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1 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Cefaleia e Meningite PROBLEMA 2 – Quando a dipirona sódica vira inimiga... Sonia, 22 anos, moradora da cidade de São Paulo, operadora de telemarketing, procura pela quarta vez em uma semana o pronto atendimento com queixa de dor de cabeça, referindo que as dores vêm precedidas de alteração visual, que são holocranianas, pulsáteis, associadas a náuseas, fotofobia e fonofobia. Anteriormente diagnosticada com cefaleia, foi medicada com Dipirona sódica e dispensada com orientações. Como trabalha em duas empresas diferentes não conseguiu tempo para uma consulta com o especialista. Tentativa associar seu quadro ao da irmã mais velha que sofria de enxaqueca. Mais uma vez medicada com Dipirona Sódica e dispensada volta para casa acreditando que no dia seguinte seria tudo diferente. Acordou de madrugada com uma dor de cabeça insuportável, pediu ao seu marido que a acompanhasse ao hospital novamente. Agora além da dor de cabeça apresentava febre, prostação, náuseas e vômitos. Dando entrada no pronto socorro, prontamente medicada com Dipirona Sódica, apresentou quadro de confusão mental que logo foi associado ao medicamento. Deixada em observação apresentou os seguintes resultados de exames: Hemograma: Hemoglobina: 12,3 Hematócrito: 36,2 Leucócitos 22.100 (com 4% de bastões) Plaquetas 150.000 PCR 14mg/dL VHS 22 mm Com 5 horas de observação apresentou ao exame físico Sinal de Kernig e Brudzinski positivos o que levou o clínico de plantão à indicação da punção liquórica. Logo na punção verificou tratar-se de um liquido turvo. Enviando o material para análise, identificou-se: Glicose de 30mg/dl Relação glicose – LCE/soro: 0,2 Proteína: 108 mg/dl Leucócitos 1.800/m³ com predomínio de neutrófilos O material foi encaminhado para cultua. Internada no isolamento foi iniciado uso de Penicilina Cristalina 500.000 UI/kg/dia de 4/4 horas e notificada a vigilância epidemiológica. Em virtude da paciente apresentar dois episódios de crise convulsivas, hipoacusia, ptose palpebral e petéquias a equipe médica de plantão encaminha a paciente aos cuidados da UTI, considerando o agravamento da condição clínica. Foi submetida a TC de crânio que não apresentou qualquer alteração evidente. Após 48 horas da punção a equipe é informada do resultado da Cultura do LCR: Neisseria meningitidis. Após 2 meses de internação hospitalar, Sonia recebe alta em BEG, após apresentando perda da audição. . Sumário Meninges ........................................................................................................................................................................... 2 Barreiras encefálicas.......................................................................................................................................................... 6 Cefaleia ............................................................................................................................................................................ 11 Meningite ........................................................................................................................................................................ 19 Meningite Bacteriana ...................................................................................................................................................... 22 Meningite Viral ................................................................................................................................................................ 29 Meningite Fúngica ........................................................................................................................................................... 31 Meningite Tuberculosa ................................................................................................................................................... 32 Punção Lombar – Analise Liquórica ................................................................................................................................ 33 Objetivos da Tutoria: 1- Caracterizar os tipos de cefaleia (fatores desencadeantes) 2- Caracterizar os tipos de meningite (bacteriana e viral) 3- Caracterizar a análise liquórica 4- Analisar a importância das causas de morbidade e mortalidade da meningite e cefaleia 5- Analisar nervos cranianos oculares 2 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Meninges O SNC é envolvido por membranas conjuntivas denominadas meninges, e que são três: dura-máter, aracnoide e pia-máter. A aracnoide e a pia-máter, que no embrião constituem um só folheto são, por vezes, consideradas como uma formação única, a leptomeninge. ou meninge fina, distinta da paquimeninge, ou meninge espessa, constituída pela dura-máter. DURA-MÁTER A meninge mais superficial é a dura-máter, espessa e resistente, formada por TCDmuito rico em fibras colágenas, contendo vasos e nervos. A dura-máter do encéfalo difere da dura-máter espinhal por ser formada por dois folhetos, externo e interno, dos quais apenas o interno continua com a dura-máter espinhal (Figura 8.1). O folheto externo adere intimamente aos ossos do crânio e comporta-se como periósteo destes ossos. Ao contrário do periósteo de outras áreas, o folheto externo da dura-máter não tem capacidade osteogênica, o que dificulta a consolidação de fraturas no crânio e toma impossível a regeneração de perdas ósseas na abóbada craniana. Esta peculiaridade, entretanto, é vantajosa, pois a formação de um calo ósseo na superfície interna dos ossos do crânio pode constituir grave fator de irritação do tecido nervoso. Em virtude da aderência da dura-máter aos ossos do crânio, não existe no encéfalo um espaço epidural, como na medula. Em certos traumas ocorre o descolamento do folheto externo da dura-máter da face interna do crânio e a formação de hematomas epidurais. A dura-máter, em particular seu folheto externo, é muito vascularizada. No encéfalo, a principal artéria que irriga a dura- máter é a artéria meníngea média (Figura 8.2), ramo da artéria maxilar interna. A dura-máter, ao contrário das outras meninges, é ricamente inervada. Como o encéfalo não possui terminações nervosas sensitivas, toda a sensibilidade intracraniana se localiza na dura-máter e nos vasos sanguíneos, responsáveis, assim, pela maioria das dores de cabeça. Inervação: Trigêmeo VI – nervo oftálmico (ramo tentorial) VII- nervo maxilar (ramo menineo) FIGURA 8.2 Base do crânio. A dura-máter foi removida do lado direito e mantido do lodo esquerdo. Pregas da dura-máter do encéfalo Em algumas áreas, o folheto interno da dura-máter destaca-se do externo para formar pregas que dividem a cavidade craniana em compartimentos que se comunicam amplamente. As principais pregas são as seguintes: a) foice do cérebro - é um septo vertical mediano em forma de foice, que ocupa a fissura longitudinal do cérebro, separando os dois hemisférios cerebrais (Figura 8.3); b) tenda do cerebelo - projeta-se para diante como um septo transversal entre os lobos occipitais e o cerebelo (Figura 8.3). A tenda do cerebelo separa a fossa posterior da fossa média do crânio, dividindo a cavidade craniana em um compartimento superior, ou supratentorial, e outro inferior, ou infratentorial. Esta divisão é de grande importância clínica, pois a sintomatologia das afecções supratentoriais (sobretudo os tumores) é muito diferente das infratentoriais. A borda anterior livre da tenda do cerebelo, denominada incisura da tenda, ajusta-se ao mesencéfalo. Esta relação tem importância clínica, pois a incisura da tenda pode, em certas circunstâncias, lesar o mesencéfalo e os nervos troclear e oculomotor, que nele seoriginam. e) foice do cerebelo pequeno septo vertical mediano, situado abaixo da tenda do cerebelo, entre os dois hemisférios cerebelares (Figura 8.3). d) diafragma da sela (Figura 8.2) - pequena lâmina horizontal que fecha superiormente a sela túrcica, deixando apenas um pequeno orifício para a passagem da haste hipofisária. Por este motivo, quando se retira o encéfalo de um cadáver, esta haste geralmente se rompe, ficando a hipófise dentro da sela túrcica. O diafragma da sela isola e protege a hipófise, mas dificulta consideravelmente a cirurgia desta glândula. 