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FILOSOFIA 
Gabriel Victor Rocha Pinezi
O racionalismo cartesiano
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Reconhecer a filosofia racionalista de René Descartes.
  Distinguir as questões relativas à racionalidade.
  Explicar a reflexão filosófica sobre o conhecimento.
Introdução
Neste capítulo, você vai conhecer a obra do filósofo francês René Des-
cartes e verificar a sua importância para a história da filosofia e da ciência 
ocidentais. Em um primeiro momento, você vai ver por que, segundo 
os historiadores, o pensamento de Descartes funda a chamada “filosofia 
moderna”. Com o livro Discurso do Método (1637), Descartes fornece uma 
expressão filosófica à Revolução Científica, que se anunciava no Ocidente 
desde o Renascimento, marcando o fim da escolástica.
Além disso, você vai estudar o conceito de “razão” em Descartes, 
com base na distinção entre as filosofias empiristas e racionalistas. 
Você também vai conhecer o método de Descartes, isto é, o caminho 
que ele propõe para conduzir o raciocínio em direção à verdade. Por 
fim, você vai verificar como o pensamento cartesiano é indissociável 
de uma matematização da realidade, bem como da separação entre 
corpo e alma, ideias que Descartes desenvolveu a partir de sua máxima 
“Penso, logo existo”.
René Descartes e o nascimento da filosofia 
moderna
O racionalismo cartesiano foi responsável por uma profunda transformação no 
modo como se concebe a fi losofi a na tradição ocidental. Entre os dois milênios 
que separam as obras de Platão (428–347 a.C.) e de Aristóteles (384–322 a.C.), 
escritas no século IV a.C., da obra de René Descartes (1596–1650), datadas 
do século XVII, não havia surgido uma teoria do conhecimento tão radi-
cal em sua originalidade. Os fi lósofos gregos foram audaciosos ao propor 
um novo estilo de pensar, colocando em dúvida as verdades que os poetas 
explicavam a partir dos mitos, e os sofi stas, a partir da retórica. Da mesma 
forma, o racionalismo de Descartes propôs uma forma de interpretar a 
realidade que acabou superando a fi losofi a da Idade Média, então dominada 
pelo pensamento escolástico. Por isso, Descartes é conhecido como um dos 
pais da fi losofi a moderna.
Desde os gregos, portanto, nenhum pensador havia proposto uma mu-
dança tão radical na epistemologia (teoria do conhecimento) ou na metafísica 
(especulação sobre o suprassensível) como aquela que se anuncia na obra de 
Descartes. Isso porque toda a filosofia medieval é marcada pela tentativa de 
reinterpretar a filosofia grega pagã à luz dos dogmas cristãos. Daí que se conte 
a piada de que, apesar da profunda influência de Santo Agostinho (354–430 
d.C.) e de São Tomás de Aquino (1225–1247), os dois mais importantes filósofos 
da Idade Média foram, na verdade, Platão e Aristóteles. Todo o pensamento 
medieval é apenas uma releitura sistemática dos conceitos filosóficos gregos 
(AGAMBEN, 2012a).
É nisto, justamente, que consiste a radicalidade do pensamento de Des-
cartes: a sua filosofia não é simplesmente comentário ou releitura de outros 
filósofos, mas é uma tentativa de fundar um sistema de pensamento coerente 
e racional inteiramente novo. Para explicar a sua intenção, Descartes (1973a) 
compara a sua filosofia com o trabalho de um arquiteto que demole uma 
casa e constrói outra inteiramente nova a partir dos seus destroços: o que 
ele pretendia demolir era justamente tudo aquilo que os escolásticos — isto 
é, os doutores da Igreja de sua época — tomavam como verdade; e a casa 
nova seria o seu pensamento racionalista, científico e matemático. É claro 
que essa intenção de originalidade em relação aos professores da Igreja 
não surgiu do nada. É bem evidente que o próprio Descartes se valia de 
ideias da filosofia medieval para fundamentar os seus argumentos — espe-
cialmente quando trata Deus como um ser perfeito, indivisível e imutável 
(DESCARTES, 1973a).
