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Tema 1 - Hermenêutica Filosófica e Hermenêutica Jurídica

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DESCRIÇÃO
A estrutura da hermenêutica filosófica e da hermenêutica jurídica e sua função em interpretação e aplicação do
Direito.
PROPÓSITO
Compreender os fundamentos da hermenêutica filosófica e da hermenêutica jurídica e a relação existente entre
ambas é fundamental para uma adequada interpretação e aplicação do Direito, especialmente quando o texto
jurídico apresenta algum desafio à sua compreensão.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Distinguir os conceitos fundamentais da hermenêutica filosófica
MÓDULO 2
Relacionar os métodos e sistemas interpretativos a casos jurídicos
INTRODUÇÃO
Quando alguém nos pergunta o que é hermenêutica, é comum respondermos simplesmente: “interpretar.” Não se
trata de uma resposta errada, mas o que significa exatamente interpretar? Afinal, grande parte do Direito depende
disso.
No entanto, interpretar não está apenas em Direito. Não costumamos dizer que certo artista “interpretou bem
aquele personagem”? Quando lemos um livro de ficção ou um livro religioso, isso também não exige de nós
capacidade de interpretação?
 
Fonte: ID1974 / Shutterstock.com
 Encenação de Hamlet realizada por atores do Teatro Acadêmico Central do Exército Russo em 30 de maio de
2010.
Vemos, então, que a interpretação está em nosso cotidiano: na leitura do jornal do dia ou da sentença judicial. A
interpretação é algo necessário no exato momento da leitura deste texto.
Neste tema, vamos aprender a origem, os fundamentos e os principais conceitos da chamada hermenêutica
filosófica, conhecendo seus principais autores. Em especial, vamos conhecer um dos principais filósofos
hermenêuticos da contemporaneidade: Hans-Georg Gadamer (1900-2002). Em seguida, vamos aprender formas
de realizar a interpretação dentro do Direito, por meio do auxílio de princípios, métodos e sistemas de
interpretação.
 
Fonte: Leena Ruuskanen / Wikimedia commons/ Licença CC BY 3.0
 Hans-Georg Gadamer.
MÓDULO 1
 Distinguir os conceitos fundamentais da hermenêutica filosófica
CONCEITO DE HERMENÊUTICA
Antes de analisar os conceitos fundamentais da hermenêutica, é necessário conhecer sua origem. No entanto,
primeiro precisamos compreender o que ela significa. Duas palavras são usadas frequentemente como sinônimos:
interpretação e hermenêutica. Como veremos à frente, ao lado delas, coloca-se uma terceira: compreensão.
Hermenêutica é uma expressão usada na Modernidade (período posterior às transformações ocorridas no século
XVI), remetendo a expressões gregas que, por sua vez, remetiam ao deus Hermes. Essa divindade tinha uma
tarefa bastante específica no panteão grego: Hermes era o encarregado de comunicar a mensagem dos deuses
aos homens. Sua tarefa era essencialmente revelar uma mensagem oculta aos destinatários — como veremos,
uma alegoria do papel do intérprete.
 
Fonte: Evgeniy Kazantsev/Shutterstock.com
 Deus Hermes
Surgindo no contexto da interpretação dos textos sagrados (hermenêutica bíblica), a hermenêutica expande-se
para a interpretação dos textos literários e, por fim, dos textos jurídicos. Refletindo sobre as condições dessa
interpretação, temos a hermenêutica filosófica. Assim, interpretação e hermenêutica não são sinônimos
efetivamente.
O QUE SERIA A HERMENÊUTICA?
Este é um tema bastante rico e que ainda hoje suscita grande reflexão. No entanto, o conceito que predomina
entre os principais filósofos que se dedicaram a seu estudo é o seguinte:
HERMENÊUTICA É A ARTE DA COMPREENSÃO.
(SCHMIDT, 2014)
Arte no sentido de que não é uma pura técnica que possa ser realizada a partir da aplicação de regras
metodológicas. Seu objetivo é compreender corretamente aquilo que foi expresso por outra pessoa. Em especial, a
hermenêutica filosófica é uma investigação de como isso ocorre e quais os desafios.
CAMINHO DA ORIGEM DA HERMENÊUTICA
FILOSÓFICA
Agora, devemos buscar compreender como essa investigação ocorreu ao longo dos séculos. Para isso, devemos
investigar alguns autores.
Em um primeiro modo de pensar, na Antiguidade, compreendia-se que a comunicação entre os interlocutores era
possível à medida em que representasse a realidade. Era o que postulava Aristóteles. Uma afirmação será
verdadeira ou falsa conforme descreve exatamente aquilo que corresponde à realidade — ou não, quando for
falsa.
Assim:
[...] NÃO EXISTEM DIFERENÇAS ENTRE O PENSAMENTO E A
COISA OU O FATO OBSERVADO.
(SALGADO, 2018)
Por isso, o pensamento aristotélico compreendia a hermenêutica de maneira bastante distinta daquela que
aceitamos hoje. A hermenêutica era concebida como uma teoria da expressão do juízo, uma forma de se chegar
ao verdadeiro pensamento daquele que expressou certa proposição (SALGADO, 2018). Portanto, na hermenêutica
aristotélica, a preocupação é meramente a explicação do pensamento do autor.
 
Fonte: Michele Ursi / Shutterstock.com
 Busto de Aristóteles feito em mármore.
 SAIBA MAIS
A transformação na hermenêutica ocorreu séculos depois, principalmente por um grupo de estudiosos alemães
pertencentes (ou próximos) ao movimento do romantismo filosófico — não o literário.
Quem colocou a hermenêutica em uma posição central na Filosofia foi Wilhelm Dilthey (1833-1911). Para ele, a
pergunta que se faz diante do texto é a mesma que fazemos diante da história: interessa saber seu sentido. A
história não se resume a descrever os fatos. Para Dilthey, o problema da história é o sentido da história, pelo que
ele transforma o problema da história em um problema hermenêutico.
A pretensão de Dilthey, à qual dedicou sua vida inteira, foi estabelecer um método para as Ciências Humanas que
pudesse ter a mesma dignidade que os métodos das Ciências Naturais, mas, ao mesmo tempo, manter sua
autonomia em relação a elas.
 
