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Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes PANCREATITE AGUDA CASO CLÍNICO BS, 22 anos, pardo, masculino, natural e residente na região Noroeste do ES, estudante. • Há 8 meses iniciou dor em pequenas e grandes articulações, com rubor e calor, febre baixa, adinamia e emagrecimento. • Usava abusivamente álcool desde os 14 anos • História de uso de canabis • História de familiares com anemia falciforme • História de internação clínica prolongada aos 6 meses de idade, não sabendo informar a causa, ficando em UTI pediátrica. • 2 meses após o início dos sintomas realizou exames: o Hemograma com anemia normocítica e normocrômica, leucopenia e plaquetopenia; o FAN positivo 1:320; o Anticorpo anti-DNA nativo positivo, anticorpo anti-Sm positivo; o EAS com proteinúria, cilindros hemáticos e cilindros granulosos; o Foi diagnosticado com LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO e iniciado prednisona e hidroxicloroquina; o Houve melhora da dor articular e do quadro geral. • 1 mês após o início da medicação: o Apresentou dor abdominal de forte intensidade em andar superior de abdômen, com náuseas e vômitos intensos, necessitando procurar o Pronto Atendimento o Realizado amilase: 1223 UI/L (N=120 UI/L) o Realizado lipase: 547 UI/L (N=60UI/L) o Ficou internado no Pronto Atendimento por 5 dias, em dieta zero, com melhora do quadro o Teve alta e suspendeu a medicação do LES por conta própria. • 45 dias após a suspensão da medicação: o Piora intensa das dores articulares, com febre, queda do estado geral, hiporexia, fadiga, dispneia aos esforços e dor em base de hemitórax direito ventilatório dependente o Foi diagnosticado com LES em atividade intensa, com derrame pleural e de moderada intensidade o Prescrito pulsoterapia com corticoide (alta dose de corticoide para tentar reverter o quadro do LES). • 3 dias após reiniciar o corticoide o Dor abdominal em andar superior de abdômen de forte intensidade com náuseas e vômitos. o Piora da dispneia. o Taquicardia, taquipneia, hipotensão arterial. o Agitação psicomotora intensa o Raio X de tórax mantendo o derrame pleural, associado a infiltrados pulmonares bilaterais. o Amilase: 563 UI/L (N=120 UI/L) o Lipase: 347 UI/L (N=100 UI/L) o Foi internado na UTI • 48 horas após: o Tomografia computadorizada com contraste → evidenciou pancreatite aguda com necrose extensa acima de 1/3 do parênquima além de edema e líquido intersticial na região peripancreática. Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes • 8 dias após esse quadro (ainda internado na UTI) o Febre, piora do quadro clínico, leucocitose em ascendência o Foi feita uma nova tomografia computadorizada de abdômen com contraste TC mostrando piora da lesão. Lesão descia até a pelve (seta). Pâncreas Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes • 30 dias após... o TC de abdômen com contraste Lesão bem circundada (seta), organizada, com uma parede bem definida → necrose emparedada. • Realizada drenagem endoscópica da lesão o Passado a prótese autoexpansiva, com saída de secreção purulenta • 3 meses após, o paciente evoluiu muito bem o Ressonância Magnética de abdômen ▪ Pâncreas normal • Qual seria a etiologia dessa pancreatite aguda (PA)? Poderia ser devido ao LES, devido ao uso de corticoide, da canabis, de uma litíase biliar (suspeita levantada devido a história de anemia falciforme na família, teve provável nutrição parenteral [NPT] na infância) ou uma pancreatite crônica alcoólica agudizada. No nosso paciente, a etiologia foi o corticoide. Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes CAUSAS DE PANCREATITE AGUDA • Causas mais comuns o Litíase biliar (60-70%) o Hipertrigliceremia ▪ Tipo 5 na classificação de colesterol, triglicérides acima de 1000 (alteração autossômica dominante) ▪ Quando o paciente entra em pancreatite aguda, ele tem náuseas, vômitos, fica sem comer, com isso os triglicérides podem baixar e em um primeiro exame pode dar normal ou pouco alterado. o Hipercalcemia o Medicamentosa → corticoides, diuréticos tipo tiazídicos e drogas imunossupressoras o Infecção → caxumba, HIV, Covid-19 o Traumas → quedas ou quando se manipula o pâncreas o Tumores → dentro do ducto como a neoplasia intraductal e o adenocarcinoma de pâncreas o Álcool • Idiopática (10-20%) Microcálculos biliares. Passam mais facilmente pelo ducto cístico, passam pelo colédoco, obstruem o canal comum e isso é causa de hipertensão no ducto pancreático e que leva a uma ativação das enzimas pancreáticas dentro do próprio pâncreas levando a pancreatite aguda que nada mais é do que uma autodigestão do pâncreas pelas enzimas pancreáticas. Hipertrigliceremia. Do lado direito temos o sangue + plasma de uma pessoa normal e do lado esquerdo temos o sangue + plasma leitoso de uma pessoa com hipertrigliceremia. Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes Hipercalcemia. O hiperparatireoidismo, como os adenomas de paratireoides produzindo hipercalcemia são causas de pancreatite aguda. ETIOLOGIA • US deve ser feito em todos os pacientes com PA. • Na ausência de litíase e álcool, triglicérides maiores que 1000 é diagnostico de PA por hipertrigliceremia. • Em pacientes com mais de 40 anos, o tumor de pâncreas deve ser considerado. • O valor da investigação endoscópica para o diagnóstico de etiologia de PA é limitado. • PA idiopática pode ter mesmo em centros com grandes expertises. • Testes genéticos em pacientes jovens devem ser considerados para verificar que o quadro seja uma primeira crise de uma doença geneticamente determinada como a fibrose cística que pode dar pancreatite aguda. QUADRO CLÍNICO DA PA • Dor abdominal de forte intensidade em andar superior de abdômen • Náuseas e vômitos • Hipotensão e taquicardia • Oligúria e dispneia • Alteração do sensório • Choque com vasodilatação • Ausência de peristalse e distensão abdominal • Icterícia e febre DIAGNÓSTICO DA PA • 2 dos 3 critérios: o Dor abdominal alta característica PA o Aumento de amilase e/ou lipase (3x acima do valor normal) o TC ou RN com lesões características 48 ou 72 horas após o início dos sintomas (com contraste) Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes CLASSIFICAÇÃO DA PA (ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO) • Pancreatite aguda leve – comprometimento apenas do pâncreas • Pancreatite aguda grave – comprometimento de outros órgãos • Pancreatite moderadamente grave – quando a pancreatite grave se reverte com a ressuscitação volêmica (o paciente com 48 anos reverte a creatinina, volta a ficar orientado, não ter lesões pulmonares) AVALIAÇÃO INICIAL E ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO • Estado hemodinâmico e ressuscitação volêmica pode ser necessária (12 a 24 horas) • A estratificação de risco define em baixo risco (ausência de falência de órgãos e/ou necrose) e alto risco (48 horas). • Os pacientes de alto risco deve ser internados imediatamente na UTI. FALÊNCIA DE ÓRGÃOS • 2 ou mais dos seguintes dados: o Choque (PAs < 90mmHg) o Insuficiência pulmonar (PaO2 < 60mmHg) o Falência renal (creatinina > 2dL após reidratação) o e/ou hemorragia digestiva PREDITORES DE PA GRAVE • Idade maior que 55 anos • Obesidade • Alteração do estado mental • Comorbidades (outras doenças associadas) • SRIS (pulso > 90 BPM, respiração > 20 IPM, temperatura > 38º ou < 36º, leucócitos > 12000 ou < 4000 ou mais de 10% bastões) → Síndrome de Reação Sistêmica Grave • Elevação de creatinina ou hematócrito (Hct) maior 44% • Efusões pleurais, infiltrados pulmonares, múltiplas ou extensas coleções extrapancreáticas MANUSEIO INICIAL DO PACIENTE NA UTI • Hidratação agressiva (ressuscitação volêmica) – 250-500 mL/h (principalmente nas 12 e 24 primeiras horas) – em pacientes com evidente desidratação pode ser maior • Ringer lactato é preferível • Avaliar a melhora da retençãonitrogenada (creatinina) NECROSE PANCREÁTICA • Área pancreática não viável, difuso ou focal • Atingindo 3 cm ou 