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Título Original: Come back to me
Copyright © 2017 por Kathy Coopmans
Copyright da tradução © 2020 por Editora Bookmarks.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por
escrito dos editores.
Tradução, revisão e diagramação digital: Andréia Barboza
Preparação de Texto: Lívia Martins
Edição e capa: Luizyana Poletto
Imagem de capa: Battershell Photography / Eric Battershell
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa.
Direitos de edição em língua portuguesa, para o Brasil, adquiridos por
Editora Bookmarks.
Caixa Postal: 1037 CEP: 13500-972
contato@editorabookmarks.com
facebook.com/editorabookmarks
instagram.com/editorabookmarks
twitter.com/editorabookmark
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPITULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
EPÍLOGO
Ao amor verdadeiro.
PRÓLOGO
Adriana
— DROGA ALEXIS.
Paro o carro no estacionamento, desligo o motor e ouço a chuva cair
contra as janelas.
Eu deveria ir até lá e reclamar por ela ter estacionado na garagem mais
uma vez, mas não vou. Ela ainda está muito frágil. Muito parecida com um
passarinho com a asa quebrada. Você precisa lidar com eles com cuidado, ou
pode machucá-los a ponto de não ter mais jeito. É assim que tenho cuidado
da minha irmã. Cobertores quentes, comida, abrigo e um tom de voz suave.
Mãos gentis e todo o amor que ela merece. Mesmo nos dias frios e difíceis
em que ela grita e bate as mãos no peito enquanto chora e diz com a voz
rouca que não merece isso.
Alexis é três anos mais velha que eu e perdeu o rumo na vida. Um golpe
de azar atrás do outro a atingiu de um jeito muito pior que as gotas geladas de
água que caem do céu cinzento.
Se vou me sentar aqui, relembrando de velhas histórias, preciso ser
sincera: ela teve uma vida difícil. Na verdade, nós duas tivemos. Quando
perdemos nossos pais, optei por viver o luto focando nos estudos, na
fotografia e trabalhando nos negócios da minha avó. Alexis se perdeu em
dezenas de homens, bebida e, finalmente, no vício em drogas que a levou à
prisão e à reabilitação. Mais vezes do que ouso contar. Espero que desta vez
ela tenha aprendido a lição. Sou muito jovem para que meu coração desista
de se preocupar com ela dia e noite. Quase não há mais nada dele para dar.
Talvez um pedaço, mas sou muito mesquinha para deixá-lo com ela. Estou
guardando-o para mim mesma. Para quem ou o que é uma pergunta que só
Deus pode responder.
Eu deveria estar mais preocupada com a nossa avó e sua saúde
deteriorada. A mulher teimosa não vai ao médico. Ela não ouve uma palavra
que eu digo. Sempre me convencendo a acreditar que ela está bem, me
dizendo para deixar Alexis de lado para que eu possa ter algum tipo de vida
normal. A velhinha atrevida continua a trabalhar pra caramba enquanto
coloca antiácidos na boca. Todos os dias. Ela me preocupa.
Já foi bastante difícil para todas nós quando, há nove anos, nossos pais
morreram em um acidente onde um motorista bêbado bateu neles por trás,
fazendo com que nosso pai perdesse o controle do carro. Eles bateram em
uma árvore. Eu tinha dezoito anos, estava me preparando para começar a
faculdade, e Alexis estava com quase vinte e um. Meus pais anteciparam a
volta das férias de duas semanas para me ajudar com a mudança para o
dormitório. Se alguém deveria ter se perdido, teria que ser eu. Foi por mim
que eles encurtaram as férias. Implorei para que não o fizessem. Disse a eles
que vovó e Alexis poderiam me ajudar. Eles planejaram a viagem pelo país
durante dois anos. Não foram a todos os lugares que queriam ver. Nunca vou
deixar de me culpar por perdê-los. Não importa onde a vida me leve.
A única coisa que sei que é constante na minha vida é a culpa que sobe
pela garganta mais uma vez enquanto fico aqui sentada e ouço a chuva bater
no teto do carro. Tremo, mas não pelo frio. Sinto tanto a falta dos nossos pais,
que às vezes mal consigo me olhar no espelho.
Quando Alexis começou a beber muito, há alguns anos, fiquei irada.
Gritava com ela constantemente. Eu a irritava o tempo todo e me preocupava
até quase enlouquecer. Sei que não é assim que se deve lidar com um viciado.
Mas não conseguia evitar. Tudo o que tenho feito desde então é apoiar, ouvir
e resolver suas confusões, mas assim como nossa avó, ela não me ouve. “Os
fatos são coisas teimosas, Adriana”, minha avó me disse uma vez, repetindo
John Adams. Eu resmungo. Nunca foram ditas palavras mais verdadeiras.
