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IONE MOURA MOREIRA O ENSINO DA MORFOLOGIA PORTUGUESA: UMA ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Rio de Janeiro - 2006/1 O ENSINO DA MORFOLOGIA PORTUGUESA: UMA ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS Dissertação elaborada por Ione Moura Moreira sob a orientação da Profª Drª Darcilia Simões, do Departamento de Língua Portuguesa, para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. À pesquisadora Profª Drª Darcilia Simões, pelo modo estimulador e afável de compartilhar o conhecimento, pelo aprendizado, pela orientação atenciosa e paciente, pela dedicação aos seus alunos. Agradecimentos: A Deus por tudo Aos meus pais, Benedicto e Enoy, que me apóiam e sempre me incentivam Aos professores do Mestrado em Língua Portuguesa da UERJ, pela prática da cidadania junto ao alunado, pelo aprendizado Aos colegas do magistério com quem convivo, pelo incentivo constante. A Fábio André, companheiro das viagens iniciais à UERJ Aos meus alunos, pelo carinho e acolhimento. Sinopse O língua como instrumento de organização do pensamento. O processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa com língua nacional. A prática político-pedagógica do professor de língua portuguesa no ensino médio. A aula de língua portuguesa e a contribuição dos estudos lingüísticos. O livro didático como recurso didático auxiliar do professor em sala de aula. A abordagem de morfologia nos livros didáticos. Apresentação dos conteúdos de morfologia no corpus de pesquisa: estrutura das palavras, processos de formação de palavras e classes gramaticais. Análise didático- lingüística das abordagens dos conteúdos de morfologia nos livros didáticos de ensino médio, de Cereja & Magalhães e Faraco & Moura. Avaliação da abordagem didática dos conteúdos de morfologia nos livros didáticos. Sumário Introdução ...................................................................................................... 08 I. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ............................................. 11 1. Breves considerações sobre ensino-aprendizagem .................................. 11 2. A prática político-pedagógica do professor de língua portuguesa .......... 12 3. A prática de aula de língua portuguesa no ensino médio ......................... 14 II . APRESENTAÇÃO DO CORPUS ......................................................... 21 1. Os livros didáticos do corpus de pesquisa ............................................... 21 1.1. Estrutura metodológica dos livros didáticos de Cereja & Magalhães.. 24 1.2. Estrutura metodológica dos livros didáticos de Faraco & Moura ....... 25 2. A morfologia nos livros didáticos do ensino médio.................................... 25 2.1. Considerações preliminares ................................................................ 25 2.2. Morfologia: estrutura das palavras ..................................................... 29 2.3. Morfologia: enfoque nas classes gramaticais...................................... 30 III. ANÁLISE DO CORPUS .......................................................................... 37 1. Considerações preliminares ....................................................................... 37 2. A estrutura das palavras nos livros didáticos ............................................ 39 2.1. Morfemas lexicais .............................................................................. 41 2.2. Morfemas gramaticais ....................................................................... 46 3. A formação de palavras nos livros didáticos ............................................ 60 3.1. O processo de derivação ................................................................... 60 3.1.1. A derivação prefixal e a derivação sufixal ................................. 63 3.1.2. A derivação parassintética .......................................................... 72 3.1.3. A derivação prefixal e sufixal ..................................................... 75 3.1.4. A derivação regressiva ............................................................... 77 3.1.5. A derivação imprópria ................................................................ 79 3.2. O processo de composição ..................................................................... 82 3.2.1. Composição por justaposição ...................................................... 83 3.2.2. Composição por aglutinação ...................................................... 87 3.3. Outros casos de formação de palavras .................................................. 90 3.3.1. A onomatopéia ........................................................................... 90 3.3.2. O neologismo ............................................................................. 96 3.3.3. A redução ou abreviação .......................................................... 101 3.3.4. A sigla e a abreviatura ................................................................ 104 3.3.5. O empréstimo e a gíria ............................................................... 107 3.3.6. O hibridismo............................................................................... 114 4. A morfologia nos livros didáticos: enfoque nas classes gramaticais ...... 115 4.1. O substantivo ................................................................................... 117 4.2. O adjetivo ......................................................................................... 132 4.3. O artigo e o numeral ........................................................................ 145 4.4. O pronome........................................................................................ 155 4.5. O verbo..... ....................................................................................... 169 4.6. O advérbio ......................... ............................................................ 184 4.7. A preposição e a conjunção ........................................................... 194 4.8. A interjeição .................................................................................... 207 5. Demonstrativo de abordagem de teoria gramatical nos livros didáticos analisados: morfologia ........................................................................... 211 7. Considerações Finais ............................................................................... 221 8. Bibliografia .............................................................................................228 9. Anexos ..................................................................................................... 231 Resumo ........................................................................................................ 251 Resumen ............................................................................................................. 252 8 Introdução O ensino de língua materna no Brasil é motivo de preocupações pedagógicas, principalmente quando diz respeito à teoria gramatical. Ancorada numa metodologia metalingüística e desvinculada de apoio textual, o ensino da gramática da língua portuguesa é motivo de inúmeras discussões que, às vezes, extrapolam a área de linguagens e códigos. Essa constante polêmica constitui-se numa preocupação que persegue os professores de língua portuguesa que se vêem diante de uma situação desconfortável em relação ao ensino-aprendizagem da língua. Uma das formas de contribuir para a melhoria desse ensino-aprendizagem pode ser a revisão da metodologia pedagógica de como são ministrados os assuntos gramaticais que compõem o conteúdo programático de língua portuguesa. Tais assuntos precisam ter um caráter pragmático e reflexivo para o aprendiz de língua materna, que deve reconhecer nos estudos lingüísticos uma oportunidade de aperfeiçoar sua capacidade de comunicação na interação verbal. Surge, então, o questionamento sobre o que se deve ensinar de teoria gramatical normativa ou como se deve ensiná-la, utilizando o mínimo de metalinguagem e provocando o aluno para um estudo em que ele se sinta apto a falar e escrever com eficácia, principalmente quando lhe é exigida a produção de textos escritos. Um dos grandes vilões do ensino brasileiro é a questão da escrita, que é considerada um problema crônico do aluno egresso do ensino médio. Via de regra, esse aluno tem demonstrado dificuldade de produzir textos escritos, fato observado não só nos resultados de provas de vestibulares como também em sua vida cotidiana. A realização da presente dissertação tem por meta investigar o ensino de língua portuguesa no referido segmento de ensino, a partir da análise do corpus adotado. Este consiste de duas coleções didáticas de língua portuguesa indicadas para o ensino médio: uma de autoria de Cereja & Magalhães (2004) e outra de autoria de Faraco & Moura (2000). Tais exemplares didáticos contêm orientações sobre os estudos de literatura, de produção textual e teoria gramatical. Nossa pesquisa centrou-se na teoria gramatical com um recorte morfológico que será a base de nossa investigação. Nesse sentido, buscamos nos livros adotados a contribuição que esse instrumento didático oferece como auxiliar do professor de língua em sala de aula. Verificamos a metodologia utilizada pelos autores das coleções didáticas para explanarem os temas relativos aos estudos morfológicos. 