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Exercicio I_antropo

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Aluno: Marcela Ramos Souto
NUSP: 9406332
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Antropologia
Curso de Ciências Sociais
Disciplina: FLA0206 - Antropologia IV - Questões de Antropologia Contemporânea 
2o Semestre de 2020
Professora Silvana de Souza Nascimento 
Trabalho I
1. Victor Turner, em Floresta de Símbolos, diz “a simplicidade estrutural da situação liminar, em muitas iniciações, é compensada pela sua complexidade cultural”. Explique esta afirmação a partir das ideias do autor e apresente dois exemplos etnográficos apresentados nos textos indicados para leitura.
Turner se baseia no antropólogo alemão Arnold van Gennep, quem originou o conceito de liminaridade, que, em sua obra, chamava atenção para a generalidade de uma estrutura processual nos ritos de passagem: eles se compunham de rituais de separação, de margem (ou limen) e de agregação. A margem, segundo Van Gennep, desenvolvia uma complexidade independente e tendia a se autonomizar em relação às outras duas fases, desenvolvendo um simbolismo próprio que ele denominou de liminar. Durante os períodos liminares, os indivíduos que participavam do ritual se encontravam como que fora das estruturas da sociedade, entre as quais se movimentavam, e esta movimentação é o sentido do rito de passagem. Esses indivíduos liminares eram os neófitos, os adolescentes, os noivos, a parturiente etc. 
O aparecimento do conceito na obra de Turner se dá no seu estudo de campo entre os Ndembu da Zâmbia que, segundo o autor, é um exemplo sumário de um rito de passagem porque se refere à mais alta posição social naquela tribo, a do chefe mais velho Kanongesha. Turner também lança mão de um exemplo tirado do povo Talensi, de Gana, para falar sobre estrutura e Communitas nas sociedades baseadas no parentesco. 
Num primeiro momento, Turner se preocupa em analisar o material etnográfico e estabelecer as suas teses sobre a liminaridade, desenvolvendo os conceitos de communitas e anti-estrutura. Communitas é o estado em que se encontra o indivíduo no interior da liminaridade do processo ritual. Na communitas, as regras sociais baseadas numa série de oposições (muitas delas binárias), como as estruturas de parentesco, perdem toda a razão de ser, e o indivíduo se encontra num entre-lugar, ou, segundo o termo empregado por Turner betwixt and between, quaisquer posições assinaláveis no jogo diferencial da estrutura. Enquanto na sociedade predomina a diferença individualizante, na communitas prevalecem os laços totalizantes e indiferenciados. Esta distância adquirida durante a liminaridade permite que se vislumbre as estruturas entre as quais atualmente se encontra o indivíduo – é um afastamento que lhe fornece um conhecimento e lhe revela a arbitrariedade das convenções. Enquanto naquelas sociedades com estrutura menos flexível, a exemplo das sociedades sem escrita, este conhecimento é orientado por rituais de inversão conduzidos pelos membros mais experientes, deixando pouco espaço para a subversão espontânea, nas sociedades industriais esta consciência, que Turner denomina de antiestrutura, pode desenvolver verdadeiras revoltas, revoluções ou mesmo sociedades alternativas, vivendo às margens das estruturas dominantes.
Segundo Turner, “o simbolismo que cerca a persona liminar é complexo e bizarro. Boa parte dele está calcada nos processos biológicos humanos, concebidos como sendo o que Lévi-Strauus chamaria de “isomorfos” com os processos estruturais e culturais. Eles conferem uma forma externa e visível a um processo interno e conceitual. A “invisibilidade” estrutural das pessoas liminares tem um caráter duplo. Elas são, ao mesmo tempo, não-mais-classificadas e ainda-não-classificadas.” Ao citar Jane Harrison e a exibição, um dos componentes da comunicação dos sacra, Turner afirma que “um traço marcante de tais artigos sagrados é a sua frequente simplicidade formal. É sua interpretação que é complexa, não sua forma externa.”
O pensamento sobre a liminaridade contribui com qualquer pensamento sobre a estrutura que se queira basear na pressuposição do seu descentramento. Trata-se de um duplo movimento: da banalidade da estrutura à irrupção da anti-estrutura, por um lado; e da banalidade da liminaridade e da relutância do mito, por outro. O primeiro momento é o da identificação de limiares e estruturas na vida social. O segundo, de sua compreensão através dos pressupostos da liminaridade e da estruturalidade.