Mais culpa. Tanto que agora eu quase engasgo por sufocar meus
soluços. Minha irmã não seria viciada em drogas e álcool se não fosse por
mim. Não, ela seria a constância de que eu precisaria em minha vida, e
ninguém sabe melhor do que meu próprio coração partido o quanto eu
preciso que ela seja exatamente isso, em vez dos constantes pedidos de
desculpas. Metade dos seus “me desculpe” aparecem em frases que não
fazem nenhum sentido e são pouco coerentes.
Um dia, ela chora no canto, balançando para frente e para trás, me
dizendo o quanto está arrependida por arruinar minha vida e por fazer coisas
que afirma que me fariam odiá-la ainda mais se eu soubesse. Chorando
muito, dizendo que quer nossos pais e me implorando para que eu a perdoe.
Sempre me dizendo que a destruição em minha vida não é culpa minha. Logo
depois, ela aparece me encarando. Repetindo palavras maldosas e repletas de
veneno. Isso me esmaga. Eu costumava ser ingênua e acreditava nela. Agora,
não acredito em uma palavra que ela diz. No entanto, isso nunca vai me
impedir de amá-la. Nem de ajudá-la.
Não consigo entender porque ela mistura remédios com bebida ou
porque ela fica bêbada, quando o consumo excessivo de álcool foi o principal
motivo da morte dos nossos pais. É uma combinação letal.
Aprendi na terapia que uma pessoa não percebe o quanto suas ações
podem prejudicar as outras. Não até que se chegue no fundo do poço ou
morra. Eu me encolho com o pensamento de perdê-la. Vou me afogar na
culpa mais uma vez se isso acontecer.
Há pouco mais de dois anos, Alexis não só chegou ao fundo do poço,
como chegou aqui no meio da noite e caiu de cara no chão da cozinha em
uma bagunça convulsiva de vômito e sujeira. Bêbada e chapada, ela falou
coisas sobre uma parte da minha vida da qual eu nunca falo. Mal entendi uma
palavra do que ela disse, porque tudo o que importava era conseguir a ajuda
que ela precisava. Eu estava com medo de pensar que estava prestes a perdê-
la. Não sei quantos dias fiquei sem dormir. Me sentei ao seu lado enquanto
ela lutava contra seus demônios. Suada, vomitando e me arranhando para que
eu a deixasse sair.
Isso me destruiu de mais maneiras do que posso falar. E quando tentei
mencionar o nome do homem pelo qual meu coração ainda anseia, o nome
que ela falou quando chegou ao fundo do poço, ela se fechou, foi então que
comecei a perdê-la novamente.
Estou tão mergulhada no mundo dela agora que isso me assusta. Tenho
medo de nunca mais ser a mulher que fui um dia, mas não posso abandoná-la.
É engraçado como quando uma pessoa tenta ajudar outra a se encontrar, ela
acaba se perdendo no processo.
— Você é patética, Adriana — digo em voz alta, a raiva emanando das
minhas lágrimas. — Bem, você não é patética. Ela é sua irmã. Todo mundo
desistiu dela, menos você. Isso inclui a nossa avó.
A segunda vez que Alexis chegou ao fundo do poço – na época em que
morou comigo e com o homem do meu passado – minha avó e eu nos
afastamos.
— Chega, Adriana. Parte meu coração dizer isso, mas acabou. Eu
sempre vou amar vocês. Só não tenho forças para vê-la se matar. Não sou
como você.
Se você soubesse o quanto eu sou fraca, vovó.
Só posso rezar para que Alexis nunca mais volte a torturar a si mesma, a
mim ou à nossa avó. Issoseria um inferno. Ela está sóbria há três meses.
Nada de bebidas, drogas ou homens. Voltou a trabalhar como cabeleireira em
meio período. Está conquistando uma nova clientela em um ritmo acelerado e
morando comigo até que se sinta confortável o suficiente para ficar sozinha.
Mas ainda está fraca, tem dias em que implora e me irrita demais. E se ela
continuar estacionando na minha vaga de garagem nos dias em que estiver
chovendo, vai sair daqui antes que esteja pronta.
Tudo o que eu quero fazer é tomar um banho quente e demorado e
depois ir para a cama. Trabalhei durante o jantar para preparar uma sessão de
fotos para amanhã à tarde. Estou com fome, exausta e agora estou furiosa.
— Vou gritar!
Decido enquanto saio do carro. A chuva começa a bater na minha pele.
O vento está uivando enquanto ela se torna meu inimigo. Fria e forte. Entro
na garagem, aperto o botão para fechar a porta e sacudo a água da minha
pele.
Quando tiro os sapatos e me seco, estou fervendo de raiva. A cozinha
está uma bagunça. Há louça suja por toda parte. Acho que devo agradecer à
minha melhor amiga, Heidi, que ajudou a direcionar a compulsão de Alexis
para aprendiz de cozinheira. Há duas semanas, ela ficou obcecada em
aprender a receita da Heidi de muffins de mirtilo. Isso nunca vai acontecer,
pois os de Heidi são os melhores. No entanto, eu a elogio por tentar.