9 Geralmente no ensino médio, mesmo com as mudanças advindas dos PCN, os assuntos referentes à morfologia estão concentrados nos livros didáticos nos dois primeiros volumes e, por conseguinte, são ensinados nas duas primeiras séries do ensino médio; o que não significa que tais assuntos não sejam revistos na terceira série, até porque é um tema que estuda a palavra, pré-requisito para todos e quaisquer estudos relacionados ao enunciado ou ao texto escrito. Mesmo com um recorte morfológico, fizemos um levantamento (Anexos, p.231) de todo o conteúdo de literatura, de produção textual e de teoria gramatical abordado pelos autores nas duas coleções didáticas, que pode proporcionar ao leitor uma visão panorâmica da organização geral das duas obras e dos itens relativos ao ensino de língua portuguesa. Com enfoque específico no tema analisado, esclarecemos que nossa exposição consta de três capítulos: inicialmente discutimos o ensino da língua portuguesa; depois, apresentamos a estrutura metodológica dos livros didáticos e os assuntos de morfologia neles contidos; por fim, analisamos os assuntos relativos à morfologia nas duas coleções didáticas. No primeiro capítulo sobre ensino de língua, tecemos breves considerações referentes ao ensino-aprendizagem de língua portuguesa. Na segunda parte do capítulo, fazemos uma abordagem sobre a prática político-pedagógica do professor de língua portuguesa como língua materna; para isso, falamos sobre a necessidade do professor da disciplina de entender as variações lingüísticas usadas pelos alunos oriundos de diferentes comunidades, com falares lingüísticos diversos para, assim, proceder ao ensino da modalidade padrão. Na terceira parte do primeiro capítulo, explanamos, especificamente, sobre a prática pedagógica do professor de língua do ensino médio. Nesta parte há algumas reflexões sobre a aula de língua portuguesa para os alunos adolescentes que já possuem a noção do funcionamento lingüístico da língua materna. No caso, discutimos sobre a necessidade de o professor estar capacitado para orientar o aluno no entendimento de que há temas gramaticais relevantes para o aprimoramento da competência lingüística e textual desse aluno e, conseqüentemente, da competência comunicativa. Assim, pretendemos averiguar como os livros didáticos adotados para a pesquisa conduzem o ensino da teoria gramatical, se baseados em textos que são adequados ao entendimento do aluno ou se limitados a frases isoladas. 10 Para concluir o primeiro capítulo, apresentamos algumas reflexões, salientando que é necessário que o professor reflita sobre a prática de ensino de língua para o aluno do ensino médio, no sentido de aperfeiçoá-lo na sua escolha léxica e na capacidade de saber organizar o raciocínio lingüístico, de maneira cada vez mais clara e coerente em situação de interação verbal ou de produção escrita. No segundo capítulo, apresentamos o corpus de análise que é composto pelas duas coleções didáticas de língua portuguesa do ensino médio. Nesse capítulo, tecemos algumas considerações relativas ao livro didático como recurso auxiliar do professor em sala de aula, demonstramos a estrutura metodológica usada pelos autores para encaminhar temas relativos à teoria gramatical. Apresentamos, resumidamente, os assuntos pertinentes à morfologia, considerando-se que, no ensino médio, além dos estudos da estruturação e formação das palavras, incluem-se os estudos das classes de palavras. No terceiro capítulo, fazemos a análise da exposição dos conteúdos de morfologia apresentados no segundo capítulo. Para a realização dessa análise, tecemos comentários subsidiados em estudos teóricos de cada conteúdo apresentado nas duas coleções e das estratégias usadas pelos autores como fixação dos temas estudados. Não pretendemos esgotar os estudos de morfologia, a nossa intenção é apenas buscar subsídios teóricos para explicar os temas relativos à teoria gramatical, com enfoque na morfologia, observando-se os recursos textuais usados pelos autores das coleções pesquisadas na abordagem dos assuntos enfocados. Pretendemos, também, verificar como os autores das duas coleções produziram seu manual didático de modo a torná-los recursos auxiliares do professor no seu fazer pedagógico nas aulas de língua portuguesa. Nesse capítulo, ao analisarmos cada conteúdo de morfologia e a metodologia usada para explanar tais conteúdos, discutimos sobre até que ponto os livros didáticos analisados contribuem para orientar e enriquecer os estudos do ensino de língua. Apresentamos sugestões quando pertinentes, já que as lacunas deixadas pelos autores na abordagem dos assuntos devem ser preenchidas pelo professor, de modo a produzir um ensino de língua que seja reflexivo e proficiente. Para fechar o terceiro capítulo, apresentamos um quadro onde está resumida e sistematizada a abordagemcontida em cada coleção didática, com o intento de constituir uma visão crítica do que os autores propõem com tais exemplares didáticos. Com essa apresentação, passamos ao primeiro capítulo do trabalho que apresenta uma reflexão sobre o ensino de língua. 11 I. O ensino de língua portuguesa 1. Breves considerações sobre o processo de ensino-aprendizagem Ensino-aprendizagem é um tema complexo porque no mundo contemporâneo o professor já não pode mais se sustentar numa prática pedagógica de transmissão de conteúdos com conhecimentos isolados do contexto em que o aluno está inserido e sem uma ação reflexiva do que se ensina. Para que o professor alcance os objetivos pretendidos num processo de aprendizagem contínua e eficiente seja de que disciplina for, inúmeros fatores intervêm nesse processo. Alguns deles são ligados às condições técnico-pedagógicas; outros igualmente importantes, intimamente ligados ao professor, como formação, competência, valores e compromisso. Essas condições podem fundamentar o trabalho pedagógico do professor de língua materna, se elas estiverem consubstanciadas em sólida base teórico-metodológica. Isso dará sustentação para que o professor possa enfrentar os desafios e as contradições que estão presentes no cotidiano escolar. O envolvimento do professor, conscientemente ou não, com alguma metodologia de ensino exerce grande influência em sua conduta docente. As relações pedagógicas que têm lugar na sala de aula decorrem de fundamentações teórico- metodológicas que se concretizam à medida que o professor traça objetivos, seleciona conteúdos, prepara e desenvolve suas aulas, realiza atividades e posiciona-se política, ética e ideologicamente diante de seu alunado. O aluno que está submetido ao processo de aprendizagem da língua portuguesa requer condições adequadas a essa aprendizagem, de modo que as orientações que lhe são passadas possam ser, por ele, ressignificadas. Sem atribuição de significado não há produção de conhecimento nem aprendizagem. O professor que tem consciência dessa situação deve respaldar sua prática pedagógica num trabalho em que seja um mediador competente não só quanto ao conteúdo, mas também quanto aos fundamentos cognitivos e sócio-afetivos do processo de aprendizagem. O acesso à língua escrita no seu sentido pleno e autônomo significa uma mudança no interior do jovem aprendiz; tal mudança lhe dá condições de ascender a níveis mais altos de abstração, de pensamento lógico além de melhor qualidade nas suas relações sócio-interativas. Quando se fala em aprendizagem da língua, significa dizer que ela é o instrumento que organiza a linguagem para que o falante execute o processo de 12 comunicação. Segundo Freitas (2004: 104), Vygotsky captou a importância do problema da relação da linguagem e do pensamento; diante dessa constatação, o estudioso soviético enfatizou o papel da linguagem no desenvolvimento do pensamento e estabeleceu uma unidade dialética entre pensamento e linguagem. Logo, o falante utiliza a linguagem como forma de interação, e o professor de língua tem o compromisso de possibilitar ao aluno o desenvolvimento de sua capacidade de expressão e de domínio efetivo da língua padrão, para que ele saiba usá- la quando necessário. Esse procedimento didático deve ocorrer não só por meio do conhecimento das relações funcionais da língua com estudos da teoria gramatical da língua portuguesa como também por meio de produção de escrita, compreensão e leitura de textos. 