A importância de Descartes não é necessariamente o simples resultado 
da publicação dos seus dois livros mais lidos, Discurso do Método (1637) 
e Meditações Metafísicas (1641). Descartes faz parte de um contexto mais 
amplo de crescente racionalização do mundo, que ficou conhecido como 
Revolução Científica. Esse movimento havia se iniciado no Renascimento, 
com cientistas e pensadores como Leonardo da Vinci (1452–1519), Nicolau 
Copérnico (1473–1543), Galileu Galilei (1564–1642) e Johannes Kepler 
O racionalismo cartesiano2
(1571–1630). Algumas das ideias desenvolvidas nesse período por esses 
cientistas já colocavam em questão crenças da Igreja Católica: da Vinci 
havia deslocado o eixo de interesse de Deus para a natureza a partir dos seus 
importantes estudos de anatomia, matemática e engenharia, influenciados 
pelo humanismo da Antiguidade Greco-Romana; Copérnico e Galileu 
haviam afirmado, contra a Igreja, que era o Sol, e não a Terra, que estava 
no centro do universo (isso inclusive colocou as suas vidas em risco, já 
que foram perseguidos pela Inquisição); e Kepler havia proposto uma in-
terpretação racional do movimento dos astros, aproximando a astronomia 
da matemática.
Não se pode, portanto, ignorar que tudo isso já anuncia historicamente o 
imenso sucesso que as ideias racionalistas de Descartes teriam na Europa dos 
séculos XVII e XVIII. Mas isso também não torna irrelevante o profundo 
corte que o pensamento cartesiano opera na história da metafísica e da teoria 
do conhecimento. Há um consenso quase geral entre os historiadores de que 
Descartes foi o primeiro filósofo eminentemente moderno, pela forma com 
que deslocou a metafísica de suas questões teológicas — isto é, questões 
relativas à existência e à vontade de Deus — para uma explicação mecânica 
e matemática da natureza. Veja o que Descartes (1973a, p. 53) afirmou em 
uma de suas cartas ao teólogo Mersenne: “[...] se lhe apraz considerar o que 
escrevi do solo, da neve, do arco-íris etc... saberá efetivamente que toda a 
minha Física não é mais do que Geometria”.
No Medievo, a interpretação da natureza derivava da profunda fé e da 
intensa servidão que o homem medieval devotava a Deus. Assim, para os 
medievais, a pergunta “por que o Sol nasce?” acabava se transformando 
automaticamente na questão “por que Deus quer que o Sol nasça?”. Dessa 
forma, todas as respostas para essa pergunta acabavam pressupondo que, se 
Deus criou o Sol, foi porque ele quis, e se ele quis, os homens devem, como 
seus servos, se adequar à sua vontade: “Deus ajuda quem cedo madruga”. 
Assim, no pensamento medieval, há uma inevitável sobreposição entre uma 
vontade divina e a natureza: as leis da natureza são idênticas ao próprio 
desígnio do Senhor.
Com a Revolução Científica, iniciada no Renascimento e levada a cabo 
por Descartes, a pergunta “por que o Sol nasce?” passou a ser respondida a 
partir das leis fundamentais da matemática e da física. Separaram-se, assim, 
a finalidade da natureza e o desígnio divino — algo que será ainda mais 
consolidado no século XIX, com o Positivismo. Nessa perspectiva, a resposta 
mais adequada para a questão “por que o Sol nasce?” depende unicamente 
de uma causa natural: como afirmou Galileu, o Sol nasce porque a Terra gira 
3O racionalismo cartesiano
em torno de si mesma e, assim, só se pode ver o Sol quando um de seus lados 
estiver na direção da luz solar. Essa é uma explicação que não pressupõe, 
necessariamente, um ensinamento de como se deve agir segundo a vontade 
de Deus. É por isso, justamente, que os pensadores da Revolução Científica 
incomodavam a Igreja Católica.
