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Aula 10 A expansão europeia e a formação do tráfico de escravos até o século XVIII

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História da África Pré Colonização
Aula 10: A expansão europeia e a formação do trá�co de
escravos até o século XVIII
Apresentação
Nessa aula, você vai identi�car as dinâmicas gerais do trá�co de escravos, analisor todas as etapas que envolviam a
escravização dos africanos e seu embarque para o continente americano; e, ainda, examinar algumas das resistências
impetradas pelos africanos escravizados.
Objetivo
Examinar as etapas de escravização dos africanos;
Analisar as principais diretrizes do Trá�co Transatlântico;
Identi�car qual o impacto da história do trá�co para o continente africano.
Introdução
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Leia com atenção o trecho da Bula Papal expedida pelo Papa Nicolau V em 1454 e re�ita sobre qual era a postura da Igreja
frente à escravização e comercialização de africanos para o Novo Mundo.
"Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente adquiridos foram trazidos
ao reino, o que esperamos progrida até a conversão do povo ou ao menos de muitos
mais. Por isso nós, tudo pensando com devida ponderação concedemos ao dito rei
Afonso [de Portugal] a plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar,
subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos
reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos seus aos mesmos D. Afonso
e seus sucessores, e ao infante.”
- Papa Nicolau, 1454
O trá�co em questão
O trá�co transatlântico foi responsável não só por grandes mudanças no interior da África, mas também teve impacto mundial
na medida em que os africanos comercializados acabaram tornando-se atores sociais fundamentais nas sociedades em que
foram incorporados. Atualmente, diversos países da América Latina e da América do Norte como Brasil, Colômbia, Cuba,
Jamaica e Estados Unidos não podem ser entendidos sem levar em consideração suas heranças africanas e o legado do
escravismo.
Apesar do grande número de africanos escravizados, é importante lembrar que a escravidão é um fenômeno histórico que não
se limitou a nenhum continente especí�co, e muito menos atingiu apenas um determinado biótipo humano. Os africanos não
tinham nenhuma característica biológica que justi�casse a sua escravização. Por isso, o “comércio negreiro” (como �cou
conhecido) tem que ser entendido sob a luz dos interesses econômicos e políticos que o motivaram.
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A escravidão foi uma condição que existiu em diferentes lugares e épocas, pois, grosso modo, o escravo era um
subproduto das guerras, e as guerras ocorreram por toda parte. Não é à toa que a palavra cativo (prisioneiro de guerra) é
usada como sinônimo de escravo.
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O escravo era sempre o outro ou o estrangeiro, estivesse ele próximo ou distante. Essa a�rmação ajuda a entender tanto
a escravização de povos vizinhos – os atenienses que escravizaram os espartanos; os romanos que escravizaram
gregos, espanhóis e eslavos; e os egípcios que escravizaram os núbios -, como a subjugação de povos distantes, que em
muitos casos possuíam características fenotípicas diversas. A ampliação de interesses econômicos e políticos
suscitavam con�itos que, por sua vez, geravam escravos.
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No caso africano, a escravidão sofreu fortes alterações a partir da chegada dos europeus. Desde 1440, o “trato da carne”
já era visto como um negócio lucrativo para Portugal que passou a vender africanos escravizados para importantes
cidades europeias, bem como utilizá-los na produção de açúcar na Ilha de São Tomé, que na época era uma colônia
portuguesa.
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Ainda que os portugueses e os demais europeus não tenham empreendido nenhuma invasão à África, a permissão
concedida pela Igreja livrava-os de qualquer comprometimento moral com o fato de comercializarem africanos
escravizados. Interesses religiosos e econômicos pareciam ter o mesmo �m, mas não foram apenas as motivações
econômicas e religiosas que viabilizaram a escravização de africanos. Se este comércio aconteceu de forma tão intensa,
foi porque ele também apresentava vantagens para alguns setores das sociedades africanas. Resta saber a quem e por
quê.
As Dinâmicas do “Trato da Carne”
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Congo e Angola
As primeiras grandes levas de
africanos escravizados saíram da
região que hoje corresponde aos
países de Congo e Angola. A
compra massiva de escravos
nessa região estava intimamente
ligada com a conversão do rei do
Congo ao catolicismo e à íntima
relação que este reino passou a
ter com os portugueses.
Gana
Logo em seguida, entre os
séculos XVI e XVII, portugueses e
outras nações europeias, como
os franceses, holandeses e
ingleses, começaram a comprar
africanos escravizados da região
que �cou conhecida como Costa
do Ouro (no atual país de Gana)
habitada pelas sociedades acans,
fantis e mandingas.
Benin
A partir do século XVII, e
sobretudo, no século XVIII, o
trá�co atlântico ampliou sua área
de atuação para a região do
Golfo do Benin que �cou
conhecida como a Costa dos
escravos devido ao grande
número de africanos que de lá
saíram. O reino do Benin,
estudado em aula anterior,
transformou-se em um grande
fornecedor de escravos para os
europeus e brasileiros.