2. A prática político-pedagógica do professor de língua portuguesa A utilização da linguagem no ato comunicativo não é um fato somente lingüístico, já que cada momento da comunicação é um evento humano, o que se traduz num evento social e cultural. Em face disso, o professor de língua materna convive com falantes cujas manifestações lingüísticas variam conforme o contexto sócio-cultural de origem do usuário numa dada comunidade lingüística. A heterogeneidade é um aspecto inerente à linguagem humana e que, por sua vez, reflete na realização do fenômeno lingüístico. O funcionamento da linguagem, segundo a teoria funcionalista (Neves, 2003:37) reconhece a variação lingüística e suas manifestações no uso dos falantes de uma dada comunidade. A escola é o espaço institucional privilegiado de sistematização do conhecimento adquirido e também a guardiã da norma padrão. Com esse pressuposto criou-se um abismo entre as modalidades instituídas na fala (modalidade do aluno) e as instituídas na escrita (modalidade do professor). As imprecisões observadas quanto à busca de equacionamento nas relações entre fala e escrita nas escolas talvez sejam um dos motivos dos maus resultados do ensino da língua portuguesa. Tais situações de imprecisão referem-se tanto ao desempenho eficiente do aluno para comunicar-se como à adequação da fala desse aluno aos padrões socialmente valorizados. Nesse espaço de atuação lingüística, o professor de língua não pode mais presumir que apenas expor as regras da gramática normativa sem aplicá-las a um contexto discursivo é suficiente para dizer que está ensinando a língua. O trabalho 13 pedagógico em sala de aula depende não só do saber acumulado como também da metodologia e estratégias utilizadas para tornar o ensino de língua atraente e profícuo. Quando se trata do ensino médio, pressupõe-se que o aluno tenha um conhecimento sistematizado sobre a língua portuguesa como língua materna. A partir disso, o professor de língua deve ter em mente que tais conhecimentos precisam ser ampliados por meio de estudos práticos que os confirmem e que resultem numa aprendizagem eficaz para o aluno, de maneira a servi-lo na sua vida cotidiana. Kato (Apud Travaglia, 2000:216) afirma que sendo a língua natural a propriedade/capacidade que distingue o homem de outros seres, a compreensão de sua forma e função é tão importante quanto o estudo da morfologia das plantas, da taxonomia dos animais ou dos fatores que determinam a evolução da história da humanidade. A autora observa que é preciso fazer o aluno constatar a beleza e logicidade do sistema lingüístico. Essa afirmação demonstra que o professor de língua materna deve saber abordar a sistemática da norma padrão da língua portuguesa. Geralmente surge a dúvida de como ensinar e conciliar estudos gramaticais aos estudos de textos. A principal solução para amenizar esta angústia se faz por meio de aprofundamento de estudos lingüísticos por parte do professor que deve estar preparado, teoricamente, para lidar com as questões lingüísticas de sala de aula; além disso, o docente deve ter paixão pelo ensino de língua portuguesa e consciência de que o aluno precisa ser orientado para a vida. Tal orientação precisa começar pelo desenvolvimento da capacidade de pensar e interagir em situação de comunicação. Esses componentes são ideais para moldar a personalidade do professor que, além de ensinar a língua de uso cotidiano, é também um educador - aquele que faz o processo de educação acontecer, como se fosse um misto de profissional que orienta e acompanha cotidianamente o aluno, que não nega a esse aluno o conhecimento de mundo a que ele não tem acesso por motivos vários. O professor de língua deve ser um agente de cultura, porque pode integrar às suas aulas conhecimentos que permitam ao aluno entender a importância desse ensino. É uma maneira de o professor fazê-lo entender que é a língua o instrumento que permite ao homem o contato com o mundo exterior e que lhe possibilita dar significação ao que presencia no cotidiano. Diante do mundo contemporâneo, dito globalizado, o ensino de língua materna, no Brasil, tem sido um dos objetos de estudos polêmicos no que se refere à metodologia a ser desenvolvida em sala de aulacom os alunos. Exige-se do sujeito falante que ele se 14 comporte de forma a compreender e fazer-se compreender em situações de interação verbal no espaço social que ocupa, seja em interações comunicativas na escola de ensino básico, na universidade, no trabalho ou em qualquer outro ambiente social. Repensando essa questão, se por um lado, o falante deve fazer-se entender em ambientes educacionais ou de trabalho, utilizando uma linguagem formal, por outro, nos momentos de intercâmbios culturais ou nos locais de entretenimento, o fazer-se compreender tem sido sustentado por uma linguagem com uso freqüente ou exagerado de vocabulário e sintaxe que merecem atenção tanto dos lingüistas como dos professores que atuam em sala de aula. Nesse sentido, a conscientização do professor das diversas possibilidades de uso da língua, além do padrão, cuja responsabilidade é da escola, subsidiará a construção uma metodologia de ensino que seja eficiente no aprendizado da língua portuguesa como língua materna. Portanto, essa responsabilidade atribuída ao professor de língua se deve ao fato de que os diferentes códigos de comunicação criados pelo homem não são capazes de, por si mesmos, serem decodificados, se não houver explicação ou tradução em termos lingüísticos. Daí, considerar-se também as inovações da língua como construções que devem ser analisadas e discutidas pelos professores em sala de aula. 3. A prática de aula de língua portuguesa no ensino médio Para iniciar esta abordagem faz-se necessário pensar que o ensino de língua materna significa a execução de uma prática lingüístico-pedagógica que permita ao falante da língua adotada por sua comunidade usá-la de maneira eficaz. Não se pode ignorar que a execução dessa prática tem sido realizada com muitas dificuldades pelos professores da área por motivos de falta de incentivo, por questões ligadas à política salarial, entre outros motivos, até mesmo porque há professores que se deixam influenciar pelo comodismo de não se aperfeiçoar em relação aos atuais estudos de lingüística aplicada ao ensino da língua. As orientações iniciais do aprendizado lingüístico do ser humano começam com a família, quando a criança vai adquirindo os primeiros recursos de que se vale para saciar suas necessidades de ordem volitiva e pessoal. Com o tempo, esse aprendizado vai se ampliando ao longo da vida de cada pessoa. Travaglia (2003:26) evidencia que a educação lingüística deve ser entendida como um conjunto de atividades de ensino-aprendizagem, formais ou informais, que levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos da sua língua. Para o referido 15 autor, o falante deve ser capaz de utilizar tais recursos adequadamente para produzir textos a serem usados em situações de interação comunicativa de modo a surtir os efeitos de sentido pretendidos. A escola é responsável por parte considerável da formação lingüística do aluno, o que lhe possibilita o aperfeiçoamento da capacidade de usar o maior número possível de recursos lingüísticos nas situações de interação verbal. Para isso, o texto verbal constitui-se de recursos da língua como fonemas, palavras, sintagmas, orações, períodos, recursos prosódicos, entre outros que são selecionados e combinados pelo falante para expor seu pensamento. A contribuição do professor de língua, no sentido de aprimorar essa capacidade de comunicação, deve ser feita por meio de ação pedagógica que permita ao aluno adquirir informações sobre o aperfeiçoamento da sua prática lingüística. A educação lingüística formal, por sua vez, deve realizar-se com a discussão sobre cada tipo de recurso da língua e como cada recurso em particular pode significar dentro de um texto. O advento da Lingüística no início do século XX trouxe um grande avanço para os estudos sobre linguagem, sobretudo com sua adoção como disciplina obrigatória nos cursos de Letras. O papel da linguagem como responsável pela construção do saber passa a ser cada vez mais investigado pelos lingüistas. Em conseqüência, surge a polêmica - o que ensinar sobre a língua? Ensinar língua é ensinar gramática? Como trabalhar a produção textual? Como usar o texto na aula de língua? As aulas de língua devem ser pautadas na compreensão e interpretação de textos sem a aplicação gramatical? Deve-se usar o livro didático? Como não usá-lo, se o professor não tem tempo de preparar apostilas? Até que ponto o livro didático contribui nas aulas de língua? Deve-se complementar o que falta no livro didático ou ele sempre está completo segundo a sua metodologia? Esses questionamentos fazem parte dos inúmeros encontros pedagógicos de professores de língua portuguesa. Sugerindo sobre o que se deve ensinar nas aulas de língua, Travaglia (2000:17- 20) define quatro objetivos para o ensino de língua materna ao responder a pergunta para que se dá aulas de língua para seus falantes? ou especificamente para que dar aula de português para falantes nativos de português? Segundo o autor, o ensino de língua se justifica pelo objetivo de desenvolvimento da competência comunicativa dos usuários; domínio da norma culta e da variedade escrita da língua; reconhecimento da língua enquanto instituição lingüística e social, conhecendo como é constituída e como 16 funciona (sua forma e função) e, por último, desenvolvimento da capacidade de pensar e raciocinar. A questão do ensino de língua materna continua como um dos pontos preocupantes da educação escolar. A dúvida persiste: ensinar a língua, sua estrutura e funcionamento ou apenas a teoria da comunicação? Hoje se vê as duas metodologias de trabalho funcionando em pólos opostos. De um lado, professores arraigados a teorias herméticas inacessíveis aos alunos, sem levar em conta as diferenças individuais; de outro, professores sem uma formação lingüística adequada fazem de suas aulas momentos improvisados de estudo da língua. À escola, cabe-lhe ensinar a língua padrão, mas é necessário considerar-se a metodologia a ser utilizada para que haja resultados em relação ao que se ensina. O aluno precisa sentir-se como um indivíduo que é orientado para tornar-se um ser capaz de expressar-se em quaisquer situações de interação verbal. Quanto à língua padrão, seu ponto polêmico é a gramática, termo oriundo e cunhado pelos próprios gregos cujo radical grámma, -atos significa “letra”, o que mostra que a gramática nasceu de e para a língua escrita (Elia,1992:43). Outros estudiosos também contribuem para explicitar o significado de gramática e averiguar as mudanças ocorridas no seu conceito ao longo do tempo. Saussure (1969:156) define-a como um sistema de meios de expressão. O estudioso genebrino trouxe grande contribuição para os estudos da língua ao distinguir o estudo sincrônico do diacrônico. A evolução desses estudos possibilitou o reconhecimento de que as línguas variam não só no tempo, mas no espaço social e regional. Com os estudos lingüísticos, as relações entre língua e sociedade tornaram-se objeto de preocupação dos estudiosos da área. Carvalho (1974:578), utilizando o conceito em sentido particular, define a gramática como o conjunto dos fenômenos de significação gramatical que se observam em cada uma dessas línguas (todas as línguas em funcionamento como sistema de comunicação). Continuando os estudos de gramática e considerando-se as variações lingüísticas, Bechara (2001:52) define os dois tipos de estudos: um em que a gramática descritiva é a disciplina científica que registra e descreve um sistema lingüístico em todos os seus aspectos (fonético-fonológico, morfossintático e léxico); o outro é o que cabe à gramática normativa, que não é uma disciplina com finalidade científica, mas pedagógica, listar os fatos recomendados como modelaresdo idioma para serem utilizados em circunstâncias especiais do convívio social. 