Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Autor: Prof. Fernando Sales Colaboradoras: Profa. Elizabeth Nantes Cavalcante Profa. Angélica Carlini Formação para a Prática Processual Professor conteudista: Fernando Sales Advogado, é mestre em Direito (2008) e pós-graduado em Direito Civil (1998), Direito do Trabalho (2003) e Direito do Consumidor (2005). Atua como professor de Direito na Universidade Paulista (UNIP), na Faculdade São Bernardo (FASB) e em vários cursos preparatórios para concursos e exame de ordem. Também é professor convidado da ESA-OAB/SP e em cursos de pós-graduação, além de palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB/SP. É autor de várias obras na área jurídica, incluindo os livros Novo CPC comentado artigo por artigo (em 2ª edição), Manual de Direito Processual Civil (em 2ª edição) e Código de Processo Civil anotado e interpretado conforme a doutrina e a jurisprudência, todos pela editora Rideel. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S163f Sales, Fernando. Formação para a Prática Processual / Fernando Sales. 2. ed. São Paulo: Editora Sol, 2020. 132 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Princípios do processo. 2. Sujeitos do processo. 3. Auxiliares da justiça. I. Título. CDU 341.4 U501.62 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Vitor Andrade Sumário Formação para a Prática Processual APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 O PROCESSO ...................................................................................................................................................... 11 1.1 Breve história do processo no Direito brasileiro ...................................................................... 11 1.2 A posição do Direito Processual no Direito Pátrio .................................................................. 13 1.3 Lei processual no espaço ................................................................................................................... 14 1.4 Lei processual no tempo .................................................................................................................... 15 1.5 Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos demais ramos do Direito Processual ........................................................................................................................................ 16 1.6 Direito Processual e Direito Material ............................................................................................ 17 1.7 Direito Processual e Constituição Federal .................................................................................. 17 1.8 O processo .............................................................................................................................................. 18 1.9 A lide .......................................................................................................................................................... 19 2 DOS PRINCÍPIOS DO PROCESSO ............................................................................................................... 19 2.1 Dos princípios ........................................................................................................................................ 19 2.2 Dos princípios jurídicos ...................................................................................................................... 20 2.3 Dos princípios constitucionais do processo .............................................................................. 21 2.3.1 Princípio do devido processo legal .................................................................................................. 21 2.3.2 Princípio da ampla defesa e do contraditório............................................................................. 22 2.3.3 Princípio do juiz natural ....................................................................................................................... 23 2.3.4 Princípio da inafastabilidade da jurisdição .................................................................................. 24 2.3.5 Princípio da proibição da prova ilícita ............................................................................................ 25 2.3.6 Princípio da publicidade e da fundamentação das decisões judiciais .............................. 27 2.3.7 Princípio da duração razoável do processo .................................................................................. 29 2.4 Princípios do processo expressos no Código de Processo Civil ......................................... 29 2.4.1 Princípio dispositivo ............................................................................................................................. 29 2.4.2 Princípio do impulso oficial ............................................................................................................... 29 2.4.3 Princípio da boa-fé processual .......................................................................................................... 31 2.4.4 Princípio da cooperação ...................................................................................................................... 32 2.4.5 Princípio da igualdade processual ................................................................................................... 32 2.4.6 Princípio do contraditório efetivo ................................................................................................... 33 Unidade II 3 DA JURISDIÇÃO ................................................................................................................................................ 39 3.1 Poder jurisdicional ............................................................................................................................... 39 3.1.1 Jurisdição contenciosa e voluntária ................................................................................................ 40 3.2 Função jurisdicional e tutela jurisdicional ................................................................................. 41 3.3 Poderes afeitos à jurisdição.............................................................................................................. 42 3.4 Limites internacionais da jurisdição ............................................................................................. 43 3.4.1 Competência internacional concorrente ...................................................................................... 43 3.4.2 Competência internacional exclusiva............................................................................................. 45 3.4.3 Hipóteses de exclusão da jurisdição brasileira ............................................................................ 46 4 COMPETÊNCIA .................................................................................................................................................. 46 4.1 Classificação da competência ......................................................................................................... 47 Unidade III 5 SUJEITOS DO PROCESSO .............................................................................................................................. 54 5.1 Das partes ................................................................................................................................................ 54 5.1.1 Da capacidade processual ................................................................................................................... 55 5.1.2 Pessoas casadas ....................................................................................................................................... 55 5.1.3 Representação processual ................................................................................................................... 57 5.1.4 Vícios de incapacidade processual e de irregularidade de representação ....................... 59 5.1.5 Sucessão das partes .............................................................................................................................. 60 5.1.6 Do litisconsórcio ...................................................................................................................................... 61 5.1.7 Intervenção de terceiros ...................................................................................................................... 64 5.1.8 Deveres das partes .................................................................................................................................. 73 5.1.9 Despesas processuais ............................................................................................................................. 76 5.1.10 Honorários advocatícios .................................................................................................................... 76 5.1.11 Gratuidade da justiça .......................................................................................................................... 