante, podendo atuar em interconsulta: internista, cardiologista, cirurgião vascular, neurorradiologista e neurocirurgião. Entre os métodos diagnósticos, o requerimento mínimo, disponível 24 horas por dia, inclui TC, radiografia de tórax, eletrocardiograma (ECG), exames de laboratório (hemograma com plaquetas, tempo de ativação da protrombina, eletrólitos, glicemia, gasometria, função renal e hepática), Doppler de carótidas e vertebrais, Doppler transcraniano e ecocardiograma transtorácico. Sugere-se, acesso a ecocardiograma transesofágico, ressonância magnética (RM), angiorressonância, angio TC e angiografia digital. Os pacientes devem ser precocemente encaminhados para a unidade de AVC, permanecendo ali pelo tempo necessário até readquirir condições adequadas para retorno ao domicílio. Na nossa experiência um dos critérios para alta pode ser a definição de via de alimentação, se via oral, mesmo que adaptação na consistência da dieta, ou via gastrostomia endoscópica. TRATAMENTO DA FASE AGUDA DO ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ISQUÊMICO O sucesso da reperfusão da área isquêmica dependerá de uma indicação precisa, levando em conta várias características, como o tempo de início dos sintomas, chances de recanalização, presença de tecido viável, grau de circulação colateral, características clínicas do paciente, extensão do trombo, local da oclusão e certamente capacidade de cuidados especializados do time de AVC e da unidade de AVC que devem ser idealmente os guardiões destas difíceis situações clínicas na vida destes pacientes. O tratamento agudo do AVC inclui manejo adequado dos parâmetros fisiológicos em unidades de AVC, rápido reconhecimento da etiologia do AVC, instituição precoce de tratamento antitrombótico para prevenção secundária, manejo do edema cerebral e complicações cardíacas como arritmias, insuficiência cardíaca, tromboembolismo venoso e infecções. O manejo adequado destes pacientes passa por uma série de conhecimentos específicos da doença vascular cerebral, criando a necessidade de equipes com conhecimento avançado, experiência e vontade de atender casos graves, desafiadores e complexos. A formação de equipes de AVC é fundamental para o atendimento ideal a estes pacientes. Estas equipes organizadas e bem lideradas aumentam a elegibilidade de pacientes agudos para terapia trombolítica, melhoram o manejo dos parâmetros fisiológicos durante a internação, reduzem o tempo de permanência e são as responsáveis pela aplicação de medidas clínicas que levam a altos índices de satisfação dos pacientes e bons indicadores de qualidade assistencial. FISIOPATOLOGIA DO ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ISQUÊMICO (AVCI) A oclusão vascular é o evento central na maioria dos casos de AVCI agudo. A extensão da lesão isquêmica final é proporcional à duração e à gravidade da redução do fluxo. Logo após os primeiros minutos da redução crítica da circulação cerebral começa a formar-se uma lesão focal permanente (núcleo central de tecido enfartado), geralmente com fluxo inferior a 25% do normal. Ao redor desta área focal, outra região de tecido cerebral ainda viável vai formando- se, chamada de área de penumbra isquêmica. Concomitante à redução do fluxo sanguíneo para a área isquêmica há perda do mecanismo de autorregulação cerebral, tornando a pressão de perfusão cerebral dependente da pressão arterial (PA). Deste modo, é fundamental manter a normovolemia e níveis tensionais adequados. Pacientes com obstruções vasculares proximais e em vasos perfurantes são extremamente dependentes dos níveis de pressão arterial média (PAM), sofrendo extensão do dano isquêmico por falha de bomba cardíaca ou hipotensão de outra natureza. A viabilidade do tecido cerebral em sofrimento é variável e pode durar, em média, de 6 a 8 horas. A rápida restauração do fluxo sanguíneo pode limitar a lesão isquêmica e diminuir o grau de sequelas, sendo este o alvo da intervenção trombolítica e endovascular no AVCI. O processo de