3 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite FIGURA 8.3 Pregas e seios do dura-máter do encéfalo. Cavidades da dura-máter Em determinadas áreas, os dois folhetos da dura- máter do encéfalo separam-se, delimitando cavidades. Uma delas é o cavo trigeminal (de Mecket), ou loja do gânglio trigeminai, que contém o gânglio trigeminal (Figura 8.2). Outras cavidades são revestidas de endotélio e contêm sangue, constituindo os seios da dura-máter, que se dispõem sobretudo ao longo da inserção das pregas da dura- máter. Seios da dura-máter São canais venosos revestidos de endotélio e situados entre os dois folhetos que compõem a dura-máter encefálica. A maioria dos seios tem secção triangular e suas paredes, embora finas, são mais rígidas que a das veias e geralmente não se colabam quando seccionadas. Alguns seios apresentam expansões laterais irregulares, as lacunas sanguineas, mais frequentes de cada lado do seio sagital superior. O sangue proveniente das veias do encéfalo e do globo ocular é drenado para os seios da dura-máter e destes para as veias jugulares internas. Os seios comunicam-se com veias da superficie externa do crânio através de veias emissárias, que percorrem forames ou canalículos que lhes são próprios, nos ossos do crânio. Os seios dispõem-se sobretudo ao longo da inserção das pregas da dura-máter, distinguindo-se os seios em relação com a abóbada e com a base do crânio. Os seios da abóbada são os seguintes: a) Seio sagital superior - ímpar e mediano, percorre a margem de inserção da foice do cérebro (Figura 8.3). Termina próximo à protuberância occipital interna, na chamada confluência dos seios, formada pela confluência dos seios sagital superior, reto e occipital e pelo início dos seios transversos esquerdo e direito (Figura 8.3); b) Seio sagital inferior - situa-se na margem livre da foice do cérebro, terminando no seio reto (Figura 8.3); c) Seio reto - localiza-se ao longo da linha de união entre a foice do cérebro e a tenda do cerebelo. Recebe, em sua extremidade anterior, o seio sagital inferior e a veia cerebral magna (Figuras 8.2 e 8.3), terminando na confluência dos seios; d) Seio transverso - é par e dispõe-se de cada lado ao longo da inserção da tenda do cerebelo no osso occipital, desde a confluência dos seios até a parte petrosa do osso temporal, onde passa a ser denominado seio sigmoide (Fig 8.2 e 8.3); e) Seio sigmoide - em forma de S, é uma continuação do seio transverso até o forame jugular, onde continua diretamente com a veia jugular interna (Figuras 8.2 e 8.3). O seio sigmoide drena a quase totalidade do sangue venoso da cavidade craniana; f) Seio occipital - muito pequeno e irregular, dispõe se ao longo da margem de inserção da foice do cerebelo (Figuras 8.2 e 8.3). Os seios venosos da base são os seguintes: a. Seio cavernoso (Figura 8.2) - um dos mais importantes seios da dura-máter, o seio cavernoso é uma cavidade bastante grande e irregular, situada de cada lado do corpo do esfenoide e da sela túrcica. Recebe o sangue proveniente das veias oftálmica superior (Figura 8.2) e central da retina, além de algumas veias do cérebro. Drena através dos seios petroso superior e petroso inferior, além de comunicar-se com o seio cavernoso do lado oposto, através do seio intercavernoso. O seio cavernoso é atravessado pela artéria carótida interna, pelo nervo abducente e, já próximo à sua parede lateral, pelos nervos troclear, oculomotor e pelo ramo oftálmico do nervo trigêmeo (Figura 8.2). Estes elementos são separados do sangue do seio por um revestimento endotelial, e sua relação com o seio cavernoso é de grande importância clínica. Assim, aneurismas da carótida interna no nível do seio cavernoso comprimem o nervo abducente e, em certos casos, os demais nervos que atravessam o seio cavernoso, determinando distúrbios muito típicos dos movimentos do globo ocular. Pode haver perfuração da carótida interna dentro do seio cavernoso, formando-se, assim, um curto-circuito arteriovenoso (fístula carótido-cavernosa) que determina dilatação e aumento da pressão no seio cavernoso. Isto faz com que se inverta a circulação nas veias que nele desembocam, como as veias oftálmicas, resultando em grande protrusão do globo ocular, que pulsa simultaneamente com a carótida (exoftálmico pulsátil). Infecções superficiais da face (como espinhas do nariz) podem se propagar ao seio cavernoso, tomando-se, pois, intracranianas, em virtude das comunicações que existem entre as veias oftálmicas, tributárias do seio cavernoso, e a veia angular, que drena a região nasal; b. Seios intercavernosos - unem os 2 seios cavernosos, envolvendo a hipófise (Figura 8.2); c. Seio esfenoparietal - percorre a face interior da pequena asa do esfenoide e desemboca no seio cavernoso (Figura 8.2); d. Seio petroso superior - dispõe-se de cada lado, ao longo da inserção da tenda do cerebelo, na porção petrosa do osso temporal. Drena o sangue do seio 4 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite cavernoso para o seio sigmoide, terminando próximo à continuação deste com a veia jugular interna (Figura 8.2). e. Seio petroso inferior - percorre o sulco petroso inferior entre o seio cavernoso e o forame jugular, onde tennina lançando-se na veia jugular interna (Figura 8.2); f. Plexo basilar - ímpar, ocupa a porção basilar do occipital. Comunica-se com os seios petroso inferior e cavernoso, liga-se ao plexo do forame occipital e, através deste, ao plexo venoso vertebral interno. ARACNOIDE Membrana muito delicada TC fibroso, justaposta à dura-máter, da qual se separa por um espaço virtual, o espaço subdural, contendo pequena quantidade de líquido necessário à lubrificação das superfícies de contato das duas membranas. A aracnoide separa-se da pia-máter pelo espaço subaracnóideo – vasos sanguineos (Fig 8.4), que contém o LCR havendo ampla comunicação entre o espaço subaracnóideo do encéfalo e da medula (Fig 8.1). Consideram-se também como pertencendo à aracnoide as delicadas trabéculas que atravessam o espaço para se ligar à pia-máter, e que são denominadas trabéculas aracnóideas (Figura 8.4). Estas trabéculas lembram, em aspecto, uma teia de aranha, donde o nome de aracnoide, semelhante à aranha. Cisternas subaracnóideas A aracnoide justapõe-se à dura-máter e ambas acompanham apenas grosseiramente a superfície do encéfalo. A pia-máter, entretanto, adere intimamente a esta superfície, que acompanha em todos os giros, sulcos e depressões. Desse modo, a distância entre as duas membranas, ou seja, a profundidade do espaço subaracnóideo é variável, sendo muito pequena no cume dos giros e grande nas áreas onde parte do encéfalo se afasta da parede craniana. Formam-se assim, nessas áreas, dilatações do espaço subaracnóideo, as cisternas subaracnóideas (Figura 8.5), que contêm grande quantidade de liquor. As cisternas mais importantes são as seguintes: a) Cisterna cerebelo-medular ou cisterna magna – ocupa o espaço entre a face inferior do cerebelo, o teto do IV ventrículo e a face dorsal do bulbo (Fig. 8.5). Contínua caudalmente com o espaço subaracnóídeo da medula e liga-se ao IV ventrículo através de sua abertura mediana (Figura 8.5). A cisterna cerebelo-medularé, de todas, a maior e mais importante, sendo às vezes utilizada para obtenção de líquor através das punções suboccipitais, em que a agulha é introduzida entre o occipital e a primeira vértebra cervical; b) Cisterna pontína - situada ventralmente à ponte c) Cisterna interpeduncular - localizada na fossa interpeduncular (Figura 8.5); d) Cisterna quiasmática - situada adiante do quiasma óptico (Figura 8.5); e) Cisterna superior - (cisterna da veia cerebral magna) - situada dorsalmente ao teto do mesencéfalo, entre o cerebelo e o esplênio do corpo caloso (Figura 8.5), a cisterna superior corresponde, pelo menos em parte, à cisterna ambiens, termo usado sobretudo pelos clínicos; f) Cisterna da fossa lateral do cérebro – corresponde à depressão formada pelo sulco lateral de cada hemisfério. Granulações aracnóideas Em alguns pontos a aracnoide forma pequenos tufos que penetram no interior dos seios da dura-máter, constituindo as granulações aracnóideas, mais abundantes no seio sagital superior (Figuras 8.3 e 8.4). As granulações aracnóideas levam pequenos prolongamentos do espaço subaracnóideo, verdadeiros divertículos deste espaço, nos quais o liquor está separado do sangue apenas pelo endotélio do seio e uma delgada camada da aracnoide. São, pois, estruturas admíravelmente adaptadas à absorção do liquor que, neste ponto, cai no sangue. Sabe-se hoje que a passagem do liquor através da parede das granulações se faz por meio de grandes vacúolos, que o transportam de dentro para fora. No adulto e no idoso, algumas granulações tornam-se muito grandes, constituindo os chamados corpos de Pacchioni, que frequentemente se calcificam e podem deixar impressões na abóbada craniana. PIA-MÁTER A pia-máter é a mais interna das meninges, aderindo intimamente à superficie do encéfalo (Figura 8.4) e da medula, cujos relevos e depressões acompanha, descendo até o fundo dos sulcos cerebrais. Sua porção mais profunda recebe numerosos prolongamentos dos astrócitos do tecido nervoso, constituindo assim a membrana pio-glial. A pia-máter dá resistência aos órgãos nervosos, uma vez que o tecido nervoso é de consistência muito mole. A pia-máter acompanha os vasos que penetram no tecido nervoso a partir do espaço subaracnóideo, formando a parede externa dos espaços perivasculares (Figura 8.4). Nestes espaços existem prolongamentos do espaço subaracnóideo, contendo liquor, que forma um manguito protetor em tomo dos vasos, muito importante para amortecer o efeito da pulsação das artérias ou picos de pressão sobre o tecido circunvizinho. O fato de as artérias estarem imersas em Jiquor no espaço subaracnóideo também reduz o efeito da pulsação. Os espaços perivasculares envolvem os vasos mais calibrosos até uma pequena distância e terminam por fusão da pia com a adventícia do vaso. As arteríolas que penetram no parênquima são envolvidas até alguns milímetros. As pequenas arteríolas são envolvidas até o nível capilar por pés-vasculares dos astrócitos do tecido nervoso. FIGURA 8.4 Secção transversal do seio sagital superior mostrando uma granulação aracnoide e a disposição das meninges 5 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite FIGURA 8.5 Esquema mostrando a disposição das cisternas subarocnóideos. As áreas contendo liquor estão representadas em azul. LIQUOR O liquor ou líquido cerebroespinhal é um fluido aquoso e incolor que ocupa o espaço subaracnóideo e as cavidades ventriculares. A função primordial do liquor é de proteção mecânica do SNC, formando um verdadeiro coxim líquido entre este e o estojo ósseo. Qualquer pressão ou choque que se exerça em um ponto deste coxim líquido, em virtude do princípio de Pascal, irá se distribuir igualmente a todos os pontos. Desse modo, o liquor constitui