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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA ESPÍRITO SANTO ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA http://broonell.blog.br/images/enfermagem-mental-psiquiatrica_phixr.jpg Texto adaptado de Sueli de Carvalho Villela e Maria Cecília Moraes Scatena A assistência psiquiátrica, no Brasil, até a década de 70 pode-se considerar marcada pela má qualidade de assistência aos portadores de doenças mentais, superlotação das instituições psiquiátricas, comercialização da loucura e cronificação do doente mental, tendo como vertente principal o modelo médico e hospitalocêntrico para essa prática. No final da década de setenta do século passado, emergem movimentos que procuram denunciar tal situação na perspectiva de melhoria da qualidade de assistência à saúde mental, tendo como ator central o Movimento dos trabalhadores de Saúde Mental que se inicia. Esse movimento impulsiona a discussão a respeito da assistência psiquiátrica, que culmina na adesão de outras esferas sociais, tais como familiares de doentes mentais internados e da mídia, na luta por uma assistência mais humana e menos segregadora e violenta derivada do modelo hospitalocêntrico. Fato que repercute, dando origem ao movimento de reforma da assistência psiquiátrica. A reforma psiquiátrica brasileira “é um movimento histórico de caráter político, social e econômico, influenciado pela ideologia de grupos dominantes”. Esse movimento teve suas raízes na concepção de desinstitucionalização dos Estados Unidos e da Itália e hoje é discutida como parte das políticas de saúde. Os objetivos da reforma enfatizam a substituição dos aparatos manicomiais pelos serviços comunitários e normatizam as internações involuntárias. Nesse contexto, fica clara a importância da mudança de conceito e atitude quanto à doença mental e, para que isso ocorra, é necessário que os profissionais de saúde mental se adaptem às novas concepções e assim possam efetivar a assistência pautada em uma ideologia de cidadania, ética, humanização e uma assistência integral. Sabemos que a incidência de transtornos mentais é alta, e também que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) são as mais procuradas nesses casos, e é por isso que o enfermeiro deve estar preparado para esse tipo de atendimento (CAIXETA; MORENO, 2008). A maior parte dos profissionais reconhece como ações de saúde mental apenas a administração de medicamentos psiquiátricos e o encaminhamento do paciente para serviços especializados. Mas, na realidade o atendimento da enfermagem para esses casos deve ir muito além, começando por acolher e escutar o cliente (CAIXETA; MORENO, 2008; GONÇALVES, 2009). A priori deve-se entender que os transtornos mentais não aparecem de forma clara e explícita, nós devemos aprender a identificá-los também nos pacientes que não aparentam ter transtornos mentais. É preciso identificar os pacientes que sofrem exclusão social e até mesmo observar os familiares (CAIXETA; MORENO, 2008). Sinais e sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas são os mais comuns e podem levar à incapacidade e à procura por serviços de saúde (CAIXETA; MORENO, 2008). As ações de enfermagem em Saúde Mental devem começar já na entrevista, perguntando e ouvindo com atenção não somente a queixa do paciente, mas sua história de vida, sua cultura, seu processo de adoecimento, seus problemas emocionais e sofrimentos. É preciso conversar com o paciente, orientá-lo, pois muitas vezes essas ações são mais eficazes do que iniciar outra via terapêutica nesse indivíduo. Além disso, conversar e orientar a família também são ações relevantes (CAIXETA; MORENO, 2008; GONÇALVES, 2009). https://esquizofenix.files.wordpress.com/2015/06/esquizofrenia-350.jpg Quanto mais confiança o paciente sentir do profissional mais ele se manifestará de forma sincera e verbalizará as suas dúvidas (ALMEIDA, 2009) Em longo prazo, deve-se acompanhar o indivíduo, principalmente se este estiver fazendo uso de terapia medicamentosa. Deve-se observar também se o mesmo está tendo melhora no seu quadro de saúde mental (CAIXETA; MORENO, 2008; GONÇALVES, 2009). O enfermeiro pode estimular o paciente a tomar suas próprias decisões, fazê-lo perceber que ele tem suas capacidades, limites e potenciais a serem explorados. Outra ação importante é ajuda-lo a perceber a realidade em que está vivendo (ALMEIDA, 2009; GONÇALVES, 2009). Os profissionais de enfermagem devem entender que o portador de distúrbio mental é um sujeito ativo, e que apesar de pensar ou agir de forma diferente da maioria, seus pensamentos e desejos devem ser levados em consideração e respeitados na medida do possível. (ALMEIDA, 2009). Para fazer um acompanhamento de forma eficiente, é preciso, além de assistir o enfermo, investir em reuniões com a família, visitas domiciliares, contato com a escola e/ou trabalho, e também orientá-lo quanto aos centros de cultura e programas de inclusão social, pois sociabilizá-lo com pessoas novas, pode e deve fazer muito bem para a sua recuperação (ALMEIDA, 2009; GONÇALVES, 2009). Desde 2003 foram incluídas na Estratégia de Saúde da Família (ESF) equipes de Saúde Mental. O principal objetivo é tratar do paciente no contexto familiar, pois realizar o tratamento isolado da família, das pessoas que o indivíduo tem contato diário, nem sempre apresenta resultados positivos (IDS; USP; MS, 2001; GONÇALVES, 2009). Não há um modelo pronto de atendimento a ser seguido pelo profissional de saúde, cabe ao enfermeiro ser criativo e estar disposto a ajudar o paciente, além de procurar se aprimorar e se qualificar a respeito nesse âmbito. É de suma importância ressaltar que o trabalho do enfermeiro não consiste apenas em realizar práticas e procedimentos, mas proteger, promover e preservar a qualidade de vida dos seus pacientes (ALMEIDA, 2009). HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA EM SAÚDE MENTAL Texto adaptado de Antônio José de Almeida Filho, Ana Emília Cardoso Moraes e Maria Angélica de Almeida Peres No final da década de 1970 e início da década de 1980 surgem novas propostas de assistência no campo da Saúde Mental, exigindo mudanças no saber e no fazer da área. Diante dessa nova realidade, a enfermagem psiquiátrica buscou explicações sobre a loucura e a forma de lidar com ela, através de dois discursos: o psiquiátrico e o psicológico. A concepção psiquiátrica predominante até então era organicista, partindo do pressuposto de que a doença mental é uma doença orgânica, se instalando no organismo, independentemente de outros fatores. Por outro lado, os fatores psicossociais incorporados ao discurso psiquiátrico são compreendidos como agravantes de um processo de adoecimento interno, inconsciente do sujeito, de modo que a origem da doença possa ser identificada na sua história individual e em uma perspectiva mais ampliada das relações interpessoais. https://saudementalrn.files.wordpress.com/2013/02/raps.jpg No entanto, não se pode negar a importância dessas duas concepções na compreensão do processo de adoecimento psíquico. Para tanto, houve a necessidade de uma discussão aprofundada, levando-se em consideração o legado histórico da enfermagem psiquiátrica. Inicialmente, a concepção orgânica foi preponderante no ensino e na prática da enfermagem, baseada em regras de ações técnicas predeterminadas, adequadas àquele momento histórico, que culminavam com o surgimento do manicômio no Brasil, o qual se estruturou com os princípios difundidos na obra de Michel Foucault, denominada “Microfísica do Poder”, através do tripé: punição, controle e isolamento. Uma pesquisa envolvendo 22 conteúdos programáticosda disciplina de Enfermagem Psiquiátrica de escolas de Enfermagem das esferas federal, estadual e privada, relativos ao período de 1930 a 1964, permitiu constatar que o ensino era realizado com ênfase nos aspectos clínicos da doença mental, encerrando no modelo biológico a explicação de causalidade da loucura, e, portanto, tendo no hospital o centro de suas ações. O modelo biologicista foi constatado também nas literaturas nacional e internacional sobre assistência de enfermagem em outras áreas. Uma análise dos saberes da enfermagem, procurando caracterizar sua historicidade, mostra que, até a década de 1950, predominava o delineamento de fundamentação para os procedimentos técnicos de enfermagem, cujas bases se alicerçavam fortemente na área biológica. Com isso, esses saberes, ao buscarem sua cientificidade, tentavam uma aproximação com o saber da medicina, com sua autoridade. Esses saberes cumpriam funções técnicas e ideológicas. Visavam um trabalho em contradições entre o harmônico e humanitário. Dessa forma, havia coincidência entre o saber-prática da enfermagem e o modelo da medicina em geral, sobretudo calcado no poder do médico, alicerçado em uma visão biológica do processo de adoecimento. O grande equívoco da enfermagem teria sido acreditar que a administração do ambiente hospitalar e o controle burocrático de formulários institucionais fariam das enfermeiras profissionais imprescindíveis no cuidado aos clientes(3). Acrescenta-se, todavia, que a grande consequência por ocupar o maior tempo do trabalho com atividades de cunho administrativo é o distanciamento do paciente, fato que leva o enfermeiro a uma falta de reconhecimento por parte da clientela e de outros profissionais. Embora em 1952 tenha emergido nos Estados Unidos da América a Teoria das Relações Interpessoais para a Enfermagem, através da observação sistemática das relações enfermeira-paciente, foi apenas em 1979 que a proposta de uma relação de pessoa-a-pessoa, como essência da enfermagem