trombose arterial envolve injúria arterial, adesão e agregação plaquetária e geração de trombina. A trombina é o principal fator na formação do coágulo, agindo como uma ligação entre a ativação plaquetária e a coagulação, clivando o fibrinogênio e oferecendo fibrina à matriz do trombo. Além disso ligações de interfibrina formam um emaranhado denso dependente da ação do fator XIII para a estabilização do trombo. Quanto mais tempo se passa, mais organizado ficará o trombo, mais difícil será a penetração do do rtpa nas redes de fibrina e pior o resultado da trombólise. Para a dissolução do trombo, a formação de plasmina é fundamental. O sistema fibrinolítico endógeno é composto de plasminogênio, ativadores do plasminogênio e inibidores da fibrinólise. A plasmina produzida por meio da ativação do plasminogênio degrada a fibrina e o fibrinogênio. O rtPA é um fator ativador recombinante do plasminogênio tecidual com especificidade relativa à fibrina e que tem por objetivo favorecer a fibrinólise fisiológica. O rtPA transforma o plasminogênio em plasmina, que será o principal elemento na dissolução das redes de fibrina. Quanto mais rapidamente se tenta interromper esse processo com o uso do fibrinolítico rtPA maiores serão as chances de sucesso, pois menos organizado estará o trombo, mais expostas estarão as redes de fibrina e melhor será o fluxo sanguíneo anterógrado residual que ajuda na perfusão local mantendo as áreas de penumbra isquêmica viáveis. A extensão do trombo na artéria cerebral média (ACM) por TC sem contraste mostra-se preditor forte de não recanalização com rtPA, sendo trombos > 8 mm difíceisde serem dissolvidos pelo trombolítico. Alguns autores sugerem que a distância entre a origem da ACM e o trombo pode ser mais importante que sua extensão em si. Outro dado importante diz respeito a presença de fluxo anterógrado residual oculto que é fortemente associado ao sucesso da trombólise mesmo em pacientes com trombos aparentemente extensos. A análise do fluxo anterógrado residual pode ser feito por TC e RMN com sequências de perfusão, mas ainda são pouco utilizadas na prática clínica. Ainda é incerto se dados a respeito do trombo podem ajudar nas decisões clínicas, sendo muito provável que no momento que tivermos dados de imagem a respeito da composição do trombo e não somente de sua extensão, podem haver mais implicações terapêuticas. MANEJO EMERGENCIAL DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICO O paciente deve ser examinado prontamente por médicos da unidade de emergência treinados pelo advanced cardiac life support (ACLS), no exame neurológico e na escala do National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS). O dado mais importante da história clínica nesta fase é o horário do início dos sintomas. Idealmente o neurologista deve estar presente o mais rápido possível para atuar no processo de decisão terapêutica e seguimento do paciente desde a emergência. Inicialmente deve-se proceder ao ABC do ACLS, examinar o paciente e aplicar a escala do NIHSS, coletar exames de laboratório (hemograma, tempo de protrombina [TP], tempo de tromboplastina parcial [TTP], plaquetas, velocidade de hemossedimentação [VHS], pesquisa laboratorial de doenças venéreas [VDRL], sódio, potássio, creatinina, enzimas cardíacas), realizar eletrocardiograma (ECG), hemoglicoteste e encaminhar a exame de neuroimagem. Deve-se precocemente estabelecer a hipótese do subtipo do AVC com os dados clínicos disponíveis como estabelecido no capítulo sobre classificação do AVC isquêmico. Várias condições podem mimetizar um AVC. As mais comuns são crises epilépticas não presenciadas ou reconhecidas, estados confusionais agudos de múltiplas etiologias possíveis, síncopes, distúrbios tóxicos ou metabólicos (principalmente hipoglicemia), tumores cerebrais e hematoma subdural. Mais raramente surto de esclerose múltipla e auras com enxaquecas mais prolongadas podem entrar no diagnóstico diferencial. Geralmente estas hipóteses diagnósticas podem