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Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ: A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma forma de polirradiculopatia inflamatória aguda de origem autoimune e caráter desmielinizante, sendo a principal causa de paralisia flácida em todo o mundo. Os sintomas de maior destaque na SGB são os déficits motores ascendentes e a arreflexia, podendo ou não implicar em alterações sensitivas. A recuperação é espontânea. Também é possível a instalação de uma forma axonal desse quadro, que possui sintomas mais intensos. Frequentemente, a SGB é precedida, em uma a três semanas, por infecções diversas, a saber: Gastroenterite por Campylobacter jejuni; Vírus Epstein-Barr/Citomegalovírus; Infecção por HIV; Hepatites virais (A, B e C); Zika. Outros fatores de “menor importância” são cirurgias, imunizações e gravidez. A incidência anual é de cerca de 0,81 a 1,89 casos a cada 100 mil habitantes, principalmente com idade entre 20 e 40 anos, em ambos os sexos. Nota-se, no entanto, que o risco se eleva com o envelhecimento. FISIOPATOLOGIA: O desenvolvimento da síndrome de Guillain- Barré é motivado por um gatilho, que induz respostas autoimunes sobre nervos periféricos (reação cruzada), levando à desagregação de mielina, que, inicialmente preserva o axônio. Nesse período inicial, há apenas diminuição de força/sensibilidade e parestesia. Curva temporal do curso da SGB, comparada com o desenvolvimento de anticorpos alterados Posteriormente, a migração de fagócitos para as fibras nervosas pode desencadear um novo processo lesivo, mais intenso, direcionado às fibras axonais, agora desprotegidas. Os sintomas evoluem para anestesia, plegia e arreflexia. Caso a SGB não seja tratada, ocorre morte neuronal, levando à plegia total. Representação do acometimento neuronal na SGB QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO: Após o “gatilho infeccioso”, a paralisia ascendente bilateral é, com frequência, o primeiro sintoma percebido pelo paciente, Na SGB, a mortalidade é de 5 a 7%, decorrente de insuficiência respiratória, embolia pulmonar, pneumonia aspirativa, arritmias ou sepse Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA atingindo músculos proximais e distais. O desenvolvimento de hipo/arreflexia é esperado. Essa paralisia pode acometer a musculatura respiratória, tornando necessária a implementação de suporte ventilatório nos pacientes. A parestesia em bota e luva (mãos e pés) geralmente é leve, e não motiva busca por atendimento médico, porém pode haver dor lombar ou em extremidades em decorrência da inflamação radicular. Padrões de acometimento clínico em diversas apresentações da SGB Sintomas disautonômicos são manifestações muito comuns, representados principalmente por sudorese, taquicardia, labilidade pressórica e, em quadros graves, paresia de nervos cranianos. O grau máximo de incapacidade costuma ocorrer após 1 a 4 semanas do início dos sintomas, iniciando uma fase de platô, que se estende por mais 2 a 4 semanas, antes do início da recuperação, que dura meses. Características clínicas das principais “variantes” clínicas da síndrome de Guillain-Barré O diagnóstico da SGB é predominantemente clínico, porém é imprescindível a realização de exames complementares como forma de excluir outras possíveis causas. Como critérios diagnósticos para essa doença, destacam-se: Presença de 2 critérios essenciais: o Fraqueza progressiva de mais de um membro ou de músculos cranianos, em graus variados; o Hiporreflexia/arreflexia distal, com intensidade diversa de hiporreflexia proximal. Presença de ao menos 3 critérios clínicos sugestivos: Também é possível a ocorrência da forma faringocervicobraquial da SGB, que acomete primeiramente a face e os MMSS. A síndrome de Miller Fisher é uma forma rara da SGB que atinge os nervos cranianos, levando ao desenvolvimento de oftalmoplegia, ataxia de marcha e arreflexia, todas elas de início agudo, porém sem fraqueza muscular Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA o Progressão dos sintomas por 4 semanas; o Parestesia simétrica em membros; o Sinais sensitivos leves/moderados; o Acometimento de nervos cranianos (fraqueza facial bilateral); o Dor; o Disfunções autonômicos; o Ausência de febre no início do quadro. Ausência de mais de uma situação que reduza a possibilidade de SGB: o Fraqueza assimétrica; o Disfunções intestinais ou vesicais no começo do quadro; o Sintomas urinários ou intestinais sem resolução; o Celularidade no LCR > 50 células/mm³; o Células polimorfonucleares no LCR; o Níveis sensitivos bem demarcados. Ausência de situações que excluam o diagnóstico de SGB: o Histórico de exposição a hexacarbono (solventes, metais pesados e pesticidas); o Suspeita de metabolismo anormal de porfirina; o Histórico recente de difteria; o Suspeita de intoxicação por chumbo; o Ausência de sinais motores; o Diagnóstico de botulismo, miastenia gravis, poliomielite, paralisia periódica ou neuropatia tóxica. Critérios diagnósticos para a Síndrome de Guillain- Barré Análise do líquido cefalorraquidiano: Os achados típicos são a elevação de proteína, com poucas células mononucleares, detectáveis após a segunda semana do quadro. O aumento de leucócitos superior a 10 células/mm³ sugere a ocorrência de polineuropatias infecciosas, como a causada pela doença de Lyme ou pelo HIV. Eletroneuromiografia compatível com SGB: A análise das neuroconduções e a eletromiografia por agulha podem não só confirmar o quadro sindrômico, como também estabelecer informações sobre seu prognóstico, ao classificar as diferentes apresentações da SGB. Na síndrome de Guillain-Barré desmielinizante, esse exame revela redução na velocidade de condução motora (ou bloqueio da onda), maior latência ou ausência de onda-F e Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA prolongamento da latência em áreas distais. A apresentação axonal, por sua vez, cursa