Mas nesse momento, estou de pé com a boca aberta diante do que estou
vendo. O revestimento da pia está coberto com uma mancha roxa escura.
Cada prato que tenho está empilhado na pia, na mesa ou no balcão. Tem
mirtilo espalhado por todo o chão.
— Não vou mais limpar. Ela vai sair da cama e vai deixar minha
cozinha brilhando. Não vou mais fazer isso — murmuro.
Estou irritada e tenho todo o direito de estar.
— Alexis — grito enquanto sigo pelo pequeno corredor até o quarto
dela, a raiva fazendo meu sangue ferver. Ele se torna frio no mesmo instante,
congelando quando entro. O grito que eu queria soltar há um instante, sai das
profundezas da minha alma.
Não vou gritar por ela estacionar na minha vaga de garagem. Não estou
brava com a sujeira deixada na cozinha.
Não estou nem zangada com o fato de a cena à minha frente parecer
estranhamente familiar, atingir meus nervos como a faísca de um fio vivo e
estilhaçar minhas esperanças.
Na verdade, não estou brava. Estou despedaçada. De coração partido.
Derrotada.
Minha irmã está deitada na cama com uma garrafa de vodca vazia ao seu
lado, um espelho com traços de pó branco e uma agulha presa no braço.
Estou gritando com uma dor inconsolável que nunca vou superar. Minha
irmã, aquela que tentei de todas as formas salvar, está morta. Seus olhos
azuis, que já foram vibrantes, estão envoltos em dor. Falhei com ela da
mesma maneira que falhei com meus pais e com meu marido. Não sei quanto
mais da vida posso aguentar.
CAPÍTULO UM
Adriana
Um ano depois.
JÁ ESTIVE EM FUNERAIS DEMAIS nos meus vinte e oito anos de
vida. Não sou fã deles. Duvido que alguém seja.
No entanto, este em particular, não só me chocou, como também
destruiu o único pedaço que restava do meu coração e o soterrou sob o mais
fino pó.
Nos últimos dias, agradeci a todas as pessoas que vieram prestar suas
condolências, deixando o pesar pelas tragédias que me amarguravam preso na
ponta de suas línguas. Sorri de forma respeitosa quando tudo o que realmente
queria era dizer para que me deixassem em paz para que eu pudesse pegar
meus infortúnios e ir embora.
O ano passado foi um dos piores da minha vida. Não quero me despedir
da mulher que me ajudou a sobreviver a cada uma das perdas que enfrentei.
Tudo começou com meus pais, depois foi minha irmã. E por mais horrível
que possa parecer, a pior de todas foi a morte repentina do meu marido, há
quatro anos. É um momento da vida que nunca desaparece e que me
assombra dia e noite.
Ainda que minha querida avó Elizabeth tenha sofrido tanto quanto eu,
ela sempre colocou a mim e a Alexis em primeiro lugar. Tentou me ajudar a
lidar com a turbulência. Mas agora, nunca mais sentirei seus braços frágeis
me envolverem.
Pisco exaustivamente. Não quero ficar parada olhando o buraco gigante
no chão, quando a dor em meu peito me desafia a olhar para as lápides da
minha irmã e dos meus pais. Minha família inteira se foi.
Sinto uma punhalada pelas costas quando começam a abaixar o caixão
dela. Meu corpo endurece. A vida está me mandando uma mensagem clara:
não tenho mais nenhum parente de sangue vivo. Nem um marido para me
consolar, me abraçar e dizer que tudo vai ficar bem. Não importa, porque
nada vai voltar ao normal. Uma dor como essa nunca desaparece.
Meu coração se aperta de emoção.
— Vovó, eu te amo muito. A parte mais triste de ser deixada para trás é
ter que viver sem você. Sem vocês todos. Sei que tenho que fazer isso. Eu
simplesmente não sei como. Se você estivesse aqui, me diria que não estou
vivendo, não é? — Estendo a mão e enxugo as lágrimas. Não vai me fazer
bem continuar me lamentando, não importa o quanto eu deseje isso.
Não consigo me mexer. Estou congelando e tremendo, mesmo com o
clima quente de junho, e toda vez que tento me mover, minhas pernas
parecem que vão ceder e me fazer cair no chão.
Meu estômago está doendo. Não só porque estou sofrendo sua morte,
mas também porque estou com raiva. É uma dor violenta. Não voltei ao
cemitério desde o funeral de Alexis. Simplesmente não consegui. Caramba,
eu nem visitei o túmulo do meu marido, graças à culpa que me envolve com
tanta força que mal consigo respirar. Sou uma pessoa horrível. Estar cercada
por minha família no cemitério é sufocante.
— Gostaria de colocar flores nos túmulos deles? — Heidi passa o braço
ao redor dos meus ombros e me entrega quatro rosas brancas. Eu as pego com
os dedos trêmulos e sem dizer mais nada, ela se afasta. O conforto de sua
presença é uma dose eficaz de realidade. Não quero ficar sozinha.