Moçambique
Por �m, durante o �nal do século
XVIII e início do XIX, o comércio
com a região Congo-Angola que
nunca havia sido extinto, foi
reaquecido. A constante busca
de cativos fez com que
portugueses e brasileiros
iniciassem o trá�co com a África
Oriental, principalmente com a
região do atual país de
Moçambique. Algumas das
cidades-Estado do Oceano Índico
estudadas na aula 8, como
Quiloa e Sofala, acabaram
envolvendo-se no comércio
atlântico de africanos
escravizados e se tronaram
importantes portos de embarque
no �nal dos setecentos.
Saiba mais
Veja a rota de comércio de escravos entre África e América.
Embora cada uma dessas regiões tenha tido histórias próprias, é possível dizer que as dinâmicas do trá�co agiram de forma
muito parecida em todas elas. De modo geral, essa ampla rede, que permitiu a compra de milhares de africanos escravizados,
era formada por quatro personagens principais.
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Para o primeiro personagem, estavam os africanos
escravizados. No início, esses escravos eram os homens e
mulheres que habitavam aldeias e pequenas cidades
africanas, situadas próximas ao litoral, e que não
conseguiam resistir às guerras travadas por sociedades
africanas maiores. À medida que o comércio de escravos foi
se transformando em um negócio muito lucrativo,
populações de reinos e grandes cidades-estado africanas,
também foram comercializadas. Diversas sociedades já
estudadas, como os congos, iorubas e até mesmo os
habitantes do antigo reino do Congo foram escravizados.
Os africanos escravizados eram levados do interior do
continente para as cidades litorâneas. Lá, eles eram
colocados em grandes barracões, onde esperavam a
chegada dos comerciantes europeus que os transportariam
para a América.
Para o primeiro personagem, estavam os africanos
escravizados. No início, esses escravos eram os homens e
mulheres que habitavam aldeias e pequenas cidades
africanas, situadas próximas ao litoral, e que não
conseguiam resistir às guerras travadas por sociedades
africanas maiores. À medida que o comércio de escravos foi
se transformando em um negócio muito lucrativo,
populações de reinos e grandes cidades-estado africanas,
também foram comercializadas. Diversas sociedades já
estudadas, como os congos, iorubas e até mesmo os
habitantes do antigo reino do Congo foram escravizados.
Os africanos escravizados eram levados do interior do
continente para as cidades litorâneas. Lá, eles eram
colocados em grandes barracões, onde esperavam a
chegada dos comerciantes europeus que os transportariam
para a América.
A elite das diversas sociedades africanas, que via os
escravos como mais uma das mercadorias
comercializáveis, erao terceiro personagem do processo de
escravização. Conforme dito anteriormente, essas elites
africanas não vendiam pessoas que faziam parte de seu
povo, mas sim grupos africanos que eram considerados
inimigos.
As elites africanas compravam os escravos trazidos pelos
mercadores e os revendiam para os negociantes europeus.
Cada elite africana trocava os escravos por mercadorias do
seu interesse, produtos que apenas poderiam ser adquiridos
pela parcela mais rica das sociedades africanas que se
envolveram no comércio transatlântico de escravos.
Por �m, para o quarto personagem dessa rede, estavam os
próprios europeus que �cavam aportados nas feitorias
construídas no litoral africano, esperando a chegada dos
mercadores com a “carga” de escravos. Esses negociantes
europeus tinham dupla preocupação em fortalecer suas
redes de comércio com as elites africanas. Esse
fortalecimento permitiu que os europeus ampliassem sua
rede de comércio e negociassem com diferentes
sociedades da África em diferentes momentos da história.
Isso permitiu que, entre os séculos XVI e XIX, milhares de
africanos escravizados fossem embarcados para o
continente americano por meio dos navios negreiros.
Depois de serem capturados em sua terra natal, os africanos escravizados eram vendidos a corretores africanos e levados para
as principais cidades costeiras do continente. Essa jornada variava de acordo com a distância entre o local da captura e o da
venda do escravo. No início do comércio transatlântico, essa viagem costumava ser rápida, pois os escravos vinham de regiões
próximas ao litoral. Contudo, a partir do �nal do século XVIII e início do século XIX, muitos africanos eram escravizados no
interior do continente e podiam demorar semanas até chegar aos portos de embarque.
 Africanos escravizados a caminho das cidades litorâneas | Fonte: www.professoragiedre.blogspot.com.br
Independentemente da distância a ser percorrida, o escravo viajava a pé, ligado a outros companheiros de cativeiro pelo
pescoço. Como recebiam pouca comida e tinham que a andar rapidamente, alguns escravos, principalmente aqueles que
tinham ferimentos, não resistiam a essa primeira viagem e morriam. Os demais continuavam a jornada.