81 5.2 Do juiz ....................................................................................................................................................... 85 5.2.1 Juiz ................................................................................................................................................................ 85 5.2.2 Deveres e poderes do juiz .................................................................................................................... 87 5.2.3 Responsabilidade do juiz ..................................................................................................................... 88 5.2.4 Impedimento e suspeição do juiz .................................................................................................... 88 5.2.5 Incidente de impedimento ou suspeição ...................................................................................... 90 6 DEMAIS ATORES PROCESSUAIS ................................................................................................................ 91 6.1 Do advogado .......................................................................................................................................... 91 6.1.1 Advocacia e advogado .......................................................................................................................... 91 6.1.2 Capacidade postulatória ..................................................................................................................... 92 6.1.3 Exceções à regra da obrigatoriedade de representação por advogado ............................ 93 6.1.4 Mandato e procuração ......................................................................................................................... 94 6.1.5 Advogado atuando em causa própria ............................................................................................ 95 6.1.6 Prerrogativas do advogado ............................................................................................................... 96 6.1.7 Sucessão do advogado ......................................................................................................................... 96 6.2 Advogado público ................................................................................................................................ 98 6.3 Defensoria pública .............................................................................................................................100 6.4 Ministério Público ..............................................................................................................................101 6.4.1 Arguição de impedimento ou suspensão do membro do Ministério Público ..............102 6.4.2 Responsabilidade do promotor de justiça ..................................................................................103 Unidade IV 7 DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA ..................................................................................................................107 7.1 Conceito .................................................................................................................................................107 7.2 Cartórios e secretarias ......................................................................................................................108 7.3 Oficial de justiça .................................................................................................................................109 7.4 Responsabilidade do escrivão, do chefe de secretaria e do oficial de justiça ......................110 7.5 Do perito ................................................................................................................................................110 7.6 Do depositário e administrador ....................................................................................................112 7.6.1 Depositário infiel: consequências legais e prisão civil ........................................................... 112 7.6.2 Intérprete e tradutor ........................................................................................................................... 113 7.6.3 Conciliadores e mediadores .............................................................................................................. 114 8 PROCESSO ELETRÔNICO .............................................................................................................................119 8.1 Antecedentes históricos ..................................................................................................................119 8.2 Regulamentação legal do processo eletrônico ......................................................................120 9 APRESENTAÇÃO Prezado aluno, Trazemos até você o material didático da disciplina Formação para a Prática Processual. Nele você encontrará a matéria necessária para a compreensão do tema. A matéria em questão tem como objetivo geral capacitar o aluno para compreender o processo como um dos instrumentos para a efetividade da justiça no sistema constitucional brasileiro. Como objetivos específicos, visa fazer com que o aluno compreenda o processo como instrumento do acesso à justiça no sistema constitucional brasileiro e as especificidades do processo e seus princípios fundamentais; conheça a atuação dos atores processuais (Ministério Público, magistrados, advogados, advogados do Estado e defensorespúblicos); identifique possibilidades e limites de atuação; analise os direitos e deveres das partes no processo; e perceba o processo como esforço de colaboração entre todos para a concretização da justiça. INTRODUÇÃO O processo é o instrumento de realização da justiça, pelo Estado. Desde que o ser humano buscou viver em sociedade, junto a outros seres humanos, foi necessário estabelecer regras para que essa convivência se desse de maneira ordeira e pacífica. Mas é natural que dessa situação surjam conflitos de interesse, em razão de posições antagônicas que se colocam as pessoas. Muitos desses conflitos são momentâneos e passageiros; outros se resolvem pelos próprios envolvidos, que acabam por abrir mão de alguma coisa em favor de um bem maior; alguns, ainda, se resolvem por acordo entre as partes. Mas há conflitos que não se resolvem e, para esses, existe o Poder Judiciário. O Estado moderno, quando se organizou com a separação dos poderes, tomou para si o poder de resolver os conflitos de interesse, e a esse poder deu-se o nome de jurisdição. O Estado detém o monopólio da jurisdição, sendo vedada a chamada autotutela. Os conflitos de interesse que não encontram uma solução amigável somente podem ser solucionados pelo Poder Judiciário. Mas para que o Estado, através do Poder Judiciário, possa dar essa solução ao conflito, é preciso que o interessado exerça o seu direito de ação, provocando a jurisdição. Vale dizer, o interessado na solução do conflito deve procurar o Poder Judiciário, porque este não pode promover a jurisdição sem que seja provocado. E a forma que o cidadão tem de provocar a jurisdição é através do processo, que é o mecanismo próprio para levar o conflito ao Poder Judiciário. Através do processo o Estado estará apto a dar a resposta, dizendo quem tem o direito no caso concreto que lhe foi submetido. O processo é um instrumento, com princípios e regras próprias, e para poder utilizar-se dele a contento deve-se conhecê-los apropriadamente. Neste livro, vamos apresentar as premissas básicas para o aluno começar a entender o processo. 11 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Unidade I 1 O PROCESSO 1.1 Breve história do processo no Direito brasileiro Descoberto por Pedro Álvares Cabral em 1500, o Brasil logo tornou-se colônia de Portugal e, como tal, subordinado às leis portuguesas. Nesse período colonial, entre 1500 e 1822, o Brasil foi regido, basicamente, pelas Ordenações Afonsinas (de 1500 a 1521), Manuelinas (1521 a 1603) e Filipinas (1603 a 1822). Quando Dom Pedro I fez a declaração de Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, nos libertamos das correntes que nos unia a Portugal, de sorte que o Brasil Império deveria ter uma nova e própria ordem jurídica. Por conta disso, foi promulgado o Decreto de 20 de outubro de 1823, dispondo que as leis portuguesas que estivessem em vigência no País somente teriam eficácia no que não contrariasse os interesses e a soberania nacionais, bem como o regime instaurado, enquanto novas leis não fossem promulgadas (BRASIL, 1823). Assim, é possível afirmar que as Ordenações Filipinas foram a primeira lei a tratar de processo do Brasil independente, sendo que a Constituição Federal de 1823 (a primeira constituição brasileira) já reconhecia o Poder Judiciário como poder independente. Saiba mais Para saber mais sobre a Independência do Brasil: GOMES, L. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram dom Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. A partir daí, o Brasil começou a produzir suas próprias leis, incluindo várias de caráter processual, destacando-se o Código de Processo Criminal, de 1832, considerada a primeira lei processual feita no País. Em 1850 foi promulgado o Código Comercial brasileiro e, logo depois, foi editado o Regulamento 737, que, entre várias disposições, regulamentava o processo comercial. Em momento posterior, veio o Decreto 763/1890, estendendo a aplicação do Regulamento 737 aos processos das causas civis em geral. 12 Unidade I Com o fim do Império, proclamada a República em 1889, tivemos uma nova Constituição em 1891, que permitia aos estados-membros legislarem sobre matéria processual civil e criminal, passando eles, então, a elaborar suas leis de organização judiciária. Mas a Constituição de 1937 estabeleceu a competência exclusiva da União de legislar sobre matéria processual (art. 16, XVI). A partir da Constituição Federal de 1937, instituiu-se no Brasil o Código de Processo Civil, através do Decreto-lei nº 1.608/1939, sendo composto de 1.052 artigos, divididos em nove livros: • a) Disposições gerais. • b) Do processo em geral. • c) Do processo ordinário. • d) Dos processos especiais. • e) Dos processos acessórios. • f) Dos processos de competência originária dos tribunais. • g) Dos recursos. • h) Do juízo arbitral. • i) Disposições finais e transitórias. Em período posterior ao Código de Processo Civil de 1939, foram promulgadas importantes leis que envolviam matéria processual, das quais se destacam o Decreto-lei nº 7.661/1945 (Lei de Falências) e a Lei nº 1.533/1951 (Lei do Mandado de Segurança). Em 1973, a Lei nº 5.869 instituiu um novo Código de Processo Civil, substituindo o anterior de 1939, contando 1.220 artigos, divididos em cinco livros: • a) Do processo de conhecimento. • b) Do processo de execução. • c) Do processo cautelar. • d) Dos procedimentos especiais. • e) Das disposições transitórias. 13 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Em 1988 veio a atual Constituição Federal, estabelecendo uma nova ordem jurídica. Por conta disso, e porque necessária a atualização legislativa, em 2015, a Lei nº 13.105 instituiu o novo Código de Processo Civil. Saiba mais Para entender a história do processo no Brasil: PAULA, J. L. M. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à escola crítica do processo. Barueri: Manole, 2002. 1.2 A posição do Direito Processual no Direito Pátrio O processo é um sistema complexo composto de atos que são ordenados e coordenados de uma maneira lógica, realizados pelos seus sujeitos e pelos auxiliares da justiça. Tais atos seguem, obrigatoriamente, princípios e normas legais, de forma que o processo é um instrumento que orbita o sistema jurídico, e ao qual chamamos Direito Processual. O Direito Processual é, assim, “sistema de princípios e normas legais que regulam o processo, disciplinando as atividades dos sujeitos interessados, do órgão jurisdicional e seus auxiliares” (SANTOS, 2009, p. 13). É o ramo do Direito que estuda o processo judicial, do qual são sub-ramos o Direito Processual Civil, o Direito Processual Penal e o Direito Processual do Trabalho, sendo ligado diretamente ao Direito Público porque é a área do Direito que disciplina o exercício da função e atividade jurisdicional, cujo monopólio é do Estado. Direito Processual Direito Processual Civil Direito Processual Penal Direito Processual do Trabalho Figura 1 Nesse sentido, retomando o escólio de Moacyr Amaral Santos (2009a, p. 14), Direito processual é a regulamentação do exercício da função jurisdicional, que é função soberana do Estado e consiste em administrar justiça. Exerce-a o Estado, em face de casos concretos, isto é, em face de concretos conflitos 14 Unidade I de interesse, compondo-os segundo a vontade da lei. Ou mais, tecnicamente, exerce-a em face de uma lide, como tal considerada o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, aplicando a lei ao caso. Vale dizer que, no exercício da função jurisdicional, o Estado terá que considerar a natureza da lide e, portanto, a pretensão, que a caracteriza, para, conforme o seja, dar atuação à lei reguladora da espécie, aplicando a medida jurídica que desta resultar. A atividade jurisdicional é, indubitavelmente, uma função pública, que decorre do princípio constitucionalda soberania (CF, art. 1º, I). Por tal motivo, podemos afirmar que o Direito Processual, que regulamenta aquela atividade, é um ramo do Direito Público que mais se evidencia por regular atividades dos órgãos da jurisdição, os quais são órgãos estatais. Nesse diapasão, vamos observar que o Direito Processual Civil é o sub-ramo do Direito Processual a ser utilizado para solução de todos os conflitos que não sejam de natureza penal ou trabalhista. Todavia, mesmo para esses outros sub-ramos, o Código de Processo Civil será utilizado em caráter supletivo. Lembrete O nosso sistema jurídico é um sistema constitucional, de forma que a Constituição Federal é a norma mais importante do sistema, da qual todas as outras decorrem, incluindo o Direito Processual, que a ela se submete. 1.3 Lei processual no espaço No que tange ao Direito Processual em geral, temos que o Código de Processo Civil é a principal lei que estabelece os dispositivos que regem o processo, sendo aplicada em todo o território nacional. Conforme dispõe o art. 22, I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), a competência para legislar sobre direito processual é exclusiva da União Federal. A lei processual tem, pois, abrangência nacional, sendo aplicada igualmente em todo o território brasileiro, pelo princípio da territorialidade. Como explica Câmara (2013, p. 34), “essa regra, a rigor, é mera aplicação de um tradicionalíssimo sistema por força do qual a lei que rege o processo é, sempre, a lei em vigor no foro em que o mesmo tramita (lex fori)”. Assim, o processo será sempre regido pela lei do país ao qual pertence o órgão jurisdicional incumbido de julgá-lo. No caso do Brasil, a jurisdição será exercida em todo o território nacional conforme dispuserem as normas processuais brasileiras, conforme os arts. 13 e 16 do Código de Processo Civil (2015a): 15 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte. Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código. Não obstante seja o Código de Processo Civil a mais importante lei em matéria processual, há outras leis especiais que tratam de questões processuais, como a Lei dos Juizados Especiais (LJEC), a Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFR), a Lei do Mandado de Segurança (LMS), a Lei da Ação Civil Pública (LACP), a Lei do Inquilinato (LI), entre outras. Além disso, o nosso sistema processual observará normas específicas previstas em tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. 1.4 Lei processual no tempo Outra dimensão em que a lei processual deve ser observada é a temporal. A vigência da lei processual no tempo segue, a princípio, o disposto no art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (BRASIL, 1942): “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. A disposição contrária a que se refere esse art. 1º da LINDB deve aparecer na própria lei, que pode definir outro prazo para sua vigência, ou até mesmo que não há prazo, entrando em vigor na data da sua publicação. O período de tempo compreendido entre a data da publicação da lei e o início de sua vigência é chamado de vacatio legis. A lei processual, quando entra em vigor, produz efeitos imediatos nos processos que estão em andamento, não retroagindo para alcançar atos passados. Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2003a, p. 97), [...] quanto à eficácia da lei processual em relação aos processos pendentes, aplica-se a regra tempus regit actum, segundo a qual fatos ocorridos e situações já consumadas no passado não se regem pela lei nova que entra em vigor, mas continuam valorados pela lei do seu tempo. Sabendo que o processo se desenvolve ao longo de certo tempo, a vigência de uma nova lei processual deve respeitar a seguinte fórmula: analisamos o processo por atos, separando-os, e cada ato deverá respeitar a lei vigente, e assim a lei nova passa a produzir efeitos imediatos em relação ao próximo ato a ser praticado no processo em andamento. 16 Unidade I Dá-se a isso o nome de Teoria do Isolamento dos Atos Processuais. Exemplo: Considerando que o processo é constituído por inúmeros atos, o Direito Processual Civil orienta-se pela Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de determinar qual a lei que o regerá (princípio do tempus regit actum). Esse sistema está inclusive expressamente previsto no art. 14 do CPC/2015 (BRASIL, 2017a). 