com diminuição da amplitude sensitiva e motora. O principal diagnóstico diferencial da SGB é a poliomielite, doença infectocontagiosa aguda causada pelo poliovírus, que promove paralisia e perda de massa muscular por destruição de neurônios. À investigação, a presença de sintomas prodrômicos, como febre, mal-estar, cefaleia, diarreia, espasmos e rigidez nucal já sugerem a necessidade de uma investigação mais detalhada para essa doença. TRATAMENTO: A conduta, em casos de SGB, apresenta dois eixos principais, o controle de comorbidades e o tratamento modificador da doença, sendo que não há necessidade de medidas de manutenção após o período agudo. Todo paciente com SGB deve ser internado para observação rigorosa, em busca de possíveis complicações precoces que afetem o prognóstico do quadro. Como medidas de suporte geral, destacam-se a profilaxia para TVP, monitorização contínua de sinais vitais, proteção de vias aéreas e a fisioterapia motora/ventilatória. No que se refere às intervenções diretas sobre a SGB, é necessário determinar a gravidade clínica de cada quadro, utilizando a escala de Hughes et al. Doenças leves pontuam entre 0-2, ao passo que apresentações moderadas a graves se estendem entre 3-6. Escala de gravidade clínica de Hughes para a SGB A escolha terapêutica se dá entre a plasmaférese e a administração de imunoglobulina humana, não havendo diferenças significativas entre as respostas clínicas a ambas: Plasmaférese: Baseia0se na reinfusão de células sanguíneas diluídas em plasma (200 a 250ml/kg), com o objetivo de remover anticorpos e outros mediadores imunológicoscausadores da lesão nervosa. É necessário um intervalo de 48 horas entre cada sessão, num total de quatro infusões, em quadros moderados a graves, e duas para acometimentos mais brandos. Imunoglobulina humana intravenosa: Por ter uso mais simples, tornou-se o tratamento de escolha para a SGB na maioria dos países. A dose recomendada é de 0,4 mg/kg/dia, ao longo de 2 a 5 dias, sendo que Dada a importância epidemiológica e à elevada morbidade, a simples presença de fraqueza muscular flácida já é motivo para notificação compulsória no sistema de saúde, mesmo que a doença seja considerada erradicada (eficácia da vacinação como profilaxia) Mesmo que os achados da ENMG sejam normais no primeiro exame, a suspeita de SGB não deve ser afastada, podendo ser indicada a repetição seriada do exame em 2 semanas (maior possibilidade de resultados sugestivos) Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA concentrações mais elevadas podem aumentar o risco de complicações renais/vasculares, principalmente em idosos. De modo geral, todos os pacientes devem ser submetidos à avaliação da função renal, nível sérico de IgA e sorologia para HIV antes do início do tratamento. Orientações terapêuticas para a síndrome de Guillain-Barré Flutuações relacionadas ao tratamento podem ser observadas em até 10% dos pacientes, sendo definidas como a progressão da doença dentro de 2 meses após a estabilização ou melhora clínica, sugerindo manutenção inflamatória. Nesse caso, ainda que não existam protocolos definidos, a repetição do esquema terapêutico inicial pode ser indicada. Os fatores de risco para o desenvolvimento de mau prognóstico são estabelecidos pelo escore prognóstico para SGB de Erasmus, que estima a probabilidade do indivíduo caminhar sem auxílio em 6 meses. A obtenção de 4 pontos sugere risco de 7% em não conseguirem deambular de forma independente, ao passo que valores > 5 indicam probabilidade > 52% desse desfecho. Os critérios presentes no escore EGOS são idade (pior se > 60 anos), presença de diarreia e a classificação de gravidade do paciente. Avaliação prognóstica pelo escore EGOS As complicações associadas à SGB estão relacionadas ao aumento da morbimortalidade dessa doença. Podem se desenvolver fenômenos decorrentes do internamento (úlceras por pressão, infecções nosocomiais e TVP) ou do próprio quadro clínico, como disfagia, ulcerações de córnea e contraturas. Complicações mais frequentes na síndrome de GUillain-Barré Uma parcela menor de indivíduos apresenta recidivas sucessivas, sugestivas do diagnóstico de polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica, com sintomas persistentes por mais de 8 semanas Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Além de eventos agudos, a SGB pode implicar em limitações à longo prazo, como recuperação funcional incompleta, dor crônica, fadiga e sofrimento psicológico. Recomendações para o acompanhamento crônico de pacientes com SGB Assim, observa-se que a reabilitação de pacientes após a resolução da síndrome de Guillain-Barré é imprescindível, devendo ser mediada por uma equipe multiprofissional. O objetivo dessas medidas deve ser a diminuição da incapacidade e, sempre que possível, o reestabelecimento funcional às condições prévias à doença. Para a recuperação do condicionamento físico, são recomendados programas de exercícios que enfoquem a amplitude de movimento e o fortalecimento muscular, capazes de ampliar a autonomia individual. A intensidade destas atividades deve ser monitorada de forma individualizada. A fadiga, relatada na maioria dos pacientes, também pode ser combatida por meio do estímulo à prática de atividades físicas controladas. Cerca de 1/3 dos pacientes com SGB referem dor intensa nos músculos da região lombar e membros, além de parestesia e artralgia após a resolução do quadro, podendo persistir por até mesmo 10 anos. As estratégias de manejo abrangem o estímulo à mobilização e o uso de medicamentos para dor neuropática. Por fim, o sofrimento psicológico (depressão e ansiedade) é um desfecho bastante frequente, decorrente do trauma associado à incapacidade física transitória. Nesse caso, as intervenções consistem no encaminhamento ao psicólogo/psiquiatra, pois esse quadro de fragilidade pode prejudicar a recuperação física.
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