Seguindo esse pensamento científico da época, Descartes havia sugerido 
que o conhecimento verdadeiro não depende exclusivamente de uma “graça” 
concedida por Deus ao homem, mas deve ser construído por um sujeito que, 
a partir de sua própria vontade individual, questiona e indaga a existência 
das coisas. Certamente, as conclusões de Descartes no Discurso mostram 
que, sem Deus, não é possível um conhecimento verdadeiro — pois, para 
ele, é Deusquem dá ao homem o acesso às ideias: “[...] dado que conhecia 
algumas perfeições que não possuía, eu [concluí que] não era o único ser que 
existia” (DESCARTES, 1973a, p. 56). Nesse sentido, dizer que Descartes 
é um filósofo moderno se justifica pela forma com que colocou a subjeti-
vidade, e não a existência de Deus, como o problema mais fundamental da 
filosofia. Em termos mais precisos, como afirma Agamben (2012b), desde 
a Antiguidade, o problema central da teoria do conhecimento foi a relação 
entre o uno e o múltiplo, o humano e o divino; na época moderna, a partir 
de Descartes, passou a ser a relação entre um sujeito e um objeto, um eu e 
um não eu.
Isso não quer dizer, necessariamente, que Descartes fosse um ateu ou que 
não acreditasse em Deus — embora tenha sido acusado de ateísmo em sua época 
pelo reitor da Universidade de Utrecht, que o comparou “[...] a Vanini, acusado 
de haver expressamente exibido provas frágeis e ineficazes da existência de 
Deus” (STRATHERN, 1997, p. 48). Tanto no Discurso do Método como nas 
Meditações Metafísicas, Descartes (1973a) afirma que a segunda coisa mais 
certa e mais racional, para ele, é que Deus existe — precedida apenas da evi-
dência de sua própria existência enquanto ser pensante. Mas é justamente por 
dizer que Deus é a segunda, e não a primeira coisa mais evidente e verdadeira, 
que Descartes desloca a questão fundamental da epistemologia da existência 
de Deus para a da existência do próprio sujeito. Para Descartes, antes de se 
ter conhecimento da existência de Deus, é preciso que uma vontade humana 
se coloque a pensar: primeiro, a evidência do pensamento; depois, a evidência 
do divino. Como bem disseram os jesuítas que rivalizavam com Descartes, o 
famoso lema cartesiano “Penso, logo existo” anunciava o fim da escolástica 
medieval (STRATEHERN, 1997).
O racionalismo cartesiano4
A seguir, veja algumas definições importantes.
  Monoteísmo: é a crença de que existe apenas um deus, e não vários. Nas religiões 
pagãs, como a da Grécia Antiga, existia uma divindade para cada fenômeno da 
natureza. Por exemplo: Poseidon é o deus dos mares, Eros é o deus do amor, Zeus 
é o deus do trovão. Já nas três grandes religiões do Ocidente — judaísmo, cristia-
nismo e islamismo —, os fiéis acreditam que há apenas um único deus e que ele 
é a origem e o fundamento de todas as coisas.
  Teologia: é nome que se dá ao conjunto de estudos sobre Deus e as divindades. 
O termo deriva do grego théos, que significa “deus”. Durante o Medievo, todo o 
saber sobre a verdade e a natureza não podia destoar daquilo que os teólogos 
da Igreja diziam sobre Deus. Assim, ciência e teologia não eram separadas na Era 
Medieval como serão a partir da Era Moderna.
  Metafísica: é o pensamento que trata de tudo aquilo que está além da apreensão 
do mundo pelos sentidos — a “ideia” em Platão, a “substância” ou a “essência” em 
Aristóteles e todo o pensamento sobre Deus na Idade Média.
  Epistemologia: também conhecida como “teoria do conhecimento”, é o campo 
da filosofia que estuda como o conhecimento da realidade é possível. A palavra 
“epistemologia” vem do grego epistéme, que significa literalmente “saber”. A partir 
da Modernidade, com a crescente valorização da ciência, a epistemologia torna-se 
muito mais importante do que a teologia.