1.5 Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos demais ramos do Direito Processual Tendo em vista que o Código de Processo Civil é a mais completa e a mais importante lei que dispõe sobre direito processual no nosso ordenamento jurídico, ele será utilizado de maneira supletiva, ou subsidiária, a todos os demais ramos do direito processual, tais como o processo penal, processo do trabalho, processo eleitoral, processo administrativo, dentre outros. É o que dita o art. 15 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a): “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Assim, de maneira expressa, o Código de Processo Civil vai servir de fonte à execução fiscal (LEF, art. 1º), ao processo penal (STF, AI 664567; STF, AP 470), ao processo falimentar (LRF, art. 189), ao juizado especial (LJEC, art. 52) e à ação civil pública (LACP, art. 19), o que revela que a relação daquele art. 15 é meramente exemplificativa, conforme segue: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DISPOSIÇÕES DO CPC. APLICAÇÃO APENAS DE MODO SUBSIDIÁRIO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. ART. 16, § 3º, DA LEI N. 6.830/80. MESMO PRAZO DOS EMBARGOS. TRINTA DIAS. 1. Nos termos do art. 1º da Lei n. 6.830/80, as disposições contidas no Código de Processo Civil aplicam-se à execução fiscal apenas de modo subsidiário, ou seja, somente quando naquela norma (a LEF) não houver disposição sobre o que se quer disciplinar (BRASIL, 2013). Mas é preciso esclarecer que a utilização supletiva do Código de Processo Civil aos outros ramos do Direito Processual somente pode ocorrer quando houver ausência ou a lacuna na lei processual respectiva, e desde que não ocorra conflito ou incompatibilidade com os princípios que a regem. 17 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Saiba mais Leia a Instrução Normativa 39 (IN/39) do TST, a qual dispõe sobre “as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva”. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 203, de 15 de março de 2016. Brasília, 2016b. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/ 10157/429ac88e-9b78-41e5-ae28-2a5f8a27f1fe>. Acesso em: 13 nov. 2018. 1.6 Direito Processual e Direito Material Já tendo uma boa ideia do que é o Direito Processual, podemos então fazer uma diferenciação entre o Direito Processual e o Direito Material. A vida em sociedade é regulada por uma série de regras e normas, que estabelecem o que os cidadãos podem ou não fazer, ou seja, os seus direitos e deveres. Essas regras e normas, que contêm a indicação do direito que o integrante da sociedade possui, constituem o que se chama de Direito Material ou Direito Substancial. O direito material é o próprio direito em si. Ocorre que, por vezes, tais direitos não são respeitados pelos demais integrantes do grupo social, ocorrendo as violações que fazem surgir os conflitos. Assim, quem se acha titular de um direito material violado poderá reivindicá-lo junto ao Poder Judiciário, exercendo seu direito de ação perante o Estado, para que este recomponha o direito lesado.E, para que o Estado possa prestar a sua função jurisdicional, apreciando a pretensão posta em juízo, concedendo-lhe ou não a tutela requerida, faz-se necessário um processo, que é o instrumento apropriado para solucionar o conflito. O processo, que não é um fim em si mesmo, posto servir apenas para realizar o Direito Substancial que nele se discute, desenvolve-se conforme princípios, regras e normas que lhes são próprios, e que constituem o Direito Processual ou Direito Adjetivo. 1.7 Direito Processual e Constituição Federal Tendo um sistema jurídico constitucionalista, no qual a Constituição Federal é a norma mais importante, todos os ramos do Direito devem se submeter a suas disposições, regras e princípios. Isso se vê do art. 1º do Código de Processo Civil: “O processo civil é ordenado, disciplinado e interpretado conforme a Constituição Federal”. Isso, como não poderia deixar de ser, ocorre com o Direito Processual. Como explicam Cintra, Grinover e Dinarmarco (2010, p. 84): 18 Unidade I [...] todo o direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas fundamentais traçadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e a efetividade do direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais. O Direito Processual, como um sub-ramo do Direito, tem suas bases fincadas na Constituição Federal, a ela devendo total obediência. 1.8 O processo Entendido o que é o Direito Processual, é chegada a hora de se perguntar: o que é o processo? Etimologicamente, processo tem o sentido de uma ação continuada, sequencial. Processo, assim, tem o sentido de algo que anda para frente, que evolui a partir de uma sucessão de etapas organizadas e coordenadas. A palavra processo tem origem no latim procedere, que pode ser entendido como sistema ou método, ou, ainda, maneira de agir, conjunto de medidas tomadas para atingir um objetivo. No Direito, o sentido é quase o mesmo: processo judicial é uma sucessão de atos, concatenados e ordenados de maneira lógica, para atingir o resultado final. Na definição de Santos (2009a, p. 13), “processo é um complexo de atos coordenados, tendentes ao exercício da função jurisdicional”. Tais atos, por serem realizados no processo, são chamados de atos processuais, e a sua ordenação, sempre de maneira lógica, se dará conforme dispuser a lei processual. A ordenação lógica ocorre porque os atos processuais são dependentes e decorrentes uns dos outros, de sorte que um ato consequente só poderá acontecer se houver um ato antecedente do qual ele depende. E o objetivo – o resultado final – do processo é alcançar a composição da lide, ou seja, a solução do litígio. Daí se dizer que o processo é o instrumento de composição da lide. Compor a lide significa resolvê-la conforme os mandamentos da ordem jurídica, quer dizer, resolver o conflito segundo a vontade da lei. Aquela operação, o processo, portanto, a série de atos coordenados, se destina a obter a atuação da lei, dessa forma compondo a lide (SANTOS, 2009a, p. 10). É instrumento porque se trata de uma ferramenta utilizada para alcançar o objetivo, que é ver reconhecido o direito: o processo não é um fim em si mesmo, nem pode ser mais importante do que o direito nele discutido, servindo apenas como meio para solucionar o litígio. 19 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL 1.9 A lide Uma vez que o processo é o instrumento de composição da lide, esta será a razão de ser do processo, vale dizer, o seu fator preponderante. Lide é o conflito de interesse que justifica o processo. Mas é preciso observar que não é qualquer conflito de interesse que será lide, mas, sim, apenas aquele que pressupõe um enfrentamento, ou seja, uma resistência da parte contrária em aceitar ou reconhecer o direito pretendido. Daí se dizer que lide é o conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida. Para ser lide, ao conflito estabelecido deve haver uma resistência à pretensão manifestada por uma das partes conflitantes em relação à outra. É essa resistência que qualifica tal conflito para torná-lo lide. Em sentido contrário, se não há essa resistência, não haverá lide e, por conseguinte, não haverá atividade jurisdicional a ser prestada pelo Estado (exceção feita, evidentemente, aos procedimentos de jurisdição voluntária, como veremos a seguir). Como explicam Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 152), a existência da lide é uma característica constante na atividade jurisdicional, quando se trata de pretensões insatisfeitas que poderiam ter sido satisfeitas pelo obrigado. Afinal, é a existência do conflito de interesse que leva o interessado a dirigir-se ao juiz e a pedir-lhe uma solução; e é precisamente a contraposição dos interesses em conflito que exige a substituição dos sujeitos em conflito pelo Estado. A lide, assim, é condição sine qua non do processo. 2 DOS PRINCÍPIOS DO PROCESSO 2.1 Dos princípios O estudo de uma determinada ciência deve tomar como base fundamental os princípios que a informa. Tais princípios são as diretrizes básicas que servirão de guia para o seu estudo, ou seja, são regras gerais que aglutinam os valores fundamentais de um determinado sistema. Etimologicamente, a palavra “princípio” tem diversos significados, mas todos apontam para uma mesma direção, como início, fundamento, ideia ou forma (CUNHA, 2006). Encontramos em Reale (apud MARTINS, 2010, p. 73) uma boa definição: Princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. 20 Unidade I Para Celso Bandeira de Melo (apud PIRES, 2014, p. 45), o princípio é o [...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. O princípio se apresenta, assim, como indicador primeiro a ser observado pelo estudioso de uma determinada ciência, o qual todos os demais devem seguir. Como ensina José Afonso da Silva (2005, p. 28): “os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são (como observam Canotilho e Vital Moreira) ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais”. Como pudemos salientar em outra obra, os princípios contêm um norte, uma direção a ser seguida, mais abrangente do que uma simples regra e que embasa a ciência, visando sua correta compreensão e interpretação, como verdadeiros mandados de otimização com a característica de poderem ser preenchidos em diferentes graus, informando, orientando e inspirando as normas jurídicas, além de sistematizarem e darem organicidade aos institutos (SALES, 2017a). 