17 Essas definições apontam as duas modalidades para os estudos gramaticais de uma língua, dada a convivência entre as diferentes normas. Uma das causas da não homogeneidade da língua é de cunho sócio-histórico e cultural; assim, o Brasil com tamanha diversidade cultural e com a conhecida desigualdade social não poderia deixar de apresentar as variações lingüísticas, fruto dessa diversidade. Diante das variações lingüísticas e da necessidade de se ministrar noções de funcionamento da língua padrão ao aluno do ensino médio, o professor precisa estar capacitado para orientá-lo sobre o entendimento de fatos gramaticais relevantes para o aprimoramento da competência lingüística desse estudante língua portuguesa. O aluno do ensino médio precisa ter compreensão funcional e discursiva da gramática da língua que usa para formular seus textos. No que toca à questão, Antunes (2003:96) ressalta que o professor de língua portuguesa deve ter cuidado de trazer à sala de aula uma gramática que seja relevante e funcional à compreensão e aos usos sociais da língua. A gramática está incluída na interação verbal, uma vez que ela é a condição indispensável para a produção e interpretação de textos coerentes e adequados socialmente. Nesse caso, o professor de língua portuguesa do ensino médio deve promover a produção e análise de textos o mais freqüente possível, para que o aluno se confronte com circunstâncias de aplicação da teoria gramatical estudada, sem desconsiderar as variações lingüísticas funcionais com as quais convive. O percurso diário do professor em sala de aula requer dele atenção à multifuncionalidade dos itens lexicais, à função exercida por cada um no enunciado, às diferentes construções textuais, à intencionalidade do emprego desta ou daquela palavra, para que o aluno entenda e registre todas as possibilidades de seu fazer lingüístico. Outrossim, a existência de material pedagógico adequado ao ensino de língua é de fundamental importância para o professor. A escolha desse material deve respaldar- se em critérios que priorizem o ensino do funcionamento da língua associado aos estudos lingüísticos. Quando o aluno conhece a realidade lingüística em que está inserido, ele revela mais interesse pelos estudos da língua. No trabalho pedagógico do professor, a inclusão de todas as modalidades da língua é fundamental para o sucesso do aprendizado do aluno, ressaltando-se que a escrita é de responsabilidade exclusiva da escola; para que isso se efetive, é necessário que o aluno tenha um mínimo de experiência com textos que o orientem para o uso padrão escrito, ainda que consciente das outras modalidades que ocorrem a sua volta. 18 O advento dos PCN pode ter deflagrado uma nova visão sobre o que significa ensinar a língua materna. No que se diz respeito a essa área de ensino, os PCN reiteram o que está na Lei 9.394/96, na seção IV - do ensino médio - artigo 36 que diz que o currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I do capítulo de Educação Básica, assim como algumas diretrizes entre as quais subscreve-se a do inciso I: destacará a educação tecnológica básica, a compreensão de significado da ciência, das letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. O aspecto que se enfoca neste inciso diz respeito à parte referente à língua materna, que deve ser um instrumento de comunicação que proporcione ao seu usuário o acesso ao conhecimento e autorize o exercício da cidadania. Consultando os PCN da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias do Ensino Médio, verifica-se que na carta ao professor (1999:11), o então Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, refere-se ao fato de que o objetivo das inovações na educação é expandir e melhorar a qualidade do sistema educacional brasileiro para fazer frente aos desafios do mundo em constantes mudanças. Parece haver preocupação do MEC em transformar o jovem adolescente num cidadão do século XXI, mas a realidade das escolas do ensino básico nem sempre permite que se transforme o jovem num cidadão, lingüisticamente, apto para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo. Com as novas propostas dos PCN, no que toca ao ensino de língua portuguesa no ensino médio, o que se observa no cotidiano escolar é que a interação das disciplinas da área de linguagens e códigos não funciona a contento, porque não há reais atividades interdisciplinares. Essa tarefa requer planejamento estudado, bem elaborado, eficaz, em que disciplinas como educação artística, língua estrangeira, informática ou educação física façam sentido junto aos estudos de língua materna, de modo a resultar na aplicabilidade de um trabalho verdadeiramente interdisciplinar. Refletindo especificamente sobre a prática de ensino de língua nacional nesse segmento de ensino à luz dos PCN, as orientações do documento do MEC demonstram que o professor de língua depara-se com a situação histórica de alunos oriundos de comunidades diferentes, trazendo consigo uma diversidade lingüística com a qual o professor precisa saber lidar. Assim, para ensinar a língua materna, atendendo a essas 19 exigências, o professor deve subsidiar-se de uma educação não apenas lingüística mas também semiótica que lhe auxilie a produzir uma prática pedagógica eficiente. O trabalho pedagógico que o professor realiza em sala pode ter o aporte da teoria semiótica peirceana; esta extrapola o âmbito da lingüística e opera na captação de significados explícitos e implícitos captáveis na superfície textual. Para Simões (2001b:10), a ciência semiótica de Peirce otimiza a observação das relações entre sensibilidade, reação e raciocínio e, por intermédio do enfoque das categorias sígnicas, acontece o processo da semiose - processo de geração de significação e sentido do signo lingüístico, logo, da palavra. No momento em que a linguagem é acionada pelo falante por intermédio de uma dada língua para a produção de enunciados, esse falante põe em ação o fenômeno de produção de signos e significações num processo interpretativo que envolve o signo, o interpretante e o objeto. Para a autora, essa semiose que resulta num entendimento mais profundo do que se fala ou lê, só é possível ao falante se ele realmente estiver entendendo o seu próprio processo de enunciação ou se ele estiver compreendendo o que lê; semiose é um processo de entendimento que ultrapassa o processo semântico. Quando o aluno está lendo um enunciado ou um texto e o faz apenas numa interpretação do tema inscrito na superfície textual, ele está fazendo uma leitura eminentemente semântica. A partir do momento em que essa leitura adquire, por meio do interpretante uma dimensão afetiva, ela passa pelo processo da semiose que permite a esse usuário uma leitura não apenas do que está na superfície textual, mas do que subjaz aos significantes. Esse aprendizado habilita o aluno egresso do ensino médio a atender as exigências técnico-científicas do mundo globalizado, no que se refere à capacidade de operar com diversas linguagens, entre elas a verbal que se constitui por um sistema lingüístico arbitrário e linear. Dos objetivos dos PCN sobre as mudanças de postura do professor com o aluno em relação ao ensino-aprendizagem de língua do ensino médio, Simões (2001a:112) ressalta que elas implicam a sistematização de um conjunto de disposições e atitudes como pesquisar, selecionar informações, analisar, sintetizar, argumentar, negociar significados, cooperar, de forma que o aluno possa participar do mundo social, incluindo-se aí a cidadania, o trabalhoe a continuidade dos estudos. 