Fonte: Autor desconhecido /Wikimedia Commons/ Domínio público
 Wilhelm Dilthey
Para Dilthey, o método das Ciências Naturais não era adequado às Ciências Humanas. No entanto, se não
houvesse um método para as Ciências Humanas que fosse defensável, não seria possível defender sua
cientificidade e sua relação com a verdade (SCHMIDT, 2014).
Para Dilthey, o que elas podem fazer é compreender os fenômenos. Não há exemplo mais clássico disso do que a
Filosofia: compreender o que é o homem, seus desejos, suas fraturas constitutivas. Você deve estar se
perguntando: O que isso me ajuda a resolver? Nada, mas nos ajuda a compreender, sem dúvida, e a técnica não
é capaz de fazer isso, pois ela não nos ajuda a compreender, e sim apenas a usar, em um mecanismo de causa e
efeito.
 EXEMPLO
Podemos dirigir um carro sem ter a menor noção de como ele funciona. Essa é nossa realidade majoritária, pois
poucos de nós têm ideia de como um motor funciona. Porém, ainda assim dirigimos. A técnica nos permite dirigir,
mas não nos ajuda em nada a compreender esse processo.
As Ciências Humanas, por sua vez, estão voltadas à compreensão. Dessa maneira, há uma diferença grande
entre explicar (indicar relações de causa e efeito) e compreender. O método das Ciências Humanas não é voltado
para explicar os fatos, mas para compreendê-los. Quando Dilthey faz isso, coloca a hermenêutica no centro das
Ciências Humanas, porque a hermenêutica é a arte da compreensão, sobre como ela funciona.
O pensamento de Dilthey foi seguido posteriormente, com alterações, por autores como Martin Heidegger (1889-
1976) e Hans-Georg Gadamer — o grande nome da hermenêutica filosófica contemporânea, que consolidou
grande parte dos conceitos que utilizamos atualmente.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA HERMENÊUTICA
FILOSÓFICA
Para que possamos consolidar nosso estudo sobre hermenêutica filosófica, é necessário mergulharmos em alguns
conceitos centrais desse assunto. Em especial a partir de Dilthey e Gadamer, a hermenêutica passou a valer-se de
alguns conceitos para refletir sobre o processo de interpretação e compreensão dos textos.
O QUE SE QUER DIZER POR “TEXTO”?
Como observa Robles (1994), tudo é texto: desde um escrito até uma conversa verbal. Uma ordem dada por um
semáforo de trânsito é umtexto. Por quê? Porque os sinais são mediados pela linguagem (são verbalizados) e
exigem do leitor (que pode ser um ouvinte, um espectador ou um motorista parado no cruzamento) a compreensão
de seu significado.
Em tal contexto, alguns conceitos mostram-se centrais à discussão da hermenêutica filosófica. São eles:
Preconceito;
Autoridade;
Tradição;
Horizonte hermenêutico.
PRECONCEITO
Um dos conceitos que a hermenêutica busca resgatar e colocar em seu devido lugar é o de preconceito.
Comumente, esse conceito está associado a algo negativo e a consequências prejudiciais. Se você perguntasse a
qualquer pessoa como definiria preconceito, provavelmente, ela associaria a uma visão pejorativa sobre algo ou
alguém.
No entanto, a hermenêutica filosófica almeja restabelecer o preconceito como juízo prévio e natural ao processo
de compreensão daquilo que nos cerca.
Disso resulta a pergunta:
[...] SERÁ VERDADE QUE ACHAR-SE IMERSO EM TRADIÇÕES
SIGNIFICA, EM PRIMEIRO PLANO, ESTAR SUBMETIDO A
PRECONCEITOS E LIMITADO EM SUA PRÓPRIA LIBERDADE? O
CERTO NÃO SERÁ, ANTES, QUE TODA EXISTÊNCIA HUMANA,
MESMO A MAIS LIVRE, ESTÁ LIMITADA E CONDICIONADA DE
MUITAS MANEIRAS?
(GADAMER, 2008)
A história da noção de preconceito mostra que foi somente a partir do Iluminismo que a palavra assumiu um
sentido negativo. O significado originário de preconceito é o de um juízo que antecede o exame definitivo dos
elementos determinantes de algo em análise. Trata-se de uma pré-compreensão sobre algo, de uma compreensão
provisória que antecede uma compreensão mais profunda.
ILUMINISMO
Tradição filosófica que, entre outras características, buscava afastar elementos não racionais do processo
cognitivo.
Ao contrário do uso que o Iluminismo faz desse termo, o preconceito não é necessariamente um juízo falso sobre
algo (ou alguém). Afinal, ele pode revelar-se tanto verdadeiro quanto falso após um julgamento criterioso daquilo
que está em análise. Logo, podemos identificar dois tipos de preconceito: os preconceitos legítimos e os
preconceitos ilegítimos.
Preconceitos legítimos
São aqueles que, ao final do exame, mostram-se válidos, justificados, adequados à realidade.
javascript:void(0)

Preconceitos ilegítimos
São aqueles que não se confirmam após uma avaliação racional da realidade.
O Iluminismo propôs a superação de todo preconceito. No entanto, essa proposta revela-se — ela mesma — como
um preconceito que deve ser afastado, de modo a liberar o caminho para uma adequada compreensão do papel
da historicidade humana no processo interpretativo. Cada pessoa vive na história e, neste processo histórico,
forma, inevitavelmente, juízos antecipados sobre o mundo que a cerca.
POR ISSO, OS PRECONCEITOS DE UM INDIVÍDUO SÃO, MUITO
MAIS QUE SEUS JUÍZOS, A REALIDADE HISTÓRICA DE SEU SER.
(GADAMER, 2008)
Muitos desses preconceitos poderão confirmar-se após uma avaliação racional da realidade — são os legítimos —,
enquanto outros, ilegítimos, deverão ser rejeitados. Desse modo, é necessário reconhecer que existem
preconceitos ilegítimos, assim como existem também preconceitos legítimos.
AUTORIDADE
Um conceito correlato ao de preconceito e fundamental ao estudo da hermenêutica diz respeito ao papel da
autoridade. Gadamer (2008) analisa a diferença iluminista entre dois tipos de preconceito, que têm como origem a
não utilização da razão:
Preconceitos por precipitação
Porque não seguem rigorosamente o método racional.

Preconceitos de autoridade
Porque apelamos à razão do outro.
Para o Iluminismo, não pode haver preconceito ou autoridade que contenha qualquer verdade. Por conseguinte, o
uso metódico da razão é a única maneira de alcançá-la. Ao fazer isso, no entanto, o Iluminismo ignora algo que
sempre esteve contido no conceito de autoridade, isto é, que ela também pode ser uma fonte de verdade.
Com isso, o iluminismo não apenas criticou todas as autoridades, como também deformou consideravelmente o
próprio conceito de autoridade, que assumiu, a partir de então, o sentido oposto ao de razão e de liberdade,
qual seja: o de obediência cega.
 ATENÇÃO
Porém, nem toda autoridade é necessariamente autoritária e irracional. Ao contrário, a genuína autoridade vem,
primeiramente, de um ato de atribuição e, em seguida, do ato consciente de reconhecimento da superioridade ou
precedência do juízo e visão do outro sobre o nosso. Então, a autoridade deve ser conquistada. Não se trata,
portanto, de abdicação ou renúncia da razão, mas, ao contrário, pressupõe esta — a razão que reconhece seus
próprios limites e vê no outro um pensamento mais acertado.
Vamos analisar uma situação?
A RELAÇÃO ALUNO X PROFESSOR
Ao observarmos a relação entre aluno e professor, percebemos que autoridade do professor decorre, em um
primeiro momento, de seu cargo. No entanto, decorre também — e de forma muito mais fundamental — do
reconhecimento de que ele tem uma compreensão sobre aqueles assuntos que o aluno não tem.
É bem verdade que isso não significa que o professor esteja isento de erros e, portanto, sempre certo em seus
juízos. O aluno pode — e deve — usar a razão para avaliar os juízos do professor. Entretanto, se o aluno parte do
pressuposto de que as afirmações do professor não são verdadeiras e que todas elas devem ser reavaliadas por
ele próprio, então a compreensão daqueles assuntos e o processo de aprendizado estarão seriamente
comprometidos.
 