Heidi é diferente de mim em todos os sentidos. Enquanto internalizo
tudo até me despedaçar, ela coloca para fora. É como uma cerca viva. O tipo
de mulher que abre as cortinas, levanta, sacode a poeira e dá a volta por
cima.
Foi o que ela fez comigo esta manhã quando me recusei a levantar.
Minhas costas estão machucadas também. Vaca.
— Vai se sentir melhor se fizer isso. — Sua voz soa sincera atrás de
mim. Quando não me mexo, ela para ao meu lado, envolve meu ombro e me
dá um aperto delicado.
Não. Duvido que eu vá me sentir melhor novamente. Ela não diria isso
se soubesse o quanto a culpa transborda em minha consciência. No entanto,
se eu quiser sair daqui, preciso seguir suas instruções, senão ela vai me
agarrar e me puxar pela orelha.
— Eu te amo, vó. Prometo que vou fazer o meu melhor para tentar
sorrir. Vou encontrar uma maneira de viver como você queria. Ainda não
tenho certeza de como. Acho que todos vocês estão aí em cima discutindo o
que acham que devo fazer. — Tento sorrir. Mas não consigo. Espero poder
cumprir minhas promessas um dia. Mas no momento, não quero.
Nos últimos meses de vida, minha avó teve algumas reuniões com seu
advogado. Imaginei que ela fosse conversar com ele sobre o que fazer com o
dinheiro que ganhou com a venda dos seus negócios. Eu não me importava
com o que ela faria. Era seu dinheiro. Então me despedi quando ela saiu e
voltei a revelar as fotos ao ouvi-la mencionar essas reuniões. Não pensei mais
nisso. Até agora.
Ela não mencionava o nome de seu advogado, Hunter Daly, há anos por
uma boa razão. Ele era o padrinho do homem que me fez promessas e não as
cumpriu. Seu corpo deixou este mundo enquanto sua alma permanece em
meu coração. Respiro fundo algumas vezes. Não posso pensar nele agora ou
vou me despedaçar por completo. Sinto falta dele o tempo todo. No entanto,
aqui estou, e minha cabeça não para de pensar nele, por mais que eu tente.
Blake era o homem mais atraente que já conheci. Seu rosto
perfeitamente moldado era destacado por um queixo forte e masculino, o
nariz angulado, os lábios carnudos e os cílios mais longos que já vi. Seu
cabelo escuro estava constantemente bagunçadode tanto eu passar minhas
mãos por ele.
Ninguém é perfeito, mas para mim ele era. Blake entrou na minha vida
na hora certa. Eu finalmente senti que a sorte sorria para mim. Ele era
incrivelmente bonito, excepcionalmente gentil e realizou todas as fantasias
sexuais que eu tinha.
Mas tudo mudou em um piscar de olhos. O homem que amo, o homem
com quem me casei, está morto junto com todas as outras pessoas que me são
importantes. Há dias em que sinto que não existo sem ele, que não existe vida
para ser vivida depois que perdi o amor que compartilhávamos. Blake era
meu mundo, e viver sem ele destruiu meu coração de um jeito que ele nunca
vai se curar.
CAPÍTULO DOIS
Adriana
— ESTOU AQUI, PENSANDO NO BLAKE quando deveria estar me
lembrando dela — digo, cheia de constrangimento ao lado do túmulo da
minha avó.
— Adriana, é natural pensar em todas as suas perdas quando se está
sofrendo. A Elizabeth sabia o quanto você amava o Blake. Deixe seu coração
levar sua cabeça para onde ela deve ir. Não lute contra o que está sentindo.
Não negue a sensibilidade do seu coração. — Deus, se eu não estivesse em
estado de negação, perguntaria a Heidi como ela se tornou tão inteligente.
Mas ela tem razão. Blake e eu tivemos um tipo maravilhoso de amor.
Algo que vou manter em meu coração partido pelo resto da vida.
Sinto tanta falta de seus braços musculosos que sonho que estão ao meu
redor. Também sinto falta do seu cheiro. Sinto saudade do seu sorriso, seu
rosto e as coisas sacanas que costumavam sair da sua boca. Sinto falta de
tudo nele.
A dor no meu peito me domina como uma vingança maldita e
permanece lá. Nunca vai embora por muito tempo. Está sempre me
importunando, provocando e esperando para me derrubar. O silêncio em
meus ouvidos é alto, me lembrando do que perdi. Isso nunca para. Está
sempre lá para me lembrar da culpa, aquela que joguei sobre mim mesma. Eu
deveria ter tentado com mais força impedi-lo de sair naquele dia.
Dizem que Deus não dá a uma pessoa mais do que ela pode suportar.
Não acredito mais nisso. Estou perdendo o controle. Não aguento mais nada.
Não tenho pena de mim mesma, mas gostaria de saber o motivo pelo qual
pareço estar pendurada na beirada de um precipício, com a mão afrouxando a
cada dia que passa.
— Eu gostaria de poder desistir — sussurro, baixo o suficiente para que
só eu possa ouvir.