ser rapidamente afastadas com dados clínicos e com auxílio rápido da neuroimagem. Dados importantes da história são horário do início dos sintomas, eventos vasculares recentes como AVC prévio e infarto agudo do miocárdio (IAM), traumatismo, cirurgias, sangramentos, comorbidades, hipertensão, diabetes, uso de anticoagulantes, insulina e anti-hipertensivos. Os leitos destinados a pacientes com AVC devem ser equipados no mínimo com monitores não invasivos de PA, monitoração cardíaca contínua e, quando disponível, EEG contínuo. Os pacientes devem receber avaliação de fonoterapia e fisioterapia dentro das primeiras 24 horas, reduzindo as chances de complicações. A liberação e a via de início da dieta e dos medicamentos devem ficar ao encargo do neurologista que, com simples testes para disfagia e avaliando estado mental, pode com segurança liberar ou não a via oral do paciente. FUNDAMENTOS DO TRATAMENTO DA FASE AGUDA DO AVC Os médicos devem ter como objetivo a recanalização arterial e a reperfusão do tecido isquêmico cerebral, a otimização da circulação colateral utilizando um ótimo manejo de medidas hemodinâmicas, glicêmicas e temperatura corporal, evitando assim danos neurológicos secundários, progressão da área isquêmica e maior incapacitação funcional dos pacientes. Exames de neuroimagem podem visualizar o tecido em risco e o tecido já infartado, selecionando candidatos à recuperação e evitando futilidade e riscos maiores com o tratamento. Exames de neuroimagem podem visualizar o tecido em risco e o tecido já infartado, selecionando candidatos à recuperação e evitando futilidade e riscos maiores com o tratamento como comentaremos adiante em neuroimagem do AVC agudo. O fluxo colateral é o responsável por manter o tecido isquêmico viável até a reperfusão por minutos a horas, prevenindo isquemia crítica e infarto. Estes vasos colaterais não são suficientes para a manutenção da função celular. Isto explica as alterações neurológicas agudas dos pacientes e a recuperação após adequada reperfusão tecidual. O adequado fluxo colateral é mantido se evitarmos quedas da pressão arterial, mantendo-se a normovolemia com a administração de soluções salinas fisiológicas. Em casos selecionados, em especial pacientes com estenoses ou oclusões extracranianas, podem-se aumentar os níveis tensionais, elevando assim o fluxo colateral e reduzindo o risco de infarto. Estas medidas não têm evidências científicas robustas. O uso da cabeceira baixa para aumentar fluxo cerebral por colaterais não resulta em melhores desfechos clínicos segundo dados do estudo “HeadPoST” que comparou cabeceira reta com cabeceira em 30°. Deste modo recomendamos que se evite a posição em 0° pelo risco de aspiração, especialmente em pacientes com diminuição do nível de consciência e/ou disfagia. Medidas de controle hemodinâmico, controle glicêmico e da temperatura são as únicas medidas neuroprotetoras, visto que numerosas drogas falharam nos estudos clínicos nesta missão até o momento. A hipoglicemia aumenta a perda energética e deve ser rapidamente corrigida. Sabe-se que a hiperglicemia piora o dano isquêmico e o prognóstico dos pacientes mas ainda não há evidências suficientes de que sua correção melhore os desfechos. Ainda assim devemos corrigi-la. O conhecimento através de neuroimagem da presença e da graduação das artérias colaterais tem profundo impacto no prognóstico dos pacientes. A presença de colaterais aumenta as chances de recanalizacão e reperfusão e sua presença reduz o volume de infarto final, diminui o risco de transformação hemorrágica e está associada a melhores desfechos clínicos. Um escore de 0-4 gradua a presença maior ou menor do fluxo por colaterais leptomeníngeos e pode ser acessado de forma não invasiva por angio-TC e durante procedimento endovascular. O fluxo colateral 3-4 está associado a muito melhor prognóstico no AVC agudo comparado com os graus 0-1-2. Esta avaliação é realizada somente em casos de oclusão proximal carotídea ou da artéria cerebral