Fonte: Por sebra / Shutterstock.com
Logo, o verdadeiro fundamento da autoridade é um ato de liberdade e de conhecimento que a concede a alguém
reconhecidamente superior (alguém que sabe melhor) — não uma obediência cega. Sem o reconhecimento de
que o que a autoridade diz é, ao menos em princípio, razoável, e não uma arbitrariedade inaceitável, tarefas como
a educação seriam impossíveis.
Nós não obedecemos e acatamos os preconceitos das autoridades apenas porque quem fala encontra-se em
posição de superioridade, mas também porque há uma razão ou verdade naquilo que dizem.
TRADIÇÃO
Existe uma forma de autoridade que é fonte de preconceitos: a tradição. Toda educação repousa sobre alguma
forma de autoridade, mais especificamente a forma anônima de autoridade que possuem as heranças e tradições
históricas que nos são deixadas. Tudo aquilo que nos é transmitido tem influência sobre nosso comportamento, e
não apenas aqueles fatos que possuem fundamentos evidentes.
Quanto mais pensamos que, tornando-nos senhores de nós mesmos com o avanço de nossa capacidade racional,
livramo-nos dessas influências, mais nos surpreendemos com sua constante presença. No entanto, tradição e
razão não se excluem. Ao contrário, essas ideias podem conviver ao mesmo tempo e atuam juntas no processo
interpretativo. Afirmar que, na tradição, não há nada de racional é um preconceito ingênuo.
A tradição — não sinônimo de costumes e sim de um sentido de mundo compartilhado historicamente — não deve
ser oposta à razão e à ciência, pois todo conhecimento humano, até mesmo o científico, acomoda-se sobre um
pano de fundo compartilhado e sempre anterior a nós próprios. Nem mesmo o conhecimento científico pode ser
feito “a partir do nada”.
É fundamental admitir, portanto, que jamais somos seres inaugurais. Nosso conhecimento não foi criado por nós
mesmos. Afinal, sempre damos continuidade ao trabalho de homens que viveram antes de nós. Quando nossa
permanência neste mundo acabar, outros homens que virão depois de nós também continuarão. É como se
sempre víssemos o mundo sobre os ombros de gigantes.
Logo, a tradição não deve ser vista como algo recebido passivamente ou como algo que pode ser lançado fora.
Como observa o filósofo da hermenêutica:
[...] A TRADIÇÃO MAIS AUTÊNTICA E A TRADIÇÃO MELHOR
ESTABELECIDA NÃO SE REALIZAM NATURALMENTE EM
VIRTUDE DA CAPACIDADE DE INÉRCIA QUE PERMITE AO QUE
ESTÁ AÍ DE PERSISTIR, MAS NECESSITA SER AFIRMADA,
ASSUMIDA E CULTIVADA. A TRADIÇÃO É ESSENCIALMENTE
CONSERVAÇÃO E, COMO TAL, SEMPRE ESTÁ ATUANTE NAS
MUDANÇAS HISTÓRICAS. [...] INCLUSIVE,QUANDO A VIDA
SOFRE SUAS TRANSFORMAÇÕES MAIS TUMULTUADAS, COMO
EM TEMPOS REVOLUCIONÁRIOS, EM MEIO À SUPOSTA
MUDANÇA DE TODAS AS COISAS, DO ANTIGO CONSERVA-SE
MUITO MAIS DO QUE SE PODERIA CRER, INTEGRANDO-SE COM
O NOVO UMA NOVA FORMA DE VALIDEZ.
(GADAMER, 2008)
Portanto, a tradição também é um movimento dinâmico, pois precisa reafirmar-se a todo momento se tem em vista
sua conservação. Ela também é dinâmica em outro sentido: em meio a seu esforço de reinvenção, não permanece
sempre a mesma, mas precisa, por vezes, incorporar mudanças significativas.
Esse movimento não está muito distante do âmbito jurídico. Ao contrário, pode ser claramente percebido nos
tribunais. A própria jurisprudência é um fenômeno profundamente relacionado à tradição, uma vez que mesmo as
mudanças jurisprudenciais precisam levar em conta as decisões anteriores de determinado tribunal.
 
Fonte: Por YP_Studio /Shutterstock.com
Nesse sentido, a tradição não é apenas algo que encontramos como uma velharia e que podemos trancafiar em
um museu para exposição. O “sentido autêntico” da palavra é o de transmissão. Portanto, o que ela nos diz se
refere a nós também e não é apenas um registro do que se disse em determinada época a algum personagem
histórico.
Por essa razão, a leitura de um livro antigo, a despeito da estranheza a alguns aspectos, é capaz de nos tocar
profundamente. O livro certamente não foi escrito para nós, mas a mensagem que ele carrega nos alcança. O
efeito que ele provoca é, por diversas vezes, muito forte. Logo, não há dúvidas de que a tradição tem sempre algo
a dizer sobre nós mesmos, e não apenas sobre algo que já passou e não pertence mais ao nosso tempo.
HORIZONTE HERMENÊUTICO
Considerando o papel dos preconceitos, da autoridade e da tradição para a pessoa, fica claro que a compreensão
e a interpretação ocorrem dentro de certos limites — especialmente considerando estas características do
indivíduo:
Finitude
O homem é finito em diversos aspectos, como no tempo e no espaço.
Historicidade
O homem compreende dentro e a partir de suas experiências históricas.
 EXEMPLO
Quando olhamos o mar, vemos o mundo até a linha do horizonte. Para nossa visão, é como se o mundo acabasse
ali. Obviamente, o mundo real é muito mais amplo do que a linha do horizonte alcançada pela visão do observador,
mas para ele é como se os limites do mundo fossem ali. Embora ali haja algo além, temos um limite de percepção.
De maneira semelhante, a compreensão de um texto ocorre dentro dos limites do intérprete — limites dados pela
própria língua, pela cultura, pelas vivências históricas. Esse horizonte de possibilidades estabelece uma moldura
para a compreensão do todo. A diferença de horizontes hermenêuticos é um dos principais desafios à
compreensão.
Lembre-se do conceito abrangente de texto: ele é elaborado por alguém dentro de seu próprio horizonte
hermenêutico, mas deve ser compreendido pelo receptor a partir do horizonte hermenêutico deste. Conforme
esses horizontes estejam mais próximos ou mais distantes, a compreensão será melhor e mais acessível ou pior e
mais desafiadora.
VOCÊ JÁ TENTOU CONTAR UMA PIADA PARA UM
ESTRANGEIRO?
JÁ USOU UM REGIONALISMO COM PESSOAS DE OUTROS
LOCAIS?
javascript:void(0)
JÁ MOSTROU UM MEME PARA PESSOAS NÃO HABITUADAS À
INTERNET?
REGIONALISMO
Expressão típica de região em que mora o falante de uma língua.
MEME
Imagem cômica das redes sociais.
Se você já tentou realizar qualquer uma dessas tarefas (e, provavelmente, ficou frustrado ou teve um longo
trabalho de interpretação), então entende o que são diferentes horizontes hermenêuticos. A dificuldade na
compreensão entre os interlocutores ocorreu nesses casos em razão do baixo compartilhamento desses
significados. Os mundos dos interlocutores eram profundamente distintos.
 
Fonte: Krakenimages.com / Shutterstock.com
COMO É POSSÍVEL, ENTÃO, A COMPREENSÃO SE OS
INTERLOCUTORES PARTEM DE HORIZONTES DISTINTOS?
A isso denominamos fusão de horizontes. A compreensão de um texto nunca ocorre por meio do transporte para
o horizonte do autor. Afinal, isso seria impossível. De fato, o intérprete compreende o texto a partir de seu próprio
horizonte, conforme mostra a relação estabelecida no esquema a seguir:
javascript:void(0)
 
Fonte: EnsineMe
 Fusão de horizontes.
Por meio do constante alargamento do horizonte do intérprete, é possível a compreensão do texto, à medida em
que ele alcança seu horizonte — sempre a partir de seu próprio horizonte de significado.
ATIVIDADE DE REFLEXÃO DISCURSIVA
Recentemente, foi noticiada a seguinte sentença em diversos meios de comunicação:
“A juíza [...] mencionou a raça de um réu em uma sentença em que condena sete pessoas por organização
criminosa.
Segundo o documento, assinado no dia 19 de junho [de 2020], o grupo fazia assaltos e roubava aparelhos
celulares nas Praças Carlos Gomes, Rui Barbosa e Tiradentes, no centro de Curitiba.
Em nota, nesta quarta-feira (12), a juíza pediu ‘sinceras desculpas’ e afirmou que a frase foi retirada de contexto.
[Afirma a sentença:]
‘Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta; os
delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da
população, pelo que deve ser valorada negativamente (sic)’, disse a magistrada”.
(VIANNA; BRODBECK, 2020)
Para reflexão
Segundo o caso que acabamos de analisar sobre o preconceito, a afirmação da magistrada seria considerada um
preconceito legítimo ou ilegítimo? A autoridade da magistrada torna esse preconceito legítimo?
RESPOSTA
Indiscutivelmente, é um preconceito ilegítimo, pois é um juízo que não se sustenta perante a realidade e que
não se mostra válido a ser utilizado como critério de uma decisão. Neste caso, a autoridade não referenda a
validade do preconceito.
COMPREENDENDO A HERMENÊUTICA A PARTIR DO
EXEMPLO DA TRADUÇÃO
Um dos melhores exemplos que podemos utilizar para compreender os desafios hermenêuticos é o desafio da
tradução. Quando pensamos na tradução de um texto ou de uma fala, dificilmente associamos isso a uma
atividade interpretativa. No entanto, Gadamer (2008) nos lembra que a tarefa do tradutor talvez seja uma das mais
interpretativas por excelência.
Em sua obra clássica, Gadamer (2008) apresenta a linguagem como meio para a experiência hermenêutica, isto é,
o caminho por meio do qual a compreensão é possível. Dessa maneira, os problemas que envolvem a linguagem
são aqueles que envolvem questões hermenêuticas. É o caso da tradução. Nela, como um desafio interpretativo
claro, tornam-se visíveis os conceitos que estamos estudando.
A COMPREENSÃO ENVOLVE UM TIPO DE ACORDO
Em primeiro lugar, devemos perceber que a linguagem implica um tipo de acordo entre aqueles envolvidos nela.
Por isso, a compreensão somente é possível quando os participantes obtiverem algum tipo de acordo na
linguagem. Você deve estar se perguntando:
ACORDO? EM UMA CONVERSA?
javascript:void(0)
Pensemos em duas pessoas conversando: um brasileiro e um francês. Imagine que nenhum dos dois domina o
idioma do outro. Seria possível uma conversa fluir entre eles? Se depender da linguagem verbal, com toda certeza,
não haverá compreensão. Sem que os dois dominem um idioma em comum, o acordo é impossível. Portanto, a
compreensão recíproca também é impossível.
No entanto, se eles começarem a fazer gestos que ambos consigam compreender, a barreira inicial será superada
e a compreensão se fará possível, pois um acordo foi firmado. Os gestos tornaram viável que ambos se
compreendessem, pois possuíam um significado semelhante para eles. A isso denominamos acordo.
 