2.2 Dos princípios jurídicos No caso específico das ciências jurídicas, os princípios são os fatores mais importantes a serem considerados por todos aqueles que, de algum modo, a eles se dirijam. Assim, o operador do direito, na sua aplicação e interpretação, deve sempre considerar os princípios norteadores de todas as demais normas jurídicas existentes. São os princípios jurídicos. Os princípios jurídicos podem ser explícitos ou implícitos. São implícitos quando ficam ocultos sob a materialidade dos elementos, sob a literalidade do texto, e explícitos quando estiverem formulados de maneira expressa, qualquer que seja a sua natureza, manifestando-se como elementos do sistema. Assim, é de se ver que apenas o princípio implícito é que exige a atenção intérprete. Já o princípio explícito, porque já está expresso na norma jurídica, não necessita de interpretação. No nosso ordenamento jurídico, os princípiosestão em local de destaque, situados na mais alta posição, sendo as estrelas máximas do universo ético-jurídico, de forma genérica e abstrata, embora incidente no plano da realidade. Isso ocorre porque a norma jurídica incide no plano real e, uma vez que ela deve respeitar os princípios, acaba por conduzi-los ao mesmo plano. 21 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL 2.3 Dos princípios constitucionais do processo A nossa Constituição Federal de 1988 é, notadamente, principiológica. E, como nosso ordenamento jurídico é constitucionalista, os princípios constitucionais são os mais importantes entre todos. Assim, os princípios afirmados naquela Carta Magna vão se estabelecer como os pontos mais importantes do sistema normativo, constituindo as vigas mestras que alicerçam o nosso sistema jurídico. Os princípios jurídicos constitucionais influirão na interpretação até mesmo das próprias normas constitucionais. Assumem, destarte, os princípios constitucionais, destacada função no ordenamento jurídico, porque vão orientar, informar, condicionar e iluminar o caminho da interpretação jurídica, servindo de norte ao operador do direito, constituindo normas qualificadas que dão coesão ao sistema jurídico, atuando como fator de aglutinação. Especificamente em relação ao processo, a Constituição Federal estabeleceu diversos princípios. Veremos, a seguir, os principais. Saiba mais Para entender os princípios constitucionais do processo, leia a seguinte obra: NERY JR., N. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 2.3.1 Princípio do devido processo legal O princípio do devido processo legal encontra previsto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988). Esse, talvez, seja o principal princípio em termos processuais que a Constituição Federal apresenta. Não é raro encontrar doutrinadores que o consideram o verdadeiro princípio, ou o megaprincípio do processo, do qual todos os outros seriam consequentes. Nelson Nery Jr. (2010, p. 79) argumenta que “bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa”, ao passo que, para Elpídio Donizetti (2013, p. 84), “o devido processo legal é o postulado fundamental do processo, preceito do qual se originam e para o qual, ao mesmo tempo, convergem todos os demais princípios e garantias fundamentais processuais”. 22 Unidade I A privação da liberdade ou o desapossamento de bens do devedor, por parte do Estado, só se admite se tiver origem em processo judicial, onde respeitadas as normas previamente estabelecidas, como a ampla defesa e o contraditório, a igualdade, a segurança jurídica e a coisa julgada. Como ensinam Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 60), no processo civil legitimam-se normas e medidas destinadas a reequilibrar as partes e permitir que litiguem em paridade de armas, sempre que alguma causa ou circunstância exterior ao processo ponha uma delas em condições de superioridade ou de inferioridade em face da outra, mas é muito delicada essa tarefa de reequilíbrio substancial, a qual não deve criar desequilíbrios privilegiados a pretexto de remover desigualdades. Na lição de Wagner Jr. (2008, p. 40), “traz o devido processo legal garantias que extrapolam o interesse das partes, posto que, em última instância, legitimam o processo entendido esse como o veículo condutor do Estado no exercício do de sua atividade jurisdicional”. O devido processo legal é, destarte, a garantia constitucional que todo cidadão tem, no Estado democrático de direito, a uma tutela jurisdicional, ou seja, da aplicação judicial de lei por meio do processo, que é o único instrumento legítimo para tanto. 2.3.2 Princípio da ampla defesa e do contraditório A ampla defesa e o contraditório estão previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988): “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A ampla defesa constitui a garantia de que nenhum cidadão será submetido ao processo sem possibilidade de se defender plenamente e de ser ouvido pela autoridade competente. Assegura-se o direito de defesa a todos os litigantes, da forma mais ampla possível, de sorte a garantir-lhes o uso de todos os meios e recursos previstos em lei para tanto, e sua inobservância poderá redundar na nulidade do processo, por cerceamento de defesa. Pelo contraditório, não se admite que ninguém seja condenado – e isso vale para qualquer tipo de processo – sem ser ouvido previamente e poder reagir a isso. Como explicam Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 61), o juiz, em razão do seu dever de imparcialidade, deve manter-se entre as partes, mas equidistante delas e, ouvindo uma, não poderá deixar de ouvir a outra, pois somente assim dará a ambas a possibilidade de expor as suas razões e suas provas, influindo no convencimento do juiz. Wagner Jr. (2008, p. 41) alerta que o contraditório de assenta no binômio ciência do fato/ possibilidade de reação. Não basta se dar ciência a alguém de algo sem garantir-lhe a possibilidade de agir da forma como mais apropriado. 23 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL É um princípio complexo, porque ligado, num plano superior, ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), e, horizontalmente, aos princípios da ampla defesa (também previstos no mesmo inc. LIV), da igualdade processual (art. 7º do CPC/2015) e da imparcialidade do juiz (art. 10 do CPC/2015). 2.3.3 Princípio do juiz natural O princípio do juiz natural é expressamente reconhecido no art. 5º, LIII da Constituição Federal: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. A garantia constitucional aqui tratada é que o cidadão só pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens desde que sentenciado pelo juiz competente. A autoridade competente referida no texto constitucional é aquela que foi assim estabelecida pela lei, seguindo os princípios próprios da jurisdição, ou, como explica Cretella Neto (2006, p. 132), “o juiz natural é aquele cuja autoridade para exercer a judicatura deriva do ordenamento constitucional”. Pode-se dizer, então, que o juiz natural é aquele já existente no momento em que o fato jurídico ocorreu e, segundo Gonçalves (2013a, p. 50), “[...] isso implica que não haja escolha do juiz de acordo com o arbítrio e vontade das partes. A causa deve ser apreciada por órgão judicial que já existia, no momento do litígio, e tenha sua competência preestabelecida pela Constituição Federal e por lei”. Autoridade competente é, pois, aquela que preexiste ao fato que irá julgar, a partir das regras de competência preestabelecidas em lei. Mas não apenas isso: temos que a autoridade competente para conhecer e julgar a ação deverá ser determinada aleatoriamente, através de sorteio. Assim, sempre que houver mais de um juiz na mesma localidade com mesma competência territorial, as ações a eles submetidas devem ser distribuídas mediante sorteio, conforme dispõe o Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a), nos arts. 284 e 285. Isso impede, efetivamente, que a parte interessada possa escolher o juiz que vai julgar o caso. A garantia do juiz natural conforma-se na imparcialidade do juiz e na proibição do tribunal de exceção, como veremos a seguir. 2.3.3.1 Princípio da imparcialidade do juiz É na imparcialidade do juiz que se sustenta todo o sistema processual. Apenas porque as pessoas acreditam nessa imparcialidade é que o sistema funciona. Conforme Gonçalves (2013a, p. 50) “[...] trata-se de uma necessidade imperiosa, que mantém estreita relação com os princípios do acesso à justiça e isonomia. A imparcialidade do juiz é pressuposto processualde validade de processo”. Como o processo serve para pacificação social, eliminando os conflitos, e o Estado detém o monopólio da jurisdição, é preciso agir com imparcialidade, demonstrando neutralidade, para que assim o jurisdicionado possa, confiando no sistema, submeter seus conflitos a ele. 24 Unidade I O princípio da imparcialidade está diretamente unido ao princípio do juiz natural. Para exercer o poder jurisdicional de maneira neutra e eficaz, o magistrado deve manter sua imparcialidade. Perdendo-a, qualquer que seja o motivo, deve afastar-se – ou ser afastado – do processo, para que possamos manter a confiança no sistema. 