um eficiente mecanismo amortecedor dos choques que frequentemente atingem o SNC. Por outro lado, em virtude da disposição do espaço subaracnóideo, que envolve todo o SNC, este fica totalmente submerso em líquido (Figura 8.1) e, de acordo com o princípio de Arquimedes, torna-se muito mais leve e, de 1.500 gramas passa ao peso equivalente a 50 gramas flutuando no liquor, o que reduz o risco de traumatismos do encéfalo resultantes do contato com os ossos do crânio. Fig 8.1 Esquema do circulação do liquor CARACTERISTICAS CITOLÓGICAS E FÍSICO-QUÍMICAS DO LCR Através de punções lombares, suboccipitais ou ventriculares, pode-se medir a pressão do liquor, ou colher certa quantidade para estudo de suas características citológicas e físico-químicas. Tais estudos fornecem importantes informações sobre a fisiopatologia do sistema nervoso central e seus envoltórios, permitindo o diagnóstico, às vezes bastante preciso, de muitas afecções que acometem o SNC, como hemorragias, infecções etc. O estudo do liquor é especialmente valioso para o diagnóstico dos diversos tipos de meningites. O liquor normal do adulto é: Límpido e incolor, Apresenta de 0 a 4 leucócitos por mm3 e uma pressão de 5 cm a 20 cm de água. Obtida na região lombar com paciente em decúbito lateral. Embora o liquor tenha mais cloretos que o sangue, a quantidade de proteínas é muito menor do que a existente no plasma. O volume total do liquor é de 100 mL a 150 mL, renovando-se completamente a cada 8 horas. Os plexos corioides produzem cerca de 500 mL por dia através de filtração seletiva do plasma e da secreção de elementos específicos. Laboratoriais Normal Aspecto Límpido Cor Incolor Glicose >40 Proteínas 40 Celularidade 0-4 Culturas Negativas Cloretos 680 – 750 Meq/L 6 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite FORMAÇÃO, CIRCULAÇÃO E ABSORÇÃO DO LIQUOR Durante muito tempo acreditou-se que o liquor seria formado somente pelos plexos corioides, estrutura enovelada formada por dobras de pia-máter, vasos sanguíneos e células ependimárias modificadas. Estudos mais modernos, entretanto, mostraram que o liquor é produzido mesmo na ausência de plexos corioides, sendo o epêndima das paredes ventriculares responsável por 40 % do total do liquor formado. Acreditou-se também que o liquor resultaria apenas de um processo de filtração do plasma pelos plexos corioides. Entretanto, sabe-se hoje que ele é ativamente secretado pelo epitélio ependimário, sobretudo dos plexos corioides, e sua composição é determinada por mecanismos de transporte específicos. Sua formação envolve transporte ativo de Na+ CI–, através das células ependimárias dos plexos corioides, acompanhado de certa quantidade de água, necessária à manutenção do equilíbrio osmótico. Entende-se, assim, porque a composição do liquor é diferente da do plasma. Os plexos corioides estão nos ventrículos laterais (como inferior e parte central) e no teto do III e IV ventrículos (Figura 8.1). Destes, sem dúvida, os ventrículos laterais contribuem com o maior contingente liquórico, que passa ao III ventrículo pelos forames interventriculares e daí ao IV ventriculo através do aqueduto cerebral (Figuras 8.1 e 8.S). Por meio das aberturas mediana e laterais do IV ventrículo, o liquor formado no interior dos ventrículos ganha o espaço subaracnóideo, sendo reabsorvido, sobretudo através das granulações aracnóideas que se projetam no interior dos seios da dura-máter, pelas quais chega à circulação geral sistêmica (Figuras 8.3 e 8.4). Como essas granulações predominam no seio sagital superior, a circulação do liquor no espaço subaracnóideo se faz de baixo para cima, devendo, pois, atravessar o espaço entre a incisura da tenda e o mesencéfalo. No espaço subaracnóideo da medula, o liquor desce em direção caudal (Figura 8.1), mas apenas uma parte volta, pois há reabsorção liquórica nas pequenas granulações aracnóideas existentes nos prolongamentos da dura-máter que acompanham as raízes dos nervos espinhais. A circulação doliquor é extremamente lenta e são ainda discutidos os fatores que a determinam. Sem dúvida, a produção do liquor em uma extremidade e a sua absorção em outra já são suficientes para causar sua movimentação. Outro fator é a pulsação das artérias intracranianas que, a cada sístole, aumenta a pressão liquórica. Possivelmente contribuindo para empurrar o liquor através das granulações aracnóideas. Além de sua função de proteção mecânica do encéfalo, em tomo do qual forma um coxim líquido, o liquor tem as seguintes funções: a) Manutenção de um meio químico estável no sistema ventricular, por meio de troca de componentes químicos com os espaços intersticiais, permanecendo estável a composição química do liquor, mesmo quando ocorrem grandes alterações na composição química do plasma. b) Excreção de produtos tóxicos do metabolismo das células do tecido nervoso que passam aos espaços intersticiais de onde são lançados no liquor e deste para o sangue. Pesquisas recentes mostraram que o volume dos espaços intersticiais aumentam 60% durante o sono facilitando a eliminação de metabólitos tóxicos acumulados durante a vigília. c) Veículo de comunicação entre diferentes áreas do SNC. Por exemplo, homônimos produzidos no hipotálamo são liberados no sangue, mas também no liquor podendo agir sobre regiões distantes do sistema ventricular. Barreiras encefálicas São dispositivos que impedem ou dificultam a passagem de substancias do sangue para o tecido nervoso (BHE), do sangue (hematoliquórica) e do liquor para o tecido nervoso (encéfalo-liquórica). O termo hematoencefálica, embora hoje unanimemente aceito, é impróprio, pois a barreira existe também na medula. LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA DA BHE A localização anatômica da BHE foi objeto de controvérsias, mas sabe-se hoje que ela está no capilar do SNC. Este é formado pelo endotélio e por uma membrana basal muito fina. Por fora, os pés vasculares dos astrócitos formam uma camada quase completa em torno do capilar. Todos estes três elementos (endotélio, membrana basal e astrócito) já foram considerados como sede da barreira hematoencefálica. Entretanto, sabe-se hoje que ela está no endotélio, como foi demonstrado com a utilização de peroxidase, proteína que pode ser visualizada ao microscópio eletrônico. Verificou-se que, ao contrário dos capilares das demais áreas do corpo (Figura 9.7), os quais deixam passar livremente a peroxidase, os capilares cerebrais (Figura 9.6) a retêm, impedindo sua passagem mesmo para o espaço entre o endotélio e a membrana basal. BHE: diferença entre capilar periférico e capilar do SNC (junções estreitas e pés atrocitários) = menor restrição ao transporte no capilar periférico. Os endotélios dos capilares encefálicos apresentam três características que os diferenciam dos endotélios dos demais capilares e que se relacionam com o fenômeno de barreira: 1- As células endoteliais são unidas por junções oclusivas que impedem a penetração de macromoléculas (Figura 9.6). Essas junções não estão presentes nos capilares em geral; 2- Não existem fenestrações (Figura 9.7), que são pequenas áreas em que o endotélio se reduz a uma fina membrana muito penneável; 7 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite 3- São raras as vesículas pinocitóticas. Nos demais endotélios elas são frequentes e importantes no transporte de macromoléculas LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA DA BARREIRA HEMATOLIOUÓRICA A barreira hematoliquórica localiza-se nos plexos corioides. Seus capilares, no entanto, não participam do fenômeno. Assim, quando se injeta peroxidase em um animal, ela atravessa os capilares fenestrados dos plexos corioides, mas é barrada no nível da superfície do epitélio ependimário voltada para a cavidade ventricular. O epitélio ependimário que reveste os plexos corioides, ao contrário dos demais epitélios ependimários, possui junções oclusivas que unem as células próximo à superficie ventricular e impedem a passagem de macromoléculas, constituindo a base anatômica da barreira hematoliquórica. FUNÇÕES DAS BARREIRAS A principal função das barreiras é impedir a passagem de agentes tóxicos para o sistema nervoso central, como venenos, toxinas, bilirrubina etc. Impedem também a passagem de neurotransmissores encontrados no sangue, como adrenalina. A adrenalina é lançada em grande quantidade na circulação em certas situações emocionais e poderia alterar o funcionamento do cérebro se não fosse barrada. Portanto, essas barreiras constituem um mecanismo de proteção do encéfalo contra agentes que poderiam lesá-lo ou alterar seu funcionamento. A palavra barreira pode indicar que ela tem apenas o papel de impedir a entrada de substâncias, quando possui também a função de permitir a entrada de substâncias importantes para o funcionamento das células do tecido nervoso, como glicose e aminoácidos. Assim, a barreira funciona como um portão que barra a entrada de algumas substâncias e permite a entrada de outras. Diferentemente do que ocorre nos endotélios dos capilares em geral, os endotélios dos capilares da barreira hematoencefálica utilizam-se de mecanismos especiais para passagem de glicose e aminoácidos através do citoplasma. Esta passagem depende de moléculas transportadoras que são específicas para glicose e grupos de aminoácidos (A molécula transportadora de glicose denominada Glo 1 é codificada por um gene do cromossoma humano 1. A deficiência de expressão da Glo 1 resulta em uma síndrome rara, na qual a dificuldade no transporte de glicose resulta em um quadro de epilepsia e retardo mental). Há evidência de que a barreira