Fonte: Por fizkes /Shutterstock.com
Diante do exposto, podemos concluir que há uma relação indissociável entre compreensão e interpretação. A
compreensão somente ocorre onde antes há interpretação.
DIFICULDADES NA COMPREENSÃO
Em razão da necessidade de um acordo interpretativo para que os envolvidos em uma conversa (por escritoou
mesmo verbal) possam se compreender, Gadamer (2008) observa que o processo comunicativo (uma conversa)
não é algo controlado pelos agentes envolvidos nele. Ao contrário: “[...] a conversação autêntica jamais é aquela
que queríamos levar”.
Em outras palavras, o processo comunicativo é algo dissociado e independente do desejo dos interlocutores e está
além do controle deles. E esse acordo (essencial à comunicação) não ocorre segundo nossa vontade. Antes, o
acordo comunicativo ocorre em nós.
Outro desafio encontrado nesse processo comunicativo é se podemos compreender integralmente nosso
interlocutor.
SERIA POSSÍVEL QUE COMPREENDÊSSEMOS
PLENAMENTE SUAS IDEIAS, SEUS SENTIMENTOS E SUAS
VONTADES? ISTO É, CONSEGUIMOS NOS COLOCAR NAS
EXPERIÊNCIAS DE NOSSO INTERLOCUTOR, E VICE-
VERSA?
A resposta a essas perguntas é, inevitavelmente, negativa. Ainda que seja alguém muito próximo de nós (um
amigo, um familiar, o próprio cônjuge), cada pessoa tem vivências próprias. Um famoso trecho de uma música
popular brasileira de Caetano Veloso afirma: “[...] cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” (DOM, 1982).
 
Fonte: Por fizkes / Shutterstock.com
Ou seja, apenas a própria pessoa compreende plenamente suas vivências. O interlocutor nunca terá como se
colocar no lugar do outro para compreender por completo a realidade deste.
Ninguém consegue colocar-se inteiramente no lugar de seu interlocutor. Porém, qual é o problema disso? Como
isso interfere na interpretação? Isso significa que, para que os interlocutores consigam se comunicar, uma vez que
nenhum dos dois pode se transferir para a realidade alheia, é necessário um meio para que essa compreensão
seja possível em alguma medida. É necessária uma espécie de caminho entre ambos.
Como afirma Gadamer (2008): “[...] a linguagem é o meio em que se realizam o acordo dos interlocutores e o
entendimento sobre a coisa em questão”.
Então, no campo da compreensão, a linguagem é, ao mesmo tempo:
 
Fonte: Por Janis Abolins / Shutterstock.com
O MEIO
O caminho a partir do qual os participantes da conversação conseguem compreender-se mutuamente.
 
Fonte: Por Salim Nasirov / Shutterstock.com
SEU OBJETO
O ouvinte precisará empenhar-se para compreendê-la.
Nenhum dos interlocutores consegue controlar a compreensão. Por esse motivo, a conversa natural se desprende
das particularidades de cada sujeito, e o acordo adquire um sentido próprio, não dependendo da individualidade
dos sujeitos.
Vamos ilustrar esse raciocínio:
 
Fonte: pathdoc / Shutterstock.com
VOCÊ JÁ ENVIOU UMA MENSAGEM COM UMA INTENÇÃO
E FOI COMPREENDIDO DE OUTRO JEITO?
ALGUMA VEZ JÁ ESCREVEU DETERMINADA MENSAGEM
COM A INTENÇÃO DE SER ENGRAÇADO E FOI
INTERPRETADO COMO RUDE OU GROSSEIRO?
POR QUE ISSO ACONTECE?
Segundo o que estamos vendo e conforme mostra o esquema a seguir, isso ocorre porque, embora busquemos
expressar certa intenção, muitas vezes nosso ouvinte interpreta a mensagem de outra forma. Afinal, o emissor não
tem controle sobre a compreensão do ouvinte. A mensagem separa-se do autor e o acordo existente acerca dela
não está mais sob o controle dele.
 
Fonte: Por Kubko / Shutterstock.com
 Fusão de horizontes.
No vídeo a seguir, veremos como a linguagem define a nossa realidade.
TRADUÇÃO COMO DESAFIO INTERPRETATIVO
O grande exemplo do desafio interpretativo vem da tradução.
QUANDO A TRADUÇÃO É NECESSÁRIA, NÃO HÁ OUTRO
REMÉDIO A NÃO SER ADEQUAR-SE À DISTÂNCIA ENTRE O
ESPÍRITO DA LITERALIDADE ORIGINÁRIA DO QUE É DITO E SUA
REPRODUÇÃO, DISTÂNCIA QUE NUNCA CHEGAMOS A SUPERAR
COMPLETAMENTE.
(GADAMER, 2008)
Conforme destaca Gadamer (2008), é na tradução que o desafio da fusão de horizontes mediada pelo intérprete-
tradutor se intensifica. O papel do intérprete é transportar a compreensão que ocorre em uma língua (original) para
outra (à qual ele busca apresentar o texto), diminuindo as dificuldades.
Como a questão da interpretação e da compreensão envolve a necessidade de um acordo entre os interlocutores,
em uma conversação, o domínio de uma língua em comum é uma condição prévia — e não o problema
hermenêutico principal.
TODA CONVERSAÇÃO IMPLICA O PRESSUPOSTO EVIDENTE DE
QUE SEUS MEMBROS FALEM A MESMA LÍNGUA.
(GADAMER, 2008)
Por isso, a mera transição de idiomas não resolve o problema da compreensão, pois a hermenêutica depende da
linguagem, e não da língua. Para que o texto original seja compreendido entre os leitores da tradução, é
necessário muito mais que buscar palavras iguais entre os idiomas — até porque, em muitos casos, isso não é
possível.
A tarefa do tradutor-intérprete será destacar na tradução aquilo que merece maior importância, iluminando alguns
aspectos do texto e colocando outros em segundo plano.
Nas palavras de Gadamer (2008): “[...] este é precisamente o comportamento que conhecemos como
interpretação.” No entanto, não importa o quão dedicado seja o tradutor (o mesmo se aplica ao intérprete). Afinal,
“mesmo que seja uma reconstituição magistral, sempre faltar-lhe-ão algumas nuances que enriquecem o original”.
Portanto, tradutor e intérprete possuem o mesmo objetivo: ambos devem possibilitar uma conversação por meio da
linguagem — no caso do tradutor, adequando o texto em tradução. Como a linguagem é o meio em que ocorre a
compreensão (e esta somente acontece com a interpretação), a tradução é um problema de compreensão.
Tradução e hermenêutica se aproximam, pois, assim como uma língua estrangeira é um objeto estranho, a
hermenêutica também lida com um objeto estranho.
 ATENÇÃO
Na tradução (como na interpretação), cremos ter acesso ao texto original, mas trata-se de um texto no qual já se
encontram implicados os pensamentos do intérprete. Por certo, o ponto de vista do intérprete não se impõe,
contudo coloca uma possibilidade de compreensão sobre o que realmente diz o texto. Para Gadamer (2008): “[...]
o texto traz um tema à fala, mas isso, em última instância, é devido ao trabalho do intérprete”.
A AUTONOMIA DO TEXTO ESCRITO EM RELAÇÃO À SUA
ORIGEM
Ao mesmo tempo em que se parecem, a comunicação oral e a interpretação de um texto se afastam. Afinal, como
os textos são fixos, diferentemente da conversação, somente podem ser entendidos por meio de um intérprete. A
palavra escrita expressa um sentido que se desapega da existência passada e que chama o intérprete à ação.
“A tradição escrita não é apenas uma parte de um mundo passado, mas já sempre se elevou acima deste, na
esfera do sentido que ela enuncia” (GADAMER, 2008). Nesse sentido, a escrita é fundamental à compreensão do
passado.
 