  Escolástica: tradição filosófica que se inicia no Ocidente após a retomada da obra 
de Aristóteles no século IX pelos padres da Igreja Católica. Foi a primeira escola de 
pensamento que tentou conciliar a razão com a fé. Teve como expoente São Tomás 
de Aquino e foi o pensamento dominante até a época de Descartes.
O que é a razão em Descartes?
Desde Immanuel Kant (1724–1804), os historiadores dividem a fi losofi a mo-
derna em duas grandes linhas: a fi losofi a racionalista e a fi losofi a empirista. 
Não resta dúvidas de que ambas as correntes valorizaram muito mais a ciência 
metódica e racional do que a fé para explicar de que modo o homem pode ter 
acesso à verdade — e é isso o que as torna modernas. Mas as duas grandes 
linhas da fi losofi a moderna não estão de acordo quanto à forma como os 
homens distinguem o verdadeiro do falso a partir da razão. Para os fi lósofos 
empiristas — como Francis Bacon (1561–1626), Thomas Hobbes (1588–1679), 
John Locke (1632–1704) e David Hume (1711–1776) —, o homem só pode 
conhecer a realidade a partir de seus sentidos e de suas experiências, com 
5O racionalismo cartesiano
base no método indutivo. Daí o nome dessa corrente ser “empirismo”: em 
grego, a palavra émpeiria signifi ca simplesmente “experiência”, a mesma 
que qualquer sujeito adquire a partir da prática ou da apreensão atenta dos 
fatos pelos sentidos.
Os empiristas acreditavam que todo o conhecimento era construído a partir 
de induções, isto é, raciocínios sobre a natureza que se baseiam na regularidade 
dos fatos. Considere ainda o exemplo do Sol: para um empirista, é possível 
enunciar a lei geral “o Sol nasce todo dia” apenas porque, regularmente, é 
possível vê-lo surgir no horizonte todos os dias de manhã. Adquire-se esse 
conhecimento a partir da experiência, e não porque se nasce sabendo. Nada 
garante que a proposição “o Sol nasce todos os dias” seja verdadeira, a não 
ser o fato de que as pessoas estão acostumadas a vê-lo nascer todos os dias. 
O raciocínio indutivo para se chegar a essa conclusão seria: o Sol nasceu hoje, 
o Sol nasceu ontem, o Sol nasceu anteontem; logo, o Sol nasce todos os dias. 
Por isso, o método indutivo se baseia na recorrência de casos particulares.
Ao contrário dos empiristas, os racionalistas — como Baruch Spinoza 
(1632–1677) e Gottfried Leibniz (1646–1716) — acreditavam que a razão 
era muito mais importante do que a experiência para a construção do saber 
verdadeiro. Para os racionalistas, os sentidos podem levar ao erro, pois podem 
iludir. De novo, considere o Sol: se você o vê nascer ao longe, seus sentidos 
lhe dizem que ele é algo muito pequeno, algo que pode caber em suas mãos. 
Mas isso, na verdade, é uma ilusão causada pela perspectiva. Se você empregar 
técnicas científicas com base na matemática e na física, vai acabar descobrindo 
que o Sol é, na verdade, 332.900 vezes maior do que a Terra. Assim, é apenas 
a partir de um raciocínio dedutivo, que parte do mais simples em direção ao 
mais complexo, e não a partir da experiência e dos sentidos, que você pode 
descobrir qual é o verdadeiro tamanho do Sol. É esse pensamento lógico e 
matemático, baseado em etapas e cálculos, que Descartes chama de razão.
O método cartesiano
Descartes foi o precursor do racionalismo moderno, justamente por desconfi ar 
de todas as verdades que seus contemporâneos afi rmavam a partir de suas 
experiências. No Discurso do Método, seu livro mais importante, ele conta 
como estava descontente tanto com a fi losofi a que aprendeu nas universida-
des quanto com o saber dos outros povos que conheceu ao viajar para terras 
distantes (apesar de ter nascido na França, Descartes adorava viajar; foi na 
Holanda que ele desenvolveu o seu método).