2.3.3.2 Tribunal de exceção O tribunal de exceção é um instituto cuja proibição, no nosso sistema jurídico, está expressa no art. 5º, XXXVII, da Constituição Federal: “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (BRASIL, 1988). Por juízo ou tribunal de exceção deve ser entendido o tribunal arbitrário, que é criado para julgar o fato depois de ele haver ocorrido, desrespeitando o princípio do juiz natural. Ocorrido fato jurídico, deverá ele ser conhecido e julgado pela autoridade competente, que é a autoridade já constituída no momento de sua ocorrência. Nery Jr. (2010, p. 130) alerta que “enquanto o juiz natural é aquele previsto abstratamente, o juízo de exceção é aquele designado para atuar no caso concreto ou individual”. Pela simples criação de tribunal com finalidade exclusiva de julgar um fato já ocorrido, não é errado presumir que esse tribunal será tendencioso (tribunal de encomenda), não contando com a imparcialidade e neutralidade necessária e própria do sistema, por isso a proibição constitucional. 2.3.4 Princípio da inafastabilidade da jurisdição A inafastabilidade da jurisdição está estampada no art. 5º, XXXV da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). No plano infraconstitucional, encontramos semelhante dispositivo, no art. 3º do Código de Processo Civil: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (BRASIL, 2015a). O Estado, ao chamar para si a responsabilidade de compor os conflitos de interesse, tem o dever de franquear aos cidadãos o acesso à justiça. Isso se perfaz com o direito de ação, que é garantido a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, razão pela qual o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal estabelece a inafastabilidade da jurisdição. Como explica Gonçalves (2013a, p. 49), “esse dispositivo garante a todos o acesso à justiça para postular e defender os seus interesses, por meio de tutela específica”. Por essa razão, não se admite que o cidadão seja afastado da jurisdição. Dessa forma, não se pode impedir o aceso, nem criar obstáculos, do cidadão ao Poder Judiciário. Vale dizer, não se pode excluir da apreciação do judiciário qualquer questão que interfira nos direitos do cidadão, de maneira individual ou coletiva. O Poder Judiciário, assim, sempre estará apto a conhecer e julgar qualquer tipo de questão que implique lesão ou ameaça a direito, de sorte que todos têm direito de acesso ao Poder Judiciário para deduzir suas pretensões. 25 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Observação Conforme a Súmula vinculante 28 do STF (BRASIL, 2017c), “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário”. Já a Súmula 667 do STF (BRASIL, 2017b) indica que “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”. 2.3.5 Princípio da proibição da prova ilícita A proibição da prova obtida por meios ilícitos está prevista no art. 5º, LVI, da Constituição Federal: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (BRASIL, 1988). Provas ilícitas são as provas obtidas por meios que não são nem legais nem moralmente legítimas, obtidas com infringência às normas de direito material ou em desobediência a determinada ordem judicial. O processo admite todas as formas de prova, mesmo que não estejam previstas na lei, mas desde que sejam lícitas e/ou moralmente aceitas. Isso está previsto no art. 369 do Código de Processo Civil: “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (BRASIL, 2015a). As provas que forem obtidas por meios ilícitos não serão aceitas em juízo, em razão de proibição constitucional expressa, motivo pelo qual a prova ilícita não tem validade no processo. Nesse sentido, o STF já decidiu que: a prova ilícita – por qualificar-se como elemento inidôneo de informação – é repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de eficácia jurídica, bem como na Ação Penal 307-3: a absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de consequência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita 26 Unidade I razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica (BRASIL, 2000b). Realizada a prova e reconhecida a sua ilicitude, deve o juiz determinar o seu desentranhamento dos autos do processo. 2.3.5.1 Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa (Fruit of the Poisonous Tree Doctrine) A Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa decorre diretamente da proibição da prova ilícita e surgiu do Direito norte-americano. Por conta dessa teoria, uma prova ilícita originária ou inicial contaminaria todas as demais provas dela decorrentes. Assim, tendo a prova sido obtida por meio ilícito, ela é inválida, e todos os atos dela consequentes devem ser tidos como nulos. É a chamada prova ilícita por derivação. A analogia, aqui, é que se a árvore (prova original) está contaminada (pela ilicitude na sua aquisição), seus frutos (as provas que dela decorrem) também estarão. Essa teoria, segundo Nery Jr. (2010, p. 274), [...] consiste em que se deve considerar ineficazes no processo, e, portanto, não utilizáveis, não apenas as provas obtidas ilicitamente, mas também aquelas outras provas que, se em si mesmas poderiam ser lícitas, se baseiam, derivam ou tiveram sua origem em informações ou dados conseguidos pela prova ilícita. O STF reconheceu a teoria da prova ilícita por derivação no caso a seguir: PROVA ILÍCITA – ESCUTA TELEFÔNICA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – Afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, “nas hipóteses e na forma” por ela estabelecidas, possa o juiz, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS nº 21.750, 24-11-1993, Velloso); consequente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalênciados cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – a falta de lei que, nos termos constitucionais, 27 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente (BRASIL, 1993b). Assim, ilícita a prova na origem, todas as demais provas obtidas a partir dela também o serão, por derivação. 2.3.6 Princípio da publicidade e da fundamentação das decisões judiciais O princípio da publicidade e da fundamentação está contemplado no art. 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988): IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. 2.3.6.1 Publicidade Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ser públicos. Isso significa, em primeiro plano, que não pode haver julgamento “secreto”. Publicidade garante transparência, e é disso que se cuida aqui. As decisões do Poder Judiciário devem ser de conhecimento de todos como forma de fiscalização e controle da atividade jurisdicional. Como ensina Cretella Neto (2006, p. 206), [...] o princípio da publicidade foi adotado por todas as modernas leis processuais, servindo para permitir, além da fiscalização dos atos processuais e das condutas de magistrados e litigantes, pela opinião pública, também uma função educativa, facilitando a divulgação das ideias jurídicas e elevando o grau de confiança da comunidade na administração da justiça. A exceção a essa regra da publicidade está prevista na própria Constituição, no art. 5º, LX (BRASIL, 1988): “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Essa exceção permite que, nos casos de segredo de justiça, a publicidade seja mitigada e restrita apenas às partes e a seus procuradores, advogados, defensores públicos e membros do MP, como estabelecido no art. 11, parágrafo único, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a): 28 Unidade I Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público. 2.3.6.2 Fundamentação (ou motivação) das decisões judiciais Todas as decisões do poder judiciário devem ser fundamentadas. Isso significa dizer que não apenas os julgamentos (sentenças e acórdãos), mas também as decisões interlocutórias devem ser motivadas. Fundamentar significa expor as razões de convencimento. Wagner Jr. (2008, p. 45, grifo do autor) define que “motivar a decisão significa fundamentá-la de forma clara e precisa, a fim de que seja possível ao interessado ter pleno conhecimento das razões que baseiem aquele posicionamento”. O juiz, ao decidir, deve dar as razões que o levou a tal decisão. Dessa forma, não basta ao juiz dizer que a ação é procedente. Ele deve explicar, como razões de decidir, os motivos que foram determinantes para formar o convencimento acerca daquela decisão. Esse fundamento deve abarcar tanto as provas produzidas quanto os dispositivos legais invocados. A fundamentação é elemento essencial da sentença, bem como das demais decisões proferidas pelo juiz, e é importante na medida em que propicia às partes, a terceiros interessados e a toda a sociedade conhecer as razões do Judiciário para decidir de uma forma ou de outra. Isso faz parte do próprio Estado Democrático de Direito e, especialmente, do devido processo legal. O prejuízo advindo da falta de fundamentação da decisão, para as partes e para o processo, é evidente, pois não apenas ofende garantia constitucional e legal, como também impossibilita eventual recurso, afetando diretamente o direito à ampla defesa. 