Fonte: Por Peshkova /Shutterstock.com
NA VERDADE, A ESCRITA OCUPA O CENTRO DO FENÔMENO
HERMENÊUTICO, NA MEDIDA EM QUE, GRAÇAS AO ESCRITO, O
TEXTO ADQUIRE UMA EXISTÊNCIA AUTÔNOMA,
INDEPENDENTEMENTE DO ESCRITOR OU DO AUTOR, E DO
ENDEREÇO CONCRETO DE UM DESTINATÁRIO OU LEITOR.
(GADAMER, 2008)
Então, a interpretação de textos escritos apresenta desafios próprios em relação à compreensão de uma
conversação. Por um lado, podemos participar dos textos escritos sem grandes interferências de ordem subjetiva
(do autor e do destinatário do texto). Por outro, “ao contrário do que ocorre com a palavra falada, a interpretação
do escrito não dispõe de nenhuma outra ajuda” (GADAMER, 2008).
Nesse contexto, o leitor pode defender sua interpretação como uma possível verdade, ainda que de forma
diferente da vontade do autor e do leitor originário. Então:
[...] O HORIZONTE DE SENTIDO DA COMPREENSÃO NÃO PODE
SER REALMENTE LIMITADO PELO QUE TINHA EM MENTE
ORIGINALMENTE O AUTOR, NEM PELO HORIZONTE DO
DESTINATÁRIO PARA QUEM O TEXTO FOI ORIGINALMENTE
ESCRITO.
(GADAMER, 2008)
Os conceitos de opinião do autor e de compreensão do leitor originário formam, assim, um lugar vazio a ser
preenchido com compreensão. No entanto, o fato de o intérprete possuir uma série de conceitos anteriores ao
texto não significa que ele está livre para agir de maneira casuística ou com base em subjetivismos, especialmente
quando falamos de hermenêuticajurídica, como veremos no módulo 2.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ESTUDAMOS O OBJETO SOBRE O QUAL INCIDE A INTERPRETAÇÃO EM GERAL. A
RESPEITO DISSO, ANALISE AS DUAS AFIRMATIVAS A SEGUIR: 
 
I - APENAS DOCUMENTOS ESCRITOS PODEM SER SUJEITOS À INTERPRETAÇÃO. 
 
POR ISSO 
 
II - A COMPREENSÃO DE UMA OBRA DE ARTE (UMA PINTURA, POR EXEMPLO) NÃO
EXIGE INTERPRETAÇÃO POR PARTE DO OBSERVADOR. 
 
SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS AFIRMATIVAS, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:
A) A primeira é verdadeira, e a segunda é falsa, pois não depende da primeira.
B) A primeira é falsa, e a segunda é verdadeira, pois ambas são independentes.
C) Ambas são verdadeiras, e a segunda é consequência da primeira.
D) Ambas são verdadeiras, mas a segunda não é consequência da primeira.
E) A primeira é falsa, e, como consequência, a segunda também é falsa.
2. GADAMER (2008) BUSCA RESTABELECER UM CONCEITO, AFASTANDO A VISÃO
PEJORATIVA QUE ELE NORMALMENTE ASSUME NO COTIDIANO, BEM COMO
RESSALTANDO SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO INTERPRETATIVO COMO UM
JUÍZO PRÉVIO. O CONCEITO A QUE O AUTOR FAZ REFERÊNCIA É:
A) Fusão de horizontes.
B) Horizonte hermenêutico.
C) Tradição.
D) Preconceito.
E) Intepretação.
GABARITO
1. Estudamos o objeto sobre o qual incide a interpretação em geral. A respeito disso, analise as duas
afirmativas a seguir: 
 
I - Apenas documentos escritos podem ser sujeitos à interpretação. 
 
POR ISSO 
 
II - A compreensão de uma obra de arte (uma pintura, por exemplo) não exige interpretação por parte do
observador. 
 
Sobre a relação entre as afirmativas, assinale a alternativa correta:
A alternativa "E " está correta.
 
Tudo aquilo que pode ser verbalizado (isto é, expresso por meio da linguagem) está sujeito à interpretação. Isso
inclui sinais visuais, como uma obra de arte, pois o observador, para compreendê-la, precisará refletir sobre ela por
meio da linguagem. Por isso, não somente documentos escritos são sujeitos à interpretação.
2. Gadamer (2008) busca restabelecer um conceito, afastando a visão pejorativa que ele normalmente
assume no cotidiano, bem como ressaltando sua importância para o processo interpretativo como um
juízo prévio. O conceito a que o autor faz referência é:
A alternativa "D " está correta.
 
O preconceito foi recriminado a partir do Iluminismo, porém é um conceito fundamental para o início da
compreensão de um texto. Trata-se de um juízo prévio, que pode ser mantido ou rejeitado na análise definitiva.
MÓDULO 2
 Relacionar os métodos e sistemas interpretativos a casos jurídicos
NOÇÕES GERAIS
Agora, devemos buscar compreender como essa investigação ocorreu ao longo dos séculos. Para isso, devemos
investigar alguns autores.O Direito no Ocidente foi sistematizado em dois grandes ramos (ou tradições) por David
(2002). Segundo o autor, podemos encontrar uma tradição de base romano-germânica (também chamada de civil
law) nos países de influência latina, incluindo o Brasil, e uma tradição anglo-saxônica (também chamada de
common law) nos países de influência anglo-americana.
Essa divisão considera, entre outros aspectos, a importância da lei escrita para cada tradição e o processo de
formação do Direito. Nesse sentido, a tradição romano-germânica confere primazia ao papel da lei escrita,
enquanto o sistema anglo-saxônico confere primazia ao sistema de precedentes judiciais.
 