Quando conheci Blake Jensen, meu marido, parte do meu futuro já havia
sido tirado de mim com a morte de meus pais. Eu estava sentada no gramado,
embaixo de um grande salgueiro, no campus da Universidade de Michigan,
admirando a lente que minha avó tinha comprado para a minha câmera. Blake
tropeçou em mim e a lente caiu da minha mão. Para não cair em cima de
mim, ele se jogou para a frente e acabou caindo em cima dela, que se quebrou
com o impacto.
Eu lamentava a perda de meus pais e a maneira estranha como minha
irmã estava agindo há meses, então, em vez de chorar como a maioria das
pessoas faria, fiquei irada porque um cara muito musculoso, alto e tatuado
não prestou atenção por onde andava. Meu temperamento explosivo assumiu
o controle e comecei a brigar com ele enquanto tentava empurrá-lo para longe
de mim, mas ele não se mexeu. Ouviu minha explosão até eu me acalmar, e
então ele me levantou, me aproximou do seu rosto e me beijou. Fiquei
chocada demais para retribuir o beijo. E depois, atordoada e indignada
quando ele enfiou todas as peças da câmera dentro de sua mochila, pediu
desculpas e foi embora.
Chorei por dois dias seguidos. Fiquei no dormitório até que uma batida
alta e forte na porta se tornou persistente. Abri e vi uma lente nova saindo de
uma sacola que também continha a flor mais bonita que já vi. Uma tulipa
roxa. Atrás da sacola estava Blake Jensen. Ele roubou meu coração naquele
dia. Também manteve sua promessa de me dar uma vida cheia de paixão.
Nos casamos quatro anos depois. Ele morreu alguns dias depois do
nosso aniversário de dois anos. Não sou a mesma desde então.
Nem me lembro do seu funeral. Tudo o que sei é que eu estava lá, nos
braços da minha irmã enquanto Heidi pairava sobre nós. Eu chorava e
segurava o estômago com uma das mãos enquanto tentava conter meu
coração partido com a outra. Ele pode estar batendo. No entanto, a dor que
ainda sinto e a culpa na boca do estômago não me deixam. Nenhuma delas irá
embora.
Estou perdida. Totalmente destruída.
— Tem um grande bloco de gelo no meu peito, Heidi. Estamos no meio
do verão e ele continua lá. Mais pesado que antes, me colocando para baixo.
Não vai derreter nem sair dali. Dói muito.
— Shh. Estou com você. Coloque para fora. — Ela pode achar que está
me apoiando, mas não está. O bloco pesado me empurra para o fundo de um
poço escuro, sombrio e destrutivo.
Todos os dias, digo a mim mesma que é hora de seguir em frente. Repeti
essa frase várias vezes na minha cabeça no dia em que Blake morreu.
Convencendo-me de que ele amava mais seu trabalho do que a mim, de que
ele não deveria ter concordado em encontrar um cliente no norte de Nova
York naquela manhã, quando as estradas estavam cobertas de gelo e neve. A
desculpa que ele usou para ir trabalhar foi esfarrapada e pouco usual. Ele
alegou que era difícil me ver murchar com tudo o que acontecia em nossa
casa com a Alexis ali. Sei que ele odiava o que minha irmã estava fazendo
consigo mesma e comigo. Caramba, eu sabia que ele a odiava. Só discutimos
sobre isso uma vez. Ele me abraçava quando eu precisava. Colocava juízo em
minha cabeça quando eu o perdia. Achei que ficaríamos velhos juntos e
assumi que o amor que tínhamos era tão forte que ficaríamos juntos para
sempre.
— Eu nunca te disse isso antes. Quando conheci o Blake, não precisava
que ele me fizesse inteira novamente. Eu só precisava dele. Estava
determinada a encontrar uma maneira de seguir sozinha com o peso de perder
meus pais, com Alexis caindo em um buraco, mas meu coração nunca se
curou por perdê-lo. Ele continua encontrando novas formas de se partir. Me
tornei alguém que não tem mais ideia do que está fazendo. Quem sou ou que
caminho devo seguir. E todo dia me pergunto por que não posso me esquecer
dele. Blake levou muito de mim quando se foi, e eu preciso de tudo de volta.
— Espero que Heidi diga alguma coisa. Mas ela não o faz. Talvez esteja se
perguntando se estou falando com ela, comigo mesma ou com ninguém em
particular. Não sei. Sou grata por seu silêncio tanto quanto por ela estar aqui
comigo, mesmo depois que todas as pessoas chegaram e partiram.
A vida também não para de atirar objetos pontiagudos em minha
direção. Não, ela quer me esfaquear pelas costas. Tenho que passar por esse
encontro com o padrinho de Blake. Sei que vai me despertar memórias das
quais não quero pensar de novo.