média. Cada paciente tem uma janela terapêutica individual e a velocidade na qual se estabelece o infarto cerebral definitivo é variável em cada caso. Os infartos extensos estabelecem-se com 1 hora de evolução e em alguns casos há áreas isquêmicas ainda viáveis em janelas até maiores que 6 horas em pacientes com excelentes condições hemodinâmicas e fluxo ótimo por colaterais. O uso da neuroimagem multimodal auxilia na identificação da viabilidade do tecido cerebral para as terapêuticas de reperfusão tecidual. TRATAMENTO GERAL (PARÂMETROS FISIOLÓGICOS) Pressão arterial (PA): Em pacientes que serão selecionados para uso do trombolítico, a pressão arterial deve ser mantida < 185 × 110 mmHg. Esses níveis pressóricos devem ser alcançados antes do início do tratamento trombolítico. No paciente com AVCI não candidato a tratamento trombolítico, não se deve reduzir a PA na fase aguda, exceto quando os níveis pressóricos forem extremamente elevados (PAS > 220 mmHg ou PA diastólica (PAD) > 120 mmHg). Nestes casos, a redução não deve exceder 20% dos valores pressóricos iniciais nas primeiras 24 horas. Outras indicações de redução da PA são as emergências hipertensivas, como insuficiência cardíaca, dissecção aórtica, IAM e insuficiência renal aguda. A PA deve ser mantida acima de uma pressão arterial média de 90 mmHg. Isso deve ser feito mediante a administração de fluidos isotônicos, como soro fisiológico, e, quando necessário, expansores de volume e drogas vasoativas. Algumas drogas são utilizadas para essefim, como a noradrenalina, a dopamina e a fenilefrina. Pela ausência de efeito inotrópico e cronotrópico (ação b-adrenérgica), reduzindo o risco de repercussões cardíacas, a fenilefrina pode ser uma opção preferível para pacientes cardiopatas. Hipertermia: Redução imediata a partir de 37,5 °C, utilizando-se preferencialmente acetaminofeno 1 g por via oral (VO) e medidas gerais. Sempre pesquisar e tratar a etiologia. Infartos extensos de artéria cerebral média costumam cursar com hipertermia nas primeiras 24-48 horas, estando indicado o uso de medidas fixas para a redução da temperatura. Hipóxia: Oxigenoterapia por cateter ou óculos nasais devem ser utilizados somente se houver evidências clínicas, gasométricas e/ou oximétricas de hipóxia (saturação de O2 < 95%). Considerar intubação endotraqueal para casos refratários, diminuição do sensório (Glasgow < 8) e/ou necessidade de proteção de via aérea por disfagia severa. Hiperglicemia: Utilizar insulina subcutânea para correção de hiperglicemia, tendo como objetivo manter a glicemia entre 80 e 140 mg/dL. NEUROIMAGEM DO AVC AGUDO Na eleição do paciente para terapêuticas de reperfusão cerebral, as técnicas de imagem precisam diferenciar áreas já infartadas = core de áreas em sofrimento e ainda viáveis, chamadas de área de penumbra isquêmica, além de mostrar o vaso ocluído e a presença de colaterais. A TC simples e a angio-TC são os exames de eleição na atualidade na maioria dos centros e em especial os que podem realizar tratamentos endovasculares. Os sinais precoces de isquemia = core na TC surgem em 53%-92% dos pacientes nas primeiras 6 horas e podem ser vistos como hipodensidades, apagamento de sulcos corticais e indefinição da transição corticossubcortical e são consequências do edema citotóxico tecidual. Podem ser quantificados pelo escore de ASPECTS que tem importância prognóstica para trombólise e em especial para terapêuticas endovasculares, sendo limitado à circulação anterior. O escore de ASPECTS vai de 0-10, pontuando hipodensidades a nível dos gânglios da base e corticais. Foto A mostra os sete pontos em nível ganglionar e córtex adjacente, foto B mostra os três pontos restantes em nível supraganglionar cortical. A presença de hipodensidade nestas regiões tem valor prognóstico e vêm sendo utilizadas em todos os ensaios clínicos atuais. Escore acima de 6 tem melhor prognóstico sendo que pacientes com escores 4 ou abaixo têm mau prognóstico e maior risco de transformações hemorrágicas. Também