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Uma das consequências desse processo é que, na tradição romano-germânica, o ofício do jurista é fortemente
interpretativo de textos legais. Ele deve consultar textos jurídicos e identificar sua interpretação. Desde o período
medieval, a interpretação e a explicação dos textos legais são vistas como fundamentais ao Direito.
A escola dos glosadores é um exemplo disso, ainda que bastante diferente dos meios de interpretação jurídica
atuais (LOPES, 2011), embora sua relevância e seu método tenham passado por diversas transformações ao
longo dos séculos. Com o avanço das codificações na Idade Moderna, esse papel ganhou ainda mais destaque.
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ESCOLA DOS GLOSADORES
Surgiu na Idade Média buscando a formação dos estudiosos pela necessidade de utilização e interpretação
dos mecanismos jurídicos herdados de Roma, como o Corpus Iuris Civilis.
A questão posta, a partir disso, podemos realizar essa interpretação. Esse é o tema central da hermenêutica
jurídica. Nesse ponto, vale fazer uma diferenciação. Enquanto a hermenêutica jurídica reflete sobre as
condições e os meios possíveis para realizar a interpretação, a interpretação jurídica volta-se a
compreender e explicar o sentido das normas jurídicas em um caso concreto.
Neste momento, vamos nos voltar à hermenêutica jurídica sem ignorar que sua finalidade é possibilitar a
interpretação jurídica. Para isso, devemos considerar:
Os métodos de interpretação
 
Os resultados possíveis do processo de interpretação
 
A integração do Direito
 
Os sistemas interpretativos
MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO
A concretização da interpretação exige a aplicação de algum método. Embora possam variar entre os autores,
alguns sempre são destacados. Esses métodos são de grande utilidade para que o intérprete possa, interpretando
os enunciados, chegar à norma aplicável a certo caso. Por isso, esses métodos precisam ser vistos conjuntamente
e não de maneira isolada.
MÉTODO LITERAL
Também pode ser chamado de método gramatical, textual ou léxico. Esse método busca interpretar a norma a
partir do uso da linguagem. Então, o intérprete deve recorrer ao sentido das palavras e expressões contido em
uma definição técnica ou do uso comum da linguagem (identificado a partir de um dicionário).
 ATENÇÃO
Esse método não pode ser descartado, pois a lei possui um conteúdo definido a partir da linguagem. Essa
linguagem e seus conceitos não podem ser desconsiderados pelo intérprete. Afinal, como visto na hermenêutica
filosófica, a linguagem é o meio a partir do qual ocorre a compreensão.
Além disso, existem diversas normas que podem ser compreendidas com o recurso à definição de suas
expressões. Por exemplo, ao interpretarmos o artigo 121 do Código Penal, que trata de “Homicídio simples - matar
alguém” (DECRETO-LEI Nº 2.848), não há dúvida de que ele exclui a morte de animais — embora possa
configurar outro tipo penal.
 SAIBA MAIS
Acesse o Código Penal e conheça o texto do artigo 121.
No entanto, esse método é insuficiente. Afinal, muitos conceitos que a lei usa são controvertidos e, portanto,
impossíveis de serem definidos apenas a partir da literalidade da lei. Além disso, muitas vezes, as expressões que
a lei usa vão sendo alteradas com o passar do tempo. Nesse caso, não é possível um recurso à literalidade pura e
simples. Por exemplo, mulher honesta, bons costumes são expressões cujos sentidos foram alterados ao longo do
tempo.
 
Fonte: Por Billion Photos / Shutterstock.com
No vídeo a seguir, o especialista destaca e comenta o papel da literalidade na interpretação dos textos
legais.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
MÉTODO SISTEMÁTICO
O ordenamento jurídico constitui um conjunto de enunciados normativos. Não são textos isolados ou
independentes uns dos outros.
As normas jurídicas coexistem dentro de um sistema harmonioso, ou seja, cada norma mantém relação com
diversas outras do sistema de forma recíproca e não excludente.
Por isso, o intérprete deve interpretar cada norma à luz das demais que integram esse ordenamento, de modo a
preservar esse conjunto normativo de maneira harmônica, e não isolada ou contraditória. Esse critério é de suma
importância quando comparamos a legislação infraconstitucional com as normas constitucionais.
 EXEMPLO
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que, embora a apologia às drogas configure crime, os protestos que
defendem sua descriminalização não devem ser proibidos, pois a Constituição Federal preserva a liberdade de
expressão. Em outros termos, as duas normas devem ser compatibilizadas, especialmenteconsiderando a
primazia da Constituição sobre o restante do ordenamento jurídico.
MÉTODO HISTÓRICO
Toda norma jurídica surge em um contexto histórico e é elaborada visando a uma intenção pelo legislador. Isso faz
com que a norma seja interpretada de certo jeito ao longo dos anos. Segundo esse método, o contexto original e a
interpretação ao longo do tempo devem ser levados em consideração. Contudo, o método apresenta dois grandes
desafios à sua aplicação:
SERIA POSSÍVEL IDENTIFICAR ESSA INTENÇÃO ORIGINAL?
Para muitos, isso não é possível, pois são diversas as intenções dos agentes que participam do processo de
elaboração da lei. Seria inviável buscar descobrir a intenção que motivou mais de 500 deputados e 80 senadores a
aprovar certo projeto de lei.
CONSIDERANDO AS MUDANÇAS SOCIAIS, É LEGÍTIMO MANTER
UMA NORMA ENGESSADA AO LONGO DO TEMPO?
Segundo alguns estudiosos, a interpretação de uma norma precisa atualizá-la às necessidades contemporâneas,
como veremos mais adiante nos sistemas interpretativos.
Os defensores desse método afirmam que, em uma democracia, não é papel do intérprete corrigir os erros das
normas. Esse papel é do legislador. Além disso, embora não seja possível identificar a intenção de cada membro
do legislativo, é possível identificar algumas características gerais dessa intenção — principalmente a partir dos
debates parlamentares.
MÉTODO EVOLUTIVO
Como a norma jurídica faz referência a fatos sociais, quando esses fatos, com o passar do tempo, são alterados
substancialmente, cabe ao intérprete ressignificar a norma jurídica. Essa norma, então, será interpretada à luz das
novas circunstâncias históricas nas quais se coloca.
Trata-se de uma interpretação evolutiva, ajustada às novas necessidades, as quais não foram tratadas pelos textos
legais. No entanto, como esses métodos não podem ser aplicados isoladamente, o intérprete, por exemplo, não
pode desconsiderar a literalidade do texto.
 
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MÉTODO TELEOLÓGICO
Segundo esse método, as normas jurídicas devem ser interpretadas à luz de seu telos.
Em outras palavras, toda norma jurídica existe em razão de uma finalidade ou um propósito e deve ser
interpretada de modo a alcançar essa finalidade. Mais do que a definição de palavras e conceitos, aqui, a
preocupação é manter a norma útil a seu propósito perante a realidade social.
 EXEMPLO
A Constituição Federal estabelece o direito à inviolabilidade da “casa”. Considerando que o propósito dessa norma
seja preservar a intimidade, então, qualquer local que o indivíduo utilize reservadamente pode ser interpretado
como “casa”: um quarto de hotel, um escritório de uso individual etc.
Entretanto, essa interpretação também decorre da aplicação conjunta do método sistemático, uma vez que
considera as ampliações do conceito de “casa” realizadas por outros dispositivos do ordenamento jurídico.
MÉTODO AXIOLÓGICO
O ordenamento jurídico (especialmente a Constituição) consagra diversos valores que permeiam todas as normas
e que devem permear a interpretação jurídica. Logo, a interpretação deve ocorrer considerando esses valores
positivados, como a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o resultado da interpretação não deve conflitar
com os valores, especialmente os constitucionais.
 