psiquiátrica, começou a se expandir. Essa relação é também conhecida como relação interpessoal, relação de ajuda ou relação terapêutica, e se sustenta na interação enfermeiro-paciente, com a finalidade de ajudar o indivíduo a encontrar suas próprias soluções. Para a autora, a doença ajuda as pessoas a compreender sua limitação e condição humana. Essa concepção está embasada na crença de que a experiência de doença ajuda o ser humano a crescer e se fortalecer, identificando sua limitação e potencialidade. A experiência de doença leva a pessoa a compreender sua própria vida, fazendo com que encontre, a partir dela, as forças interiores necessárias para a luta travada na recuperação ou adaptação a uma situação que não pode ser mudada. Mas esse adaptar-se não teria o sentido de conformismo, e sim de compreender e aceitar sua realidade e seus limites. Com essa abordagem, o enfermeiro, ao colocar o paciente psiquiátrico como centro de sua atenção profissional, deveria considerar o contexto coletivo, e assim, seu desempenho poderia resultar em maior objetividade, maturidade, segurança, flexibilidade, criatividade e reconhecimento. É necessário fecundar a ideia de que as teorias são importantes e devem dialogar entre si, sem perder de vista que, em saúde mental, a questão mais importante é “a pessoa que sofre”, inserida em sua complexa rede comunitária. Quando se tem essa compreensão, podem-se, então, usar várias linguagens, inventar novos vocabulários, criar novas práticas subjetivas e compreender o paciente, em um sentido multidimensional, como sujeito plural, histórico, social e dotado de linguagem. É preciso, portanto, pensar sua singularidade, seu desejo, sua verdade, em uma perspectiva ética de construção de cidadania. A questão que mais se evidencia no relacionamento interpessoal diz respeito a problemas pouco explorados, no tocante à relação enfermeira- paciente e seu contexto social como espaços legítimos de exercício de cidadania. A cidadania não implica apenas reconhecimento de direitos, mas um processo de ampliação da capacidade de autonomia e liberdade, de modo que o transtorno mental não implique apenas limitações e incapacidades. A importância do referencial humanístico para a Enfermagem, em detrimento dos ideais biologicistas, tão valorizados nos estudos até a década de 1980, é possibilitar o resgate da subjetividade do sujeito, isto é, a mudança de um olhar clínico para um olhar compreensivo, tendo como princípio o humanismo que envolve interação e diálogo enfermeiro-paciente. Além disso, essa abordagem trouxe para a arena das discussões os aspectos da relação familiar e noções de dinâmica de grupo. O ser humano não vive sozinho, mas em um contexto social em que a família é sua rede de suporte mais próxima. Por isso, para cuidá-lo, não se pode deixar de vê-lo como um todo e integrante desse contexto. Desse modo, com vista a um cuidado mais efetivo, já não se cuida mais somente da pessoa, mas também da família. O atendimento ao cliente com sofrimento psíquico no Brasil ainda tem o hospital psiquiátrico como uma das referências, embora já tenhamos muitas experiências embasadas no modelo da Reforma Psiquiátrica. A prática manicomial contraria todas as possibilidades de assistência centrada no humanismo ético, uma vez que os princípios norteadores do manicômio, de vigiar, controlar e punir, não se adequam a tal prática. Como se poderia estabelecer uma relação interpessoal enfermeiro-paciente fundamentada em uma ética humanística em hospitais com estruturas fechadas e hierarquizadas, centradas no poder hegemônico médico? A convivência com um cenário em constante transformação coloca o enfermeiro diante de novos e importantes desafios, permitindo que se faça uma análise crítica dos saberes que fundamentam sua prática profissional. Contudo, o campo das relações interpessoais não pode ficar circunscrito à relação enfermeiro-paciente. As múltiplas dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas devem ser também contempladas. Ao contrário disso, o manicômio se caracteriza como um espaço que, historicamente, tem contribuído para o paciente adoecer de outros males, que não o transtorno mental, provocados pela cultura manicomial, que, de modo geral, se expressa em uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações impostas ao cliente com transtorno mental. Nesse tipo de atendimento, as trocas sociais e a comunicação interpessoal entre profissionais e clientes são contaminadas por esta estrutura doentia presente na cultura manicomial. A imposição de papéis característicos do paradigma manicomial impede relações intersubjetivas, tais como: afeto, diálogo, acolhimento, conforto, entre enfermeiro-paciente, uma vez que o manicômio “é o lugar zero de trocas sociais”. Com isso, a prática assistencial no modelo hospitalocêntrico tem como objeto de trabalho a doença com seu quadro clínico, e não a pessoa em seu sofrimento. Dessa forma, o olhar da enfermagem não encontra o cliente, mas sua patologia; em seu corpo não se lê uma história, mas uma doença na qual a subjetividade desaparece atrás da objetividade dos sintomas. A ENFERMAGEM E O CAPS http://180graus.com/imagens/portal/quantoganhaumenfermeiro-1-300x250e.jpg Texto adaptado de Antônio José de Almeida Filho, Ana Emília Cardoso Moraes e Maria Angélica de Almeida Peres A luta pela implantação da Reforma Psiquiátrica e pelo processo de desospitalização dos pacientes psiquiátricos está em construção no Brasil e busca, como saída, construir espaços de produção de encontro, solidariedade, afetividade, enfim, espaços de atenção psicossocial. Portanto, exige de todos os profissionais a necessidade de rever conceitos, métodos e formas de lidar com o sofrimento psíquico, o que os torna agentes de mudanças para novos hábitose atitudes dentro desse novo contexto de atuação. Para isso, é imprescindível refletir criticamente sobre nossas concepções de sujeito. Urge que se pense a prática assistencial da enfermagem, não apenas fundada nos modelos tradicionais de assistência, mas, sobretudo, integrada ao movimento da Reforma Psiquiátrica, em espaços de reinvenção da saúde, como em alguns projetos inovadores já existentes em alguns municípios brasileiros, para os quais foram idealizados os Centros de Atenção Psicossocial. Esses Centros devem dar conta da nova modalidade de assistência, a “extra-hospitalar”, e assim atender as novas demandas desse sujeito, construídas com uma nova forma de viver, com autonomia e liberdade. Em estudo realizado em um CAPS no estado do Ceará, observou-se que o enfermeiro encontrava dificuldades em iniciar seu trabalho nos novos modelos de assistência naqueles espaços, pois a formação desse profissional, em grande parte, também era centrada no modelo tradicional de psiquiatria, sendo o início do trabalho permeado por medos, dúvidas, incertezas e conflitos. Essa nova realidade evidencia as limitações na atuação profissional; para superá-las, algumas estratégias poderiam ser desenvolvidas, como: participação em seminários, jornadas, simpósios e grupos de estudo. Tais iniciativas permitiriam intercâmbios de experiências com outros profissionais, favorecendo o trabalho interdisciplinar. Realizar assistência de enfermagem em serviço aberto não é tarefa fácil, exige alternativas e propostas inovadoras, e, principalmente, sensibilidade para que o gesto de cuidar aproxime, ao invés de afastar. As novas práticas precisam de conhecimento criativo e reflexivo que habilite os profissionais a fazerem invenções competentes no seu objeto de trabalho. A competência é entendida como a capacidade inteligente de fazer dialogar teoria e prática, ou seja, teorizar práticas e praticar teorias, sem que se reduza uma à outra. Isso leva à capacidade de propor estratégias, participar como sujeito crítico e inventivo. A teoria pode ser entendida como a arte de criar competências explicativas para os problemas que se enfrenta no cotidiano; é a habilidade de construção; é o questionamento de práticas. No entanto, é fundamental, entre outras coisas, que as equipes do CAPS se articulem com os Conselhos Municipais de Saúde e exerçam pressão ao poder público municipal, para que se promova a aquisição de profissionais cuja qualificação atenda à especificidade dos serviços de Saúde Mental. A proposta de trabalho no CAPS possibilita a participação ativa em diversas atividades desenvolvidas fora e dentro dos serviços, como: reuniões de equipe; supervisões institucionais; triagem; grupo de recepção; grupos de estudos; oficinas produtivas e terapêuticas; oficinas informativas e educativas sobre o cuidado com o corpo; oficinas informativas sobre sexualidade e doenças transmissíveis, imagem e autoestima; visita domiciliar; reuniões com as equipes do Programa de Saúde da Família (PSF); visitas hospitalares; passeios com usuários dos CAPS; palestras na comunidade; reuniões com as famílias; administração e orientações sobre medicações; convivência e formação de vínculos terapêuticos com os usuários, sendo em algumas circunstâncias o elemento de referência para ele. Diálogos, tensões, invenções, responsabilidades e mudanças começam a fazer parte do modo de trabalhar do enfermeiro. Diferentemente do paradigma manicomial, em que os papéis profissionais são mais rígidos, preestabelecidos, dirigidos ao controle dos pacientes e aos sintomas da doença, as ações terapêuticas desenvolvidas em serviços abertos são mais flexíveis, conforme descrito anteriormente, e possibilitam a construção de um projeto coletivo, não mais determinado por uma única prática profissional, mas pela articulação com todas, em um projeto terapêutico único. http://www.upb.org.br/wp-content/uploads/2014/10/Caps.jpg