se utiliza a regra de 1/3 de hipodensidade do território da ACM como medida limite, acima da qual existe risco alto de hemorragia cerebral e chances pobres de recuperação funcional. A angio-TC revela a topografia da oclusão e o grau de circulação colateral que se relacionam com o prognóstico e utilizadas em todos ensaios clínicos que aprovaram o tratamento endovascular no AVCI. Quanto à presença de colaterais, um escore de 0 a 4 com base no grau de circulação colateral intracraniana leptomeníngea foi proposto e validado, podendo ser muito útil como ferramenta nas tomadas de decisão em casos bem específicos. As imagens arteriais extracranianas podem ajudar a revelar a fisiopatogenia do evento na fase aguda, revelando estenoses e dissecções carotídeas e ou vertebrais e placas complexas ou até mesmo dissecções aórticas no momento do evento. A análise dos estudos de perfusão por tomografia computadorizada (TC) podem ajudar pela análise do MTT (alterações perfusionais reversíveis) e do CBV (fluxo sanguíneo cerebral) que se correlaciona bem com áreas de hipodensidades futuras na TC e com alterações na difusão por ressonância magnética, aproximando-se muito do core real do tecido isquêmico. A sua utilização como critério de inclusão para terapia endovascular ainda necessita maiores evidências, mas auxilia na predição de desfecho primário. A ressonância magnética (RM) do encéfalo tem maior sensibilidade na fase aguda através de técnicas por difusão (DWI), podendo ser utilizada em caso de dúvidas diagnósticas nas horas ultraprecoces dos sintomas. Esta técnica tem maior sensibilidade no diagnóstico do mecanismo e da topografia exata do AVC, em especial áreas de infarto de zonas limítrofes circulatórias e pequenas lacunas da circulação posterior. Além disso a sequência FLAIR é importante na detecção de áreas de infarto com mais de 6 horas de evolução ajudando excluir pacientes sem janela definida mesmo na presença de mismatch. Na sequência FLAIR, uma intensidade de sinal > 1,15 na área de infarto em hiperintensidades sutis indicam presença de infarto irreversível e riscos com terapia trombolítica. TRATAMENTO TROMBOLÍTICO EV Após a publicação do estudo National Institutes of Neurological Disorders and Stroke – rtPA Stroke Study Group (NINDS) no New England Journal of Medicine, em 1995, a terapia de reperfusão com trombólise endovenosa modificou definitivamente a abordagem do AVCI agudo. Neste estudo randomizado, duplo- cego e controlado por placebo, 624 pacientes com diagnóstico de AVCI agudo com menos de 3 horas do início dos sintomas foram tratados com rtPA 0,9 mg/kg EV (máximo de 90 mg) ou placebo. O grupo que recebeu o fibrinolítico teve 30% mais de pacientes sem sequelas num seguimento de 3 meses, e este benefício foi mantido após 1 ano. Houve maior taxa de hemorragia intracerebral sintomática no grupo tratado (6,4% × 0,6%; p < 0,001), porém sem incremento na mortalidade (17% no grupo do rtPA × 21% no placebo). O benefício foi demonstrado em todos os subtipos de AVC e não foi afetado por fatores como sexo ou idade. Dois outros grandes ensaios clínicos analisaram o uso de rtPA EV no AVCI: European Cooperative Acute Stroke Study I e II (ECASS) e Alteplase Thrombolysis for Acute Nonintervencional Therapy in Ischemic Stroke (ATLANTIS), e em nenhum deles o rtPA foi mais efetivo que o placebo em melhorar a evolução neurológica, porém análises posteriores demonstraram que a combinação de morte e dependência física foi menor no grupo tratado com rtPA. ORIENTAÇÕES E ROTEIRO SUGERIDO PARA TROMBÓLISE ENDOVENOSA A informação da população sobre este tratamento e o reconhecimento precoce dos sintomas, bem como o treinamento das equipes pré hospitalares e dos emergencistas, são fundamentais para que se tenha o menor tempo possível até o tratamento. Protocolos específicos na emergência e o entendimento do setor de radiologia e laboratório sobre a importância de se dar prioridade a estes pacientes também são essenciais. A sequência dos eventos para