Fonte: Por ping198 /Shutterstock.com
ATIVIDADE DE REFLEXÃO DISCURSIVA
A Constituição Federal atual foi promulgada em 1988, quando o avanço da tecnologia já havia começado, mas
ainda em fase bastante inicial se comparada aos dias atuais. Naquela época, como modo de facilitar e garantir o
acesso à cultura, o texto constitucional assegurou a não incidência de impostos sobre livros, prevendo essa
garantia com a seguinte redação:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, 
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] 
VI - instituir impostos sobre: [...] 
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
(CF/88)
Para reflexão
Considerando a mudança social, tecnológica e histórica, as questões que surgiram nos últimos anos foram:
• Essa garantia também alcança os livros digitais e os instrumentos para sua leitura?
• Uma vez que o Constituinte não os tinha em mente, eles estão incluídos ou excluídos desse benefício?
Qual é o método interpretativo que deve ser aplicado a esse caso?
RESPOSTA
A posição do STF foi por uma interpretação teleológica, considerando que o propósito da norma incluía a
finalidade desses instrumentos tecnológicos. Assim fixou o STF:
“A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no
mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como
leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.”
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020)
RESULTADOS POSSÍVEIS DO PROCESSO DE
INTERPRETAÇÃO
A aplicação dos métodos de interpretação vai culminar em um resultado que pode ser de um dos seguintes tipos:
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INTERPRETAÇÃO DECLARATÓRIA
Trata-se do resultado habitual da interpretação, em que se declara o resultado da interpretação sem ampliar a
aplicação da norma a novos casos ou sem reduzir sua incidência. Identifica os conceitos e os efeitos, entre outras
consequências.
INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA
O resultado da interpretação inclui na norma casos anteriormente não previstos, fazendo com que a interpretação
normativa incida sobre novas situações antes não expressamente amparadas pelo texto legal.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
O resultado da interpretação permite que apenas alguns casos se submetam à incidência da norma, excluindo
outros casos de sua aplicação. Alguns ramos do Direito exigem esse tipo de interpretação. É o caso, por exemplo,
do Direito Penal e do Direito Tributário.
INTEGRAÇÃO DO DIREITO
Quando existe uma norma, o Direito é aplicado por meio da interpretação — processo pelo qual busca-se a
compreensão da norma e a realização de sua incidência sobre o caso concreto. Quando, porém, não existe um
texto legal que resolva o caso, é necessário buscar uma norma que atenda à exigência do caso concreto (lacuna).
Afinal, é vedado ao intérprete não resolver o caso. A esse fenômeno chamamos de integração do Direito.
Duas são as modalidades de integração do Direito:
AUTOINTEGRAÇÃO
Quando a norma que será utilizada para sanar a lacuna existente for uma do próprio ordenamento jurídico ( regra).
HETEROINTEGRAÇÃO
Quando a norma que será utilizada para sanar a lacuna existente for de fora do ordenamento jurídico pátrio (
exceção).
No processo de integração, destacam-se alguns instrumentos:
Analogia
Equidade
Princípios gerais do Direito
ANALOGIA
Quando existem casos semelhantes, porém um deles não é regulado, a analogia consiste na aplicação da norma
do caso regulado ao caso sem previsão normativa.
 EXEMPLO
É o que ocorreu entre os casos da greve de trabalhadores da iniciativa privada e da greve de servidores públicos.
Em ambos, é necessário que a lei crie regras para o exercício do direito de greve. No entanto, apenas a iniciativa
privada possui regulação legal. Assim, o STF aplicou, por analogia, a lei dos empregados da iniciativa privada aos
servidores públicos a fim de regular e garantir o exercício desse direito.
A analogia se apresenta de duas formas:
ANALOGIA LEGIS
A analogia propriamente dita, baseada na aplicação de uma lei existente e aplicável a outro caso e a uma situação
nova.
ANALOGIA JURIS
Nesse caso, não existe lei para resolver o caso sub judice (que se encontra em mãos de um juiz ou tribunal,
aguardando decisão judicial). Então, o juiz recorre aos princípios gerais do Direito para resolver a situação.
EQUIDADE
Alguns autores a chamam equidade de justiça, embora não sejam exatamente sinônimos, dada a diferença entre
Direito e Justiça. Trata-se, de fato, de um ajuste do Direito às necessidades do caso concreto. Assim, o intérprete
poderealizar uma espécie de abrandamento do texto legal em circunstâncias específicas. Não é regra no sistema
jurídico, e sim uma exceção.
 
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PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Como são normas abstratas e genéricas, se não houver nenhuma norma mais específica, o intérprete poderá
recorrer aos princípios gerais do Direito para solucionar o caso. A própria lei faz referência a eles, tanto no Direito
interno (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro), quanto no Direito internacional (como na Convenção de
Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969).
 SAIBA MAIS
Alguns desses princípios aparecem explicitamente nas leis, embora não precisem. Muitos deles, por sua vez, são
implícitos e funcionam como fundamentos lógicos e valorativos do sistema jurídico.
São identificados pela doutrina e pela jurisprudência. A identificação não se confunde com sua criação, porque
eles dependem de um reconhecimento abrangente (interna ou internacionalmente) para que possam ser
chamados de princípios gerais do direito. Assim, apenas são identificados e declarados por doutrinadores e
decisões.
 ATENÇÃO
Mesmo nem sempre estando em normas jurídicas, os juízes podem utilizá-los como critério para suas decisões.
Esses princípios são especialmente relevantes quando existem lacunas no ordenamento jurídico, como forma de
integração dos casos.
Em contrapartida, dado o caráter abrangente desses princípios, eles podem ser interpretados de diferentes modos,
o que demanda maior esforço argumentativo por parte do intérprete.
SISTEMAS INTERPRETATIVOS
A organização da interpretação jurídica segundo certos sistemas interpretativos não é um ponto consensual na
doutrina. No entanto, podemos identificar, de maneira relativamente majoritária, algumas escolas de pensamento
sobre a interpretação jurídica ao longo da Idade Moderna e Contemporânea, que deram origem aos seguintes
sistemas:
SISTEMA EXEGÉTICO
A característica desse sistema interpretativo (também chamado de sistema dogmático ou sistema jurídico
tradicional) é a limitação da interpretação à lei. Em intensidade maior ou menor, considera que a lei revela a
vontade do legislador e que é possível compreender o significado da lei de modo relativamente claro.
Fortemente influenciado pelo racionalismo moderno, esse sistema buscou tornar a interpretação do Direito um
processo dedutivo nos moldes dos sistemas da geometria ou aritmética. Conduzido pela chamada Escola da
Exegese, dominou boa parte do século XIX, até que começou a entrar em declínio nas últimas décadas dos anos
1800 (PERELMAN, 2004).
SISTEMA HISTÓRICO
Com as intensas transformações ocorridas no século XIX, especialmente motivadas pelas alterações
socioeconômicas, os teóricos viram-se confrontados pela necessidade de fazer uma interpretação mais ampla do
Direito, inclusive por meio da correção de imperfeições na lei.
Afirmava-se, então, o sistema interpretativo histórico — também chamado de sistema histórico-evolutivo. Para
essa Escola, a lei nasce objetivando certas aspirações, mas possui um significado mutável e não é limitada às
suas fontes originárias. No entanto, essa posição não prevaleceu e foi sucedida pelo sistema teleológico (REALE,
2002).
SISTEMA TELEOLÓGICO
Conduzido principalmente por Rudolf Von Ihering (1818-1892) — conhecido por sua obra clássica A luta pelo
Direito (1890) —, de acordo com esse sistema interpretativo, o Direito deve ser compreendido a partir de sua
finalidade, de modo que sua interpretação deve ser conduzida de forma teleológica.
Cada proposição jurídica deveria ser analisada à luz de sua finalidade dentro do ordenamento jurídico, o que
incluía um elemento de profundo caráter axiológico. Assim, o intérprete poderia dar uma interpretação distinta
daquela imaginada ou desejada pelo legislador, desde que justificada a partir de novas valorações decorrentes de
mudanças históricas. Isso, no entanto, não deveria gerar desconsideração pelo valor da lei.
SISTEMA DA LIVRE PESQUISA
De forma semelhante ao sistema histórico-evolutivo, o sistema da livre pesquisa (ou sistema da livre formação do
Direito) concebia que o Direito — tomado sob um ponto de vista dogmático — nem sempre contém a solução para
os casos concretos. Então, seria necessário incluir novas fontes para solucionar essas situações — fontes além do
direito estatal, como os costumes.
A primeira medida, no entanto, não seria esse recurso. Em primeiro lugar, o intérprete deveria buscar respeitar a lei
como apresentada pelo legislador. No entanto, no caso de existir uma insuficiência legislativa, o papel do intérprete
deveria ser buscar uma solução para o caso concreto a partir de um processo de livre investigação.
 