20 Esse novo paradigma de atuação do professor de língua exige dele uma visão mais ampla sobre seu trabalho em sala de aula; o docente deve estar atento ao desenvolvimento da competência lingüística e comunicativa do aluno. Com isso, a orientação sobre o funcionamento sistemático da língua não deve ser motivo único de suas aulas; o trabalho com o processo de reconhecer pistas que levam ao entendimento do texto deve ser outra preocupação. A linguagem exerce fascínio sobre os adolescentes, e o professor deve aproveitar a linguagem verbal como recurso de reflexão de suas aulas. Nesse sentido, a semiótica aponta para um trabalho que pode ser subsidiado numa proposta dialógica com o texto. Ao mesmo tempo em que o aluno conhece o funcionamento das palavras no sistema sintagmático da língua, ele dá significação ao texto, quando lê o que está subentendido nas entrelinhas. A prática de leitura que exige essas habilidades são as chamadas leituras semióticas que envolvem o poder sugestivo, o indicativo e o representativo dos signos com o objeto representado. Pensando na interação entre os usuários da língua, sabe-se que a comunicação humana não é um fenômeno de mão única entre os interlocutores, do emissor ao receptor, ela constitui-se num sistema interacional que requer de cada usuário reciprocidade no ato comunicativo. Nesse processo de interação verbal, os falantes se constroem e constroem juntos o texto, assim eles vão-se modificando e vão- se transformando, o que lhes faculta a tornar-se sujeitos-falantes ao comunicar-se. Bakhtin (apud Fiorín, 2003:43) afirma que, no diálogo, constroem-se não só as relações intersubjetivas como também a subjetividade. Para que o aluno do ensino médio se torne um usuário proficiente da língua no momento da interação verbal, ele deve ser orientado para questões que desenvolvam a competência comunicativa e as competências lingüística e textual. A noção de competência não comporta somente o domínio da estrutura formal de um sistema que permite a construção de frases bem formadas, mas também a capacidade de construir e reconhecer unidades mais extensas que a frase. Para tanto, os estudos da gramática da língua em uso devem ser o de uma gramática para a comunicação, os quais comportem as normas que orientam a utilização real da linguagem, isto é, que seja um conjunto de capacidades e habilidades que permitem ao falante de se comunicar. Como a nossa pesquisa está voltada para o ensino de língua, visando a analisar aspectos morfológicos abordados nos livros didáticos de autoria de Cereja & Magalhães 21 (2004) e Faraco & Moura (2000), a intenção é unir as contribuições teóricas de uma gramática que seja funcional para analisar a condução dada pelos autores aos estudos lingüísticos sistêmicos dos tópicos de morfologia como subsídios para a comunicação oral e escrita. Concluindo o capítulo que aborda o ensino de língua portuguesa como língua materna, passamos ao capítulo seguinte, onde tecemos considerações sobre o livro didático nas aulas de língua portuguesa e apresentamos os conteúdos de morfologia a serem analisados nos livros adotados para a pesquisa. II. Apresentação do corpus 1. Os livros didáticos do corpus de pesquisa O livro didático como conhecemos hoje é um dos recursos pedagógicos que se constitui quase em único material impresso, usado pelo aluno sala de aula. A partir de 1996 com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o MEC passa a controlar e adquirir livros didáticos para os alunos das escolas públicas do ensino fundamental, isso melhora um pouco o desgaste do trabalho pedagógico do professor de língua em sala de aula, porque já não precisa mais reproduzir textos nos mimeógrafos (ainda usados hoje em algumas escolas públicas). A concorrência da indústria editorial brasileira acirra-se porque o PNLD foi ampliado pelo MEC e, no ano de 2006, os alunos do ensino médio já recebem gratuitamente livros de matemática e língua portuguesa. Com essas medidas do Governo Federal, o livro didático tem despertado a atenção dos estudiosos e pesquisadores, no que se refere a sua qualidade pedagógica e seu papel nas relações ensino e aprendizagem. Segundo Rangel (2003:14), as constantes avaliações sobre o livro didático resultaram numa “virada pragmática” no ensino de língua materna. Para o autor, esta virada está determinada por um conjunto articulado de orientações teóricas e metodológicas surgidas nas concepções de ensino e de linguagem. Quanto às situações de ensino, o conhecimento construído pelas ciências da aprendizagem sobre o que é aprender desencadeou uma série de questionamentos das concepções e práticas estabelecidas nas aulas de língua. Entre eles está a prática da escrita e da linguagem, o desenvolvimento de habilidades e competências em leitura, produção de texto e reflexão sistemática sobre a língua. 22 A preocupação com ensino-aprendizagem deve perpassar o trabalho pedagógico do professor de língua para que ele realize um trabalho eficiente e produtivo, de modo que o estudo da teoria gramatical não seja apenas um conjunto de regras sem utilidade. Nesse sentido, o ensino do português como a língua de uso nacional precisa ser repensado e visto como um aprendizado que torne o usuário da língua um cidadão pleno em suas realizações pessoais. É sobre essa questão que Simões (2004:91) ressalta que pesquisas têm mostrado a necessidade de elucubrações e formulações técnico- metodológicas do ensino do vernáculo e de suas conseqüências no desenvolvimento das estruturas político-sociais que, por sua vez, dependem de um cidadão capaz de organizar o pensamento e expressá-lo com clareza e propriedade. Para respaldar a investigação teórica sobre o ensino de língua nacional e a contribuição do livro didático na ação pedagógica do professor em sala de aula, adotamos duas coleções de livros didáticos de Língua Portuguesa para o ensino médio, compostas por três volumes cada uma, a saber: I. CEREJA,William Roberto & MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português - linguagens: literatura, produção de texto e gramática. São Paulo: Atual, 4ª ed. vols. I, II, III, 2004. II. FARACO, Carlos Emílio & MOURA, Francisco. Língua e literatura. Editora Ática, 20 ed.,1ª imp., vols. I, II, III, 2000. William Roberto Cereja é Mestre em Teoria Literária pela USP e Doutor em Lingüística Aplicada e Análise do Discurso pela PUC-SP; e Thereza Cochar Magalhães é Mestra em Estudos Literários pela Unesp de Araraquara, SP. Segundo o sítio1 da Editora Atual, os dois autores e conhecem desde a década de 80, quando foram apresentados por um editor (não identificado) e convidados a escrever um livro didático para o Ensino Médio. Com o apoio e confiança da Editora, os autores começaram a trajetória de escrever livros didáticos. O livro que ora analisamos nesta pesquisa tem suas primeiras edições na década de 90 pela Editora Atual. Segundo informação da Editora Atual, via correio eletrônico, a coleção didática Português - linguagens: literatura, produção de texto e gramática de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães está na 4ª edição e todas produzidas pela Editora Atual 1 www.atualeditora.com.br/portugueslinguagnes/autores.htm, com acesso em 05/01/06. 23 pela ordem de data: 1ª edição 1990; 2ª edição, revista e ampliada, 1994; 3ª edição, revista e ampliada, 5ª impressão, 1999 e a 4ª edição, revista e ampliada, 2004. Na apresentação das coleções, Cereja & Magalhães (2004) esclarecem quais são as propostas pedagógicas a serem desenvolvidas. Segundo os autores, visam a permitir que o aluno compreenda o funcionamento da língua para usá-la em suas múltiplas variedadessociais e regionais nas diferentes situações de interação verbal. Os autores ressaltam que a língua deve ser estudada por meio de linguagens em circulação no cotidiano dos alunos, entre elas a da literatura, do cinema, da música, do teatro, da pintura, da televisão, do cartum, da charge, do quadrinho e da informática. Carlos Emílio Faraco é licenciado em Letras pela USP e, conforme a página virtual2 da Editora Ática, o autor é ex-consultor do MEC para a área de Linguagens e Códigos e suas Tecnologias, Coordenador das obras PCN em Ação e PCN+ (sic), para a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, publicadas pelo MEC. O autor publicou várias obras pela Editora Ática, entre elas, a coleção que estamos analisando. Francisco Marto de Moura é Licenciado em Letras pela USP. Segundo o sítio3 da Editora Ática, o autor é Coordenador do curso de redação do NACE (Núcleo de Atendimento e Consultoria em Educação) em São Paulo. Em parceria com Faraco escreveram vários livros pela Ática, entre eles, Linguagem Nova (Ensino Fundamental), Gramática Escolar, Gramática Nova. Faraco & Moura (2000) evidenciam que selecionaram para a coleção não apenas textos literários, mas também anúncios publicitários, gráficos, fotos, quadros, cartuns, artigos jornalísticos e científicos entre outros. Esse entrelaçamento de textos diversos permite o trabalho constante de intertextualidade, em que o aluno aprende a articular diferentes linguagens em contextos próprios. Para os autores, as atividades propostas na coleção visam à compreensão e ao uso da língua materna como língua geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. Prosseguindo, esclarecemos que a proposta da presente investigação é analisar, à luz de subsídios lingüísticos, a trajetória que os autores dos livros didáticos adotados utilizam no ensino de morfologia e demonstrar até que ponto o livro didático contribui para aprendizagem da noção de funcionamento da língua. Outrossim, pretendemos identificar as possíveis lacunas deixadas pelos autores no desenvolvimento desse ensino. 2 www.editoraatica.com.br/sobre_autor.asp?CodAutores=FARAC com acesso em 05/01/06. 3 www.editoraatica.com.br/sobre_autor.asp?CodAutores=MOURFRA com acesso em 05/01/06. 