a terapia trombolítica endovenosa é variável, mas segue um padrão de implementação. • Monitorar o paciente • História com a família e paciente (se possível) • Exame físico (escalas: coma de Glasgow, NIHSS e escala de Rankin modificada (mRS) • Obtenção do consentimento oral ou escrito • Instalar dois acessos venosos em veias do antebraço • Não puncionar acesso central • Determinar se existe tempo suficiente para que se inicie rtPA • Retirar sangue para exames enquanto se encaminha a TC de crânio • Realizar TC de crânio e angiotomografia dos vasos intra e extracranianos e estudo da perfusão cerebral se DISPONÍVEIS. • Determinar se a TC evidencia hemorragia ou sinais precoces de infarto cerebral que ocupem um terço ou mais do território vascular, calcular escore ASPECTS. • Na presença de cefaleia ou nucalgia intensa, ou sonolência e/ou estupor, certificar-se de que não existe hemorragia subaracnóidea • Se existe uma significativa área hipodensa na TC sugestiva de infarto, reconsiderar a história do paciente e avaliar se os sintomas não se iniciaram antes • Revisar o exame de TP em pacientes usando anticoagulantes orais ou sem possibilidade de obter histórico do uso atual • Revisar os critérios de seleção • Infundir rtPA, na dose de 0,9 mg/kg, 10% em bolus em 1 minuto EV, restante em 60 minutos em até 4,5 horasdo início dos sintomas recomendando-se que seja infundido tão precoce quanto possível • Não exceder a dose máxima de 90 mg • Não dar antiplaquetários e anticoagulantes por 24 horas • Monitorar o paciente cuidadosamente, especialmente a pressão arterial • Monitorar o estado neurológico (nível de consciência e déficit motor durante a infusão) a cada 30 minutos nas primeiras 6 horas e de hora em hora nas primeiras 36 horas O controle da glicemia e da pressão arterial é essencial durante o processo de trombólise e deve ser otimizado antes e após o tratamento. Recomenda-se que pacientes em fase aguda (primeiras 48-72 horas) sejam manejados em unidades específicas equipadas com monitoração contínua da PA, saturação de oxigênio e ECG e assistidos por equipe multidisciplinar treinada e especializada na doença cerebrovascular. Esta equipe deve ser liderada por um neurologista, seguindo protocolos clínicos específicos. Estas unidades devem estar localizadas em hospitais com TC disponível 24 horas por dia, equipe neurocirúrgica e banco de sangue. Esta medida reduz mortalidade, grau de incapacidade neurológica e tempo de permanência no hospital. Protocolo de manejo da pressão arterial durante e após infusão do trombolítico • Monitorar a pressão nas primeiras 24 horas após o início do tratamento • Se a pressão arterial estiver acima de 180 × 105 mmHg, iniciar infusão endovenosa de nitroprussiato de sódio (0,5 a 10 mg/kg/min) e manter os níveis os mais próximos possíveis destas cifras. Observar hipotensão • Se houver qualquer suspeita de hemorragia intracraniana, deve-se suspender o rtPA e encaminhar para TC de crânio com urgência Quando fazer trombólise endovenosa • Diagnóstico clínico de AVCI por médico com experiência em AVC, de preferência o neurologista • Hemoglucoteste > 50 mg/dL • Em pacientes acima de 18 anos • TC de crânio sem evidência de hemorragia cerebral e/ou hipodensidade > 1/3 território da artéria cerebral média, sem evidência de tumor, abscesso cerebral ou hematoma subdural mimetizando AVC • Pressão arterial < 185/110 mmHg • Até 4,5 horas do início dos sintomas Quando não fazer trombólise endovenosa • Pacientes sem tempo definido de início dos sintomas • Pressão arterial > 185 × 110 mmHg apesar dos esforços para reduzi-la • História de hemorragia cerebral, malformações e fístulas arteriovenosas, cavernomas ou aneurisma cerebral > 10 mm • Neoplasia intracraniana intra-axial • Plaquetas < 100.000 • Uso de heparina com TTP anormal ou uso de heparina de baixo peso molecular em doses profiláticas e terapêuticas plenas • Uso de NOACS últimas 48 horas • INR > 1,7 • Infarto agudo do miocárdio recente grave de parede anterior em