O racionalismo cartesiano6
Em seu desejo de distinguir o verdadeiro do falso, Descartes passou a 
duvidar radicalmente das opiniões dos outros — o que, em sua época, a 
filosofia chamava de “senso comum” e que Platão havia definido muito antes 
como “dóxa”. Surge daí o procedimento cartesiano da dúvida metódica. Tal 
procedimento consiste em colocar em suspenso todas as verdades que o sujeito 
adquiriu a partir de suas experiências de vida.
A palavra “método” nada mais significa do que um “caminho” que o 
raciocínio deve percorrer em sua busca pela verdade. O método indica como 
o sujeito deve pensar se quiser distinguir a ilusão sensível da verdade inteli-
gível. O método cartesiano é o do esquecimento das verdades adquiridas pela 
experiência em favor do uso ativo e pleno da razão.
Descartes dizia que, para buscar a verdade, as pessoas devem, antes de 
tudo, abandonar as opiniões que receberam por meio de professores, livros, 
poesias, literaturaou senso comum. Ou seja: para descobrir a verdade, 
você não pode se basear no que já sabe a partir de sua memória ou de sua 
formação cultural, mas apenas em sua relação individual com o mundo 
(DESCARTES, 1973a). Por isso, no Discurso do Método, ao contar como 
criou o seu método, Descartes (1973a) fala da importância da solidão para 
a sua formação como cientista.
Esse procedimento de isolar um sujeito do conhecimento puro, sem in-
fluências de outros sujeitos, é chamado pela história da filosofia de époche. 
O significado literal desse termo é “colocar em suspenso”. É importante 
lembrar que “suspender” uma verdade não quer dizer simplesmente achar que 
o que os outros contam é falso, ou que tudo o que os sentidos indicam é mera 
ilusão — isso seria o absoluto ceticismo, o que não corresponde à filosofia de 
Descartes, para quem é possível ter certeza sobre a existência da realidade. 
Suspender não é simplesmente negar que os outros possam dizer a verdade, 
mas tomar o cuidado de não acreditar em nada antes de averiguar, por meio 
da sua própria razão, a verdade de uma afirmação que vem do outro.
E por que desconfiar tanto assim dos outros? Segundo Descartes, o problema 
em basear-se simplesmente no hábito é que, dessa forma, não se chega nunca a 
uma verdade universal, igual para todos. Em suas viagens e em suas leituras, 
Descartes percebeu que diferentes pessoas afirmavam diferentes opiniões 
sobre um mesmo fato. Havia tantas e variadas versões para se explicar por 
que o Sol nasce — porque Deus quis, porque precisamos de calor para viver, 
porque o Sol é um ser mitológico, etc. —, que algumas chegavam a contradizer 
as outras. Se é assim, em qual se deve acreditar? Como, a partir dessa dúvida 
radical, encontrar a verdade?
7O racionalismo cartesiano
Descartes acreditava que só poderia haver uma resposta verdadeira para 
cada problema e que a única ciência universalmente válida era a matemática 
— especialmente a geometria. Tanto um matemático da Grécia Antiga quanto 
um matemático francês deveriam chegar à mesma solução para um mesmo 
problema geométrico. Disso, Descartes deduziu que para qualquer questão em 
que pairasse uma dúvida seria possível encontrar uma certeza ao aplicar os 
procedimentos da geometria. Esse é o método da dedução racional da verdade.
Para Descartes (1973a), são quatro as etapas que devem ser seguidas depois 
de se colocar a opinião dos outros em suspenso. Veja a seguir.
1. Verificar: em vez de acreditar na opinião dos outros, só se deve acreditar em 
algo que seja claro e distinto, aquilo que a geometria chama de “evidência”.
2. Analisar: implica dividir as observações nas partes mais simples pos-
síveis — isto é, reduzi-las matematicamente a unidades, números.
3. Sintetizar: consiste em reunir essas unidades em agrupamentos coeren-
tes, partindo do mais simples em direção ao mais complexo.
4. Enumerar: é a revisão da construção completa da ordem do pensamento 
para ter certeza de que nenhum raciocínio errado foi tomado como certo.