O projeto desenvolvido coletivamente amplia a responsabilidade dos profissionais, uma vez que esses participam de todo o processo de trabalho, desde a sua formulação até a sua implementação e avaliação. A construção deste projeto implica também a participação da pessoa em sofrimento mental e seus familiares, que deixam de ser vistos como objetos de estudo ou de tratamento e começam a ser abordados como co-construtores de práticas, como pessoas que compartilham significados. O trabalho com famílias não pode ser definido de forma rígida e sem espaço para a criatividade e respeito às individualidades e diferença Apesar de existirem problemas comuns, as pessoas que os vivenciam e o ambiente em que eles acontecem são diferentes, por isso devem ser conduzidos também de forma distinta e individualizada, de preferência com base na realidade de cada um, considerando as crenças, valores, cultura e o conhecimento específico daquela família. É neste sentido que acreditamos que a proposta de relação interpessoal propõe a compreensão do outro como um todo, ou seja, como ele é nas suas potencialidades e limitações. Nesse sentido, é preciso distinguir o papel desempenhado pelos seres humanos, quer sejam profissional, cliente ou família, e perceber que a diferença entre eles é que um precisa de ajuda e o outro pretende ajudar. A prática do enfermeiro no CAPS parece seguir esse horizonte, não se baseando apenas em normas, em rotinas, mas sendo construída/desconstruída nesses cenários, a partir de comunicações intersubjetivas estabelecidas entre todos os atores sociais envolvidos nesse processo e entre esses e a comunidade. Diálogos e mudanças começam, portanto, a fazer parte do modo de trabalhar, tornando-se o campo efetivo da ação terapêutica do enfermeiro. Para trabalhar coletivamente, é necessário, em muitos momentos, dividir responsabilidades, desestruturar a lógica de organização do trabalho, centrada na divisão de funções. Os profissionais devem rever posições, desconstruir a forma de pensar o trabalho como fragmentos hierarquizados. As formulações e interrogações são necessárias para rever o conhecimento que norteia o trabalho. A realidade não é natural e auto evidente, mas, construída desse modo, ela pode ser interrogada, desconstruída e reconstruída a partir de novas bases. Isso requer a disposição de se trabalhar menos com as definições, com as verdades, e mais com as incertezas, as dúvidas, os questionamentos e as estratégias. O espaço de atuação do enfermeiro nas novas modalidades de atenção em saúde mental vai se construindo a partir de vários caminhos, de diferentes mapas. É uma tomada de consciência em permanente conflito, que somente podemos visualizar fazendo apostas aleatórias, o que, necessariamente, traz à cena, a nossa condição de sujeito de sentir-se partícipe/autor da construção de uma nova realidade. Trabalhar nessa perspectiva é desafio, e não resposta. O espaço do enfermeiro no CAPS não está dado, devendo ser conquistado a partir de sua inserção nos projetos terapêuticos, de sua participação nas discussões de equipe, dentre outras possibilidades já relatadas. Também é importante explorar as condições de possibilidades dessa inserção, de modo que as interrogações/respostas que emergem no cotidiano se tornem instrumentos importantes para desconstrução de práticas silenciadoras e construção voltada para a criação, que nos permite revisitar com qualidade a vida. Isto só se faz à luz do desejo, a partir do engajamento profundo dos profissionais que compõem a equipe do CAPS. Por ser uma prática em construção, o percurso do enfermeiro atuante em um CAPS não segue um caminho prévio; o caminho é feito no caminhar. Neste processo não existe um modelo a seguir, o que existe é a necessidade da construção de ações voltadas para as necessidades do cliente, nas quais podem emergir diálogos, conflitose significados. Ao falar sobre a prática como um processo em construção, estamos demonstrando a recusa do modelo hospitalocêntrico que tem como ponto basilar a concepção cristalizada em funções, papéis e normas. No vínculo que o enfermeiro estabelece com o usuário no cotidiano terapêutico é que tem se afirmado como profissional coparticipante de um projeto coletivo. Torna-se essencial ressignificar os conceitos de saúde-doença, não mais como polos opostos. Trata-se de conceber a doença como expressão complexa da existência humana, e não como fratura na continuidade de sua existência. Assim, as formas de acesso à existência-sofrimento devem ser as mais diversificadas possíveis, levadas por diferentes profissionais e seus diferentes “olhares”. A partir desta diversidade, se poderão constituir práticas que ousem imaginar o ainda não imaginado e o ainda não experimentado. Enfim, desenvolver formas de cuidado que atendam a globalidade da pessoa em sofrimento psíquico. Não podemos deixar de ressaltar que para um funcionamento mais adequado, a equipe interdisciplinar não deve apenas ter profissionais com competências diversas, mas integrá-los a partir de valores éticos que sustentem a prática e não perca de vista o compromisso terapêutico. http://2.bp.blogspot.com/-jdypr4ZpCSw/TYhaUh09O9I/AAAAAAAAAq0/EAbKRfqUa9U/s1600/DSC01444.JPG Para melhor exemplificar, citaremos o projeto terapêutico que deve ser construído de forma participativa, o que não significa a perda da identidade profissional, mas a relativização da competência específica no coletivo. Neste tipo de trabalho, a competência de cada profissional fica diluída, uma vez que as especificidades profissionais não são identidades a serem defendidas, mas instrumentos de ação que se transformam a partir do agir cotidiano, de novos conhecimentos. Cada ato/atitude tem significado, tem efeito e tem reflexo no comportamento do sujeito, objeto do nosso trabalho cotidiano. O enfermeiro pode criar espaços de produção de modo que o cliente possa encontrar respostas para as suas distintas demandas. Assim, as atividades no cotidiano com os clientes assumem um papel revelador, guiando os enfermeiros em seus passos, garantindo a desmontagem de inúmeras ideias preconcebidas de lidar e compreender a loucura. Escutar, conviver, criar vínculo, ser solidário e criativo começam a fazer parte da nova maneira de cuidar do doente. É importante pensar o cuidar a partir da atenção psicossocial. O conceito de atenção dá ao enfermeiro uma dimensão do tipo de cuidado que busca proporcionar ao cliente: um cuidado não no sentido caritativo e com a conotação de dever e obrigação que ainda persiste, um cuidado que não visa apenas suprimir os sintomas, mas, sim, que busca o desafio de criar espaços de acolhimento e tolerância para as pessoas em sofrimento psíquico. A convivência diária, o diálogo e a escuta têm sido importantes no cuidar proporcionado pela enfermagem. Portanto, é imprescindível reconhecer a distinção entre ouvir e escutar, pois ouvir é basicamente um ato fisiológico e escutar requer uma disposição interna de acolher e buscar alcançar algum registro que viabilize algum campo de troca. O desejo de fazer, ajudar, ser solidário e afetar e ser afetado, como um cuidar criativo, é exercício diário, lapidado por profissionais inquietos, que fazem de sua inconformidade sua melhor ferramenta para aliviar o sofrimento de pessoas com transtornos mentais. Essa prática é exercida por fracassos e sucessos, contradições, tentativas, erros e aprendizagens, desse exercício diário. Estamos em tempo de reinventar a prática de enfermagem e devemos fazê-lo em uma perspectiva criativa e imaginativa. Saberes e práticas que estão se desenhando recusam as regras, os determinismos, o que possibilita redimensionar o trabalho do enfermeiro, que, ao invés de exercer o controle do paciente, busca a relação de reciprocidade com o usuário e família, e assim resgatar laços afetivos e sociais. As práticas devem ter como solo ético tudo aquilo que se refere ao bem, ao belo, ao justo. É preciso trazer de volta a expressão: a arte de cuidar em enfermagem, proposta na década de 1960 por Wanda Horta. A arte é indispensável para a descoberta científica, uma vez que o sujeito, suas qualidades e estratégias terão nela papel mais reconhecido. São necessárias mudanças no ensino de Enfermagem em Saúde Mental, que deve ser ministrado incluindo-se a criatividade, a intuição, o imaginário e a sensibilidade na construção do conhecimento. Um conhecimento que estimule não apenas a aprender, mas aprender a pensar e reaprender a aprender. Enfim, o enfermeiro atual precisa navegar, cada vez mais, em um pensamento aberto, que convide à reflexão, à curiosidade, e não à certeza, procurando explorar as múltiplas possibilidades e a abertura de novas potencialidades. Essa abertura exige de todos criatividade, ousadia e paixão. Devemos aprender a ser, partilhar, comunicar, a ver que o outro, o cliente com transtornos mentais, é outro de nós. SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA http://beira.pt/wp-content/uploads/2015/01/shutterstock_150773027.jpg Os problemas de saúde mental constituem uma demanda para a saúde pública devido à alta prevalência e impacto psicossocial. Portanto, quando nos referimos à atenção básica e a seu componente saúde mental, é importante ressaltar que, em todo o processo de adoecer, faz parte a questão subjetiva, ou seja, todo o problema de saúde é sempre de saúde mental. O sofrimento psíquico não se apresenta de forma explícita nos atendimentos de atenção básica, porém, é sabido que em vários quadros orgânicos como diabetes, hipertensão e outros relacionados com fatores psicológicos e sociais como a violência, tem repercussões na vida do usuário e de seus familiares, causando-lhes