especial com aneurisma de ventrículo esquerdo • Pericardite ou endocardite • Cirurgia maior nos últimos 14 dias • Sangramento interno ativo • Pancreatite • Neoplasia com risco aumentado de sangramento • Hepatite aguda • Doença hepática severa • Punção arterial em sítio não compressível nos últimos 7 dias • Massagem cardíaca traumática nos últimos 10 dias • Tratamento agressivo para hipertensão • AVC ou traumatismo craniencefálico graves nos últimos 3 meses • Melhora rápida e completa dos sintomas antes da trombólise • Déficits neurológicos leves sem repercussão funcional • Suspeita clínica de hemorragia subaracnóidea ou dissecção do arco aórtico Terapia endovascular-embolectomia no AVC isquêmico agudo Embora o tratamento de recanalização endovascular para pacientes selecionados com AVC isquêmico agudo severo tenha sido praticado em muitos centros por décadas, a publicação de vários ensaios clínicos positivos recentes catapultou esta terapia para o estado da arte do tratamento baseado em evidências para pacientes com oclusões proximais. Os ensaios anteriores não mostraram um benefício da terapia endovascular devido aos critérios de inclusão subótima (não exigindo a prova de uma oclusão proximal da artéria intracomunitária antes da randomização), tempo maior para a intervenção e uso de dispositivos de reperfusão menos efetivos. Em vez disso, os seis ensaios positivos compartilharam o requisito de angio-TC para a inclusão do paciente (somente os pacientes com oclusão da artéria carótida interna documentada ou oclusão da artéria cerebral média proximal puderam ser inseridos nos estudos), enfatizou a importância da intervenção rápida e quase exclusivamente utilizando stents retrivers para técnica de reperfusão, dispositivos que foram comprovadamente demonstrados como mais eficazes do que seus predecessores. A trombectomia mecânica também se mostrou bastante segura, com uma taxa agregada de sangramento cerebral sintomático de 4,4% em todos os pacientes tratados nos braços de intervensão dos cinco ensaios. Poucos tratamentos de emergência em medicina mostraram esse grau de sucesso. O benefício dramático observado nestes ensaios baseou-se em taxas de reperfusão muito elevadas usando stents retrievers. Estes dispositivos são implantados no nível do trombo oclusivo, capturam o trombo em sua malha e são retirados juntamente com ele. As intervenções nestes ensaios foram rápidas e tipicamente realizadas por especialistas experientes. Os atrasos no tratamento foram minimizados e, consequentemente, os tempos de reperfusão foram relativamente baixos. De fato, os casos com menor tempo médio de reperfusão mostraram o maior benefício clínico. A trombectomia mecânica pode ser tentada em pacientes que não são elegíveis para rtPA IV, como pacientes em pós-operatório e os que acordam com sintomas de AVC sem tempo definido (wake up stroke). Transformação hemorrágica pós-rtPA A maioria dos casos ocorre, em média, entre 5 e 10 horas após a infusão, sendo que somente 10% dos casos ocorrem após 24 horas do uso de trombolíticos, sendo considerado o período de risco para a transformação hemorrágica relacionada com trombolíticos até 36 horas desde a infusão. Os fatores que mais fortemente predizem a chance de sangramento após rtPA são: hipodensidade na TC > 1/3 artéria cerebral média, idade > 75 anos, PA > 180 × 105 mmHg no início da infusão, glicemia elevada, uso prévio de antiplaquetários, uso prévio de varfarina, NIHSS > 20. Além desses, outros estudos sugerem que os tabagistas e diabéticos têm maior risco de sangramento. Existem vários escores que predizem com boa acurácia este risco (HAT Score, MSS, SEDAN, SITS- ICH, GRASPS GWTG, THRIVE, SPAN- 100). A definição radiológica da transformação hemorrágica relacionada com o rtPA varia amplamente, desde pequenas petéquias até hemorragias intraparenquimatosas com efeito de massa. Em análise dos estudos ECASS I e II foram definidos quatro tipos de transformação hemorrágica. Transformações hemorrágicas do tipo H1 