Os escolásticos da Idade Média acreditavam que a alma humana era dividida em três partes: 
razão, imaginação e memória. Por isso, para eles, todo o conhecimento humano dependia 
em alguma medida da memória — isto é, das coisas aprendidas ao longo da vida com os 
outros ou com os livros do passado. Quando Descartes propõe a sua dúvida metódica, 
afirma que o sujeito do conhecimento não precisa da memória para buscar a verdade.
O melhor cientista, para Descartes, é aquele que pensa sozinho, sem a ajuda dos 
outros. Por isso, a memória e as tradições culturais, segundo o racionalismo de Descartes, 
mais atrapalham do que ajudam na busca da verdade. No ensaio “Experiência e Pobreza”, 
o filósofo Walter Benjamin (1892–1940) problematizou os efeitos dessa crise da relação 
entre memória e verdade nos tempos modernos. Para Benjamin (1994), o gesto de 
Descartes de “demolir” o conhecimento do passado em favor de algo inteiramente 
novo mudou a forma de os homens lidarem com eles mesmos.
Ao valorizarem uma verdade do presente que renega o passado, as pessoas acabam 
se esquecendo de suas próprias origens — e saber de onde se vem é importantíssimo 
para saber quem se é e como se vê o mundo. Daí que, no século XX, além de Benjamin, 
muitos outros filósofos — como Martin Heidegger (1889–1976), Michel Foucault 
(1926–1984) e Giorgio Agamben (1942) — interpretam de forma bastante crítica a 
influência do racionalismo de Descartes sobre os tempos atuais, tentando revalorizar 
as relações entre memória e verdade.
O racionalismo cartesiano8
“Penso, logo existo”: a matematização 
do mundo em Descartes
No Discurso do Método, Descartes (1973a) conta como aplicou o seu método 
para colocar à prova as várias suposições da tradição fi losófi ca ocidental. Ao 
colocar em suspenso todas as suas crenças e opiniões, ele buscava encontrar 
o elemento mínimo e dedutível capaz de sustentar todo o edifício do saber 
científi co — isto é, o seu fundamento, a verdade primeira. Mesmo a sua própria 
existência deveria ser colocada em questão, pois como ele poderia saber que 
não estava simplesmente sonhando?
Desse procedimento de colocar a existência de tudo o que ele sentia em 
dúvida, o que sobrou, então? Apenas Descartes, frente ao próprio pensar, num 
quarto solitário; apenas o “eu” do filósofo diante do absoluto nada. É aí que 
Descartes chega a uma das máximas mais famosas da história da filosofia: 
se esse “eu” que duvida continua existindo enquanto duvida, então a coisa 
mais clara e mais distinta que se pode reconhecer é a existência do próprio 
pensamento: “[...] notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão 
firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não 
seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la sem escrúpulo, como o 
primeiro princípio da Filosofia que procurava” (DESCARTES, 1973a, p. 54).
A partir da definição do “eu” pensante como a coisa mais clara e mais dis-
tinta, o princípio sobre o qual se pode edificar um novo pensamento, Descartes 
se pergunta qual seria a segunda coisa mais evidente. Seria a existência do 
seu próprio corpo? Não exatamente. Para Descartes, embora a razão pudesse 
extrair de si mesma a evidência de sua existência, nada ainda comprovava 
que esse “eu” pensante fosse idêntico ao corpo que ele podia sentir. Pois o 
corpo, para Descartes, é a origem das sensações, da experiência, da empiria; 
todos os sentidos poderiam estar, naquele momento mesmo, lhe enganando. 
A partir disso, Descartes define que os seres humanos possuem uma alma que 
é absolutamente separada do corpo, e que se o corpo morre, a alma permanece 
viva. Assim, por meio de um raciocínio matemático, Descartes tentava provar 
a seu modo a tese da imortalidade da alma, que já se encontrava em Platão e 
em todo o pensamento cristão medieval (DESCARTES, 1973b).
Essa separação radical entre o corpo e a alma é um dos traços mais carac-
terísticos da filosofia racionalista. Para prová-la, Descartes define a diferença 
entre as qualidades primárias e as qualidades secundárias de quaisquer objetos. 