2.3.6.3 Nulidade da decisão não publicada ou não fundamentada A lei comina de nulidade a decisão proferida em desobediência aos princípios da publicidade e da motivação. Destarte, decisão judicial que não seja pública ou que não seja fundamentada será nula de pleno direito (e não anulável). Em sendo assim, ela será ineficaz, e nenhum efeito poderá produzir. Veja um exemplo: ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. Ordem de inclusão de terceira interessada no polo passivo da lide. Decisão desprovida de fundamentação. Nulidade reconhecida. Art. 93, IX, CF, e art. 165, do CPC/1973 (art. 11, NCPC). Agravo provido para cassar a decisão combatida (SÃO PAULO, 2016). 29 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL 2.3.7 Princípio da duração razoável do processo Fruto da Emenda Constitucional nº 45, a duração razoável do processo, como princípio constitucional, está prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988): “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A preocupação do legislador reformista era com a demora na entrega da prestação jurisdicional, daí porque estabelecer uma garantia constitucional que assegure uma duração razoável na tramitação processual. O mesmo princípio da duração razoável do processo está presente no art. 4º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a), ao estabelecer que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, mas acrescenta um ponto: incluiu-se não apenas a solução da lide, mas também a satisfação do julgado (execução e cumprimento da sentença). 2.4 Princípios do processo expressos no Código de Processo Civil 2.4.1 Princípio dispositivo O princípio dispositivo, também chamado de princípio da inércia da jurisdição, encontra-se na primeira parte do art. 2º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a): “O processo começa por iniciativa da parte [...]”. O Poder Jurisdicional é um poder inerte. Isso significa que ele somente poderá se manifestar quando – e se – houver provocação da parte interessada. Essa é a razão pela qual se diz que o processo começa por iniciativa da parte. Para que a jurisdição se manifeste, saindo da inércia e entrando em movimento, faz-se necessário que a parte interessada adote uma postura ativa, ou seja, que exerça seu direito de ação, deduzindo sua pretensão perante o órgão jurisdicional competente. Observação De acordo com a Súmula 381 do STJ (BRASIL, [s.d.]a), “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, a abusividade das cláusulas”. 2.4.2 Princípio do impulso oficial O impulso oficial, como princípio, aparece na segunda parte do art. 2º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a): “[...] e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Tendo sido provocada a jurisdição, e começado o processo, o desenvolvimento deste se dará de ofício, vale dizer, pelo próprio juiz que o conduz. Daí dizer que o processo se desenvolve por impulso oficial. 30 Unidade I Na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 72), é o princípio “pelo qual compete ao juiz, uma vez instaurada a relação processual, mover o processo de fase em fase, até exaurir a função jurisdicional”. O impulso oficial se perfaz através dos atos de pronunciamento do juiz, que são os despachos, as decisões interlocutórias e a sentença. Veja um exemplo: PROCESSO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO. NÃO CONSTATAÇÃO. ARTIGO 2º DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. O AR de citação retornoupelo motivo ausente. Assim, não há que se falar em falta de condição de procedibilidade da ação, por não indicação de novo endereço, pois não consta nos autos que o executado não reside no endereço antes informado pelo Exequente. O Novo Código de Processo Civil determina no artigo 2º que “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Caberia nova tentativa de citação no mesmo endereço anteriormente diligenciado, o que deveria ser observado pelo Juiz de Primeiro Grau (MATO GROSSO, 2017). 2.4.2.1 Arbitragem e jurisdição O § 1º do art. 3º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a) reconhece a arbitragem: “é permitida a arbitragem, na forma da lei”. Arbitragem é um mecanismo de solução de conflitos extrajudicial, devidamente prevista na Lei nº 9.307/1996, em que as partes interessadas, respeitando as hipóteses legais autorizadoras, podem submeter seu conflito à apreciação de um árbitro, mediante uma convenção de arbitragem, substituição, assim, à atividade jurisdicional. O disposto no citado § 1º tem por escopo deixar claro que a arbitragem não fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição, principalmente porque se trata de um negócio jurídico e, como tal, reúne três principais características: • é convencional, ou seja, ninguém é obrigado a celebrar uma convenção de arbitragem; • somente se dá entre pessoas maiores e capazes, não se admitindo para albergar interesses de incapazes; • somente se admite para direitos disponíveis, ou seja, para aqueles direitos que admitem transação, sendo vedada para solução de conflitos que envolvam direitos indisponíveis. 31 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Observação Conforme a Súmula 485 do STJ (BRASIL, [s.d.]a), “A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição”. 2.4.2.2 Outros métodos alternativos de solução de conflitos Qualquer método de solução de conflitos que visem a sua solução consensual deve ser buscado e incentivado por todos aqueles que estão às voltas com o direito, como juízes, advogados, defensores públicos e promotores de justiça. A conciliação e a mediação são os métodos mais conhecidos – mas que não afastam outros –, e sua possibilidade ou autorização, por si só, não implica o afastamento da jurisdição. 2.4.3 Princípio da boa-fé processual A boa-fé processual está prevista no art. 5º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a): “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. A boa-fé, por si só, é um princípio do direito, em todas as suas manifestações, que diz respeito a uma forma de agir, que deve ser observado por todos, constituindo a exigência de lealdade, próprio das pessoas honestas e probas, da forma como devem agir em sociedade. Conforme ensina Rosa Maria de Andrade Nery (2008, p. 257): Para a identificação daquilo que se entende por boa-fé objetiva, a análise se desloca da averiguação específica sobre a conduta da parte ou a intenção do agente e se centra no ajuste dessa conduta em face do caso concreto que ela projetou, ou no resultado por ela gerado, e sob o ponto de vista de circunstâncias exteriores que indicam um equilíbrio entre a conduta e os vínculos sociais e jurídicos em questão, de sorte a não se comprometer aquilo que se logrou denominar de equidade. Boa-fé processual é, pois, um modelo de comportamento de todos que se dirigem ao Poder Judiciário e que atuam ou participam do processo. Trata-se de boa-fé objetiva, sempre presumida, eis que é a regra estabelecida, contrapondo-se à má-fé e ao dolo processual, que não se presumem, devendo sempre ser provados. 32 Unidade I 2.4.4 Princípio da cooperação A cooperação processual, como princípio, está prevista no art. 6º do Código de Processo Civil: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. A solução do processo deve se dar em tempo razoável e, para que isso aconteça, todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si, incluindo, principalmente, o juiz, que deve ter uma participação mais ativa do que ser um mero fiscal da observância das regras legais, relacionando-se diretamente com as partes, fazendo com que o resultado do processo seja obtido a partir dessa atuação conjunta (colaboração) de todos os sujeitos processuais. O princípio da cooperação foi adotado expressamente, estabelecendo como regra a cooperação processual, em que os vários sujeitos do processo devem colaborar com o processo (arts. 4º e 5º) – embora cada qual com sua própria função –, com vistas a um objetivo comum, que é obter a decisão final mais justa e efetiva, e em prazo razoável. Veja um exemplo: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PESQUISA DE VEÍCULO DE PROPRIEDADE DO RÉU. SISTEMA INFORMATIZADO RENAJUD. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE PROCESSUAL, DA COOPERAÇÃO E DA EFETIVIDADE. 1. O Código de Processo Civil, no art. 125*, preceitua que o juiz deve velar pela rápida solução do litígio. O direito processual civil é marcado por vários princípios, dentre os quais destaco o da “razoável duração do processo” (art. 5º, inciso LXXVIII, CF88), da efetividade e da cooperação. 2. A utilização dos meios disponíveis ao Judiciário como a consulta pelo juiz ao banco de dados dos sistemas informatizados, v.g., o Renajud, deve ser prestigiada, visto que possui o condão de fornecer ao jurisdicionado informações acerca de bens eventualmente pertencentes aos demandantes, bem com permite alcançar um processo adequado, que promove respostas rápidas e efetivas ao jurisdicionado, como resultado de uma interação cooperativa entre o magistrado e as partes. 3. A possibilidade de pesquisa a esses sistemas pelo Poder Judiciário a fim de auxiliar os litigantes não exime as partes de promoverem, por meios próprios, pesquisas de bens passíveis de constrição. A função desses instrumentos é de auxílio, e não devem substituir os meios que tocam às próprias partes. Sob essa perspectiva, elas também devem guardar uma conduta cooperativa e coadjuvar o Judiciário no seu mister. 