hematoliquórica também funciona como portão, utilizando essencialmente os mesmos mecanismos da barreira hematoencefálica para transporte de substâncias. FATORES DE VARIAÇÃO DA PERMEABILIDADE DA BHE A permeabilidade da BHE não é a mesma em todas as áreas. Estudos sobre a penetração no encéfalo de agentes farmacológicos marcados com isótopos radioativos mostraram que certas áreas concentram estes agentes muito mais do que outras. Por exemplo, certas substâncias penetram facilmente no núcleo caudado e no hipocampo, mas têm dificuldade de penetrar no resto do encéfalo. Isto mostra que certos agentes farmacológicos, quando injetados no sangue, não agem em determinadas áreas do SN porque não as atingem, podendo, entretanto, agir em outras áreas vizinhas. Sabe-se que, inicialmente no desenvolvimento, os capilares que penetram no encéfalo têm fenestrações. Com o aumento da idade, substâncias produzidas pelos pés dos astrócitos causam a perda dessas fenestrações. Em razão disso, no feto e no recém-nascido, a barreira hematoencefálica é mais fraca, ou seja, deixa passar maior número de substâncias até que os capilares percam completamente as fenestrações. Isto tem sido correlacionado com o fato de que as icterícias do RN, como aquelas causadas por eritroblastose fetal, podem ser mais graves que no adulto. Com efeito, uma determinada concentração sanguínea de bilirrubina, que no adulto não atravessa a barreira hematoencefálica, no recém-nascido pode atravessá-la, passando ao tecido nervoso, sobre o qual tem ação tóxiica. Aparece, assim, um quadro de icterícia com manifestações neurológicas que os pediatras conhecem como Kernicterus. Vários processos patológicos, como certas infecções e traumatismos, podem levar à "ruptura", mais ou menos completa, da barreira hematoencefálica que deixa passar substâncias que normalmente não passariam. ÓRGÃOS CIRCUNVENTRICULARES Em algumas áreas do cérebro, a BHE não existe. Em animais injetados com azul-de-tripan, ao contrário das demais áreas do cérebro, elas se coram. Nestas áreas, os endotélios são fenestrados e desprovidos de junções oclusivas. Eles se distribuem em volta do III e IV ventrículos e por isso são denominados órgãos circunventriculares (Figura 9.8). Do ponto de vista funcional,os órgãos circunventriculares podem ser receptores de sinais químicos do sangue ou relacionados direta ou indiretamente com a secreção de hormônios. Órgãos circunventriculares Secretores de hormônio Glândula pineal Eminência média Neuro-hipófise Receptores Órgão subfornicial Órgão vascular da lâmina terminal Área postrema FIGURA 9.8 Localização dos órgãos circunventriculores no encéfalo. 8 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite A glândula pineal localiza-se no epitálamo, secreta o hormônio melatonina. A eminência média pertence ao hipotálamo e está envolvida no transporte de hormônios do hipotálamo para a adeno-hipófise. A neuro-hipófise é local de liberação de hormônios hipotalâmicos. O órgão subfomicial é uma pequena estrutura neuronal situada no forame de Monro, abaixo do fómix. Sua função foi descoberta recentemente. Seus neurônios são sensíveis a baixas concentrações de angiotensina 2, hormônio peptídico que regula o volume de sangue circulante (volemía). - A angiotensina lL resulta da atividade da enzima renina, secretada pelos rins sobre o angiotensinógeno, proteína secretada pelo fígado, resultando a angiotensina 1, logo hidrolisada para formar a angiotensina li. As informações obtidas pelos neurônios do órgão subfornicial são levadas a áreas do hipotálamo que regulam a volemia. Entre estas está o centro da sede no hipotálamo lateral que, sob estímulo dos neurônios subforniciais, aumenta a sede. O órgão vascular da lâmina terminal está situado nesta lâmina no hipotálamo, próximo da parte anterior e ventral do III ventrículo (Figura 9.8). Seus neurônios são sensíveis ao aumento da pressão osmótica do sangue, desencadeando a sede e estimulando a secreção de hormônios antidiuréticos pelo hipotálamo. A área postrema fica localizada na parte mais caudal do assoalho do IV ventrículo (Figura 5.2). Esta área é sensível a sinais químicos veiculados no sangue, como o hormônio colecistocinina, secretado pelo trato gastrointestinal. A informação obtida é repassada ao hipotálamo para regulação da atividade gastrointestinal ou ao centro do vômito que, em função da informação recebida, pode desencadear o reflexo do vômito. CORRELAÇÕES ANATOMOClÍNICAS HIDROCEFALIA Existem processos patológicos que interferem na produção, circulação e absorção do liquor, causando as chamadas hidrocefalias. Estas se caracterizam por aumento da quantidade e da pressão do liquor, levando à dilatação dos ventrículos e compressão do tecido nervoso de encontro ao estojo ósseo, com consequências muito graves. Por vezes, a hidrocefalia ocorre durante a vida fetal, geralmente em decorrência de anomalias congênitas do sistema ventricular. Nesses casos, assim como em lactentes jovens, já que os ossos do crânio ainda não estão soldados, há grande dilatação da cabeça da criança, o que confere alguma proteção ao encéfalo. No adulto, como o crânio não se expande, a pressão intracraniana se eleva rapidamente, com compressão das estruturas e sintomas típicos de cefaleia e vômitos, evoluindo para hemiação, coma e óbito, caso não ocorra tratamento de urgência. Existem dois tipos de hidrocefalias: comunicantes e não comunicantes. As hidrocefalias comunicantes resultam do aumento na produção ou deficiência na absorção do liquor, em razão de processos patológicos dos plexos corioides ou dos seios da dura-máter e granulações aracnóideas. As hidrocefalias não comunicantes são muito mais frequentes e resultam de obstruções no trajeto do liquor, o que pode ocorrer nos seguintes locais: a) Forame interventricular, provocando dilatação do ventrículo lateral correspondente; b) Aqueduto cerebral, provocando dilatação do III ventrículo e dos ventrículos laterais, contrastando com o IV ventrículo, que permanece com dimensões normais; c) Aberturas medianas e laterais do IV ventrículo, provocando dilatação de todo o sistema ventricular (Figura 8.6); d) Incisura da tenda, impedindo a passagem do liquor do compartimento infratentorial para o supratentorial, provocando também dilatação de todo o sistema ventricular (Figura 8.7). Existem vários procedimentos cirúrgicos visando diminuir a pressão liquórica nas hidrocefalias. Pode-se, por exemplo, drenar o liquor por meio de um cateter, ligando um dos ventrículos à cavidade peritoneal, nas chamadas derivações ventrículo-peritoneais. HIPERTENSÃO CRANIANA Do ponto de vista neurológico, um dos aspectos mais importantes da cavidade crânio-vertebral e seu revestimento de dura-máter é o fato de ser uma cavidade completamente fechada, que não permite a expansão de seu conteúdo. Desse modo, o aumento de volume de qualquer componente da cavidade craniana reflete-se sobre os demais, levando ao aumento da pressão intracraniana. Tumores, hematomas e outros processos expansivos intracranianos comprimem não só as estruturas em sua vizinhança imediata, mas todas as estruturas da cavidade crânio-vertebral, determinando um quadro de hipertensão craniana com sintomas característicos, entre os quais se sobressai a cefaleia, podendo também ocorrer vômitos. Pode haver também formação de hérnias de tecido nervoso. Quando se comprimem no pescoço as veias jugulares internas que drenam o sangue do encéfalo, há estase sanguínea, com aumento da quantidade de sangue nos vasos cerebrais. Isso resulta em imediato aumento da PIC que se reflete na pressão liquórica, o que pode ser detectado medindo-se essa pressão durante uma punção lombar. O fenômeno é utilizado para verificar se o espaço subaracnóideo da medula está obstruído, o que obviamente impede o aumento da pressão liquórica abaixo do nível da obstrução. Havendo suspeita de hipertensão craniana, deve-se fazer sempre um exame de fundo de olho. O nervo óptico é envolvido por um prolongamento do espaço subaracnóideo, levando à compressão do nervo óptico. lsso causa obliteração da veia central da retina, a qual passa em seu interior, o que resulta em ingurgitamento das veias da retina, com edema da papila óptica (papiledema). Essas modificações são facilmente detectadas no exame do fundo 9 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite de olho, permitindo diagnosticar o quadro da hipertensão craniana e acompanhar sua evolução. HÉRNIAS INTRACRANIANAS As pregas da dura-máter dividem a cavidade craniana em compartimentos separados por septos mais ou menos rígidos. Processos expansivos, como tumores ou hematomas que se desenvolvem em um deles, aumentam a pressão dentro do compartimento, podendo causar a protrusão de tecido nervoso para o compartimento vizinho. Formam-se, desse modo, hérnias intracranianas que podem causar sintomatologia grave. Assim, um tumor em um dos hemisférios cerebrais pode causar hérnias do giro do cíngulo (Figura 8.6), que se insinua entre a borda da foice do cérebro e o corpo caloso, fazendo protrusão para o lado oposto. Entretanto, são mais importantes, pelas graves consequências que acarretam as hérnias do úncus e das tonsilas. FIGURA 8.6 Esquema dos principais tipos de hérnia intracranianos. Notam-se também um hematoma extrodural e um tumor cerebelor, causas frequentes de hipertensão craniana. FIGURA 8.7 RM. Corte horizontal mostrando a dilatação dos ventrículos em um paciente com hidrocefolia por obstrução das aberturas mediana e laterais do IV ventrículo. Hérnias do úncus Nesse caso, um processo expansivo cerebral, determinando aumento de pressão no compartimento