As qualidades primárias são aquelas passíveis de serem conhecidas pela 
razão — isto é, aquelas que expressam a harmonia matemática por trás de 
cada objeto, sendo sempre idênticas a si mesmas. As qualidades secundárias 
9O racionalismo cartesiano
são aquelas que podem ser apreendidas pelos sentidos e que são mutáveis e 
superficiais. O exemplo de Descartes (1973b) é o de um bloco de cera que, 
quando colocado perto do fogo, muda completamente no que diz respeito a 
como afeta os sentidos: modificam-se o tamanho, o cheiro, a forma, a cor, 
etc. No entanto, ao esfriar, o bloco de cera volta à sua forma original. O que 
permanece idêntico nesse bloco, o que faz ele “ser”, não é a sua extensão, 
nem o modo como afeta os sentidos, mas as suas propriedades inteligíveis, 
que somente a razão pode captar.
Na Figura 1, a seguir, você pode ver um exemplo da distinção cartesiana 
entre qualidades primárias e qualidadessecundárias. Não importa se são 
usados corações ou números desenhados com símbolos diferentes: todas as 
equações são matematicamente verdadeiras e expressam a mesma verdade. 
Essa ordem ou harmonia matemática é o que constitui a qualidade primária, 
o inteligível, o universalmente válido. O que muda é apenas a qualidade 
secundária: o sensível, isto é, como essas imagens afetam a visão.
Figura 1. Distinção cartesiana 
entre qualidades primárias e 
qualidades secundárias.
Agora, considere novamente o Sol. O calor que você sente quando um 
raio de Sol bate em seu corpo é uma qualidade secundária, pois você só pode 
senti-lo por meio do seu corpo; já se você medir com um termômetro quanto 
a temperatura do seu corpo aumentou ao ser atingido pela luz, entra em cena 
uma qualidade primária do raio de Sol, medida em uma unidade matemática 
chamada grau Celsius. Assim, tudo o que existe no mundo pode ser, para 
Descartes, matematizado; apenas quando alguém matematiza algo é que pode 
ter certeza de que os sentidos não o estão enganando.
O racionalismo cartesiano10
Assim, também o homem não pode ser definido pelo seu corpo, que muda 
na medida em que envelhece ou adoece, mas apenas pela sua alma, pelas 
propriedades eternas e imutáveis de seu intelecto:
Ora, se a noção ou conhecimento da cera parece ser mais nítido e mais 
distinto após ter sido descoberto não somente pela visão ou pelo tato, mas 
ainda por muitas outras causas, com quão maior evidência, distinção e 
nitidez não deverei eu conhecer-me posto que todas as razões que servem 
para conhecer e conceber a natureza da cera, ou qualquer outro corpo, 
provam muito mais fácil e evidentemente a natureza de meu espírito? 
(DESCARTES, 1973b, p. 106)
Daí que a separação entre corpo e alma — ou entre res extensa (coisa 
extensa) e res cogitans (coisa pensante) — seja indissociável dessa tenta-
tiva cartesiana de matematizar o mundo. A separação entre corpo e alma, 
embora não questione a existência de Deus, coloca em crise o pensamento 
teológico que se baseia principalmente na relação entre o homem e o divino, 
o múltiplo e o uno. O que é moderno em Descartes é, justamente, essa 
distinção radical entre um sujeito puramente racional e o mundo que o 
circunda, cuja distância só pode ser ultrapassada a partir de um pensamento 
metódico e racional.
AGAMBEN, G. Estâncias: a palavra e o fantasma na cultura ocidental. Belo Horizonte: 
UFMG, 2012a.
AGAMBEN, G. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo 
Horizonte: UFMG, 2012b.
BENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: 
ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. 
STRATHERN, P. Descartes em 90 minutos. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
DESCARTES, R. Discurso do método: para bem conduzir a própria razão e procurar a ver-
dade nas ciências. In: DESCARTES, R. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973a. v. 15.
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11O racionalismo cartesiano

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