Eu sabia que minha avó deixaria metade de tudo para mim. Ela me disse
onde estava toda a papelada para levar ao seu advogado se algo lhe
acontecesse. A outra metade da sua fortuna iria para as suas instituições de
caridade favoritas. O que eu não esperava foi o que aconteceu há cinco dias,
quando fui à sua casa, esperando vê-la sentada à mesa da cozinha, olhando as
fotos que eu havia deixado mais cedo. No entanto, ela não estava fazendo
isso. Estava caída na cadeira, mal respirando por causa de um ataque
cardíaco. Minha avó morreu antes da chegada da ambulância. Seu coração
sucumbiu enquanto eu acariciava seus cabelos. E ela levou o último pedaço
do meu junto com ela.
Nunca vou saber por que vovó escondeu quem era o advogado. Fico
com muita raiva, porque sempre me perguntarei a razão.
Só espero que quando eu me encontrar com Hunter, eu seja forte o
suficiente para não desmoronar. Eu o abandonei logo após o funeral de
Blake. Toda vez que eu entrava em sua casa, me lembrava de Blake. Eu não
podia continuar vivendo se não tentasse esquecê-lo. Independentemente do
quanto amei meu marido, acho que Hunter sabia que eu tinha que tentar
seguir em frente ou ia acabar em uma sepultura ao lado de Blake. Um lugar
que não visitei desde antes da morte da minha irmã.
Eu nunca segui em frente. Não tenho certeza deque um dia vou
conseguir.
— Não acredito que todos se foram. Este será meu primeiro feriado sem
nenhum de vocês. Não sei como vou comemorar quando sinto que não há
motivos. Como faço para superar isso, vovó? Estou sofrendo. Sinto muita
falta de todos vocês. Estou tentando me lembrar das coisas que fizemos
juntos, a maneira como riamos e as histórias que você contava para manter
meus pais vivos no meu coração. Você acreditou em mim quando senti que
não podia continuar. Gostaria de poder te ver de novo.
Respiro fundo, abaixo a cabeça e deixo as lágrimas fluírem, grata por
Heidi me deixar sozinha.
Minha avó fundou a Monroe Boudoir há quarenta anos, no centro de
Manhattan. Ela o transformou em um dos três principais estúdios de
fotografia deste lado do estado. Não apenas recebemos nossas clientes com
café, água ou mimosas, como fazemos consultoria, as ajudamos a escolher o
que gostariam de usar, quando não optam por trazer suas próprias peças, o
que a maioria não quer. Oferecemos serviços de cabelo e maquiagem, que
aprendi a dominar por conta própria, uma vez que Alexis não era confiável.
Fazemos com que elas se sintam o mais confortáveis ​​possível. Entendemos
que a maioria das nossas clientes fica nervosa, sendo a primeira vez ou não
diante de uma câmera. A maioria das sessões é feita para um namorado,
marido ou para mulheres que só querem se sentir bem consigo mesmas. Essas
são as minhas favoritas. As que não têm autoconfiança. É aí que eu entro.
Uma das minhas especialidades é fazer a mulher revelar sua beleza interior
através dos olhos das minhas lentes. Toda mulher deve se sentir a deusa que
é. Não importa sua altura, forma ou tamanho. É uma pena que eu não
pratique o que prego.
Minha outra especialidade é vesti-las com cores que combinam com seu
tom de pele, cor dos cabelos e o significado por trás das fotos.
Há alguns meses, ela me disse que estava pronta para se aposentar. Me
perguntou se eu queria que ela transferisse a propriedade para o meu nome.
Embora eu adorasse o que fazia, queria mais do meu diploma de
administração e mais da paixão que tinha pela fotografia. Disse a ela para
vender. Brinquei que se algo acontecesse, eu me mudaria para um lugar
tranquilo onde pudesse abrir meu próprio estúdio. De preferência em um
lago. O estúdio da minha avó foi vendido em menos de um dia.
Comecei meu próprio negócio de fotografia depois que o Boudoir foi
vendido. Foi a minha avó que me convenceu de que eu tinha o talento de
eternizar um momento precioso de alguém. E agora, conforme deixo cair uma
rosa em seu caixão, inspiro profundamente com lágrimas que fazem meus
olhos arderem e forço meus pés a se arrastarem para a esquerda para ficar
entre as sepulturas da minha família, eu desmorono. Sem saber o que vou
fazer com a minha vida destruída. Meu corpo estremece, minhas pernas
cedem, e eu caio no chão.
— Eu disse a minha avó que sempre tentaria sorrir. Como devo fazer
isso quando estou sozinha? O que fiz na vida para ter uma punição tão cruel?
— Eu choro.
— Ei, amiga. Você não está sozinha. — Heidi se ajoelha ao meu lado,
me puxando para perto.
— Eu sei. Não foi isso que quis dizer. Sinto muito.
Coloco as rosas na frente dos túmulos, sentindo a cabeça girar e o
coração repleto de tristeza.