supratentorial, empurra o úncus, que faz protrusão através da incisura da tenda do cerebelo, comprimindo o mesencéfalo (Figura 8.6). Inicialmente há compressão do nervo oculomotor na base do pedúnculo cerebral. Ocorre dilatação da pupila do olho do mesmo lado da lesão com resposta lenta à luz, progredindo para dilatação completa, desvio lateraldo olhar, com paralisia contralateral. A sintomatologia mais característica e mais grave é a rápida perda da consciência, ou coma profundo por lesão das estruturas mesencefálicas responsáveis pela ativação do córtex cerebral. Hérnias das tonsilas Um processo expansivo na fossa posterior, como um tumor em um dos hemisférios cerebelares (Figura 8.6). Pode empurrar as tonsilas do cerebelo através do forame magno, produzindo hérnia de tonsila. Nesse caso, há compressão do bulbo, levando geralmente à morte por lesão dos centros respiratório e vasomotor que nele se localizam. O quadro pode ocorrer também quando se faz uma punção lombar em pacientes com hipertensão craniana. Nesse caso, há súbita diminuição da pressão liquórica no espaço subaracnóideo espinhal, causando a penetração das tonsilas através do forame magno. Não se deve, portanto, na suspeita de hipertensão intracraniana, realizar uma punção liquórica sem antes realizar o fundo de olho ou exame de imagem, em razão do risco de hemiação do tecido nervoso. HEMATOMAS EXTRADURAIS E SUBDURAIS Uma das complicações mais frequentes dos traumatismos cranianos são as rupturas de vasos que resultam em acúmulo de sangue nas meninges sob a forma de hematomas. Assim, lesões das artérias meníngeas, ocorrendo durante fraturas de crânio, sobretudo da artéria meníngea média, resultam em acúmulo de sangue entre a dura-máter e os ossos do crânio, formando-se um hematoma extradural. O hematoma cresce, separando a dura-máter do osso, e empurra o tecido nervoso para o lado oposto (Figuras 8.6 e 8.8), levando à morte em poucas horas se o sangue em seu interior não for drenado. FIGURA 8.8 Tomografia de um paciente com hematoma extradural na região frontal direita. Note como o cérebro está deslocado para o lodo oposto. Nos hematomas subdurais, o sangramento se dá no espaço subdural, geralmente em consequência da ruptura de uma veia cerebral no ponto em que ela entra no seio sagital superior. O sangue acumula-se entre a dura-máter e a aracnoide. São mais frequentes os casos em que o crescimento do hematoma é lento, e a sintomatologia aparece tardiamente. 10 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite No caso de hemorragias no espaço subaracnóideo, não se formam hematomas, uma vez que o sangue se espalha no liquor, podendo ser visualizado em uma punção lombar. Ocorre nos casos de ruptura de vasos de malformações arteriovenosas ou de aneurismas cerebrais. O quadro clínico é agudo, com cefaleia muito intensa, podendo ocorrer alteração de consciência. 11 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Cefaleia Definição Cefaleia refere-se a todo processo doloroso referido no segmento cefálico que tenha origem em qualquer das estruturas faciais ou cranianas. As estruturas sensíveis a dor são: estruturas faciais, pele (couro cabeludo), periósteo, vasos, nervos (V, VII, IX e X) e pequena porção da dura-máter (parte basal). Epidemiologia Aproximadamente 80% da população terá pelo menos um episódio de cefaleia por ano. 3ª queixa mais frequente no atendimento ambulatorial. 4º motivo mais frequente de consulta nas unidades de urgência. 10% são secundárias a doença orgânica. Prevalência em 1 ano: 90 – 99%, 1 a 6% da população apresenta cefaleia diariamente Cefaleia tensional: 30 – 70% dos casos Migrânea: 80% das queixas em ambulatórios especializados Fisiopatologia A sensibilidade dolorosa da cabeça é veiculada pelos aferentes trigeminais primários que inervam vasos sanguíneos, mucosas, músculos e tecidos. Fibras nervosas, a partir dessas fontes, atingem o gânglio trigeminal, especialmente através da primeira divisão do nervo trigêmeo (nervo oftálmico). Os aferentes trigeminais terminam no núcleo sensitivo principal do V nervo craniano e seu núcleo da raiz espinal, que tem vários pequenos subnúcleos, dos quais o mais importante é o subnúcleo caudalis. Esse subnúcleo recebe aferentes de vasos meníngeos, regiões sensíveis da dura-máter e mesmo da medula cervical superior, que então projetam-se para o tálamo medial e lateral através do trato espinotalâmico e para regiões do diencéfalo e do tronco encefálico envolvidas na regulação de funções autonômicas. Informação nociceptiva talâmica ascende para o córtex sensorial, bem como para outras áreas do cérebro. Embora dores de cabeça secundárias estimulem a via nociceptiva por meio de processos como inflamação e compressão, as cefaleias 1ªrias ocorrem espontaneamente e mediadores químicos estão envolvidos nesse processo. A sequência de eventos começa com ativação periférica causada pelo extravasamento neurogênico do plasma ativado espontaneamente ou pela depressão alastrante cortical. O complexo trigeminocervical, especialmente o subnúcleo caudalis, é então ativado, e os pacientes podem experimentar alodinia, uma condição em que um estímulo não nocivo é percebido como doloroso. A enxaqueca claramente tem um componente genético. A enxaqueca hemiplégica familiar tipo 1 (FHM1) pode ser causada por mutações no gene CACNA1A, que está localizado no cromossomo 19p13.2-p13.1 e é responsável pela codificação dos canais de cálcio neuronais dependentes de voltagem. Mutações no gene CACNA1A também causam ataxia episódica e epilepsia. A enxaqueca hemiplégica familiar tipo 2 (FHM2) é devida a mutação no gene ATP1A2 que está localizado no cromossomo 1q21-q23 e codifica a subunidade catalítica alfa-2 da enzima ATPase sódio-potássio. Um terceiro locus genético é o gene SCN1A no cromossomo 2q24.3, que é um canal de sódio controlado pela voltagem. Adicionalmente, muitos polimorfismos de nucleotídeos isolados têm sido associados à enxaqueca. Embora haja ligações a muitos loci genéticos para as formas mais comuns de enxaqueca, a enxaqueca e outras cefaleias provavelmente têm interações de múltiplos genes com fatores ambientais, e é claro que as contribuições genéticas são complexas. Classificação das cefaleias Primárias: enxaqueca, cefaleia tipo tensional, cefaleia em salvas e hemicrania paroxística. Secundárias: causadas por distúrbios exógenos Primárias: são as cefaleias que têm o sintoma da dor de cabeça sendo o seu principal, sem demais sinais ou sintomas sistêmicos. Não causa lesão estrutural, tende a não ser progressiva ou originar sequelas. Dor associada a ausência de anormalidades anatomopatológicas identificáveis aos exames subsidiários habituais ou em outras estruturas do organismo. Prevalência em 1 ano: 90 – 99% Exame físico e neurológico geralmente são normais A dor ocorre quando os nociceptores periféricos são estimulados em resposta a determinados fatores, como lesão tecidual ou distensão visceral. Nesse contexto, a percepção da dor constitui uma resposta fisiológica normal mediada por um sistema nervoso sadio. Entretanto, a dor também pode ocorrer em consequência de dano ou ativação inapropriada das vias produtoras de dor do sistema nervoso periférico ou central. A cefaleia pode resultar de um desses mecanismos ou de ambos. Existem relativamente poucas estruturas cranianas que geram dor, as quais incluem o couro cabeludo, a foice do cérebro, os seios da dura máter e segmentos proximais das grandes artérias da pia-máter. Acredita-se que a maior parte do parênquima cerebral, o epêndima ventricular, o plexo corióideo e as veias da pia- máter não sejam capazes de produzir dor. Migrânea (enxaqueca) 80% das queixas em ambulatórios especializados No mínimo 5 episódios de dor com duração de 4 a 72h cada associado a: > 2 das seguintes características: > 1 dos seguintes sintomas associados:- Ser unilateral, - Pulsátil, - Intensidade moderada a grave e piorar com atividade física. - Náuseas e/ ou vômitos, - fotofobia e/ou fonofobia. AURA Aura é definida como um distúrbio focal neurológico visual, sensorial ou motor, que pode ocorrer com ou sem dor de cabeça. A aura parece ocorrer quando a depressão alastrante cortical causa a despolarização das & 12 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite membranas neuronais. Tanto neurônios como células da glia podem causar constrição e dilatação dos vasos sanguíneos. Pode acontecer com ou sem aura: alterações neurológicas que duram de 5 a 60 minutos e que antecedem um quadro de enxaqueca em 1 hora. Pico de prevalência entre 30 a 50 anos. Mais comum em mulheres (3:1). Aura em 10-15% dos casos, precedendo a dor de cabeça e desaparecendo quando a dor se inicia. Tem duração de 5 a 60 minutos, apresenta-se com sintomas: Escotomas cintilantes (pontos brilhantes) ou Distúrbios em um dos hemicampos visuais, olfativa Parestesias de boca ou extremidades. Alterações sensitivas e/ou motora, Dor em caráter pulsátil/latejante e profunda, de média a forte intensidade, prevalecendo em um hemisfério, podendo haver alternância do hemisfério de uma crise para outra. Piora com a atividade, podendo ser acompanhada de náuseas/vômitos, foto/ fono ou osmofobia. Se dor muito intensa, considera-se que o paciente entrou em estado migranoso, devendo ser internado. Se a aura se estender por mais de 60 minutos é comum ter ocorrido infarto migranoso. Diagnóstico Clínico (Não precisa de exames de imagem) Tratamento Triptanos: específicos para o tratamento da dor na migrânea e superam os ergotamínicos por apresentarem muito menos efeitos adversos. Os efeitos adversos dos triptanos são leves e transitórios