ou H2 são marcadores de recanalização precoce e estão relacionadas com a redução da área de infarto e melhora clínica. Por outro lado, recanalização tardia (após 6 h) está associada a maior risco de transformações hemorrágicas parenquimatosas (HP1 e HP2), levando a deterioração clínica e mau prognóstico neurológico. Como regra geral pôde-se utilizar empiricamente 10 U de crioprecipitado enquanto se aguardam os níveis de fibrinogênio que devem ser mantidos acima de 150 mg/dL podendo ser necessárias doses maiores do crioprecipitado. Transfundir plaquetas somente se dosagem < 100.000/ µL. Pode-se utilizar complexo protrombínico adjunto ao crioprecipitado em casos de uso de warfarin prévio ao rtPA. O uso de antifibrinolíticos é controverso mas pode ser utilizado para prevenir expansão da hemorragia cerebral em todos pacientes hemorrágicos. O uso do fator recombinante VIIa não é recomendado até novos estudos mostrarem melhor perfil de segurança da droga. MANEJO DE PACIENTES NÃO CANDIDATOS A TROMBÓLISE Em casos não elegíveis para trombólise endovenosa, iniciar aspirina (100 mg ao dia) ou clopidogrel 75 mg ao dia associados à heparinaconvencional 5.000 U por via subcutânea (SC) de 8/8 h ou enoxiparina 40 mg SC/dia em pacientes restritos ao leito. Se identificadas fonte embólica cardíaca de alto risco ou dissecção arterial considerar a indicação de anticoagulação a pacientes com pequenos infartos. O uso de anticoagulantes orais sem ponte prévia com heparina ou heparina de baixo peso molecular pode levar a menor risco de transformação hemorrágica nestes casos. Corrigir o distúrbio hemodinâmico quando este agravar o AVC. Em pacientes com contraindicação ao uso da aspirina, iniciar o uso de clopidogrel 75 mg/dia. Alguns centros sugerem dose de “ataque” de clopidogrel (300 mg) associado a 100 mg de aspirina em pacientes de alto risco de recorrência e pequenos infartos (p. ex., pacientes com estenose carotídea grave ou intracraniana). O uso combinado não é recomendável em longo prazo (mais do que 1-3 meses) pelo maior risco de hemorragia cerebral ou sistêmica. Hemorragia intracraniana • Na presença de deterioração neurológica aguda, cefaleia, náuseas, vômitos ou hipertensão aguda, suspeitar de hemorragia intracraniana Na suspeita de hemorragia: • descontinuar rtPA, a menos que se identifique outra causa aparente de piora neurológica • TC de crânio imediatamente • coletar TP, TTP, plaquetas, fibrinogênio e tipagem sanguínea Se houver hemorragia intracraniana: • administrar 10 U de crioprecipitado • obter resultado do fibrinogênio • considerar a administração de mais 10 U crioprecipitado para manter fibrinogênio > 150 mg/dL • infundir plaquetas, se < 100.000 • considerar consultoria neurocirúrgica e hematológica • considerar decisão de tratamento cirúrgico específico • considerar uma segunda tomografia para identificar progressão da hemorragia intracraniana Manejo das complicações clínicas • Prevenção da trombose venosa profunda mediante massagens nos membros inferiores, mobilização precoce, meias elásticas ou de compressão pneumática. O uso de heparina 5.000 U SC de 8/8 h ou enoxaparina 40 mg/dia é justificado. • Atentar para o risco, evitar e tratar precocemente desidratação, escaras, aspiração, pneumonias e infecção urinária. • A testagem inicial para disfagia e colocação precoce de sonda nasoenteral previne aspiração. • Instituir fisioterapia motora e respiratória (quando indicada) e mobilizar o paciente do leito precocemente reduz risco de escaras, trombose venosa e pneumonia aspirativa. • Manutenção nutricional adequada (sonda nasoenteral se houver alteração de consciência ou disfagia) com as restrições necessárias para as patologias associadas (hipercolesterolemia, hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca etc.). • No caso de crise epiléptica, iniciar tratamento anticonvulsivante. Não é recomendado tratamento profilático. • Manter cabeceira em 30° nas primeiras 24 horas.
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