— É só que... eles deveriam estar aqui. Meu pai deveria estar
administrando os negócios ao lado da minha mãe. Minha avó deveria estar
em casa assistindo The price is right. Alexis deveria estar aqui com seus
olhos azuis, seu sorriso lindo, seu coração partido e sua mente brilhante, e os
braços do meu marido deveriam estar em mim. Estão faltando pedaços vitais
em meu coração, Heidi, e acho que nunca vou recuperá-los.
Depois de encontrar Alexis morta na minha casa, levei dois meses para
passar pela porta. Heidi teve que me pegar no chão do quarto de Alexis, onde
eu estava deitada em uma pilha de roupas dela, agarrada à sua bolsa de seda
favorita. Aquela que comprei porque os diferentes tons de azul me lembraram
de seus olhos. Eu a carrego comigo em todos os lugares agora. É a minha
salvação. Uma lembrança da jovem que ela era antes de se perder.
Olho para sua lápide com os olhos embaçados.
— Eu sangrei por você. Tentei ao máximo te ajudar. Tentei entender
como você pôde se afastar de mim. Como as drogas enfiaram as garras em
você e não a soltaram mais. Eu estava respirando outra vez. Feliz por você.
Por enfim voltar a ter a minha irmã em casa. A irmã que costumava trançar
meu cabelo. A garota que me dizia o quanto eu era bonita quando eu voltava
da escola depois que as crianças me davam apelidos e riam de mim por causa
do meu cabelo vermelho. Como você pôde fazer isso comigo, Alexis? Como?
Sinto tanto a sua falta que há dias em que não sei como ainda estou
respirando. Você me deixou sozinha para recolher os pedaços. Como devo
fazer isso quando cada um desses cacos está coberto de culpa? Como? — Eu
soluço. Odeio sentir pena de mim mesma.
Arrumei as coisas dela e fui morar com Heidi e o marido, Daniel.
Mergulhei no trabalho. Não tenho namorado Deus sabe quanto tempo faz.
Vou para casa, me aconchego no sofá e choro. Estou cansada de chorar.
Cansada de não viver e estou sofrendo tanto que dói. E dor no meu peito não
cede.
O luto é uma emoção terrível. Vivi com esse monstro por muito tempo e
sei que preciso me libertar dele. Mas simplesmente não sei como.
CAPÍTULO TRÊS
Blake
Seis meses depois.
COM QUASE VINTE MIL PESSOAS morando na cidade de Traverse
City, Michigan, eu havia dito a mim mesmo que a probabilidade de encontrá-
la seria reduzida a zero quando descobri que ela estava se mudando para cá.
Aparentemente, sua avó comprou uma casa para ela. Algo que Adriana
não sabia que existia até encontrar o advogado que cuidou do testamento.
Alguém que conheço muito bem. Não deixo de pensar no quanto é
improvável que algo assim possa acontecer. Ainda estou em choque e não
consigo entender como ela pode estar a poucos minutos de mim. A mulher
que prometi proteger. Deus, isso é inacreditável. Todo dia digo a mim mesmo
que hoje vou encontrá-la. Que vou contar tudo para ela. Sempre acabo me
impedindo, como o covarde que sou.
Meu coração me diz que não estou pronto, minha cabeça grita que
preciso fazer isso, meu corpo anseia por seu toque e meus ouvidos se animam
em ouvir sua voz. É um sinal de que há uma possibilidade de não continuar
vivendo no inferno.
— Ou então é um sinal de que você vai ficar lá pelo resto da vida, seu
idiota patético — murmuro. O sangue que bombeia para o meu coração
diminui quanto mais eu penso nela.
Eu deveria tê-la procurado quando Hunter me disse que ela estava se
mudando para cá. Não pude. Não quando estava enlouquecendo, pensando
que isso era algum tipo de truque e que ela havia me encontrado ou estava
sendo seguida.
Estou sendo puxado em todas as direções quando tudo que quero é ir até
ela. Simplesmente não sei o que vou dizer quando a vir.
Mas os pensamentos que atravessam minha cabeça confusa não me
impediram de dirigir até a loja que ela comprou ou de passar por sua casa
tarde da noite, na esperança de vê-la. Tudo o que tenho feito é me punir cada
vez mais.
— Você sofreu por anos, Blake. O que são mais alguns dias? — Tudo.
A dor da saudade cresce em meu peito a cada vez que respiro sem ela.
Acordo ofegando, com uma pontada no coração que me faz sentir como se
estivesse morrendo.
Tudo que quero é respirar ar puro. Ar fresco para compartilhar com ela.
Há um mês, apareci em Nova York sem aviso prévio. Escondido no
banco de trás do carro do meu amigo Mason. Eu precisava saber o que estava
acontecendo para Adriana se mudar para a mesma cidade onde me escondi.
Já fui um homem que jurou viver no lado certo da lei e foi o que fiz até que
tiraram essa escolha de mim. Junto com minha esposa e nossos sonhos.