Liminaridade, anti-estrutura e, por fim, communitas não podem revelar um sujeito original, apenas encoberto pelas normas, ou pelas estruturas de uma sociedade. Antes, estes termos ajudam a compreender que o indivíduo não é a expressão de um único sistema, não foi composto ou engendrado por uma estrutura específica, mas se constitui na intersecção de sistemas relacionais muitas vezes conflitantes, de itinerários esparsos e curvas de fecundação, e somente pode dar sentido à sua existência a partir desta precariedade inerente à sua condição de função destes descentramentos. Por outro lado, ele só pode fazê-lo descentrando estruturas, criando valores, estruturando realidades, investindo-se de paradigmas.
 2. Segundo Clifford Geertz, “os antropólogos não estudam as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...), eles estudam nas aldeias”. Explique a afirmação do autor utilizando exemplos apresentados nos textos indicados pela leitura.
Em Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura – primeiro capítulo da obra A Interpretação das Culturas - Geertz se propõe lançar novas bases para a constituição do saber antropológico. Neste sentido, o autor trata da especificidade da cultura como objeto de análise da antropologia, da sua natureza enquanto conceito antropológico e das peculiaridades do fazer etnográfico. 
Geertz inicia suas reflexões questionando a validade da aplicação universal de conceitos científicos para a explicação de diversos fenômenos. Ao combater a versatilidade do uso destes conceitos, afirmando que eles não são passíveis de explicar tudo o que é humano, Geertz defende o emprego limitado do conceito de cultura para a área da Antropologia, tornando-o mais especializado. 
No intuito de superar o uso corrente do conceito de cultura estrutural-funcionalista, visto como “aquele todo complexo”, que inclui os comportamentos universais das sociedades humanas, Geertz observa na cultura o seu caráter “semiótico”. Como Weber, Geertz acredita que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu e a cultura seria esse tecido de teias e sua análise. Logo, ela não seria uma ciência experimental em busca de leis, mas uma ciência interpretativa à procura de significados. 
Geertz indica que para compreender a ciência antropológica não é suficiente estudar os seus resultados, suas teorias ou inteirar-se sobre o que seus entusiastas falam sobre ela. Para entender, é necessário observar o que os seus praticantes fazem: a etnografia, um esforço elaborado para uma “descrição densa”, cujo objeto seria a análise “da hierarquia estratificada de estruturas significantes, em termos das quais, segundo o exemplo extraído de Ryle, os tiques nervosos, as piscadelas, as falsas piscadelas, as imitações, os ensaios das imitações são percebidos e interpretados”. 
Ao observar a cultura como um texto, Geertz sugere que fazer a etnografia é como tentar ler – no sentido de “construir uma leitura de” – um manuscrito estranho, desbotado, cheio de emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado. 
A etnografia, segundo Geertz, tem como fim situar o pesquisador entre os nativos, sem que para isso ele tenha a pretensão de tornar-se um deles. O que se pretende é conversar com eles, alargar o universo do discurso humano. Neste particular, a cultura se desvencilharia da sua tendência hegemônica e abriria espaço para a audiência das vozes dos nativos, possibilitando a compreensão dos significados das suascondutas através dos seus pontos de vista particulares. 
Deste modo, Geertz nos orienta a tratar as descrições etnográficas como “construções de construções” dos nativos, encaradas em termos das interpretações às quais pessoas de uma denominação particular submetem suas experiências. Assim, os textos antropológicos seriam interpretações de segunda e de terceira mão – somente o “nativo” faz interpretação de primeira mão – seriam ficções, algo construído, modelado. 
A descrição densa, para Geertz, possui quatro características principais: é interpretativa, interpreta o fluxo do discurso social, fixa-o em suportes pesquisáveis com o intuito de salvá-lo da extinção e é microscópica. Para esta última propriedade, o autor estabelece que por meio da análise empírica extensiva de contextos circunscritos, a Antropologia acessa grandes temas e realiza análises mais abstratas. Como Geertz diz na página 16 do livro: “Os antropólogos não estudam as aldeias [...] eles estudam nas aldeias”.
Geertz observa a Antropologia Interpretativa como um conhecimento científico não-cumulativo, em constante construção, cujos resultados são frequentemente contestáveis. Segundo o autor, o progresso da ciência não se dá através do consenso relacionado às pesquisas anteriores, mas por meio do debate e contestação das inferências estabelecidas. Apesar disso, o autor constata que o grau de validade de dado referencial teórico dependerá do seu maior ou menor poder de explicação para os novos problemas analisados. Dessa forma, os pressupostos teóricos de Geertz colaboram para a renovação da ciência antropológica contemporânea.

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