como vertigens, tonturas, sensação de calor e de fraqueza, náuseas e vômitos, dispneia e aperto no peito. As principais contraindicações são gravidez, doença coronariana, insuficiência vascular periférica e hipertensão arterial grave. Naratriptano: 1; 2,5 a 5 mg/dia – VO Sumatriptano: subcutâneo 6 a 12 mg/dia; oral 50 a 200 mg/dia; nasal 10 a 40 mg/dia. Zolmitriptano: oral 2,5 a 5 mg/dia. Rizatriptano: oral 5 a 10 mg/dia. Eletriptano: oral 40 a 80 mg/dia. Analgésico simples: Dipirona 500 – 1000 mg Paracetamol 500 – 750 mg Dipirona: bastante utilizado no Brasil e com excelentes resultados. Dose: 1 a 2 g via endovenosa; pode-se usar via oral, em gotas ou comprimidos na mesma dosagem. Anti-inflamatórios não hormonais (AINEs): efetivos na migrânea, pois reduzem a inflamação neurogênica perivascular. Suas contraindicações são reação alérgica conhecida, úlcera péptica e insuficiência renal. Deve-se evitar seu uso em hipertensos e idosos. Naproxeno 500 – 550 mg Ibuprofeno 400 – 600 mg Corticoides: dexametasona na dose de 4 a 12 mg, via endovenosa. Também é útil na crise aguda da enxaqueca, entretanto, não deve ser administrada isoladamente. Em geral, é associada a um analgésico ou AINH e um antiemético. Ergotamínicos: apresentam eficiência comprovada na migrânea, porém seus efeitos colaterais (sintomas extrapiramidais) limitam seu uso, bem como o risco aumentado de indução de cefaleia de rebote. Estão contraindicados na gravidez, em pacientes com doença coronariana, doença vascular periférica, insuficiência hepática ou renal, hipertireoidismo, porfiria e hipertensão arterial grave. A dose total não deve ultrapassar 12 mg por semana. Tartarato de ergotamina: 1 a 2 mg, via retal ou sublingual. Mesilato de dihidroergotamina: 0,5 mg na forma de spray nasal. Opioides: seu uso deve ser reservado para situações específicas, no caso de refratariedade às demais drogas, intolerância ou contraindicação. Tramadol: 50 a 100 mg de 6/6 horas (frequência máxima), oral, endovenoso ou intramuscular. Nalbufina: 2 a 10 mg, de 4/4 horas (frequência máxima), endovenoso ou intramuscular. Codeína: 30 a 60 mg, de 4/4 horas (frequência máxima), oral. Oxicodona: 10 a 20 mg, de 12/12 horas, oral. Associações possíveis: Metaclopramina 10 mg VO ou EV (antiemético) Dexametasona 10 mg EV, Sulfato de Mg 1 a 2 g EV Clorpromazina 12,5 mg (antipissicótico que bloqueia os R dopaminérgicos, melhorando assim a enxaqueca) Cefaleia por uso excessivo de medicamentos Analgésicos simples > 15 dias /mês Risco de cronificação da dor de cabeça. ↑ da intensidade e frequência da crise AINES Triptanos > 10 dias /mês Ergotaminicos TTO profilático β-Bloqueadores - Propanolol 80 – 240 mg/dia - Atenolol 25-150 mg/dia Bloqueadores de canal de Ca2+ - Flunarizina 5 – 10 md/dia ATC Efeitos colaterais: ↑ peso, sonolência - Amitriptilina 25 – 150 mg - Nortriptilina 10 – 75 mg Anticonvulsivantes - Ac. Valproico 500 – 1500 mg (teratogênico) - Topiramato 25 – 200 mg Toxina Botulinica - Em pct com crises refratarias ao TTO medicamentoso Mg quelato 13 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Prognóstico O prognóstico para os pacientes com enxaqueca é variável. Em muitos pacientes, as dores de cabeça diminuem em gravidade com a idade, mas a aura de enxaqueca sem dor de cabeça se torna mais frequente com a idade mais avançada. Modificação de fatores provocadores como evitar desencadeadores alimentares (tiramina, feniletilamina, etanol), melhorar ou prevenir insônia, e evitar desencadeadores ambientais (luz, som, odor) pode melhorar o resultado. As enxaquecas podem se tornar crônicas, definidas como mais de 15 dias por mês, (> 3 meses) especialmente quando associadas a obesidade, ronco, depressão e status socioeconômico baixo. Tensional 10 episódios de dor com duração de 30 min a 7 dias associado a: > 2 das seguintes características: > 1 dos seguintes sintomas (NÃO OBRIGATÓRIO) - Dor bilateral, frequentemente occipital, frontal ou holocraniana. - Em pressão ou aperto, - Intensidade leve a moderada. - Não piora com atividade física surgindo no final da tarde, relacionada com o estresse, cansaço ou fator emocional. - fotofobia e/ou fonofobia. + Ausência de náusea e/ou vômito Epidemiologia 30 – 70% dos casos de enxaqueca Pico de prevalência de 40 anos. Sem predomínio entre as mulheres. Fisiopatologia A fisiopatologia da cefaleia tipo tensional é menos compreendida do que a de outros tipos de dor de cabeça. A sensibilidade miofascial é aumentada, especialmente na cefaleia tipo tensional crônica. Os fatores genéticos são incertos. Enxaqueca e cefaleia tipo tensional muitas vezes coexistem. Embora as dores de cabeça tensionais não sejam devidas à emoção ou à contração muscular, os desencadeamentos de uma dor de cabeça tipo tensional são semelhantes àqueles associados à enxaqueca: estresse, fadiga e falta de sono. Comorbidades em pacientes com dor de cabeça tipo tensional incluem depressão e ansiedade em mais de 50% dos indivíduos. Tratamento Tanto as cefaleias tensionais quanto as dores nas cefaleias secundárias podem ser tratadas com: TTO Agudo Analgésicos simples: - Paracetamol 750 mg - Dipirona 500 – 1000 mg AINEs - Cetoprofeno 100 mg - Diclofenaco 75 – 100 mg - Ibuprofeno 200 – 1200 mg - Naproxeno 500 – 550 mg TTO Profilático ATC - Amitriptilina 25 – 150 mg 1x/dia - Nortriptilina 10 – 75 mg 1x/dia Outros antidepressivos - Venlafaxina 37,5 – 150 mg/dia - Mirtrazapina 10 -30 mg/dia - Clomipramina 30 – 150 mg/dia - ou raramente com opioides, nos casos de refratariedade ou dor de forte intensidade. Em salvas < 1% da população. Pico de prevalência entre 30-50 anos. Mais comum em homens (5:1). Fator causal: etilista Dor periorbitária e/ou temporal unilateral Dor em pontadas/facadas, de forte intensidade Duração 15 min a 3 hrs (noite) – de 1 a cada 2 dias até 8 x ao dia Biopatologia A cefaleia em salvas pode ter uma predisposição genética. Estudos de imagem, como tomografia por emissão de pósitrons e ressonância magnética funcional mostram ativação do hipotálamo posteroinferior no início da cefaleia em salvas e outras cefalalgias trigêmino-autonômicas. Além disso, o complexo trigêmino-vascular e o sistema craniano autonômico são ativados. Manifestações clínicas As crises de dor na cefaleia em salvas são quase sempre unilaterais, raramente bilaterais e acompanham-se de sinais autonômicos. Causa agitação e inquietude, podendo apresentar Sintomas associados: cefaleia de trigêmeo autonômicas Hiperemia conjuntival Lacrimejamento Miose, ptose e edema palpebral Congestão nasal ou rinorreia Sudorese, rubor frontal e facial Plenitude auricular Todos os sintomas são ipsilaterais à dor. Náuseas/ vômitos podem estar presentes. Geralmente desaparece com inalação de O2 100%, sendo o teste terapêutico também diagnóstico. A localização da dor normalmente é atrás ou acima do olho ou na têmpora, mas outras áreas podem incluir dor na testa, bochecha, dentes ou maxilar. A dor atinge o seu máximo de intensidade em cerca de 9 minutos e tende a terminar abruptamente. Sintomas similares à enxaqueca podem coexistir, incluindo fotofobia unilateral, fonofobia e, raramente, uma aura. Diferentemente dos pacientes de enxaqueca, que em geral tentam repouso, pacientes com cefaleias em salvas andam e são incapazes de sentar-se ou deitar-se. Cefaleias em salvas, muitas vezes precipitadas por histamina, álcool ou nitroglicerina, têm uma periodicidade diária e podem também ter uma periodicidade sazonal. Por exemplo, a cefaleia em salvas episódica pode ocorrer anualmente ou a cada 2 anos, muitas vezes na mesma estação do ano a cada vez. A cefaleia em salvas crônica pode ocorrer sem remissão. + 14 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Tratamento Oxigenioterapia: oxigênio a 100% deve ser a primeira escolha na emergência. Utiliza-se um fluxo de 5 a 7 litros/minuto, por 10 a 15 minutos, com máscara e, de preferência, com o paciente sentado ao contrário na cadeira levemente debruçado para frente. FIO2 100% 10 a 15 L (Máscara) - Sucesso em 60 – 70% dos casos Triptanos: sumatriptano, 6 a 12 mg, via intramuscular. Os demais triptanos não apresentam ainda experiência clínica suficiente e sua administração via oral não é favorável, uma vez que as crises de cefaleia em salva costumam ser de curta duração. Sumatriptano 6 mg SC Sumatriptano nasal 10 -20 mg Ergotamínicos: tartarato de ergotamina, 1 a 2 mg via sublingual ou dihidroergotamina (DHE) 0,5 a 1 mg via endovenosa. A DHE por via intramuscular ou inalatória é menos eficiente. Lidocaína: 1 ml de lidocaína a 4% ou 6% instilado na narina ipsilateral à dor, com o paciente em posição de Trendelemburg e rotação lateral para o lado da dor. TTO profilático: Bloqueador do canal de Ca2+: Verapamil 240 – 480 mg/dia - Carbonato de lítio: 300 mg/ 2x dia Cuidado: efeitos colaterais e interação medicamentosa - Corticosteroides (p. ex., prednisona, 40 mg/dia, ou dexametasona, 4 mg duas vezes ao dia por 2 semanas) agem rapidamente para evitar a cefaleia em salvas, enquanto outros medicamentos preventivos são iniciados. - Ácido valproico (500 a 1.500 mg/dia em doses fracionadas) (- Valproato de Sódio 250 – 100 mg/dia), topiramato (50 a 100 mg/dia), melatonina (4 mg na hora de dormir) e gabapentina (300 mg três vezes ao dia) algumas vezes são benéficos. As abordagens cirúrgicas incluindo injeções de esteroides suboccipitais,estimuladores do nervo occipital, estimulação do gânglio esfenopalatino, estimulação hipotalâmica e procedimentos destrutivos são algumas vezes necessárias para essa cefaleia incapacitante. Cefalgias Trigêmino-autonômicas Cefalalgias trigêmino-autonômicas incluem: Hemicrania