24 Observando-se os conteúdos de cada volume, vê-se que os autores abordam não só ensino de língua, com enfoque em aspectos gramaticais e textuais, como também apresentam o ensino de literatura e produção de textos. Cabe ressaltar que para efeito de esclarecimento sobre o percurso usado pelos autores na produção do livro didático, incluímos Quadros 03, 04, 05, 06, 07 e 08 dos Anexos II e III (pp.232-249) que discriminam os conteúdos relativos ao ensino de literatura e de produção de textos. Para operacionalizar o nosso trabalho, passamos à apresentação da estrutura metodológica das duas coleções dos livros didáticos mencionados.Esclarecemos que o critério de escolha dessas coleções didáticas se deu em função de ser, entre as pretendidas, as duas que nos chamaram a atenção - Faraco & Moura, pela tradição, trata-se de coleção que vem sendo adotada nas escolas desde o início década de 80 e Cereja & Magalhães, por ser uma das mais recentes surgidas em meados dos anos 90 e também bastante adotada nas escolas. 1.1. Estrutura metodológica dos livros didáticos de Cereja & Magalhães Cereja & Magalhães apresentam a exposição dos conteúdos de ensino de cada volume da coleção em quatro unidades no Quadro 01 do Anexo I (p.231). O critério de organização dessas unidades é determinado pela literatura, de modo que, em cada uma delas, estuda-se um movimento literário ou parte dele. Os estudos sobre a teoria gramatical encontram-se em capítulos separados da parte de literatura e da parte de produção textual. As unidades dividem-se em capítulos designados por literatura, língua: uso e reflexão e produção de texto. Cada capítulo contém seções que sistematizam a exposição do conteúdo ali abordado. Ressaltamos, a seguir, a apresentação do capítulo língua: uso e reflexão que se constitui objeto de nossa análise. O capítulo língua: uso e reflexão divide-se em cinco seções: construindo o conceito com a apresentação de texto que introduz o assunto do capítulo; conceituando com a explanação do conteúdo gramatical do capítulo; exercícios com propostas de exercícios variados; a categoria gramatical na construção do texto: aprofundamento do estudo das relações entre a categoria gramatical enfocada e o texto apresentado e, por fim, semântica e interação com a retomada do conteúdo gramatical estudado no capítulo visto na perspectiva do discurso. Quanto às sugestões didático-pedagógicas extraclasse, Cereja & Magalhães (2004) apresentam na abertura das unidades dos livros didáticos da coleção a seção 25 Fique ligado! Pesquise! onde sugerem leitura, vídeo, música, pesquisas, sites, visitas etc, de modo a estabelecer relações entre a produção literária e o contexto cultural da época retratada e a produção cultural existente hoje. Os autores apresentam ainda a seção Intervalo que é uma proposta de projeto que pode acontecer numa semana ou até durante o ano e envolver outras disciplinas. Ao final de cada unidade há a seção Em dia com o vestibular que reúne as questões dos últimos vestibulares de todo o país. A título de apresentação dos conteúdos a serem estudados pelo aluno em cada volume da coleção, organizamos os Quadros 03, 04 e 05 do Anexo II (pp.232-244) e reservamos a primeira coluna para a apresentação dos textos que iniciam cada unidade de literatura, de língua: uso e reflexão e de produção de texto. Terminada a apresentação de Cereja & Magalhães (2004), apresentamos a seguir a organização de cada exemplar da coleção de Faraco & Moura (2000). 1.2. Estrutura metodológica dos livros didáticos de Faraco & Moura Faraco & Moura (2000) organizam os conteúdos de ensino por unidades no Quadro 02 do Anexo I (p.231) designadas por um título relacionado a um estilo literário, já que o critério de organização dessas unidades é determinado pela literatura. Cada unidade possui seções delimitadas por um tema e denominadas de texto, de literatura, de gramática, de recursos estilísticos, de redação e de em outras palavras. Na seção de texto, há apresentação de texto de abertura do capítulo seguido de interpretação; na seção de literatura há apresentação do conteúdo literário com análise de textos; na seção de gramática há apresentação do conteúdo gramatical da unidade; na seção de redação há propostas de produção textual e, por fim, na seção em outras palavras há apresentação de textos, de questões de vestibulares. A título de apresentação dos conteúdos a serem estudados pelo aluno em cada volume, organizamos os Quadros 06, 07 e 08 do Anexo III (pp. 244-249). Concluída a exposição metodológica das coleções didáticas, passamos a tratar especificamente dos estudos morfológicos. 2. A morfologia nos livros didáticos do ensino médio 2.1. Considerações preliminares Ao falar em estudos da teoria gramatical no ensino médio, tem-se em mente que o aluno oriundo do ensino fundamental já domina o funcionamento lingüístico- 26 gramatical da língua. Nota-se, entretanto, que tais conhecimentos são insuficientes devido ao ensino metalingüístico dos temas gramaticais praticado naquele segmento de ensino. Com isso, o aluno tem dificuldade de entender a língua como um sistema organizado de palavras que se concatenam por meio de oposições e correlações e que se pode desmontá-lo e analisá-lo para conhecê-lo. Essa atitude permite identificar suas formas significativas, desde a oração, a frase, o sintagma, a palavra com suas unidades gramaticais. Uma das pressuposiçõesindispensáveis para o estudo da teoria gramatical nas aulas de língua é a consciência do professor de que a gramática não tem um fim em si mesma. Como elemento estrutural da língua, a gramática deve ser objeto de reflexão para que o aluno entenda como se processa o uso da linguagem no sistema lingüístico estruturado. Assim, a complexidade que envolve a linguagem verbal demonstra que o falante não produz enunciados se não houver a organização sistêmica que estrutura as línguas naturais. Cada palavra ouvida ou lida acrescenta às anteriores novos significados, fruto dos mecanismos sintáticos responsáveis pela estruturação das frases. O falante usa as palavras ou signos lingüísticos, passando inconscientemente pelos processos lingüísticos até formular enunciados coerentes. As adaptações advindas do emprego de tais palavras incorporadas ao seu léxico permitem-lhe elaborar novas construções frasais que corroboram com o fato de que a língua é um organismo vivo e dinâmico. A cada instância de utilização da língua, a gramática é ativada, o que explica a necessidade de conhecimento do funcionamento desse mecanismo que sustenta a língua em uso. A expectativa que envolve profissionais de letras é sobre a metodologia a ser usada nas aulas que resulte num aprendizado eficaz e funcional, de forma que o falante de uma dada língua possa utilizá-la proficientemente. Como pretendíamos conhecer a metodologia dos livros usada na condução da abordagem da teoria gramatical, optamos por seguir, na nossa análise, a mesma organização metodológica de apresentação dos conteúdos relacionados à morfologia que está contida nos livros didáticos eleitos, porque registramos o que se apresenta em tais livros. Para isso, sistematizamos um quadro dos conteúdos de morfologia propostos nas coleções que serão a base de nossa investigação no capítulo III: Cereja & Magalhães (2004), doravante C&M(2004), apresentam os conteúdos de morfologia nos volumes 1 e 2 da coleção conforme discriminado abaixo: 27 No volume1: estrutura das palavras (p.318-325), formação das palavras (p.338- 348). No volume 2: o substantivo (p.31-40), o adjetivo (p.53-60), o artigo e o numeral (p.71-76), o pronome (p.96-112), o verbo (p.156-172), o advérbio (p.185-192), termos relacionais: a preposição e a conjunção (p.201-212), a interjeição (p.235- 239). Faraco & Moura (2000), doravante F&M(2000), apresentam os conteúdos de morfologia nos volumes 1 e 2 da coleção, conforme abaixo: No volume1: estrutura das palavras [1] (p.145-150), estrutura das palavras [2] (p.170-173), ordenação das palavras na frase e na estrutura das palavras (p.197- 200), processos de formação das palavras [1] (p.218-224), processos de formação das palavras [2] (p.248-250); No volume 2: classes de palavras (p.27-29), substantivo (p.48-55), adjetivo (p.73- 75), graus do adjetivo e locuções adjetivas (p.98-102), pronome (p.119-127), artigo e numeral (158-161), verbo (p.202-210), vozes verbais (p.232-236), verbos irregulares (p.258-263), verbos defectivos e verbos abundantes (p.283-287), advérbio (p.307-310), preposição (p.328-333), conjunção (p.355-359). A distribuição dos conteúdos nas duas coleções é bastante semelhante, o que não é diferente do que ocorre com outros livros didáticos de língua portuguesa do ensino médio. A nossa pretensão ao analisar as obras didáticas não é de avaliar qual é a melhor ou pior, mas responder a nossa indagação sobre como e até que ponto o livro didático contribui com o professor para o ensino de língua portuguesa, tendo em vista os estudos de morfologia. Na relação de conteúdos dos livros eleitos, os assuntos de morfologia e sintaxe são tratados separadamente, tipo de exposição comum nos manuais didáticos de ensino médio. Enfocando a morfologia, o nosso objeto de estudo, Saussure (1969:142) ressalta que a morfologia não tem objeto real e autônomo; para o mestre genebrino, a língua só se realiza em frases, as formas lingüísticas isoladas são abstrações arbitrárias, logo tais formas devem ser estudadas em função da frase. A partir desse preceito, Saussure (id.) estabelece as relações sintagmáticas e as relações associativas (ou paradigmáticas), reconhecendo o valor de cada eixo no funcionamento da língua. Revendo o que nos aponta o mestre genebrino, verificamos