uma sobrecarga psíquica. Transtornos mentais comuns (expressão epidemiológica) que são caracterizados por sintomas como: insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas, são os mais encontrados na comunidade e causam alto custo social e econômico, pois são incapacitantes, sendo uma das causas relevantes quanto aos dias perdidos de trabalho, o que também elevam a demanda por serviços de saúde. Historicamente, o hospital psiquiátrico era o “lócus” da assistência àqueles com dificuldade de conviver na sociedade. Porém, atualmente, convive-se com vários cenários de assistência discernir o que pode ser proposto para cada um, partindo-se da unidade básica até a instituição psiquiátrica, tem sido o grande dilema para a organização dos serviços e para os profissionais de saúde. As ações de saúde mental desenvolvidas nas unidades básicas caracterizam-se pela integração da profilaxia e tratamento dentro do limite pertinente de atuação e complexidade. Através do aproveitamento máximo de cada componente da equipe, visava superar o uso tão frequente de fármacos, enquanto único recurso, e instituía a psicoterapia breve como modalidade de tratamento. Ao avaliar a experiência deste modelo no Estado de São Paulo, duas características marcavam a atenção primária em saúde mental: as reinternações evitáveis quando se ofereciam um seguimento extra hospitalar para os egressos e a implantação da equipe multiprofissional, composta por médico psiquiatra, psicólogo e assistente social que atuavam na unidade básica possibilitando a integração da saúde mental com a saúde pública. Quanto ao enfermeiro, este se encontrava alocado na unidade básica e já atuava no atendimento aos indivíduos, famílias, grupos na comunidade e, desta forma, seria também o profissional que desenvolveria as ações de saúde mental. Cabe esclarecer que havia um número pequeno de enfermeiros especializados em psiquiatria e disponibilizados para os ambulatórios de saúdemental a fim de atender a demanda que exigia um cuidado especializado. O modelo de atenção utilizado foi o “preventista” de Caplan que instituía ações de acordo com o nível de prevenção (primário, secundário e terciário). A partir de 1987, houve um desaquecimento nesta proposta de atenção em saúde mental desacelerando a implementação de serviços extra hospitalares e, em consequência, o investimento nas Unidades Básicas diminuiu, ocorrendo um sucateamento das equipes mínimas de saúde. ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM NA DEPRESSÃO http://www.tribunadabahia.com.br/upload/images/2013-08-23/20130823111343_terapia-460.jpg Texto adaptado de Mariluci Camargo F. S. Candido e Antônia Regina F. Furegato. O transtorno depressivo é uma patologia mental muito frequente na população em geral. Relata-se que 50% dos pacientes deprimidos, que buscam atenção primária, permanecem sem serem diagnosticados e sem receberem tratamento, o que repercute em carga excessiva de sofrimento, elevada morbidade e mortalidade, além do contínuo risco de suicídio. Os membros da equipe de saúde precisam tomar medidas imediatas para assistir o cliente identificado com depressão, pois o risco de suicídio é uma constante. Os casos mais graves impossibilitam a pessoa de realizar suas funções habituais, inclusive cuidar de si mesma. A falta de interesse e de motivação para participar de atividades profissionais e sociais, rotineiramente, transformam o cotidiano dos portadores de depressão e dos que os cercam. A baixa produtividade das pessoas afetadas e as ausências ao trabalho representam perdas importantes. Resultam em muitos dias de incapacidade para o trabalho e em 12 vezes mais recidivas do que nas doenças crônicas do coração, hipertensão arterial, diabetes e dores lombares. Se o transtorno depressivo envolve alto grau de incapacidade, leva a sérios danos morais, físicos, psicológicos e financeiros e causa diversos problemas sociais. Consequentemente, o custo pode ser muito alto, tanto para o paciente e sua família como para a comunidade. A prevalência do transtorno depressivo e a procura por locais de atendimento primário pelos clientes com sintomas depressivos, torna o reconhecimento dessa doença extremamente importante para todos os profissionais da saúde, incluindo enfermeiros dos mais diferentes serviços, mas, principalmente, para os responsáveis pelo atendimento primário em saúde. É urgente que a equipe de saúde desenvolva ações de identificação e intervenção voltadas ao portador de transtorno depressivo. A palavra depressão é descrita no dicionário médico como o deslocamento para baixo ou para dentro, abaixamento ou redução da atividade funcional, tristeza mórbida. É sinônimo do ato de deprimir-se, debilitar-se, enfraquecer, causar angústia, abater-se, sofrer e angustiar-se. http://boaformaesaude.com.br/wp-content/uploads/2016/08/chas-que-agem-contra-a-depressao.jpg Na literatura especializada encontram-se diferentes denominações como transtorno do humor, transtorno depressivo, distúrbio depressivo ou transtorno afetivo em referência à depressão. Muitas pessoas confundem depressão com tristeza. O sentimento de tristeza é normal e natural no ser humano. Na depressão, as pessoas têm sentimentos duradouros, persistentes e profundos de tristeza, muitas vezes inexplicáveis. Em sua maioria, nas classificações nosográficas dos manuais psiquiátricos, as depressões são intituladas transtornos do humor, que incluem o transtorno depressivo maior e suas variantes como a distimia e transtorno bipolar e suas variantes como a ciclotimia. É importante ainda lembrar que no diagnóstico das depressões, algumas vezes, o quadro mais típico pode ser mascarado por queixas proeminentes de dor crônica (cefaleia, dores vagas no tórax, abdômen, ombros, região lombar). Com frequência, a ansiedade está associada. As queixas de caráter hipocondríaco costumam ser muito comuns, principalmente em idosos. A dificuldade em conceituar a depressão deve-se à amplitude desses distúrbios. A origem da depressão situa-se entre os pontos de origem da esquizofrenia e da neurose, havendo muitos graus de sobreposição. Essas variam do quase normal ao quase patológico. Há momentos em que as ideias destrutivas são dominantes na pessoa deprimida. O indivíduo que teve ou tem transtorno depressivo luta contra a angústia que esse provoca, mas também luta contra o preconceito e frequentemente tenta esconder o que sente. Na sociedade em geral, o transtorno depressivo é visto como fraqueza de caráter, como loucura ou ainda como frescura, não sendo compreendida como uma doença. A enfermagem sempre esteve ligada ao sofrimento das pessoas doentes. As pessoas que sofrem precisam de alguém que lhes dê os cuidados necessários para aliviar tal sofrimento. O portador de doença mental sempre esteve presente no cotidiano profissional do enfermeiro, independentemente da sua área de atuação (hospital geral ou especializado, serviço público ou privado, unidade básica de saúde, programa de saúde da família ou clínica particular). Embora se reconheça que o enfermeiro da área de psiquiatria tenha mais experiência, os profissionais de outras áreas precisam estar preparados para identificar, cuidar e orientar o portador de transtorno mental. A atenção de enfermagem psiquiátrica se oferece em todos os lugares, escolas, comunidades e centros de saúde mental, serviços de assistência gerais e especializados e atendimentos psiquiátricos. Sendo uma parte da enfermagem geral, todos os enfermeiros necessitam de conhecimentos da enfermagem psiquiátrica. Na década de 70, já era reconhecido pela enfermagem psiquiátrica que a saúde mental é um componente essencial da saúde, um direito humano, o que vem reforçar a ideia de que é um dever do enfermeiro promover a saúde mental das pessoas. Já se reconhecia que assistência na prática de enfermagem, centralizada na doença e no doente hospitalizado, deveria concentrar-se na pessoa com seus comportamentos específicos, os quais significam um grito, um alerta, para sua necessidade de ajuda. O desempenho do enfermeiro psiquiátrico e as relações interpessoais desse profissional foi estudado tomando por base os diferentes modelos de atenção que determinam a prática. O autor, apresenta os diferentes modelos de assistência nessa área, discutindo a relação de ajuda, as comunicações interpessoais e o cuidado em saúde mental. O enfermeiro é, ou deveria ser, o profissional de saúde que mais frequentemente entra em contato com o cliente no atendimento primário de saúde. Entretanto, observou-se que enfermeiros, em atividade na rede básica de saúde (atenção primária), não estão preparados para dar a devida atenção ao portador de transtorno mental, apesar de apresentarem médio conhecimento teórico sobre a doença. O enfermeiro é um dos profissionais da saúde que tem contato direto, prolongado e constante com os clientes dos serviços de saúde. Está em posição de identificar os sinais indicativos de depressão, fazer o levantamento das possíveis dificuldades desse portador, realizar os devidos encaminhamentos e atuar terapeuticamente sempre que estiver em interação com o portador de transtorno depressivo. O trabalho inovador que vários enfermeiros vêm realizando em serviços de saúde mental faz supor que o preparo para o exercício profissional do enfermeiro tem se dado no próprio mercado de trabalho já que, em tese, o ensino de enfermagem ainda não incorporou em suas práticas ações baseadas no novo paradigma contido na atual política de saúde mental. Nessa direção, afirma-se que o principal desafio para a atuação da enfermagem voltada para ações de saúde mental está no ensino, pois a formação ainda se dá, predominantemente, dentro dos hospitais