paroxística, caracterizada por ataques de dor de cabeça que persistem durante 5 a 30 minutos, em geral unilaterais e ocorrendo mais frequentemente em mulheres; normalmente respondem à indometacina. A hemicrania contínua, outra dor de cabeça que responde à indometacina, observada em homens e mulheres, é caracterizada por dor contínua, unilateral e com características autonômicas leves associadas; coexiste muitas vezes com uma forma de cefaleia crônica diária. Cefaleia neuralgiforme unilateral curta com injeção conjuntival e lacrimejamento é uma cefalalgia trigêmino-autonômica rara que ocorre nos homens; as cefaleias individuais persistem apenas por um curto período de tempo (segundos a 2 minutos). Epidemiologia A hemicrania paroxística ocorre em 56 a 381 por 100.000 pessoas, afeta mais frequentemente as mulheres (2:1) e pode começar em qualquer idade, mas em geral começa dos 34 aos 41 anos. Dor de cabeça neuralgiforme, de curta duração, unilateral, com injeção conjuntival e lacrimejamento é rara, com uma ligeira preponderância do sexo masculino (2:1). Biopatologia A fisiopatologia de hemicrania contínua é desconhecida, e há um debate sobre se ela está associada a envolvimento do hipotálamo ou se assemelha à enxaqueca. Tabela 398-5 – Características distintivas das cefalgias trigêminio -autonômicas CARACTERÍSTICA CEFALEIA EM SALVA HEMICRANIA PAROXÍSTICA HEMICRANIA CONTÍNUA CEFALEIA DE CURTA DURAÇÃO, NEURALGIFORME, UNILATERAL COM HIPEREMIA CONJUNTIVAL E LACRIMEJAMENTO Sexo — F:M 1:3 a 7 2:1 2:1 1:2 Unilateral + + + + Frequência do ataque 1 a 8/dia 1 a 40/dia 3 a 200/dia Duração do ataque 15 a 180 min 2 a 30 min Contínuo com exacerbação episódica 5 a 240 s Características autonômicas + + + com exacerbações + Efeito da indometacina - +++ +++ - Tratamento agudo no início *DHE = di- hidroergotamina Oxigênio, sumatriptana SC, DHE spray nasal; sumatriptana ou zolmitriptana spray nasal (Evidência de nível A) Nenhum Nenhum Nenhum Medicamentos preventivos Verapamil, lítio, corticosteroides, anticonvulsivantes (nível A) Indometacina (nível A) Indometacina (nível A) Lamotrigina, topiramato, gabapentina (nível B) 15 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Manifestações clínicas Na hemicrania paroxística a dor é de curta duração, geralmente de 2 a 30 minutos, e ocorre unilateralmente ao redor dos olhos, têmpora ou região maxilar, algumas vezes precipitada por movimentos da cabeça. Características autonômicas semelhantes à cefaleia em salvas podem ocorrer. A taxa de ataque usual é de até 40 episódios por dia. Crises de dor podem ser episódicas, separadas por remissões, mas a maioria dos pacientes tem hemicrania paroxística crônica diária sem remissão. Cefaleia de curta duração, neuralgiforme, unilateral, com hiperemia conjuntival e lacrimejamento é unilateral e consistentemente no mesmo lado. Embora a dor seja insuportável, o ataque é breve, durando geralmente segundos, e a maioria dos pacientes está livre de dor entre os ataques, embora uma dor surda possa estar presente. Características autonômicas associadas incluem hiperemia conjuntival ipsolateral e lacrimejamento. Diagnóstico A hemicrania paroxística é definida por dor unilateral persistente por 2 a 30 minutos, cerca de cinco vezes por dia, com uma ou mais características autonômicas, como hiperemia conjuntival, congestão nasal, edema palpebral, sudorese facial e na testa, e ptose ou miose (ou ambas). A prevenção completa pode ser alcançada com indometacina. Hemicrania contínua é uma dor de cabeça unilateral que ocorre diária e continuamente, sem períodos livres de dor, com intensidade moderada e exacerbações de dor intensa. Durante as exacerbações, pelo menos uma característica autonômicaipsolateral está presente: hiperemia conjuntival, lacrimejamento, congestão nasal, semiptose ou miose. Responde à indometacina. Cefaleia de curta duração, neuralgiforme, unilateral, com hiperemia conjuntival e lacrimejamento é diagnosticada por dor temporal unilateral “em punhaladas”, orbitária, supraorbitária, persistindo por 5 a 240 segundos a uma frequência de três a 200 por dia. Está associada à congestão conjuntival e lacrimejamento. Procedimentos de imagem como ressonância magnética são indicados para todos os pacientes no início das cefaleias em salvas ou outras cefalalgias trigêmino-autonômicas, pois essas formas de cefaleia podem ser secundárias a outras lesões, como uma infecção, malformação vascular ou neoplasia, especialmente tumor hipofisário. Outras possibilidades do diagnóstico diferencial incluem enxaqueca, cefaleia hípnica (dores de cabeça raras, de curta duração exclusivamente durante o sono, ocorrendo em idosos) e neuralgia trigeminal. Tratamento Sumatriptana ou zolmitriptana nasal spray ou sumatriptana subcutânea (4 a 6 mg) podem ser úteis. Di-hidroergotamina pode ser útil quando administrada por via nasal, intramuscular ou mesmo intravenosa. Casos refratários podem responder à estimulação do nervo grande occipital. A hemicrania paroxística crônica e a hemicrania contínua são caracterizadas por uma resposta à indometacina, 25 a 50 mg três vezes ao dia. As crises de dor de cabeça neuralgiforme curta unilateral com hiperemia conjuntival e lacrimejamento são tão curtas que não há medicamentos para tratá-las de forma aguda. Prevenção Hemicrania paroxística e hemicrania contínua respondem à indometacina diária (25 a 50 mg três vezes ao dia). Se o paciente não conseguir tolerar a indometacina, os bloqueadores dos canais de cálcio (p. ex., verapamil, 240 a 480 mg/dia) ou a melatonina podem ser úteis. O tratamento preventivo da cefaleia neuralgiforme curta unilateral com hiperemia conjuntival e lacrimejamento inclui lamotrigina (100 a 400 mg/dia), topiramato (50 a 100 mg), gabapentina (300 a 900 mg) ou lidocaína IV (iniciando com 2 mg/min, com monitoração cardíaca). A cefaleia neuralgiforme unilateral curta com injeção conjuntival e lacrimejamento é encarada como a cefaleia mais difícil de prevenir. A lamotrigina e o topiramato podem ser úteis. Prognóstico Cefaleia em salvas muitas vezes é um problema ao longo da vida, mas remissões podem persistir por períodos mais longos conforme o paciente envelhece. Outras cefalalgias trigêmino-autonômicas são provavelmente persistentes por toda a vida; todavia, o tratamento sintomático combinado com medicamentos preventivos é útil. Cefaleia crônica diária Definição Embora não seja um transtorno específico, a cefaleia crônica diária, definida como uma dor de cabeça que está presente em mais de 15 dias por mês, é desafiadora tanto para os pacientes como para os médicos. Essas dores de cabeça podem ser enxaqueca crônica, cefaleia tipo tensional crônica, cefaleia persistente e diária de início súbito, hemicrania contínua e cefaleia em salvas crônica, com ou sem o uso excessivo de medicamentos. Epidemiologia Até 4% a 5% da população sofre de cefaleia crônica diária, mais comumente do tipo tensional crônico ou enxaqueca crônica. Fatores desencadeadores, como infecção prévia, traumatismo craniano leve ou evento estressante da vida, estão presentes em 40% a 60% dos pacientes com cefaleia persistente e diária de início súbito. Fatores de risco para cefaleia crônica diária incluem uso excessivo de medicação, histórico de enxaqueca, cefaleia frequente, depressão, sexo feminino, obesidade, ronco, eventos estressantes da vida e baixo nível educacional. Biopatologia A cefaleia crônica diária provavelmente está relacionada à enxaqueca, com anormalidades centrais e periféricas. Uma vez que as crises de enxaqueca têm se prolongado e a cefaleia ocorre diariamente, a alodinia, uma sensação de que um estímulo não doloroso é percebido como doloroso, muitas vezes se desenvolve. A utilização de um opiáceo por mais de 8 dias por mês, especialmente nos homens, o uso de 16 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite barbitúricos por mais de 5 dias por mês, especialmente em mulheres, ou a utilização de triptanos por mais de 10 a 14 dias por mês podem levar frequentemente à enxaqueca crônica, ou pelo menos ao agravamento das dores de cabeça. Manifestações clínicas A nova cefaleia persistente diária é caracterizada por ocorrência diária, início em um momento específico e um curso incessante. É geralmente bilateral, não pulsátil, leve a moderada e associada a aspectos de enxaqueca, fotofobia, fonofobia ou náuseas. Náuseas ou vômitos acentuados são raros. A nova cefaleia persistente diária pode ser incapacitante e difícil de tratar. A cefaleia crônica diária está com frequência associada a comorbidade psiquiátrica profunda, especialmente depressão e ansiedade; tais comorbidades psiquiátricas predizem intratabilidade. Diagnóstico O diagnóstico de cefaleia crônica diária é baseado no histórico. É importante identificar o tipo subjacente de cefaleia crônica diária primária: enxaqueca crônica, cefaleia tipo tensional crônica, cefaleia diária persistente ou hemicrania contínua. Cefaleias de duração inferior a 4 horas também podem ser crônicas e diárias: cefaleia em salvas crônica, hemicrania paroxística crônica, cefaleias hípnicas ocorrendo todas as noites (geralmente em idosos) e cefaleia idiopática em facada. É importante excluir cefaleias secundárias, incluindo cefaleia pós-traumática, dores de cabeça associadas a doenças vasculares (p. ex., arterite de células gigantes, malformações arteriovenosas, dissecções da artéria vertebral e carótida), e dores de cabeça associadas a distúrbios não vasculares (p. ex., hipertensão intracraniana, hipotensão intracraniana, infecções). A RM e os exames laboratoriais (p. ex., VHS em um indivíduo idoso) são comumente recomendados. Punção