Ao chegar às cidades costeiras, os escravos eram colocados em barracões próximos às feitorias europeias e lá eram
comprados por negociantes europeus e brasileiros. Como a travessia do atlântico não era barata, os tra�cantes esperavam ter
o número su�ciente de escravos para lotar os navios e só então realizar a viagem. Por isso, os africanos escravizados podiam
esperar até três meses antes de embarcarem. Durante o período de espera nas cidades costeiras, esses escravos viviam
presos e eram constantemente vigiados.
Chegada a hora da viagem, os africanos eram colocados nos porões das embarcações de médio porte que �caram conhecidas
como navios negreiros ou tumbeiros. Conforme visto na aula passada, os destinos desses navios eram as diferentes colônias
no Novo Mundo.
Desejando obter o maior lucro possível, os tra�cantes empilhavam cerca de quinhentos escravos nos porões de cada navio.
Nesses porões, os escravos passavam a maior parte da travessia amontoados uns nos outros e presos pelos pés ou pelos
braços. Como não havia espaço su�ciente, os escravos �cavam sentados durante boa parte da viagem ou revezavam as
poucas esteiras que existiam no navio. Em pequenos grupos, os escravos subiam até a proa da embarcação para tomar sol.
Essa era uma medida que diminuía o índice de doenças tanto física quanto mentais dos escravos – que saíam da total clausura
–, mas também era um dos momentos mais tensos da viagem, pois a tripulação deveria vigiar atentamente os africanos para
que não ocorresse nenhum tipo de revolta. Em algumas viagens, os escravos aproveitaram o momento do banho de sol e
�zeram motins, chegando inclusive a ferir e até mesmo a matar alguns integrantes da tripulação.
Entretanto, os escravos passavam a maior parte da viagem nos porões. Lá, eles normalmente consumiam água salobra e se
alimentavam apenas de farinha de mandioca, peixe ou carne seca e feijão, pois eram os únicos alimentados que não
estragavam durante a viagem. Alguns africanos já embarcavam doentes e como as condições de higiene eram precárias cerca
de um terço deles morria durante a travessia. Para evitar que as doenças se alastrassem ainda mais, os tra�cantes jogavam os
corpos dos mortos no mar.
Saiba mais
A duração da viagem variava de acordo com o ponto de partida e o ponto de chegada. Nos séculos XVI e XVIII, os navios que
saíam da Costa Ocidental africana demoravam cerca de 25 dias para chegar a Pernambuco, 30 dias para chegar à Bahia e 40 dias
para aportar no Rio de Janeiro. Já a travessia entre a Costa Índica da África (principalmente na região de Moçambique) e o Rio de
Janeiro poderia durar de dois a três meses.
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Algumas formas de resistência
A história do trá�co transatlântico é, antes de tudo, uma história de extrema violência. Conforme apontado, mais de 12 milhões
de africanos escravizados chegaram ao Novo Mundo, isso sem contar os outros milhares que morreram na travessia atlântica
e os outros tantos que não conseguiram chegar à Costa litorânea da África. No entanto, a história do trá�co e,
consequentemente da escravidão, também é uma história de resistência.
Muitos africanos escravizados preferiam a morte às intempéries do cativeiro na América. Por isso, o suicídio era uma prática
relativamente comum ainda no continente africano. Aqueles que conseguiam fugir das redes do trá�co embrenhavam-se nas
matas e savanas da África formando organizações que �caram conhecidas por quilombos.
Apesar de todo horror, muitos africanos conseguiram construir laços de solidariedade durante a viagem. A amizade construída
entre esses africanos chegava a ser tão forte que existia uma palavra para de�ni-la: malungu. Essa palavra tinha origens em
diferentes línguas africanas, mas a experiência da travessia do atlântico fez com que ela ganhasse um signi�cado especial:
companheiro de travessia. A força dessa amizade era tanta que alguns africanos conseguiram mantê-la depois da chegada ao
Novo Mundo.
E, por �m, houve o caso daqueles que �caram conhecidos como Retornados. Alguns africanos escravizados conseguiram
comprar sua liberdade na América (principalmente no Brasil) e juntar dinheiro su�ciente para retornarem ao seu continente de
origem. Quando chegavam ao continente-mãe, a experiência do cativeiro havia mudado sua forma de ser e muitos desses
homens e mulheres não eram aceitos pelas sociedades onde nasceram. Juntos, esses retornados (conhecidos como Agudás e
Tabons) reconstruíram suas identidades em África, apresentando assim outro lado da complexidade do Trá�co Transatlântico.
Referências
M'BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações. Lisboa: Vulgata, 2003.
SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo. A África e a escravidão de 1500 a 1700, Rio de Janeiro, Nova Fronteira:
Fundação Biblioteca Nacional, 2002.
SILVA,A.C. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Nova Fronteira/EDUSP. São Paulo, 1992.
Próxima aula
As etapas de escravização dos africanos;
As principais diretrizes do Trá�co Transatlântico;
O impacto da história do trá�co para o continente africano.
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