psiquiátricos tradicionais, ou seja, nos manicômios.Em outras palavras, o ensino de enfermagem ainda não incorporou integralmente a nova filosofia da Reforma Psiquiátrica e suas consequências e os enfermeiros que atuam na rede não foram devidamente atualizados em seus conhecimentos. Assim, faz-se necessário o envolvimento dos diversos segmentos da enfermagem (ensino, assistência e pesquisa) para o desenvolvimento efetivo da prática terapêutica da enfermagem aos portadores de transtorno mental. No que tange à atenção ao portador de transtorno depressivo, algumas reflexões e alertas são importantes para o enfermeiro incorporar às suas ações profissionais. O planejamento e a implementação do cuidado de enfermagem devem basear-se nas características clínicas que cada portador de transtorno depressivo apresenta, identificadas através da observação constante no relacionamento enfermeiro-cliente. Em geral, os objetivos para todo cuidado de enfermagem à pessoa deprimida devem estar relacionados ao aumento da autoestima desse indivíduo e às ações técnicas para atender as suas necessidades. No relacionamento enfermeiro/pessoa deprimida, a abordagem deve ser tranquila, sem críticas, de forma amigável, gentil, compreensiva e séria. A paciência é um elemento importante no cuidado a essas pessoas, pois apresentam várias funções prejudicadas (pensamento, sentimentos e ações) e cada movimento ou palavra exige esforço e tempo excessivos. Deve-se demonstrar honestidade, empatia e compaixão. Os clientes deprimidos tendem a permanecer isolados, a verbalizar pouco, a pensar que não merecem ajuda e a formar vínculos de dependência, resistem ao envolvimento, retraindo-se ou deixando de responder às pessoas, em virtude de suas visões negativas. Nem sempre é fácil dar atenção e cuidados a uma pessoa que não responde e se isola. O profissional pode sentir-se irritado, magoar-se com o cliente ou temer a rejeição. Paciência e crença no potencial de cada pessoa para crescer e mudar são sempre necessárias. A comunicação feita calmamente, ainda que leve algum tempo, estimula o cliente a responder. Deve-se evitar assumir uma posição excessivamente agressiva ou compassiva com a pessoa deprimida. Comentários como você tem tantos motivos para viver, alegre-se – as coisas vão melhorar, ou você não deveria sentir-se tão deprimido transmitem pouca compreensão e respeito pelos sentimentos do cliente. Esses comentários podem criar mais distância e bloquear um possível vinculo terapêutico. Da mesma forma, não se deve aderir à autocomiseração do indivíduo, pois a identificação excessiva e subjetiva dos profissionais de saúde pode fazer com que tenham emoções similares às do cliente, de falta de esperança e de desamparo. Isso não os ajuda. A melhor forma de estabelecer vínculo com o deprimido é a presença frequente e interessada, sempre demonstrando apoio e compreensão mesmo que ele fale pouco. A simples presença do profissional indica que ela é vista como uma pessoa de valor. É preciso ajustar-se ao ritmo da pessoa deprimida, falando mais devagar e dando mais tempo para que ela responda. Deve-se chamá-la pelo nome e escutá-la. Estudando os relatos sobre a vida e os interesses dessa pessoa é possível selecionar tópicos que permitam a criação de comunicações que despertem seu interesse. Em razão da falta de energia, os portadores de depressão sempre precisam da assistência em todos os aspectos da vida diária. É necessário o acompanhamento da equipe de enfermagem ou de familiares no seu domicílio, encorajando, estimulando e apoiando. Desse modo, deve-se observar: as respostas fisiológicas (alterações do sono, constipação, fadiga); as respostas cognitivas (queixas somáticas, atividade inquieta e sem direção, indecisão, diminuição da concentração e do limite de atenção); as respostas emocionais – ruminação (preocupações constante com os mesmos pensamentos), delírios somáticos, pensamento empobrecido, tristeza, desânimo, raiva, agitação, ressentimento, culpa e menos valia, desespero e impotência; as respostas comportamentais – apatia, higiene pessoal deficiente, retardo psicomotor, baixa motivação, anedonia, queixas e exigências frequentes; falta de espontaneidade. No que se refere aos cuidados físicos, o modo mais efetivo de cuidar de uma pessoa deprimida é estabelecer um plano de atividades com horários que inclua banho, penteado, alimentação e atividade física. Quanto mais agudo o quadro de depressão, mais necessários são os cuidados físicos. http://cdn1.semdiabetes.com.br/wp-content/uploads/2015/09/diabetes-depressao.jpg Recomenda-se também a sistematização da assistência para prestação de cuidados de enfermagem. Usa-se uma abordagem de resolução de problemas que passou a ser aceita como a metodologia para o cuidado de enfermagem. A sistematização compõe-se das etapas: (re)avaliação, diagnóstico, identificação de problemas, planejamento, prescrição, implementação ou intervenção e evolução. É um processo contínuo, onde a enfermeira e a pessoa sob seus cuidados devem ter interações dirigidas à modificação das respostas físicas ou comportamentais, atendendo as suas necessidades e melhorando sua qualidade de vida. ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM AO CLIENTE ESQUIZOFRÊNICO http://www.psicologiahoy.com/wp-content/uploads/2014/08/Esquizofrenia-300x300.jpg Texto adaptado de Sueli Aparecida de Castro, Antônia Regina Ferreira Furegato O termo esquizofrenia foi criado no início do século passado por um psiquiatra suíço, Eugen Bleuler que se destacou no universo psiquiátrico; considerava esse diagnóstico clinico como uma das doenças mentais mais severas. Emil Kraepelin denominou a esquizofrenia de Demência Precoce. Esses critérios baseavam-se em três características principais: sintomatologia, etiologia e evolução. O critério sintomatológico constituía-se, na descrição dos sintomas observados, tais como déficits da atenção e da compreensão, as alucinações, principalmente auditivas, o pensamento sonoro, a vivência de influência, o embotamento da afetividade e as mudanças do comportamento. O critério etiológico pressupunha a existência de um quadro endógeno. O critério evolutivo caracterizava-se pela evolução desfavorável e pela invalidez psíquica. Daí a denominação de Demência Precoce. A visão pessimista de Kraepelin, quase centenária, tem persistido no moderno sistema de diagnóstico. Por isso, não é surpresa que muitos clínicos, pacientes e familiares conformem-se que indivíduos esquizofrênicos sejam desabilitados, com pequena expectativa para desenvolver atividades produtivas na sociedade. Esta visão causa repercussão na qualidade da assistência dispensada ao esquizofrênico, estigmatizando-o, reduzindo seu tratamento à exclusão manicomial. Nesta perspectiva, os profissionais da saúde limitam seu tempo e habilidades à contenção e aos mínimos cuidados de higiene e sobrevivência. A família era vista como propiciadora do adoecimento, ratificando a necessidade da retirada da pessoa doente deste meio. Assim, a família não se constituía como parte do tratamento. A sociedade se encarregava de manter a doença e conter o doente dentro dos seus muros. A esquizofrenia pode ser definida através de exames clínicos, levando-se em conta o contexto social em que o processo psiquiátrico está sendo conduzido. É caracterizada por sintomas psicóticos (distúrbios do pensamento, alucinações e delírios), além de alterações do desempenho social e pessoal do paciente. É uma doença da personalidade que afeta a zona central do “eu”, alterando a estrutura vivencial, interferindo na capacidade de vida e de convivência da pessoa com a realidade. O refinamento do conhecimento sobre o curso clínico da esquizofrenia, o melhoramento das técnicas psicoterápicas, a introdução de novos medicamentos antipsicóticos e o aprimoramento da condução terapêuticavem alterando a visão da pessoa afetada. O conjunto dessas ações pode alterar a avaliação do curso da doença aumentando suas chances terapêuticas. Isso tudo pode evitar cronificações institucionais, através de estratégias reabilitadoras e de reinserção social. As estratégias de detecção e intervenção precoce nas psicoses seguem o modelo de outras áreas da medicina em busca da prevenção seletiva (antes do início da doença) e da prevenção indicada (logo no nas primeiras manifestações de suspeita de doença, antes de preencher critérios para diagnóstico. A mudança de perspectiva sobre a esquizofrenia (não mais como uma doença maligna e deteriorante) bem como os efeitos da reforma psiquiátrica (saindo do modelo asilar para o tratamento na comunidade - NAPS, CAPS, Ambulatórios de Saúde Mental, Hospital Dia, etc.) tornaram estes pacientes visíveis aos profissionais e à sociedade. http://www.maisequilibrio.com.br/imagens/maisequilibrio/default/2013/06/11/familia-e-indispensavel-no-tratamento-do- esquizofrenico-1-4-542.jpg Em consequência, as formas de exercer a psiquiatria, através da reclusão, vêm sendo repensadas e questionadas. O profissional que presta assistência ao esquizofrênico deve estabelecer relações com propósito determinado e adequado às necessidades culminando em projetos terapêuticos, estabelecidos pela equipe de profissionais e com participação ativa do portador e seu familiar. Essa relação se confirma na medida em que se estabelecem vínculos de empatia e aliança. A enfermeira, através do cuidado nas 24 horas deve partir do princípio de que o portador dessa patologia é um ser humano singular que apresenta alterações emocionais e comportamentais. Assim, poderá ajudá-lo a enfrentar as dificuldades, aceitando suas limitações. Os profissionais devem acreditar na remissão dos sintomas e na capacidade de