lombar (PL) para avaliar a pressão intracraniana também pode ser indicada em determinados pacientes. Tratamento A causa mais comum da cefaleia crônica diária é o uso excessivo de medicamentos, de modo que os pacientes devem ser advertidos quanto ao uso de medicações sintomáticas em demasia. O tratamento da depressão subjacente, da ansiedade e da dor também pode ser útil. Ocasionalmente, a internação hospitalar é necessária para quebrar o ciclo da cefaleia. Tratamentos específicos para enxaqueca aguda (ver anteriormente), especialmente di- hidroergotamina IV (0,5 a 2 mg), são úteis para encerrar crises de enxaqueca. Prevenção Os medicamentos que são úteis na prevenção da cefaleia crônica diária incluem antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina se os pacientes estiverem deprimidos, anticonvulsivantes, β-bloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio. Para hemicrania contínua, a indometacina (25 a 50 mg três vezes por dia) é o tratamento de eleição. Prognóstico O prognóstico depende do diagnóstico da dor de cabeça subjacente. Se uso excessivo de medicação é a causa, mas o paciente é desintoxicado com sucesso, cerca de 75% dos pacientes melhoram quando tratados com medicamentos preventivos. O tratamento pode falhar se o diagnóstico está incorreto ou pela persistência de fatores como uso excessivo e contínuo de medicamentos, uso excessivo de cafeína, privação de sono, deflagradores alimentares, fatores hormonais ou fatores psiquiátricos. Informar o paciente sobre abuso de medicação para as cefaleias, desintoxicação em regime de internamento ou ambulatorial e cuidados de tratamento multidisciplinares tem sido considerado útil. Explosiva Rompimento aneurisma, MAV, hemorragia subaracnóide. Tabela 398-2 - Diagnóstico diferencial das dores de cabeça primárias TIPO DE DOR DE CABEÇA ASPECTOS GENÉTICOS EPIDEMIOLOGIA ASPECTOSCARACTERÍSTICOS DURAÇÃO SINTOMAS ACOMPANHANTES Enxaqueca Genética complexa, mas geralmente um histórico familiar Mais frequente em mulheres Unilateral, bilateral; latejante; moderada a intensa; piora com atividade Horas a dias Fotofobia, fonofobia, náuseas e/ou vômitos Cefaleia tipo tensional Normalmente um histórico familiar Frequência igual em homens e mulheres Dor semelhante a uma faixa apertada; bilateral; dor pode ser leve a moderada, melhora com a atividade Horas a dias Sem náuseas ou vômitos; discreta sensibilidade à luz ou ao som, mas não a ambos Cefaleia em salvas Pode ter histórico familiar Mais frequente em homens Unilateral, dor intensa na face Minutos a horas Ptose ipsolateral, miose, rinorreia, edema palpebral, lacrimejamento Hemicrania paroxística Normalmente sem histórico familiar Mais frequente em mulheres Dor unilateral na face Minutos Ptose ipsolateral, miose, rinorreia, edema palpebral, lacrimejamento; responde à indometacina Cefaleia unilateral curta com injeção conjuntival e lacrimejamento Sem história familiar Mais frequente nos homens Dor no olho unilateral; dor orbitária Segundos a 240 segundos Injeção conjuntival; lacrimejamento Hemicrania contínua Sem histórico familiar Mais frequente em mulheres Dor de cabeça contínua, unilateral com dores em facada episódicas Contínua Características autonômicas ipsolaterais: ptose, miose, rinorreia, edema palpebral, lacrimejamento 17 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Secundárias: são sintomas decorrentes de afecções sistêmicas subjacentes, sendo consequência de uma agressão causada pela doença de base, a qual pode ser grave, como meningite, hemorragia subaracnoide, trombose venosa cerebral e tumores. São definidas quando duas condições são estabelecidas: A doença de base é capaz de causar cefaleia. A cefaleia iniciou após o surgimento da doença de base Deve-se sempre suspeitar de cefaleia secundária, quando as características da cefaleia não se encaixam em nenhum tipo de cefaleia crônica primária; quando a cefaleia é progressiva (surgiu há pouco tempo ou piorou o padrão de uma cefaleia antiga), refratária ao tratamento convencional ou associada a deficit neurológico ou sinais e sintomas de uma doença orgânica. Causas alarmantes de cefaleia secundária que demandam avaliação urgente incluem meningite, hemorragia intracraniana, evento isquêmico agudo, tumor ou lesão obstrutiva, glaucoma, sinusite purulenta, trombose de veia cortical/seio craniano, dissecção de artéria carótida/vertebral, apoplexia hipofisária, síndrome de encefalopatia reversível posterior (SERP) e síndrome de vasoconstrição cerebral reversível (SVCR). Para os pacientes que apresentaram infarto isquêmico há pouco tempo e desenvolvem cefaleia de início recente também deve ser solicitada imediatamente tomografia computadorizada (TC) de crânio, sobretudo aqueles que receberam agentes trombolíticos. Os distúrbios tireóideos (mais frequentemente hipotireoidismo) também costumam se acompanhar de cefaleia. Meningite: A cefaleia aguda e intensa com rigidez de nuca e febre sugere meningite. A PL é obrigatória. Frequentemente há marcada acentuação da dor com os movimentos dos olhos. É fácil confundir meningite com enxaqueca, pois os sintomas cardinais de cefaleia latejante, fotofobia, náuseas e vômitos frequentemente estão presentes, talvez refletindo a biologia subjacente de alguns pacientes. Hemorragia intracraniana: Cefaleia aguda e intensa com rigidez de nuca, mas sem febre, sugere hemorragia subaracnóidea. Um aneurisma roto, malformação arteriovenosa ou hemorragia intraparenquimatosa também podem apresentar-se apenas com cefaleia. Raramente, se a hemorragia for leve ou abaixo do forame magno, a TC de crânio pode ser normal. Portanto, a PL pode ser necessária para estabelecer o diagnóstico definitivo de hemorragia subaracnóidea. Tumor cerebral: Cerca de 30% dos pacientes com tumores cerebrais consideram a cefaleia como sua queixa principal. A dor de cabeça costuma ser indescritível – uma dor maçante, profunda, intermitente, de intensidade moderada, que pode piorar aos esforços ou por mudança de posição e pode ser acompanhada de náuseas e vômitos. Esse padrão de sintomas resulta de enxaqueca com frequência muito maior do que a de tumor cerebral. A cefaleia de um tumor cerebral perturba o sono em cerca de 10% dos pacientes. Os vômitos que precedem o início da cefaleia em semanas são altamente típicos de tumores cerebrais da fossa posterior. Uma história de amenorreia ou galactorreia deve levar à suspeita de adenoma hipofisário secretor de prolactina (ou de síndrome dos ovários policísticos) como a origem da cefaleia. A cefaleia que surge originalmente em paciente com câncer conhecido sugere metástase cerebral ou meningite carcinomatosa, ou ambas. A dor de cabeça que surge abruptamente após a inclinação ou elevação do corpo ou tosse pode ser causada por uma massa na fossa posterior, malformação de Chiari ou baixo volume de líquido cerebrospinal (LCS). Arterite temporal: A arterite temporal (de células gigantes) é um distúrbio inflamatório das artérias que frequentemente envolve a circulação carotídea extracraniana. Constitui um distúrbio comum em idosos; sua incidência anual é de 77 por 100 mil indivíduos com 50 anos de idade ou mais. A idade de início média é 70 anos, e as mulheres respondem por 65% dos casos. Cerca de metade dos pacientes com arterite temporal não tratada desenvolve cegueira causada por envolvimento da artéria oftálmica e seus ramos; na verdade, a neuropatia óptica isquêmica induzida por arterite de células gigantes é a principal causa de cegueira bilateral de rápido desenvolvimento em pacientes com > 60 anos. Como o tratamento com glicocorticoides é eficaz na prevenção dessa complicação, o imediato reconhecimento do distúrbio é importante. Os sintomas típicos de apresentação incluem cefaleia, polimialgia reumática, claudicação mandibular, febre e perda de peso. A cefaleia é o sintoma dominante e frequentemente aparece associada a mal-estar e mialgias. A dor na cabeça pode ser unilateral ou bilateral e localizar se temporalmente em 50% dos pacientes, embora possa envolver qualquer uma ou todas as áreas do crânio. A dor em geral surge gradualmente durante um período de algumas horas antes de atingir intensidade máxima; ocasionalmente, é de início explosivo. A característica da dor é ser latejante apenas raramente; quase sempre é descrita como maçante e incômoda, com episódios sobrepostos de dores lancinantes semelhantes às dores agudas que surgem na enxaqueca. A maioria dos pacientes consegue reconhecer que a origem da sua dor de cabeça é superficial, externa ao crânio, e não com origem profunda no crânio (o local da dor para os que sofrem de enxaqueca). Há hipersensibilidade no couro cabeludo, frequentemente em grau acentuado; devido à dor, pode-se tornar impossível escovar os cabelos ou deitar a cabeça no travesseiro. A cefaleia costuma piorar à noite e muitas vezes é agravada por exposição ao frio. Achados adicionais podem incluir nódulos avermelhados, sensíveis ou estriação vermelha na pele sobre as artérias temporais e dor à palpação das artérias temporais ou, menos comumente, das occipitais. Glaucoma: O glaucoma pode apresentar-se com cefaleia debilitante associada a náuseas e vômitos. A cefaleia frequentemente começa com dor ocular intensa. Ao exame físico, o olho costuma mostrar-se eritematoso com pupila fixa e moderadamente dilatada. 18 Letícia M. Dutra - 7ª Etapa - Distúrbios sensoriais, motores e da consciência: Cefaleia e Meningite Sinais e sintomas de alerta! Sinais de alerta de um evento potencialmente GRAVE S Sinais sistêmicos como toxemia, rigidez de nuca, rash
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