Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Natália Giacomin Lima – medicina UFES 101 ~ Pancreatite Aguda ~ ANOTAÇÕES DE AULA – GASTROENTEROLOGIA 14/11/2020 CASO CLÍNICO: “BS, 22 anos, pardo, sexo masculino, natural e residente na região Noroeste do ES, estudante. Há 8 meses iniciou dor em pequenas e grandes articulações, com rubor, calor, febre baixa, adinamia e emagrecimento” # HPS: uso abusivo de álcool desde os 14 anos de idade e uso de Canabis # HF: Anemia falciforme # HPP: História de internação clínica prolongada aos 6 meses de idade, não sabendo informar a causa, ficando em UTI pediátrica – podendo ter feito nutrição parenteral total (?) 2 meses após o início dos sintomas realizou exames, sendo: • Hemograma anemia normocítica e normocrômica leucopenia plaquetopenia FAN positivo 1:320 Anticorpo anti-DNA nativo positivo Anticorpo anti-Sm positivo – específico para LES • EAS – proteinúria, cilindros hemáticos e cilindros granulosos De acordo com a análise dos exames laboratoriais do paciente segundo os critérios EULAR/ACR 2019 para diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) mostrados na tabela ao lado - podemos inferir que esse paciente apresenta pontuação que sustenta esse diagnóstico > OU = A 10 PONTOS Natália Giacomin Lima – medicina UFES 101 # Foi diagnosticado LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO e iniciado PREDINISONA (CORTICÓIDE) e HIDROXICLOROQUNA. Após a introdução da medicação houve melhora da dor articular e do quadro geral # 1 MÊS APÓS INICIADA MEDICAÇÃO apresentou dor abdominal de forte intensidade em andar superior do abdômen, com náuseas e vômitos intensos, necessitando procurar PA • No PA: AMILASE: 1223 UI/L (N: 120 UI/L) LIPASE: 547 UI/L (N: 60 UI/L) Ficou internado no PA por 5 dias, em dieta zero, com melhora do quadro. Teve alta e suspendeu a medicação do LES por conta própria # 45 DIAS APÓS SUSPENSÃO DA MEDICAÇÃO ... piora intensa das dores articulares, reiniciou febre, queda do estado geral, hiporexia, fadiga, dispneia aos esforços e dor em base de hemitórax direito ventilatória dependente • Foi diagnosticado com LES EM ATIVIDADE INTENSA, com derrame pleural à esquerda de moderada intensidade • Prescrito pulsoterapia com corticoide - (dose alta de medicação com intuito de reverter o quadro agudo de LES) # 03 DIAS APÓS PULSOTERAPIA COM CORTICÓIDE • Dor abdominal em andar superior de abdômen de forte intensidade com náuseas e vômitos • Piora da dispneia • Taquicardia, taquipneia, hipotensão arterial • Agitação psicomotora intensa • RX tórax: mantendo o derrame pleural, associado a infiltrados pulmonares bilaterais • Amilase 563 UI/L (N= 120 UI/L) e Lipase 347 UI/L (N=100 UI/L) • Internado em UTI #48 HORAS APÓS INTERNAÇÃO EM UTI – realizada TC com contraste • Na análise da TC observamos extensa necrose do pâncreas acima de 1/3 do parênquima – sugestivas de pancreatite aguda - áreas cinzentas mostradas pela seta vermelha (lembrar que o pâncreas se localiza próximo ao hilo esplênico) • Presença de edema e liquido intersticial na região peripancreática #08 DIAS APÓS A 1ª TC • Febre, piora do quadro clinico com leucocitose (já existente) em ascendência • Realizada nova TC de abdômen com contraste Piora da lesão pancreática Extensão da lesão a nível de pelve • Realizada punção (?) – detecção de infecção → iniciado antibioticoterapia Natália Giacomin Lima – medicina UFES 101 # 30 DIAS APÓS • Realizada nova TC de abdome Mostrando lesão bem circundada, delimitada com parede bem definida (UON? – necrose infectada organizada → “necrose emparedada” • EDA – realizada endoscopia digestiva alta com drenagem endoscópica da lesão. Passada prótese autoexpansiva entre estomago e pâncreas (notar proximidade das estruturas na TC devido ao quadro do paciente) com drenagem de secreção purulenta # 3 MESES APÓS A DRENAGEM COM EDA – RNM DE ABDOME • Observa-se pâncreas com dimensões normais e estrutura preservada. • Também são facilmente reconhecidas estruturas dentro dos padrões normais – baço # DIAGNÓSTICO: Pancreatite aguda (PA) – nesse quadro há retorno do pâncreas a sua morfologia normal (diferentemente do que ocorre no acometimento crônico, em que a lesão em pâncreas impossibilita o retorno para a sua morfologia inicial • QUAL SERIA A ETIOLOGIA DA PA NESSE PACIENTE? LES? Corticoide? Canabis? Litíase Biliar? – HF de anemia falciforme na família (faz precocemente litíase biliar); provável