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PARECER JURÍDICO nº 01/2020		VALIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO, MATÉRIA DE DIREITO CIVIL.
I – RELATÓRIO
Trata-se consulta solicitada por José. Consta que para ajudar a custear o tratamento médico de seu filho, José resolveu vender seu próprio automóvel. Em razão da necessidade e da urgência, José estipulou, para venda, o montante de 35 mil reais, embora o valor real de mercado do veículo fosse de 65 mil reais. Ao ver o anúncio, Fernando ofereceu 32 mil reais pelo automóvel. José aceitou o valor oferecido por Fernando e formalizou o negócio jurídico de venda.
Estudada a matéria, passo a opinar.
II – FUNDAMENTAÇÃO
O negócio jurídico formalizado entre José e Fernando tem previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 104 do Código Civil determina que para ser válido, o negócio requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Em trecho da obra “MANUAL DE DIREITO CIVIL” de 2017, Flávio Tartuce, renomado doutrinador brasileiro e doutor em Direito Civil, descreve que a falta de um dos requisitos determinados no artigo 104 do Código Civil torna o negócio nulo ou anulável:
Pois bem, o negócio jurídico que não se enquadra nesses elementos de validade é, por regra, nulo de pleno direito, ou seja, haverá nulidade absoluta ou nulidade. Eventualmente, o negócio pode ser também anulável (nulidade relativa ou anulabilidade), como no caso daquele celebrado por relativamente incapaz ou acometido por vício do consentimento. (TARTUCE, 2017, p. 160).
O negócio preencheu os requisitos “agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita”, conforme determinado o artigo 104 do Código Civil, nesse caso não cogita a nulidade do negócio. Porém, percebe-se um vício consentimento, ou seja, a lesão, pois no momento de formalizar o negócio José estava sob premente necessidade. O artigo 171 do Código Civil descreve os chamados vícios de consentimento:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
[...]
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
O artigo 157 do Código Civil descreve o vício de lesão quando uma pessoa sob premente necessidade se obriga a uma prestação desproporcional:
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
De acordo com Flávio Tartuce, a previsão legal do vício de lesão foi criada para evitar o negócio totalmente desproporcional:
Trata-se de uma das mais festejadas inovações do Código Civil de 2002, criada para se evitar o negócio da China, o enriquecimento sem causa, fundado em negócio totalmente desproporcional, utilizado para massacrar patrimonialmente uma das partes. (TARTUCE, 2017, p. 182).
Para que o negócio não seja anulado, a parte que causou a lesão poderá oferecer um suplemento suficiente para equilibrar o negócio, é o que descreve o artigo 157, § 2º, do Código Civil:
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Flávio Tartuce entende que a previsão legal está possibilitando a revisão extrajudicial ou judicial do negócio, constituindo a consagração do princípio da conservação contratual e também da função social do contrato:
Eventualmente, em vez do caminho da anulabilidade do negócio jurídico, conforme prevê o art. 178, II, do CC atual, o art. 157, § 2.º, do diploma civil em vigor determina que a invalidade negocial poderá ser afastada “se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”. Esse oferecimento pelo réu se dá por meio de pedido contraposto na contestação. Esse comando está possibilitando a revisão extrajudicial ou judicial do negócio, constituindo a consagração do princípio da conservação contratual e também da função social do contrato. (TARTUCE, 2017, p. 182).
O ordenamento jurídico brasileiro prevê prazos decadenciais para se propor a anulação de um negócio jurídico, é o que está descrito no artigo 178 do Código Civil:
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
[...]
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
[...]
A legislação vigente também determina que após a anulação do negócio jurídico, as partes devem ser restituídas, conforme redação do artigo 182 do Código Civil:
Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
III – CONCLUSÃO
Conforme supracitado, o negócio jurídico formalizado entre José e Fernando contém um vício de consentimento, a lesão. Houve uma desigualdade enorme entre o valor de mercado do veículo e o valor formalizado na venda, totalizando 33 mil reais de prejuízo, além da extrema necessidade em que José se encontrava, caracterizando assim o vício de lesão. Esse parecer é favorável à anulação do negócio ou que Fernando suplemente José para igualar o negócio formalizado.
É o parecer.
Caiapônia/GO, 30 de março de 2020.
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LAIDE MACHADO BESSA

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