se as orientações dos autores dos livros didáticos adotados contêm estudos morfológicos que estejam respaldados em fatos gramaticais isolados, frases soltas ou inseridas num dado contexto. É no discurso que os termos estabelecem entre si relações baseadas no caráter linear 28 (Saussure, 1969:84), que exclui a possibilidade de pronúncia de dois elementos ao mesmo tempo - relações apoiadas nos sintagmas. Por outro lado, essas relações devem produzir uma mensagem cujo sentido depende ao mesmo tempo do significado e da função que as palavras desempenham na cadeia do discurso. Tais palavras, pertencentes a uma dada classe gramatical, possuem regularidades formais que devem ser do conhecimento do aluno, para que ele possa empregá-las adequadamente no processo de produção do discurso. Tais pressupostos demonstram que o mecanismo lingüístico que organiza a estrutura morfossintática das línguas é um processo complexo e necessita de conhecimentos morfológicos prévios. Isso se deve ao fato de que, de um lado as palavras trazem em si um significado que se prende à sua origem e formação; de outro, elas se relacionam pelo processo sintagmático e podem ter o significado gerado nas situações de comunicação. A complexidade a que nos referimos, revela que o professor de língua portuguesa deve preocupar-se em orientar o aluno para o emprego das formas lingüísticas, levando em conta que a escolha de tais formas está sujeita ao plano sintagmático da língua do usuário. Com as considerações inerentes aos mecanismos lingüísticos de funcionamento das línguas, partimos para a análise do corpus. Durante a apresentação dos assuntos abordados pelos autores e das estratégias usadas para a prática dos temas estudados, consideramos necessário transcrever para o nosso trabalho alguns textos utilizados por C&M(2004) e F&M(2000); em outros casos, fizemos apenas a identificação dos textos, porque entendemos ser suficiente para o entendimento da atividade apresentada. Para iniciar a nossa investigação, esclarecemos que o levantamento feito em relação à abordagem dos conteúdos e à apresentação de estratégias didáticas para a prática dos conteúdos segue os seguintes critérios: 1º) Identificação dos aspectos lingüístico-gramaticais abordados pelos autores. 2º) Avaliação da metodologia usada pelos autores na condução “didático-lingüística” do raciocínio lingüístico do aprendiz. Após a apresentação dos livros didáticos de autoria de C&M(2004) e de F&M(2000), passamos à exposição dos conteúdos alusivos à morfologia nos referidos livros, seguindo os critérios anunciados anteriormente. 29 2.2. Morfologia: estrutura das palavras O usuário da língua tem à sua disposição um inventário de palavras do qual pode selecionar as que necessita para produzir seus enunciados, mas é preciso observar que do ponto de vista paradigmático esta seleção não é aleatória, deve submeter-se aos paradigmas do eixo sintagmático, o que requer do falante noções de emprego desse fenômeno lingüístico. A morfologia se incumbe de tratar do estudo interno das palavras, assunto que geralmente é explanado em livros didáticos da 1ª série do ensino médio. No corpus eleito, os autores explicam alguns princípios básicos relacionados à estrutura e formação das palavras.Vejamos então uma breve exposição sobre os temas, porque cada assunto gramatical será analisado mais detalhadamente no capítulo seguinte. Na seção construindo conceito, C&M(2004:318)iniciam o capítulo sobre estrutura das palavras, apresentando os elementos mórficos da língua a partir da segmentação silábica, fonológica e morfológica da palavra roupinha retirada da tira de Adão Iturrusgarai (2002). Ao apontarem as partes dos segmentos mórficos como portadores de sentido, os autores utilizam as expressões morfemas relacionados com o universo da realidade para o radical, morfemas relacionados com o universo da língua. Na seção elementos mórficos na construção do texto, C&M(2004:324) apresentam o poema concreto “2 ou + corpos no mesmo espaço” de Arnaldo Antunes, seguido de questões discursivas sobre o tema estudado. Na seção semântica e interação, C&M(2004:325) apresentam o poema concreto de J.L.Grünewald. Nele, o eu lírico monta palavras a partir de radicais e prefixos. Os autores chamam a atenção de que se trata de um poema que pode ser lido tanto horizontalmente como verticalmente. No livro didático de F&M(2000:145), os autores iniciam o assunto sobre estrutura das palavras a partir de uma palavra de onde são destacados os morfemas que a compõem. Os exercícios propostos por F&M(2000) contêm questões de reconhecimento dos prefixos, sufixos e radicais gregos e latinos, de criação de palavras com o emprego desses elementos mórficos. Na seção de recursos estilísticos, F&M(2000:150) apresentam uma poesia concretista para leitura, sem proposta de atividades. Quanto aos processos de formação de palavras no livro didático de C&M(2004:338), os autores iniciam o capítulo, enfocando os elementos mórficos de palavras de uma tira da seção construindo conceito, como uma espécie de revisão do 30 assunto. Os autores expõem sobre a necessidade de revitalização lexical a partir de recursos lingüísticos de formação de palavras, entre eles o neologismo. Utilizando a metodologia expositiva, C&M(2004:338) apresentam os dois principais processos de formação das palavras derivação e composição seguidos de hibridismo, onomatopéia, redução, empréstimo e gíria. Para a exposição de cada processo citado, os autores utilizam a metodologia de conceituação e exemplificações; estas sempre contextualizadas com tirinhas, textos publicitários, cartuns, etc. Na seção de exercícios, as questões apresentadas são de reconhecimento de processos de formação de palavras, reconhecimento de gírias em tirinhas e do sentido de prefixos nas palavras, substituição de expressões por palavras equivalentes. Na seção formação de palavras na construção do texto, C&M(2004) utilizam o poema Metaformose de Valéria P. de Almeida para elaborar questões do assunto estudado. Os autores exploram o tema do texto - processo de criação literária e as possibilidades artísticas da palavra de formação neológica do título. No livro didático de F&M(2000:218), a classificação dos processos de formação das palavras exposta é dividida em duas etapas. Na primeira os autores apresentam os dois principais processos de formação de palavras - derivação e composição. Por meio de uma metodologia expositiva, os autores apresentam os processos de derivação prefixal, derivação sufixal e derivação parassintética, utilizando uma interação com o aluno ao solicitar que ele identifique o processo de formação de palavras apresentadas. Os processos de derivação regressiva e derivação imprópria são explicados por meio de conceituação e exemplificação. Com um poema concreto de J. L. Grünewald, F&M(2000:248) explicam o processo de composição e solicitam ao aluno que o pesquise em uma gramática. A seguir, apresentam outros processos: a onomatopéia, a sigla e a abreviação vocabular. 2.3. Morfologia: enfoque nas classes gramaticais As palavras podem ter combinações internas que determinam a classe a que pertencem - esse fenômeno é fundamental no aprendizado do funcionamento lingüístico da língua portuguesa. Considerando-se o fato de que especulamos sobre como se ensina ao aluno do ensino médio o funcionamento lingüístico da língua portuguesa, observa-se que é necessário que esse aluno tenha noção da gramática da língua que usa, para saber como a língua funciona e até que ponto pode permitir-lhe formular enunciados coerentes. 31 Segundo Halliday (Apud Neves, 1997:60), a gramática organiza as opções em alguns conjuntos dentro dos quais o falante faz seleções simultâneas, seja qual for o uso que esteja fazendo da língua. Esse processo organizado e funcional permite ao falante o uso da linguagem, visando à sua comunicação oral ou escrita. Mediante ao fato de que é a palavra o suporte da estrutura lingüística, apresentamos, a seguir, o resumo dos conteúdos e das estratégias dos livros didáticos adotados sobre as classes de palavras, com a apresentação inicial dos substantivos. C&M(2004:31) utilizam o conto “Como um filho querido” de Marina Colasanti para abordar os substantivos como palavras que indicam seres, nomeiam objetos, designam sentimentos, ações. A exposição do assunto é encaminhada com apoio de textos que exploram o fenômeno lingüístico morfológico. A classificação do substantivo quanto à formação, assim como quanto à flexão em gênero e número estão resumidas em boxes. Na seção de exercícios, há questões de reconhecimento, emprego e classificação do substantivo; outras são formuladas a partir de tirinhas em que os autores trabalham o assunto em situação de interlocução. Na seção o substantivo na construção do texto, C&M(2004:38) conduzem as questões com base no poema “Família” de Drummond e um fragmento de uma música dos Titãs de A. Antunes e T. Bellotto sobre o mesmo tema. Na seção de semântica e interação, C&M(2004:39) apresentam a tirinha “Cobras” de Veríssimo, com a qual exploram a pluralização de alguns substantivos. C&M(2004) ressaltam que a diferença entre substantivo concreto e substantivo abstrato às vezes é sutil e deve ser considerada no contexto em que esses substantivos estiverem empregados. Para finalizar, C&M(2004) tratam dos hipônimos e dos hiperônimos. Continuando a apresentação, o encaminhamento dado por F&M(2000:48) aos estudos sobre substantivos parte de uma carta ao leitor da Revista Problemas Brasileiros que sugere reportagens sobre os ‘500 anos de Brasil’. Após a conceituação dessa classe gramatical, os autores utilizam um box para demonstrar que qualquer palavra que possa ser precedida de artigo, pronome possessivo, demonstrativo ou indefinido pertence à classe de substantivos. F&M(2000) sistematizam a classificação e a flexão dos substantivos usando a metodologia de conceituação e exemplificação com algumas interações com o aluno que ora conceitua ora cria exemplos para o que se pede nos itens dados. 