NPT na infância (aumento do risco de formação de calculo)? Pancreatite crônica alcoólica agudizada CAUSAS DE PANCREATITE AGUDA • LITÍASE BILIAR – 60-70% - MICROCÁLCULOS (“LAMA BILIAR”) – esses pequenos cálculos passam pelo ducto cístico, ganham o ducto colédoco, vindo a obstruir o canal comum (ducto hepático comum) → cursando com a impossibilidade/ dificuldade do ducto pancreático em efetuar a sua secreção e no ducto pancreático que leva a ativação de enzimas pancreáticas (autodigestão pancreática) • HIPERTRIGLICERIDEMIA – 2ª principal causa de pancreatite aguda Aumento de triglicerídeos tipo V → plasma após centrifugação adquire aspecto leitoso. → Normalmente nesses pacientes observa-se triglicérides acima de 1000 → Alteração autossômica dominante OBS: É importante lembrarmos disso pois quando o paciente desenvolve pancreatite aguda abre-se um quadro de náusea, privação de apetite e com isso os triglicerídeos Natália Giacomin Lima – medicina UFES 101 pode baixar (mostrando valores normais ou mesmo pouco alterados). Dessa forma, quando o paciente retorna a alimentação precisamos repetir os triglicerídeos • HIPERCALCEMIA Hiperparatireoidismo – adenomas de paratireoide levando a hipercalcemia → causa de pancreatite aguda • MEDICAMENTOSA Corticoides Diuréticos tipo tiazídicos Imunossupressores • INFECÇÃO Caxumba – mais comum HIV Covid • TRAUMA Quedas/ acidentes Manipulação do pâncreas – ex: colangiopancreatografia (pode apresentar risco de PA 10%) • NEOPLASIAS Neoplasia intraductal Adenocarcinoma de pâncreas – pacientes acima de 40 anos! Deve-se fazer RNM do abdome. Caso sejam descartadas a litíase e hipertrigliceremia como causas potenciais devemos pesquisar neoplasia • ÁLCOOL • IDIOPÁTICA – 10-20% De exclusão – quando não se consegue definir a etiologia OBS: é muito importante definir a etiologia da pancreatite pois precisamos tratar a causa de base, de forma a evitar uma nova agudização futuramente Pancreatite crônica com agudização x pancreatite aguda (retorno histológico do pâncreas ao seu normal) – Na pancreatite crônica não se observa esse retorno justamente porque o órgão apresenta indícios de agressão crônica No nosso paciente concluímos que a PA era de etiologia associada ao uso do corticoide. Uma vez que todas as possíveis causas estruturais foram descartadas. Paciente mantem tratamento de LES desde então sem utilização do corticoide DADOS IMPORTANTES • US deve ser feito em todos os pacientes com PA – descartar litíase biliar!! • Na ausência de litíase e álcool, triglicérides maior que 1000 é diagnostico de PA por hipertrigliceridemia • Em pacientes com mais de 40 anos, tumores de pâncreas devem entrar na hipótese diagnostica – realização de RNM • O valor da investigação endoscópica para diagnostico de PA é limitado • PA idiopática pode ocorrer mesmo em centros com grandes expertises • Testes genéticos em pacientes jovens – verificar se a etiologia não está relacionada a uma condição genética pré-determinada (ex. fibrose cística – pode cursar com PA) #OBS: American College of Gastroenterology Guideline QUADRO CLÍNICO DA PANCREATITE AGUDA • Dor abdominal de forte intensidade em andar superior do abdome • Náusea,vômitos • Hipotensão, taquicardia, dispneia • Oligúria • Alteração do sensório? • Choque com vasodilatação • Ausência de peristalse e distensão abdominal • Icterícia Natália Giacomin Lima – medicina UFES 101 • Febre Necrose pancreática → liberação de citocinas pró-inflamatórias → vasodilatação DIAGNÓSTICO DA PANCREATITE AGUDA • 2 dos 3 critérios seguintes Dor abdominal característica de PA Aumento da amilase e/ ou lipase (pelo menos 3x VR) TC ou RNM com contraste - com lesões características 48 ou 72 horas após início dos sintomas – OBS: deve ser feito sempre com contraste! ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO • Pancreatite aguda leve – comprometimento apenas do pâncreas • Pancreatite aguda grave – comprometimento de outros órgãos • Pancreatite aguda moderadamente grave – quando pancreatite grave se reverte com a ressuscitação volêmica – com 48 horas paciente reverte o comprometimento em outros órgãos • Estado hemodinâmico e ressuscitação volêmica quando necessário • Os pacientes de alto risco devem ser encaminhados imediatamente para UTI • Falência de órgãos – 2 ou mais dos seguintes critérios Choque – PAS < 90mmHg Insuficiência pulmonar PaO2 < 60mmHg Falência renal (creatinina > 2 mg/dL após reidratação) Hemorragia digestiva PREDITORES DE PA AGUDA GRAVE • Idade> 55 anos • Obesidade • Alteração do estado mental • Co-morbidades – outras doenças associadas • SRIS – síndrome de reação sistêmica grave (pulso > 90 BPM, respiração > 20 IRPM, temperatura . 