1/3 do pâncreas • Pode ser estéril ou infectada (infecção purulenta na cavidade só ocorre após o 8º dia) Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes NUTRIÇÃO/DIETA PARA PANCREATITE AGUDA • Na PA leve (edematosa), a nutrição oral pode ser restabelecida imediatamente, se não houver náuseas ou vômitos e não houver mais dor abdominal. • Na PA leve (edematosa), a iniciação de dieta sólida com baixa gordura é igual a dieta líquida com baixa gordura (arroz, puré de batata, frango grelhado, maçã, banana, não precisa ser sopa). • Na PA grave, dieta enteral é recomendada → dieta oligomérica (estrutura química especial, ou seja, de maneira parcialmente hidrolisada, facilitando a digestão e absorção dos nutrientes.) • Sonda Nasogástrica (SNA) e Sonda Nasoentérica (SNE) para alimentação enteral são comparáveis em eficácia e segurança. CIRURGIA NA PA • Pacientes com PA edematosa (leve) e litíase biliar, devem operar a vesícula antes da alta. • Pacientes com PA grave com litíase, a colecistectomia deve ser realizada após a atividade inflamatória e as coleções se estabilizarem • Pseudocisto assintomáticos e necrose pancreático e/ou extrapancreáticas não tem garantia de melhora com cirurgia, independentemente do tamanho, localização ou extensão. • Necrose infectada deve primeiro receber antibiótico e estabilizar o abscesso antes da drenagem (30 dias). • Pacientes instáveis podem necessitar de desbridamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS • Seriam os dois episódios de PA de etiologia diferente, pois foram pancreatites clinicamente muito diversas? o O quadro clínico da PA independe da etiologia, logo, uma mesma causa pode dar pancreatites diferentes. • O antibiótico profilático mudaria o quadro da complicação clínica infecciosa desse paciente? o Antibióticos devem ser usados para infecções extra pancreáticas. o Uso rotineiro de ATB na PA não é recomendado. o ATB para profilaxia de infecção em necrose não é recomendado o Infecção deve ser considerado quando ocorre falência ou deteriorização do quadro após 7- 10 dias (fazer punção guiada por TC e entrar com antibiótico empírico) o Em infecção usar Meropenêmicos ou quinolonas + metronidazol, antes de intervenção cirúrgica que deve ser minimamente invasiva e apenas depois de 28 dias de antibióticos. o Uso rotineiro de antifúngico não é recomendado. • Foi certo a conduta de esperar 30 dias para realizar drenagem desse abscesso? o Sim, para que a necrose se organize e faça uma parede (necrose emparedada) para que a drenagem seja feita da forma correta. • Qual a melhor opção de procedimento para drenagem de abcesso pancreático? o Aquele que você tem melhor expertise ▪ Endoscópico (de preferência) ▪ Cirúrgico ▪ Guiado por métodos de imagens • Como pode um pâncreas com tanta necrose regenerar desse jeito? Qual o mecanismo de reparação? o CÉLULAS ESTRELARES PANCREÁTICAS (PSC) ▪ São células semelhantes as células estrelares do fígado ▪ Células quiescentes que vivem no pâncreas e guardam dentro de si vitamina A e ficam quietinhas Ian Dondoni | Gastroenterologia | Medicina Ufes ▪ Quando eu tenho um estímulo autócrino ou parácrino, essas células serão ativadas e vão se transformar em fibroblastos causando PA e depois essas células ali presentes, junto com as células tronco vão regenerar o pâncreas que morreu. A existência de células tronco e de células estrelares pancreáticas são as causas das lesões e da reparação do pâncreas. COMO MANEJAR UM PACIENTE COM PA NO PS ➢ Paciente com dor abdominal alta → pedir amilase e lipase (se ela estiver 3x acima do valor normal o diagnóstico é de pancreatite aguda) ➢ Imediatamente deve ser verificado qual é o tipo de pancreatite (leve, grave ou moderadamente grave) ➢ Se for grave → ressuscitação volêmica e mandar para UTI ➢ Temos que saber também qual é a etiologia para TRATAR A ETIOLOGIA. BIBLIOGRAFIA American College of Gastroenterology Guideline: Management of Acute Pancreatitis.
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