inserção social dessa pessoa, apesar da doença. O enfermeiro e sua equipe precisam dirigir suas ações para atender as necessidades apresentadas pelo esquizofrênico. Os enfermeiros, juntamente com os demais membros da equipe, desempenham papel fundamental no cuidado e na luta contra o estigma da esquizofrenia, em todas as fases do tratamento e da recuperação das pessoas afetadas. ASSISTÊNCIA AO CLIENTE COM TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO http://www.ganhesempremais.com.br/wp-content/uploads/2016/09/Toc2.jpg O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) está incluído no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV) entre os transtornos de ansiedade. O seu início é gradual, uma vez em que ele esteja estabelecido, na maioria dos indivíduos irá ter um curso crônico de vaivém dos sintomas, tendo a sua piora quando relacionados ao estresse (MARTINS, 2010). As causas do TOC podem ser várias, porém tem dois fatores que estão quase sempre presentes, um componente hereditário e conflitos internos, que podem ser por fatores de natureza psicológica que surgem depois de algum estresse psicológico, conflitos psíquicos que vão agravando os sintomas. Manifesta sob a forma de alterações do comportamento dos pensamentos e das emoções. Caracterizado pela presença de obsessões e compulsões. As obsessões são ideias, imagens, impulsos, pensamentos que invadem a mente de forma repetitiva, persistente e estereotipada que causam ansiedade e podem ser seguidos ou não de rituais (GONZALEZ, 1999). As mesmas são criadas a partir de qualquer substrato da mente, tais como palavras, medos, preocupações, memórias, imagens e músicas. A pessoa tenta resistir a eles, ignorá-los ou suprimi-los com ações ou com outros pensamentos, reconhecendo-os, no entanto, não consegue controla-los. Os sintomas costumam iniciar antes dos 25 anos de idade, frequentemente na infância ou adolescência. Os sintomas obsessivos mais comuns são: medo de contaminar-se por germes, imaginar que tenha ferido ou ofendido outras pessoas, imaginar-se perdendo o controle, realizando violentas agressões ou até assassinatos, pensamentos sexuais urgentes e intrusivos, dúvidas morais e religiosas e pensamentos proibidos. As compulsões por sua vez podem ser caracterizadas por comportamentos ou atos mentais voluntários e repetitivos, que a pessoa é levada a executar em resposta a uma obsessão ou em virtude de regras que devem ser seguidas rigidamente. Os comportamentos ou atos mentais são destinados a prevenir ou reduzir a aflição gerada pela obsessão (CAMPOS et al., 2000). Geralmente a pessoa realiza uma compulsão para reduzir o sofrimento causado por uma obsessão. Os sintomas mais comuns são: Lavar- se para se descontaminar, repetir determinados gestos, verificar se as coisas estão como deveriam, porta trancada, gás desligado, tocar objetos, contar objetos, ordenar ou arrumar os objetos de uma determinada maneira (assimetria), rezar. A incidência é maior em classes sociais baixas, entre indivíduos com conflitos conjugais, divorciados ou separados e desempregados. É igual entre homens e mulheres, mas é maior em adolescentes masculinos. As principais comorbidades incluem a depressão, distúrbios de movimento e transtornos de ansiedade. No caso do TOC de início na infância e adolescência a depressão comórbida é quase sempre secundária. Para se ter o diagnóstico de TOC é necessário que o nível da sintomatologia interfira no funcionamento social, interpessoal, ocupacional ou acadêmico do indivíduo e que os sintomas ocupem mais de uma hora por dia. O tratamento deve ser individualizado, dependendo das características e da gravidade dos sintomas que o paciente apresenta. Utiliza-se a psicoterapia de orientação dinâmica ou cognitivo-comportamental associada com tratamento farmacológico, dentre esses estão: Clomipramina, paroxetina, fluoxetina, sertralina, citalopram, que são antidepressivos que também possuem ação anti-obsessiva. A terapia cognitivo-comportamental tem o objetivo de ajudá-lo a aprender novos métodos para atuar no meio em que vive de forma a promover mudanças que são necessárias. A terapia é realizada com cooperação entre o terapeuta e os pacientes, com o objetivo de superar os problemas em conjunto (CABALLO, 2008). Depressão é uma desordem psiquiátrica que se caracteriza por afetar o estado de humor da pessoa, deixando-a com um predomínio anormal de tristeza, podendo então interferir significativamente na vida pessoal e profissional do indivíduo. Ela vem atingindo indivíduos em todas as idades, ou seja, desde crianças até idosos, sem escolher classe social econômica, cultura, raça (COUTINHO, et al., 2003). As causas são múltiplas, deve-se a questões constitucionais da pessoa, com fatores genéticos e neuroquímicos somados a fatores ambientais, sociais e psicológicos, como: estresse, estilo de vida, acontecimentos vitais, tais como crises e separações conjugais, separação de pais, morte na família, alimentação, rejeição, bullying, entre outros. Estima-se que cerca de 15 a 20% da população mundial, em algum momento da vida, sofreu de depressão. A depressão é mais comum em pessoas com idade entre 24 e 44 anos. Os sintomas são: humor deprimido ou irritável durante a maior parte do dia, perda de interesse ou do prazer por atividades, mudanças súbitas no apetite ou no peso, sem explicação, insônia ou necessidade de sono aumentada, agitação ou prostração, sensação constante de fadiga ou perda de energia, sentimentos frequentes de menos valia ou culpa, dificuldade de concentração e em tomar decisões, pensamentos frequentes sobre morte ou suicídio. O tratamento para a depressão inclui a psicoterapia e o tratamento farmacológico com antidepressivos, os mais usados são: A Fluoxetina e a Sertralina. ASSISTÊNCIA AO CLIENTE COM TRANSTORNO DE PÂNICO Texto adaptado de Odeilton Tadeu Soares e CheiTung Teng O transtorno do pânico é reconhecido como entidade clínica desde os anos 80, com a publicação do DSM III(1). Cursa com um aumento da atividade do sistema nervoso autônomo. Dentre os transtornos ansiosos, o transtorno do pânico tem sido um dos mais estudados, com avanços no conhecimento de sua patofisiologia. O diagnóstico é feito com a presença de ataques de pânico recorrentes, com preocupação em ter novos ataques e com as consequências desses ataques (DSM-IV) (2). Os ataques de pânico podem ser acompanhados de sintomas físicos cardiológicos, gastrointestinais, otoneurológicos ou autonômicos. http://medifoco.com.br/wp-content/uploads/2012/10/Transtorno-do-p%C3%A2nico.gif É mais prevalente entre as mulheres, com início no final da adolescência ou no início da idade adulta, com menor prevalência entre os idosos. O transtorno do pânico frequentemente é acompanhado de comorbidades psiquiátricas, como depressão, transtorno bipolar, outros transtornos de ansiedade, além da dependência de álcool. Em crianças e adolescentes costuma apresentar um curso crônico em comorbidade com outros transtornos de ansiedade ou do humor. Relatos de aumento do risco de suicídio têm sido atribuídos a outras condições comórbidas, como depressão e transtorno bipolar. Várias tentativas de definir subtipos do transtorno do pânico com base em agrupamento de sintomas não mostraram resultados consistentes. Bases biológicas A administração de lactato de sódio precipita ataques de pânico em até 75% dos pacientes com história de ataques de pânico, porém, doses equivalentes têm apenas efeitos ansiogênicos menores ou nenhum efeito em pessoas não afetadas. Esses ataques são bloqueados por drogas antidepressivas. Outras substâncias, como cafeína, isoproterenol, ioimbina, dióxido de carbono e colecistoquinina, também podem desencadear ataques de pânico em pacientes, mas não em controles normais. A amígdala teria um papel crucial na mediação dos estímulos provenientes do ambiente (tálamo e córtex sensitivo). A substância cinzenta periaquedutal também estaria envolvida na mediação da ansiedade e do pânico. As alterações encontradas em pacientes com transtorno do pânico são diminuição do volume da amígdala e do lobo temporal, diminuição do metabolismo de glicose na amígdala, hipocampo e tálamo. Vários estudos mostraram, ainda, redução na densidade de receptores benzodiazepínicos nas áreas para-hipocampal e amígdala. Pacientes com transtorno do pânico têm baixas concentrações de ácido gama-amino-butírico (GABA). Também foi demonstrada a redução nas concentrações de receptores serotonérgicos 5HT1a, estabelecendo uma ligação entre dois sistemas de neurotransmissão, que são responsáveis pelo mecanismo de ação dos medicamentos utilizados no tratamento do transtorno do pânico (ISRS e benzodiazepínicos). Fatores psicossociais É estabelecida a importância do aumento da sensibilidade corporal no transtorno do pânico. Acredita-se que a ansiedade pode causar deterioração física, social e psicológica. A avaliação da sensibilidade da ansiedade pode predizer o aparecimento do transtorno do pânico em adolescentes. Provavelmente o pico da ocorrência dos 15 aos 19 anos seria explicado devido ao período de alterações corporais resultantes da puberdade. A sensibilidade à ansiedade pode ser adquirida através de experiências aversivas (história pessoal de doenças graves) ou mesmo através de informações trazidas por outras pessoas, ou através de algum problema com parente próximo. O medo de ter medo que aparece após uma crise pode ser atribuído à dificuldade em lidar com os sintomas de ansiedade, como, por exemplo, a taquicardia ou, ainda, a tendência do paciente de ampliar as consequências de um ataque de pânico, como medo de morrer ou vontade de sair correndo do local onde está tendo uma crise. Tratamento Farmacoterapia Numerosos estudos com antidepressivos e benzodiazepínicos têm sido conduzidos. O objetivo do tratamento farmacológico é não somente prevenir a ocorrência de novos ataques de pânico, mas também reduzir a ansiedade antecipatória, a evitação fóbica e também sintomas depressivos. Inicialmente os estudos se concentraram no uso de antidepressivos tricíclicos, que se mostraram bastante eficazes no tratamento do transtorno do pânico. Estudos com imipramina, desipramina, clomipramina e amitriptilina demonstraram a eficácia dessa classe no tratamento do transtorno do pânico. Também foram feitos vários estudos demonstrando a eficácia dos inibidores da monoaminoxidase (IMAO), tanto nas fobias como para tratamento dos ataques de pânico. Essas drogas deixaram de ser utilizadas precocemente devido ao seu perfil de efeitos colaterais, sobretudo quando na ingesta de tiramina, presente em alguns tipos de alimentos. Efeitos colaterais por muscarínicos, alfa- adrenérgicos, serotonérgicos e histaminérgicos, dos antidepressivos tricíclicos, fizeram com que as pesquisas fossem redirecionadas para o grupo dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina. Em pacientes refratários aos tratamentos com antidepressivos de segunda geração, tanto os antidepressivos tricíclicos como os IMAO ainda são bastante utilizados. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) são os medicamentos de escolha no transtorno do pânico. Os estudos suportam a eficácia de seis diferentes drogas (fluoxetina, paroxetina, sertralina, fluvoxamina, citalopram e escitalopram). A resposta terapêutica aos ISRS parece ser um efeito de classe, não havendo diferenças entre os medicamentos da classe. As diferenças entre os ISRS ocorrem no perfil de efeitos colaterais, na interação com outros medicamentos e na meia-vida. A maioria dos trabalhos são de curto prazo, embora alguns demonstrassem a eficácia por até um ano. Esses compostos são efetivos também para os sintomas de humor associados e também para outros transtornos de ansiedade. A eficácia da venlafaxina também foi testada em estudos controlados com placebo. Dentre os novos compostos, não há evidências para duloxetina, mirtazapina e nefazodona e para outras drogas como a bupropiona, que é um antidepressivo sem propriedades serotonérgicas, que foi observada baixa eficácia, assim como com a trazodona. Outro grupo de medicamentos que é muito utilizado nos transtornos de ansiedade são os benzodiazepínicos (BDZ). Seu uso foi difundido devido ao seu rápido início de ação, abortando crises rapidamente, além de boa tolerabilidade. Entretanto devido ao seu potencial para desenvolver tolerância e dependência, ou seja, doses cada vez maiores são necessárias para produzir os mesmos efeitos, com grande potencial e risco de abuso. Além disso, também desenvolvem síndrome de retirada. Os benzodiazepínicos com maiores evidências de eficácia no tratamento do transtorno do pânico são o alprazolam e o clonazepam, que são aprovados pelo FDA (Food and Drug Adminstration - EUA) para esta indicação, por existirem diversos estudos duplo-cegos controlados com placebo. Atualmente, o uso dos benzodiazepínicos como tratamento único do transtorno do pânico não é recomendado. Devido ao fato de muitos pacientes não responderem completamente aos ISRS, a prescrição conjunta de BDZ é muito utilizada, especialmente nas fases iniciais do tratamento quando a presença de sintomas de ansiedade conhecidos como "piora inicial" é muito frequente. Durante as primeiras três semanas de tratamento com os ISRS, o efeito antipânico ainda não é evidente e, durante esse período, o uso dos BDZ pode amenizar os sintomas dos ataques de pânico. Não foi confirmada a eficácia dos anticonvulsivantes no tratamento do transtorno do pânico. Também falharam em comprovar eficácia os estudos com a buspirona e com os beta-bloqueadores. Um dos motivos apontados para as recaídas,após tratamento adequado, é a descontinuação do tratamento, com estimativas de 50% nos primeiros seis meses. Isso pode ocorrer devido à sensação de cura pelo próprio paciente, após conseguir retomar as suas atividades. A própria síndrome de retirada pode funcionar como um estímulo interoceptivo para induzir as recaídas. Tanto os ISRS como o tricíclicos e também os medicamentos de ação dual (noradrenérgicos e serotonérgicos) podem apresentar a síndrome de retirada. Em pacientes que não respondem à terapia medicamentosa, a combinação com a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido benéfica. Estudo feito com a paroxetina mostrou que a mesma é mais efetiva que o placebo em pacientes que não responderam a TCC. Tratamentos psicoterápicos A eficácia da terapia cognitivo-comportamental (TCC) está bem estabelecida no transtorno do pânico, tanto quando realizada individualmente como quando realizada em grupo. Entretanto, embora tenha eficácia comprovada, é pouco utilizada, talvez pela maior facilidade em utilizar os medicamentos, com menor utilização do tempo do profissional de saúde. Além disso, as técnicas cognitivas são familiares a uma pequena parcela dos técnicos envolvidos com a saúde mental. http://ansiedadepanico.com/wp-content/uploads/2015/05/Terapia-Cognitiva-Comportamental-Para-Tratar-A- S%C3%ADndrome-Do-P%C3%A2nico.jpeg Em 1998, a American Psychiatric Association apresentou os resultados de 12 estudos controlados de terapia cognitivo-comportamental para pacientes com pânico, nos quais constatou que a TCC apresenta um índice de melhora de 78% comparada com a lista de espera, que obteve um índice de 26%, relaxamento 56% e placebo 33%. O modelo cognitivo-comportamental descreve a ansiedade como decorrente de controle aversivo, com respostas de fuga e esquiva, que tem por objetivo evitar ou adiar os estímulos aversivos, como, por exemplo, um animal que bate numa barra para evitar o choque. Por esse modelo podemos explicar as esquivas fóbicas. As cognições podem vir a ter controle do comportamento ansioso, em geral pela ansiedade antecipatória, na qual há inibição do comportamento motor, hiperatividade autonômica e aumento de atenção e alerta. A TCC é a mais estudada estratégia de tratamento para o transtorno do pânico, tendo sido comprovada a sua efetividade também em comorbidades. É baseada tanto no condicionamento interoceptivo quanto nas teorias cognitivas. É enfatizada a importância da psicoeducação para corrigir falsas crenças sobre os sintomas presentes em um ataque de pânico, além de reestruturação cognitiva, para identificar e corrigir distorções do pensamento, e exposição interoceptiva para sensações corpóreas como taquicardia e dispneia. No início da TCC se deve proceder a identificação dos problemas e objetivos terapêuticos. São identificadas as respostas de evitação, que são comportamentos aprendidos. As situações associadas ao ataque de pânico passam a eliciar respostas de esquiva. Por exemplo, o paciente que teve um ataque de pânico em um banco ou supermercado passa a evitar esses lugares com medo de ter um novo ataque. Esses estímulos condicionados adquirem propriedades aversivas e a exposição é o procedimento de extinção dessas respostas. O procedimento de exposição ao vivo é indicado aos pacientes que apresentam situações de esquiva fóbica. Esse procedimento consiste na construção de uma lista de situações eliciadoras de ansiedade fóbica, elaborada pelo terapeuta e pelo cliente em colaboração. O paciente, em seguida, irá fazer uma confrontação progressiva, sistemática e por tempo prolongado das situações temidas. Esta exposição pode ser feita de forma gradual ou não. A exposição interoceptiva consiste em provocar sintomas físicos presentes na ansiedade por outros meios. O objetivo é que haja dissociação das sensações fisiológicas com a crise de pânico, ou seja, que o paciente aprenda a discriminar os momentos em que os sintomas físicos são decorrentes da ansiedade ou de outros estímulos. Outros tratamentos psicoterápicos usados no transtorno do pânico não têm eficácia comprovada através de estudos científicos. Dentre eles temos treinamentos de relaxamento, técnicas para lidar com estresse e hipnose. Tratamento combinado As estratégias que combinam procedimentos farmacológicos com terapia cognitivo-comportamental são consideradas as mais eficazes no tratamento do transtorno pela maioria dos pesquisadores. As intercorrências que podem existir no tratamento combinado costumam interferir na aderência ao tratamento e precisam ser avaliadas e trabalhadas com o paciente. É comum os pacientes atribuírem seus progressos à medicação, diminuindo a percepção da eficácia da psicoterapia. Pode ocorrer, também, interferência dos efeitos colaterais dos medicamentos no processo terapêutico como, por exemplo, a diminuição do desejo sexual. A integração da equipe multidisciplinar é um cuidado importante no tratamento combinado, para que haja uma sintonia quando se aplica uma ou outra técnica ou se prescreve um ou outro medicamento. Por exemplo, a exposição não é eficaz quando se utiliza benzodiazepínicos, pois o paciente não sente ansiedade, condição necessária para esse procedimento. Quando o tratamento é descontinuado, os pacientes que receberam tratamento combinado se mantêm livres de sintomas por mais tempo, comparado com aqueles que receberam apenas medicamentos. A TCC incluída em algum momento do tratamento, provavelmente, vai possibilitar um maior bem-estar ao paciente. Formas resistentes ao tratamento Nos ensaios clínicos são descritas taxas de resposta de 40% a 70% e taxas de remissão de 20% a 47%. Aproximadamente 33% dos pacientes são resistentes ao tratamento farmacológico. O conceito de resistência ao tratamento nos