4. Agravo de instrumento provido (DISTRITO FEDERAL, 2015). 2.4.5 Princípio da igualdade processual O princípio da igualdade processual está previsto no art. 7º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a): “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. 33 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Ele tem origem no princípio constitucional da isonomia, contemplado no art. 5º, caput, da Constituição Federal (BRASIL, 1988): Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: “Pelo princípio da igualdade processual, as partes devem receber do juiz o mesmo tratamento, com igualdade de direitos processuais”. Dessa forma, o mesmo direito que a lei processual conferir ao autor deve também garantir ao réu, e vice-versa. Tudo que uma parte puder fazer no processo, a outra deve ter igual direito de fazê-lo. Não se pode admitir que uma parte seja favorecida com a possibilidade de praticar atos processuais que sejam negados à outra. O tratamento dispensado às partes deve, por isso mesmo, ser igualitário, garantindo-se que possam, sem privilégios de um em detrimento do outro, deduzir suas alegações e prová-las em juízo, cabendo ao juiz garantir a sua efetividade, conforme art. 139, I, do CPC. Somente respeitando a igualdade processual pode-se garantir plenamente o contraditório (arts. 9º e 10 do CPC) (BRASIL, 2015a). Veja um exemplo: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CÁLCULOS DO CONTADOR. PEDIDODE DILAÇÃO DE PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO. INDEFERIMENTO. PRAZO COMUM. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO A SER CONCEDIDO ÀS PARTES. PEDIDO ALTERNATIVO DE EXCLUSÃO DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. MATÉRIA PRECLUSA. DECISÃO MANTIDA. [...] 3. O deferimento da prorrogação do prazo processual em favor da recorrente importa em tratamento desigual das partes, violando o disposto no art. 125, I, CPC (RIO DE JANEIRO, 2015). 2.4.6 Princípio do contraditório efetivo O contraditório efetivo está previsto nos arts. 9º e 10 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a). No art. 9º, ao se determinar que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”, assegura-se o direito das partes ao contraditório constitucionalmente reconhecido (CF, art. 5º, LV), dirigindo comando negativo ao juiz, de não proferir decisão contra uma das partes sem que lhe seja dada a oportunidade de se manifestar. As exceções a essa regra encontram-se no próprio art. 9º, no que se refere às tutelas de urgência (art. 300) e de evidência (art. 311), bem como da tutela específica na ação monitória (art. 701). De outra banda, quando o art. 10 dispõe que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”, está contemplando a proibição da decisão surpresa. É um desdobramento do comando do art. 9º, mas que com ele se une para criar o contraditório efetivo. 34 Unidade I O princípio do contraditório pressupõe, num primeiro plano, o direito de ser informado, ou seja, o direito de a parte (autor ou réu) ser comunicada dos atos processuais (e do próprio processo), bem como o direito de reagir a ele, com os meios e recursos previstos em lei. Num plano subsequente, o contraditório revela o direito de influenciar direta e positivamente no convencimento do julgador (razão de ser dos arts. 9º e 10 do CPC). Saiba mais O livro a seguir traz mais explicações sobre o contraditório específico: DIDIER JR., F. et al. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. Salvador: Jus Podium, 2007. 2.4.6.1 Contraditório e imparcialidade do juiz A imparcialidade do juiz é um dos pilares do processo, pois é ele que garante a confiança no sistema, irradiando seus efeitos, diretamente, no princípio do contraditório. É dever do juiz garantir igualdade de tratamento às partes, para que elas tenham a mesma oportunidade de falar e produzir provas nos autos. O contraditório, assim, não apenas é um direito das partes, mas também um dever do juiz, que deve promovê-lo, igualmente, de maneira imparcial, entre os demais sujeitos do processo. No processo moderno, o contraditório pressupõe não apenas o direito de ser informado e de reagir, mas também de influenciar o convencimento do juiz, razão pela qual o disposto no art. 10 do CPC (BRASIL, 2015a), que impõe ao juiz o dever de ouvir as partes antes de proferir qualquer decisão. O juiz deve se abster de julgar ou proferir qualquer tipo de decisão com fundamento a respeito do qual não tenha dado às partes o direito de se pronunciarem, mesmo que se trate de matéria de ordem pública e da qual o juiz possa conhecer de ofício. O comando legal, negativo e imperativo, dirigido especificamente ao juiz irá conduzir à nulidade do ato decisório se não for respeitado. Observação Conforme a Súmula 358 do STJ (BRASIL, [s.d.]a), “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”. 35 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL Lembrete O nosso sistema jurídico é principiológico. Isso significa que os princípios estão acima das normas e lhes dão valor. Toda interpretação da lei, para ser correta, deve respeitar os princípios que a informam. Resumo O Direito Processual, no Brasil, surge primeiramente com as leis portuguesas que eram aplicadas aqui na época do Brasil colonial. Após a declaração da independência, o Brasil passou a editar suas próprias leis, sendo que a primeira lei processual foi o Código de Processo Criminal, de 1832. O primeiro Código de Processo Civil brasileiro foi promulgado em 1939, substituído por outro, em 1973. Em 2015 foi promulgado o novo Código de Processo Civil, atualmente em vigor. O Direito Processual é ramo que estuda o processo judicial, sendo ramificações dele o Direito Processual Civil, o Direito Processual Penal e o Direito Processual do Trabalho. O processo civil tem aplicação supletiva aos demais ramos do Direito Processual, e todos eles submetem-se à Constituição Federal, nossa lei maior. O processo judicial é um instrumento de que dispõe o cidadão para, provocando a jurisdição, solucionar a lide, que é o conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida. O processo assenta-se em princípios constitucionais, como o princípio do devido processo legal; princípio da ampla defesa e contraditório; princípio do juiz natural; princípio da inafastabilidade da jurisdição; princípio da proibição da prova ilícita; princípio da publicidade e fundamentação das decisões judiciais; e princípio da duração razoável do processo. Além desses, temos princípios que são próprios do processo, como princípio dispositivo; princípio do impulso oficial; princípio da boa-fé processual; princípio da cooperação; princípio da igualdade processual; e princípio do contraditório efetivo. 36 Unidade I Exercícios Questão 1. João Rizanidino tem um cachorro muito bravo que, quando escapa, morde as pessoas que passam na rua e causa graves ferimentos. Infelizmente, ele não é muito atento para manter o cão devidamente preso, por isso, várias pessoas da vizinhança estão insatisfeitas com o comportamento de João. Um dos vizinhos cujo filho foi mordido pelo animal ingressou com ação judicial contra João com o objetivo de obrigá-lo a pagar os danos materiais e morais decorrentes do fato. Toda a vizinhança se dispõe a ir depor contra João, porque as pessoas presenciaram a agressão e já viram o cachorro escapar muitas vezes. Diante de tantas testemunhas contrárias a João, é possível afirmar que: A) ele não terá direito a apresentar defesa porque os fatos já estão provados. B) ele certamente terá dificuldade em apresentar fatos benéficos à sua defesa, mas terá direito a ela em razão do princípio da ampla defesa e do contraditório. C) por se tratar de um animal irracional, a decisão do juiz será de arquivamento do processo porque não há como impedir que o instinto do animal se manifeste. D) O processo judicial terá que transcorrer no menor tempo possível em razão da obediência ao princípio da duração razoável do processo e da publicidade. E) O processo judicial será nulo se as testemunhas não comparecerem para depor. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: todas as pessoas têm direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório. Por isso, mesmo quando alguém é preso em flagrante delito, é permitido que exerça seu direito de defesa. B) Alternativa correta. Justificativa: os princípios da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório são princípios constitucionais e, por isso, devem ser rigorosamente respeitados pelos magistrados e tribunais brasileiros. C) Alternativa incorreta. Justificativa: o proprietário do animal tem responsabilidade pelos danos causados a outras pessoas, tanto quanto tem responsabilidade de cuidar do animal para que ele não seja submetido a tratamento cruel. 37 FORMAÇÃO PARA A PRÁTICA PROCESSUAL D) Alternativa incorreta. Justificativa: o princípio da duração razoável do processo determina que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação; já o princípio da publicidade
Compartilhar