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ATIVIDADE DE REFLEXÃO DISCURSIVA
No campo literário, o caso judicial mais conhecido — ou, pelo menos, um dos mais conhecidos — é a disputa
apresentada na peça teatral O mercador de Veneza (1605), de William Shakespeare.
Na obra, o dilema classicamente conhecido — reproduzido e popularizado na literatura brasileira por Ariano
Suassuna em O Auto da Compadecida (1955) — é se o acordo firmado entre as partes (o agiota Shylock e o
mercador Antônio), a respeito de uma libra de carne (Suassuna nos fala de uma tira de carne), incluía ou não o
sangue do devedor.
A solução do caso diz que não, pois o título da dívida não incluía esse dado explicitamente, de modo que não
poderia ser exigido pelo credor.
Para reflexão
Se esse fosse um caso judicial real (abstraindo-se neste exercício mental a legalidade do conteúdo da dívida) e
aplicássemos critérios interpretativos para interpretar a referida obrigação, não deveria o tribunal considerar que o
sangue estava pressuposto, uma vez que, de outra maneira, a dívida se tornaria inexequível (irrealizável)? Ou,
nesse caso, o intérprete estaria extrapolando as possibilidades de interpretação da norma?
RESPOSTA
A atividade foi proposta com o objetivo de reflexão acerca do caso apresentado acima para análise.
Diferentemente dos demais já expostos no tema, este não apresenta resposta, pois trata-se de um caso
fictício medieval que dispensa raciocínio único.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. AO DEPARAR-SE COM UM CASO EM QUE O RÉU ERA ACUSADO DE COMETER A
CONTRAVENÇÃO PENAL DE “EXPLORAR JOGOS DE AZAR” POR MANTER UMA BANCA
DE “JOGO DO BICHO”, DETERMINADO JUIZ PASSOU A REFLETIR SOBRE A REFERIDA
NORMA. AO FINAL, CONCLUIU QUE AS MUDANÇAS SOCIAIS OCORRIDAS NAS
ÚLTIMAS DÉCADAS NO PAÍS NÃO JUSTIFICAVAM MAIS A APLICAÇÃO DE UMA PENA
POR CAUSA DESSE FATO. EMBORA A NORMA PUDESSE SER JUSTIFICADA EM SUA
ORIGEM, AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NÃO PERMITIAM A CONTINUIDADE DA
MESMA INTERPRETAÇÃO SOBRE A REFERIDA NORMA. 
 
A QUE SISTEMA INTERPRETATIVO ESSA ARGUMENTAÇÃO PERTENCE?
A) Dogmático.
B) Tradicional.
C) Histórico.
D) Exegético.
E) Teleológico.
2. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADOTA EM SUA JURISPRUDÊNCIA A TEORIA DOS
PODERES IMPLÍCITOS. DESSA MANEIRA, INTERPRETA AS NORMAS CONSTITUCIONAIS
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QUE ATRIBUEM CERTAS FUNÇÕES A UM ÓRGÃO OU A UMA INSTITUIÇÃO, INCLUINDO,
TAMBÉM, DE FORMA IMPLÍCITA, OS PODERES NECESSÁRIOS À REALIZAÇÃO DESSE
PAPEL. EM OUTROS TERMOS, SE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL FIXA UM OBJETIVO,
TAMBÉM ASSEGURA, AINDA QUE IMPLICITAMENTE, OS MEIOS PARA ALCANÇAR ESSE
RESULTADO. 
 
QUE MÉTODO INTERPRETATIVO PERMITE ESSA INTERPRETAÇÃO?
A) Literal.
B) Textual.
C) Analógico.
D) Histórico.
E) Teleológico.
GABARITO
1. Ao deparar-se com um caso em que o réu era acusado de cometer a contravenção penal de “explorar
jogos de azar” por manter uma banca de “jogo do bicho”, determinado juiz passou a refletir sobre a
referida norma. Ao final, concluiu que as mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas no país não
justificavam mais a aplicação de uma pena por causa desse fato. Embora a norma pudesse ser justificada
em sua origem, as transformações sociais não permitiam a continuidade da mesma interpretação sobre a
referida norma. 
 
A que sistema interpretativoessa argumentação pertence?
A alternativa "C " está correta.
 
Em razão das transformações sociais, o juiz percebeu a necessidade de fazer uma interpretação mais ampla do
Direito, inclusive por meio da correção de imperfeições na lei.
2. O Supremo Tribunal Federal adota em sua jurisprudência a teoria dos poderes implícitos. Dessa
maneira, interpreta as normas constitucionais que atribuem certas funções a um órgão ou a uma
instituição, incluindo, também, de forma implícita, os poderes necessários à realização desse papel. Em
outros termos, se a Constituição Federal fixa um objetivo, também assegura, ainda que implicitamente, os
meios para alcançar esse resultado. 
 
Que método interpretativo permite essa interpretação?
A alternativa "E " está correta.
 
A teoria dos poderes implícitos visa resguardar a finalidade da norma constitucional, de forma a não frustrar seus
objetivos. Assim, a interpretação do STF segue um método teleológico.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos ver, embora muitas vezes a interpretação pareça um exercício simples ou mesmo inexistente,
trata-se de um fenômeno complexo e sempre presente quando ocorre a compreensão. Por isso, a hermenêutica
apresenta-se como um objeto relevante para a reflexão filosófica.
Ainda que frequentemente ocorram de maneira inconsciente e espontânea, pudemos refletir sobre a compreensão
e a interpretação, seja em momentos intelectuais e que exijam maior esforço (como na leitura de um texto
acadêmico) ou em eventos cotidianos (como na troca de mensagens).
Além disso, entendemos as diferenças entre as diversas perspectivas e os variados critérios para a realização da
interpretação jurídica. Dessa forma, podemos solucionar os casos jurídicos de modo mais claro e fundamentado.
FALA, MESTRE!
Mestres de diversas áreas do conhecimento compartilham as informações que tornaram suas trajetórias únicas e
brilhantes, sempre em conexão com o tema que você acabou de estudar! Aqui você encontra entretenimento de
qualidade conectado com a informação que te transforma.
O Perfil do Advogado no Mundo Contemporâneo
Sinopse: Ana Frazão, presidente da Comissão de Direito Econômico da OAB Federal, discorre sobre as
transformações trazidas pela contemporaneidade ao perfil do profissional do Direito, como por exemplo a
capacidade de ser multidisciplinar.
Sinopse: Ana Frazão, presidente da Comissão de Direito Econômico da OAB Federal, discorre sobre as
transformações trazidas pela contemporaneidade ao perfil do profissional do Direito, como por exemplo a
capacidade de ser multidisciplinar.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República.
Publicada em: 5 de out. 1988.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 7.030, de 14 de
dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de
1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília, DF: Presidência da República, 14 dez. 2009.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de
setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Brasília, DF: Presidência da República, 4
set. 1942.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 7 dez. 1940.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 57. A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da
CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes
exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam
funcionalidades acessórias. Brasília, DF: STF, 24 abr. 2020.
DAVID, R. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
DOM de iludir. Compositor: Caetano Veloso. Intérprete: Gal Costa. Rio de Janeiro: Philips, 1982. 1 LP (43 min).
GADAMER, H. Verdade e método I. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
LOPES, J. R. L. O Direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
PERELMAN, C. Lógica jurídica: nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
REALE, M. Filosofia do Direto. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
ROBLES, G. O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do Direito. Barueri: Manole, 1994.
SALGADO, R. H. C. Hermenêutica filosófica e aplicação do Direito. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.
SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
VIANNA, J.; BRODBECK, P. Juíza cita raça ao condenar réu negro por organização criminosa. In: G1, 12 ago.
2020.
EXPLORE+
Pesquise no YouTube e assista aos seguintes vídeos:
[LVIII CAD] Dr. Eros Grau - Interpretação do Direito, do texto à norma – exposição do então Ministro Eros
Grau, do STF, sobre a relação e a distinção entre texto e norma.
Conferência 6: Hermenêutica e Argumentação – exposição do professor Tércio Sampaio Ferraz, um dos
principais autores brasileiros no campo da hermenêutica jurídica, sobre interpretação e argumentação.
Para aprofundar seu conhecimento sobre a interpretação jurídica e a relação entre as hermenêuticas filosófica e
jurídica, sugerimos as seguintes leituras:
BETTI, E. Teoria geral da interpretação jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
COSTA, A. A. Direito e método: diálogos entre a hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. 2008. Tese
(Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2008. Livro II, cap. VII, p.
336-351.
FRANÇA, R. L. Hermenêutica jurídica. Brasília: RT, 2001.
MAXIMILIANO, C. Hermenêutica jurídica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
CONTEUDISTA
Elden Borges Souza
 CURRÍCULO LATTES
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