transtornos de ansiedade é controverso. A simples redução da ansiedade não implica que haja resposta ao tratamento. O paciente pode esquivar-se de uma situação fóbica e não apresentar sintomas, nem por isso apresentou remissão. Do mesmo modo a permanência de sintomas de ansiedade não indicam refratariedade ao tratamento. Em diversos estudos os critérios que definem resistência ao tratamento são vagos, imprecisos e, por vezes, não são mencionados. A simples não resposta a um tratamento farmacológico não pode ser usada para confirmar a resistência. A avaliação da resposta ou da remissão no transtorno do pânico deve então incluir os sintomas de ansiedade, parâmetros funcionais e comorbidades. Alguns fatores indicam a possibilidade de resistência ao tratamento, como a gravidade da doença, presença de comorbidades do eixo I e de transtornos de personalidade, além de diagnóstico incorreto, uso inadequado de antidepressivos e não utilização de TCC. Não há um consenso sobre o tratamento do transtorno do pânico resistente. Estudos concluíram que não há aumento da eficácia com doses superiores a 50 mg/d de sertralina. http://www.anamariasaad.com.br/wp-content/uploads/2015/05/depress%C3%A3o-happy-pill-.jpg A potencialização com uma droga com mecanismo de ação distinto pode ser proposta. A associação com os antipsicóticos atípicos tem sido proposta. Estudos com a risperidona, com o aripiprazol e com a olanzapina têm sido alvo de atenção, pois demonstraram efetividade nos transtornos de ansiedade resistentes ao tratamento farmacológico. O clonazepam também é uma estratégia viável, além de também mostrar eficácia na potencialização com os ISRS. O uso do betabloqueador pindolol foi avaliado em estudo controlado e foi efetivo na redução da gravidade dos sintomas do transtorno do pânico em comparação ao placebo. A utilização de muitos medicamentos ao mesmo tempo tem se tornado muito frequente, apesar dos riscos de efeitos adversos. O desenvolvimento de novas estratégias para lidar com aresistência nos transtornos de ansiedade é objeto de pesquisas e deve colaborar para a efetiva redução de prejuízos associados a esses transtornos. http://panicoterapia.com.br/wp-content/uploads//2015/07/animais-de-estimacao.jpg ASSISTÊNCIA AO CLIENTE COM TRANSTORNO DELIRANTE Texto adaptado de S. Charles Schulz, MD, University of Minnesota Medical School Caracteriza-se por delírios não bizarros (crenças falsas) que persistem por, no mínimo, um mês, sem outros sintomas da esquizofrenia. O transtorno delirante se distingue da esquizofrenia pela presença de delírios sem outros sintomas de esquizofrenia. Os delírios tendem a ser não bizarros e a envolver situações que poderiam acontecer, tais como ser seguido, envenenado, infectado, amado a distância ou enganado pelo cônjuge ou amante. Em contraste com a esquizofrenia, o transtorno delirante é relativamente incomum. O seu início ocorre quase sempre na metade ou no final da vida adulta. O funcionamento psicossocial não é tão prejudicado, como no caso da esquizofrenia, e os prejuízos surgem, em geral, diretamente da crença delirante. http://4.bp.blogspot.com/-T0v_2RGk0cw/Vkxs9x_reEI/AAAAAAAANiM/Q4zvymqNL1w/s1600/paranoide.jpg Quando o transtorno delirante acontece em pacientes com mais idade, ele é algumas vezes chamado de parafrenia. Pode coexistir com demência leve. O médico deve ser cuidadoso para distinguir delírios de abusos anteriores relatados por paciente idoso levemente demenciado. Sinais e sintomas O transtorno delirante pode surgir no contexto de um transtorno de personalidade paranoide preexistente. Em tais pessoas, a desconfiança disseminada e a suspeita de outras pessoas e de suas motivações começam no início da idade adulta e se estendem por toda a vida. Os sintomas iniciais podem incluir sensação de estar sendo explorado, preocupação com a lealdade ou a fidedignidade de amigos, tendência a ler significados ameaçadores em observações ou eventos benignos, propensão persistente a ressentimentos e facilidade de responder às descortesias percebidas. Vários subtipos de distúrbio delirante são reconhecidos: Erotomaníaco: Pacientes acreditam que outra pessoa está apaixonada por eles. Esforços para contatar o objeto do delírio por meio de telefonemas, cartas, espionagem ou perseguição são comuns. As pessoas com esse subtipo podem ter conflitos com a lei relacionados ao seu comportamento Grandioso: Os pacientes acreditam que possuem grande talento ou fizeram descoberta importante Ciumento: Os pacientes acreditam que seu cônjuge ou amante é infiel. Essa crença se baseia em conclusões incorretas, sustentadas por evidências dúbias. Eles podem recorrer à agressão física Persecutório: Os pacientes acreditam que estão sendo vítimas de uma trama, que estão sendo espionados, difamados ou importunados. Eles podem tentar obter justiça repetidamente por meio de apelos a juízes ou entidades governamentais e recorrer à violência em retaliação à perseguição imaginada Somático: O delírio se relaciona a uma função corporal; por exemplo, os pacientes acreditam que possuem uma deformidade física, um determinado odor ou um parasita Diagnóstico Depende muito da realização de uma avaliação clínica, obtendo anamnese completa e exclusão de outras afecções específicas associadas aos delírios. A avaliação da periculosidade, especialmente da extensão em que o paciente está disposto a agir com base em seu delírio, é bastante importante. Prognóstico O transtorno delirante não ocasiona geralmente prejuízo ou mudança graves na personalidade, mas as preocupações delirantes podem progredir gradualmente. A maior parte dos pacientes pode permanecer empregada. Tratamento O tratamento do psicótico depende da causa da psicose (por exemplo, esquizofrenia, transtorno bipolar, abuso de substâncias, etc.). A primeira linha de tratamento para muitos transtornos psicóticos é medicação antipsicótica. Algumas vezes hospitalização é necessária. Psicoterapia e terapia familiar também podem ser usados no tratamento do psicótico para controlar os sintomas. Quando outros tratamentos para a psicose são ineficientes, terapia eletroconvulsiva é algumas vezes aplicada para aliviar os sintomas da psicose decorrentes de depressão. ASSISTÊNCIA AO CLIENTE COM TRANSTORNO BIPOLAR Por William Coryell, MD, University of Iowa Caracterizam-se por episódios de mania e depressão que podem se alternar, embora a maioria dos pacientes tenha predominância de um ou do outro. A causa exata é desconhecida, mas hereditariedade, mudanças nos níveis cerebrais de neurotransmissores e fatores psicossociais podem estar envolvidos. O diagnóstico se baseia na história. O tratamento consiste em medicamentos estabilizadores do humor, algumas vezes, com psicoterapia. Os transtornos bipolares geralmente começam na primeira, segunda ou terceira década de vida. A prevalência ao longo da vida é de cerca de 4%. As taxas são aproximadamente iguais para homens e mulheres. http://novotempo.com/audios/files/2014/01/NT-Sa%C3%BAde_30_1.png Os transtornos bipolares são classificados como: Transtorno bipolar I: definido como a presença de pelo menos um episódio de mania ou misto evidente (i. e., comprometendo a função ocupacional e social normal) e, quase sempre, episódios depressivos Transtorno bipolar II: definido pela presença de episódios depressivos maiores com pelo menos um episódio hipomaníaco, mas sem episódios maníacos evidentes Transtorno bipolar SOE: transtornos com características bipolares claras, porém que não preenchem os critérios específicos para outros transtornos bipolares http://www.psiconlinews.com/wp-content/uploads/2015/05/17.jpg Etiologia A causa exata é desconhecida. A hereditariedade tem papel significativo. Também há evidências de desregulação de serotonina e noradrenalina. Fatores psicossociais também podem estar envolvidos. Eventos de vida estressantes estão muitas vezes associados ao desenvolvimento inicial dos sintomas e exacerbações posteriores, ainda que causa e efeito não tenham sido estabelecidos. Algumas drogas podem desencadear exacerbações em alguns pacientes com transtorno bipolar; essas drogas incluem simpaticomiméticos (p. ex., cocaína, anfetaminas), álcool e certos antidepressivos (p. ex., tricíclicos, IMAO). Sinais e sintomas Os transtornos bipolares se iniciam com uma fase aguda de sintomas a que se segue um curso de recaídas e remissões repetidas. As remissões são geralmente completas, embora alguns pacientes tenham sintomas residuais. As recaídas são episódios marcados de sintomas mais intensos que são maníacos, depressivos, hipomaníacos ou uma mistura de características depressivas e maníacas. Os episódios duram qualquer coisa entre algumas semanas e até três a seis meses. Os ciclos – o tempo a partir do início de um episódio até o início do próximo – variam em duração entre os pacientes. Alguns pacientes apresentam episódios infrequentes, talvez, apenas alguns ao longo de toda a vida, enquanto outros manifestam formas de ciclagem rápida (geralmente definida como pelo menos quatro episódios/ano). Apenas uma minoria alterna entre mania e depressão em cada ciclo; na maioria, um ou outro predomina em alguma extensão. Mania http://2.bp.blogspot.com/-0iEjBboI6NI/VD8igxlPizI/AAAAAAAAAlc/bP_eGePkE_U/s1600/Mania1.jpg Um episódio maníaco é definido como um período de ≥ 1 semana de humor persistentemente elevado, expansivo ou irritado, acompanhado de pelo menos três sintomas adicionais: Autoestima inflada ou grandiosidade Diminuição da necessidade de sono Falar mais do que o habitual Elevação persistente do humor Fuga de ideias ou pensamentos acelerados Facilidade em se distrair Aumento
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