32 Quanto aos estudos dos adjetivos, trata-se de uma classe em que o adjetivo não é apenas um elemento fundamental na caracterização dos seres mas também um elemento que contribui para a arte de escrever e de falar. Na seção construindo conceito, C&M(2004:53) exploram o uso do adjetivo num cartum de Mordillo em que um casal caminha no ar, deixando para trás rastros de corações. Com esse trabalho inicial, procede-se ao momento de conceituação do adjetivo, tendo como base a análise do cartum. Os estudos sobre a flexão do adjetivo (gênero e número) e os graus ocorrem com auxílio de fragmentos de textos e tirinhas. Na seção de exercícios, C&M(2004) apresentam questões de ampliação de vocabulário com a substituição do adjetivo por locução adjetiva, flexão do adjetivo em fragmentos de textos, análise do emprego do adjetivo em tirinhas, entre outras modalidades de questões. Na seção o adjetivo na construção do texto, C&M(2004:59) apresentam as questões a partir de um anúncio da Kibon. Na seção semântica e interação, usam a canção “Rosa de Hiroshima” de Vinicius de Morais para explorar o emprego do paralelismo na construção da canção.No livro didático de F&M(2000:73), os autores utilizam um fragmento de um texto jornalístico de Renato de Toledo para iniciarem os estudos dos adjetivos. Solicitam ao aluno que pesquise sobre o assunto com base no que aprendeu no ensino fundamental. Os autores citam a classificação dos adjetivos, seguida de exemplos para cada caso. Num outro bloco, F&M(2000) apresentam os graus do adjetivo e locução adjetiva. Para finalizar, os autores apresentam exercícios que contêm questões de identificação dos adjetivos, substituição do adjetivo pelo substantivo abstrato que o equivale e flexão do adjetivo em expressões dadas. Passamos à apresentação de artigo e numeral. O artigo pode ser considerado como elemento que tem a função precípua de adjunto do substantivo, apresenta-se na determinação nominal como indicador do gênero do nome, além da função de substantivar qualquer outra categoria gramatical. O numeral, diferentemente do artigo, expressa quantidade exata de alguma coisa ou pessoas. C&M(2004:71) exploram o emprego do artigo e do numeral nas falas da personagem Suriá, da tirinha de Laerte (2003). Em boxes, orientam o aluno para os casos especiais de emprego da referida classe. Na seção de exercícios, C&M(2004:75) apresentam questões com o emprego do artigo, distinguindo palavras homônimas, entre outras questões. Na seção o artigo e o numeral na construção do texto, os autores usam 33 um anúncio que contém dois cartões de crédito e um texto que fala do anunciante “Unibanco”. C&M(2004) aproveitam a frase, que promove o banco, para explorar o emprego do artigo do numeral. Na seção semântica e interação, outros exercícios variados de emprego dessas classes gramaticais são apresentados a partir de tirinha. No livro de F&M(2000:158), o artigo é apresentado numa frase que fala da obra de Taunay; os autores classificam-no e citam exemplos do seu emprego em frases. Quanto ao numeral, F&M(2000:161) também apresentam duas frases e a partir delas citam a classificação dos numerais, explicando como se lêem e se escrevem os cardinais e os ordinais. Os exercícios contêm questões de reconhecimento do valor semântico dos artigos empregados em frases e da escrita de numerais. Passamos à apresentação de pronomes nos dois livros didáticos do corpus de análise. Os pronomes constituem-se num tema gramatical que não funcionam apenas como elementos gramaticais, mas como elementos que servem para dar coesão ao texto. Nesse sentido, eles têm valor pragmático, pois são elementos lingüísticos que permitem ao falante organizar seu discurso de forma coerente e clara. C&M(2004:96) iniciam o capítulo referente aos pronomes, utilizando uma tirinha de Dik Browne, na seção construindo conceito, para explicar o emprego da dita classe gramatical. Os autores apresentam o quadro de classificação dos pronomes pessoais retos, oblíquos e de tratamento, tecem comentários sobre o que são pronomes substantivos e adjetivos, assim como esclarecimentos em relação ao emprego do pronome reflexivo. Antes de dar seqüência aos estudos dos demais pronomes, C&M(2004:101) propõem atividades de identificação do emprego do pronome em desacordo com a variedade padrão. A apresentação dos pronomes possessivos é feita por C&M(2004:102) a partir de um anúncio de concurso da “De Plá” de onde exploram os textos nele contidos. Quanto aos demonstrativos, C&M(2004:103) apresentam duas tirinhas para explicar o emprego do referido pronome em relação ao espaço, ao tempo e ao discurso. Sobre seu emprego em relação ao discurso, os autores exploram questões de anáfora e catáfora, esclarecendo ao aluno que tais pronomes fazem referência a algo citado ou ainda por citar. Tanto os indefinidos como os interrogativos são apresentados a partir de tirinhas com enunciados de personagens que contêm os pronomes em foco. Para os pronomes relativos, C&M(2004:108) apresentam um anúncio da Revista “Exame” que contém a imagem de um globo terrestre e a frase apelativa 34 Conheça as informações que movimentam o mundo. Os autores demonstram que se poderia ter também os textos Conheça as informações (1ª oração) e As informações movimentam o mundo (2ª oração), porém, a redação ficaria repetitiva e menos direta. Na seção o pronome na construção do texto, C&M(2004:110) apresentam o poema “Lâmina” Sílvio Bedani e, a partir dele, propõem uma leitura interpretativa e exploram o emprego de pronomes em questões dadas. Na seção semântica e interação, C&M(2004:111) usam tirinhas com propostas de exercícios que exploram o emprego de pronomes. Na proposta de F&M(2000:119) alusiva ao tema pronomes, os autores iniciam a exposição do assunto, explorando o emprego da classe num fragmento da crônica “Dos primeiros cronistas aos últimos românticos” de L. Roncari que fala sobre o trabalho literário de Castro Alves. Os autores conceituam pronome, explicam a diferença entre pronome adjetivo e pronome substantivo. Quanto à classificação dos pessoais retos e oblíquos, dos possessivos, dos demonstrativos, dos indefinidos, dos interrogativos e dos relativos, apresentam cada uma seguida de exemplificação por meio de frases. F&M(2000:120) propõem dois exercícios com o emprego de frases curtas para que os substantivos sejam substituídos por pronomes pessoais adequados. Finalizando a apresentação sobre pronomes dos livros didáticos, passamos à exposição de C&M(2004) e de F&M(2000) sobre verbos. Entre as classes gramaticais que o aluno do ensino médio estuda e que encontra dificuldades de usar na produção escrita está o verbo. Trata-se de uma criação lingüística que é parte conjuntiva do discurso destinada a formar frases e orações que compõem os textos produzidos pelo usuário da língua para seu ato comunicativo. C&M(2004:156) apresentam, na seção construindo conceito, um cartum sem linguagem verbal, composto apenas de imagens, para o aluno observar as ações das personagens pelas sugestões dos movimentos expressos por elas. Os autores exploram as ações praticadas pelas personagens, transformando-as em palavras que são consideradas formas verbais. Depois de conceituar verbos, C&M(2004:156) diferenciam o tempo composto da locução verbal, explicando o emprego de cada caso em enunciados. Na segunda parte dos estudos, os autores focalizam três assuntos: as formas nominais, a classificação dos verbos e a formação dos tempos simples e compostos. C&M(2004) apresentam a classificação dos verbos regulares, irregulares, anômalos e abundantes acompanhados de definições e exemplificações. 35 Na seção de exercícios, C&M(2004:168) apresentam questões baseadas no reconhecimento de tempos verbais, emprego de verbos em orações a partir de tirinhas, anedota e anúncio. Na seção o verbo na construção do texto, C&M(2004:170) iniciam as atividades com base na crônica “O verbo ‘for’ ” de João Ubaldo Ribeiro, cujo tema fala de sua experiência como professor de banca de vestibular. Na seção semântica e interação, C&M(2004:171) propõem questões em que o uso de verbos assume outro sentido e exemplificam com o enunciado E se nós viajássemos amanhã? - os autores sugerem ainda questões com o uso das formas nominais a partir de textos dados. Na exposição sobre verbos no livro didático de F&M(2000), os autores iniciam a abordagem apresentando um fragmento de texto científico de um folheto informativo que fala sobre o que Darwin chamou de Princípio de Seleção Natural. Os autores propõem um exercício sobre flexão verbal e expõem a classificação quanto às flexões de modos e tempos, conceituando-os e exemplificando-os. Quanto ao uso das vozes do verbo, F&M(2000) partem de fragmento de texto para apresentá-las junto a exercícios de aplicação e reconhecimento das vozes verbais em frases dadas nas questões. Os autores terminam o capítulo abordando
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