38 e < 36 ,leucócitos < 12000 ou > 4000 ou mais de 10% bastões • Elevação de creatinina ou Hct (hematócrito) maior que 44% • Efusões pleurais, infiltrados pulmonares, múltiplas ou extensas coleções extrapancreaticas • MANEJO INICIAL Hidratação progressiva – 250-500 ml/h – principalmente nas primeiras 12 e 24 horas – em pacientes com desidratação evidente pode ser maior Ringer lactato é preferível Avaliar melhora da retenção nitrogenada Como eu sei se o paciente esta melhor? – quando ocorre melhora da creatinina → reversão de um quadro de pancreatite grave para o que chamamos de pancreatite moderadamente grave • NECROSE PANCREATICA Área pancreática não viável – acometimento difuso ou central Considerada grave - = ou > 3 cm ou 1/3 pâncreas Pode ser estéril ou infectada Nosso paciente tinha indicação de que era uma pancreatite aguda grave? SIM COMO DEVE SER A DIETA PARA PANCREATITE AGUDA? • PA edematosa (ou leve) a nutrição oral pode ser restabelecida imediatamente, se não houver náuseas ou vômitos ou dor abdominal. Comida sólida (não precisa ser liquida ou pastosa) – apenas devemos evitar gordura!! • PA grave – dieta enteral é recomendada (já digerida - oligomérica) – SNG (sonda nasogástrica) e SNE (sonda nasoentérica) são comparáveis em eficácia e segurança Natália Giacomin Lima – medicina UFES 101 Seriam os dois episódios de PA de etiologia diferente? Pois foram pancreatites clinicamente muito diversas? O quadro clinico independe da etiologia!! A mesma causa pode cursar com manifestações clinicas de gravidade diferente O ATB profilático (em paciente com necrose pancreática) mudaria o quadro da complicação clinica infecciosa desse paciente? ATB devem ser utilizados para infecções extra-pancreaticas • Porem o uso rotineiro de ATB na PA não é recomendado • ATB profilática para infecção secundaria a necrose não é recomendada • Infecção deve ser considerada quando ocorre falência ou deterioração do quadro clinico após 7-10 dias (fazer punção de pâncreas guiada por TC e entrar com ATB profilático) – OBS: quando isso não é possível utilizar ATB empírico • Em infecção utilizar MEROPENÊMICOS ou QUINOLONAS + METRONIDAZOL, antes da intervenção cirúrgica • O uso rotineiro de antifúngico não é recomendado Foi certo a conduta de esperar para realizar drenagem desse abcesso? E qual a melhor opção de procedimento para drenagem do abcesso pancreático? (endoscópico/ cirúrgico – qual? / guiado por imagem?) • Sim temos que esperar pelo menos 30 dias para que a necrose se estabilize, se resolva, como mostrada na imagem de TC em que estava bem circunscrita (emparedada). • Quanto ao método de drenagem a melhor opção seria endoscópica, contudo é preciso que o medico tenha expertise para realização da técnica CIRURGIA NA PA • Pacientes com PA edematosa e litíase biliar, devem operar a vesícula antes da alta • Pacientes com PA grave e com litíase → a colecistectomia deve ser realizada apossa atividade inflamatória e as coleções se estabilizarem • Pseudocistos assintomáticos e necrose pancreático e/ou extrapancreatica não tem garantia de melhora com cirurgia, independente do tamanho, localização ou extensão → lesões regridem • Necrose infectada deve primeiro receber antibiótico e estabilizar o abcesso antes da drenagem (30 dias) • Pacientes instáveis podem necessitar de debridamento Como pode um pâncreas que teve tanta necrose regenerar desse jeito após de 3 meses? Qual é o mecanismo de reparação? O mecanismo de reparação chama-se células estrelares pancreáticas (BSC) são quiescentes, vivem no pancreas. Quando estimuladas são ativadas e recrutam a atividade inflamatória levando a pancreatite aguda potencialmente. Essas células posteriormente junto as células tronco irão regenerar o pâncreas • Essas células são responsáveis pela lesão mas também pela regeneração do pâncreas • São a gênese da pancreatite crônica e também de neoplasias pancreáticas Na pancreatite aguda o diagnostico deve ser rápido, amilase, lipase (3x acima do valor normal) e dor abdominal alta. Deve ser imediatamente avaliado qual tipo de pancreatite é. Desvendar a etiologia é muito importante para o tratamento da doença
Compartilhar