Não foi fácil convencer o homem que me ajudou a me erguer a entender
meu motivo de aparecer em uma cidade que prometi nunca mais voltar. Tive
que me despedir dela para sempre. Se ela ia se mudar para cá, então eu sabia
do fundo do coração que nunca mais pisaria naqueleestado. Duvido que
Adriana entenda o que aconteceu. Na verdade, tenho certeza de que não vai
entender que só fui embora para protegê-la e aos que amamos.
Tenho certeza de que não foi fácil para ela lidar com a minha perda.
Para mim também não foi. Sinto sua falta a cada minuto do dia. O tempo não
apaga a saudade. Mas saber que poderei ver seu rosto, ouvir sua voz e
envolvê-la em meus braços, se ela permitir, alivia a minha dor. Tenho que ter
cuidado quando for contar a história. Preciso deixar claro que estamos
seguros, que as chances de sermos encontrados são pequenas. Isto é, se
conseguir que ela entenda a importância do sigilo e a probabilidade de
nenhum de nós poder voltar a Nova York. Foi estupidez da minha parte ter
ido até lá.
Não posso apagar o tempo, mas apaguei meu nome como se ele nunca
tivesse existido. Na realidade, há quatro anos, Blake Jensen foi declarado
legalmente morto e Blake Mitchell tomou o seu lugar.
Agora, preciso encontrar uma maneira de vê-la. Independentemente de
como esses últimos anos vieram e se foram, meus sonhos consistiram
principalmente nela enquanto meus dias se misturavam. Eu a amo tanto que
sofro sem poder dizer isso a ela. Dizer e mostrar meu amor, era a melhor
parte do meu dia.
Vivi com o coração despedaçado por quatro anos por causa de algo que
fui forçado a fazer. Algo que me arrependi. No entanto, por mais que me
doesse, foi necessário.
Toda vez que eu passava por um estúdio de fotografia, via uma peça de
lingerie ou uma tulipa, um tijolo pesava sobre meu peito. Não importava que
meu coração estivesse trancado e a chave estivesse na palma da mão de
Adriana. Era ela quem eu veria na janela. Era ela quem eu veria saindo pela
porta. Uma tulipa roxa em vez de amarela, ou o corpo dela usando lingerie
em vez de um manequim. Sempre foi ela.
Nos primeiros anos, não fiz nada além de trabalhar nos campos de um
vinhedo. Algo recluso para não ser visto. Uma promessa de me tornar
investidor silencioso do homem que me colocou aqui. Eu poderia tê-la
trazido comigo. Mas, ainda assim, eu não a teria. Não de verdade. Pois ela
também se perdeu pelo caminho em algum lugar. Ela já estava pela metade
antes de eu ir embora. Mal aguentando preservar a sanidade mental ao tentar
manter a irmã viva. Se eu a trouxesse comigo, ela acabaria se ressentindo. Eu
não aguentaria. Foi a coisa mais difícil que já fiz.
— O pior pesadelo que alguém pode imaginar — resmungo no silêncio
da caminhonete.
Quando me mudei para cá, não sabia nada sobre produção de vinho. Eu
era advogado, pelo amor de Deus, não um agricultor. Me abrigava à noite em
uma adega. Não posso deixar de dizer que o cultivo de uvas e a colheita se
tornou minha vida. Não demorou muito tempo para aprender como o calor do
dia e o frescor da noite se misturam para preservar o crescimento das uvas.
Como, com o tempo, as mudanças de estação levam a saborear sua acidez até
que estejam frescas e maduras. Amo cada minuto do que faço. Mas queria
estar fazendo isso com ela.
Ao longo dos anos, ganhei muito dinheiro com as vendas dos nossos
vinhos, sucos e visitas ao vinhedo. Tenho mais dinheiro do que posso gastar e
me mata não poder compartilhar meu sucesso com ela.
Fiz alguns bons amigos que vieram para cá pela mesma razão que eu.
Todos nós nos escondemos. Existimos, mas ninguém está realmente vivendo.
Não importa se as circunstâncias são diferentes. Somos homens solitários que
vivem uma vida lucrativa, porém triste e inexistente.
Todos esses anos, eu poderia ter o que quisesse. Poderia ter encontrado
uma nova mulher. Decidido ter uma família. O problema é que encontrar
outra pessoa é impossível para mim, porque meu coração pertence a ela. Não
há uma mulher que possa se comparar àquela que desisti. E todos os dias,
desde que cheguei aqui, paguei o preço com o coração.
O pensamento de não pertencermos um ao outro apodreceu minha alma.
Talvez eu nunca mais possa chamá-la de minha. Deus sabe que não tenho o
direito.
— Você teve que ir embora. — Mais uma vez, lembro a mim mesmo de
que fiz isso para salvar sua vida.
Eu pensava nela o tempo todo. Esperava que ela estivesse bem e que sua
irmã finalmente tivesse conseguido se recuperar. Eu poderia ter perguntado
como ela estava a Hunter, um velho amigo da família e o homem que me
ajudou. Poderia ter perguntado ser a irmã havia parado de usar drogas ou se
Adriana encontrou outra pessoa. Não fiz nada disso. Eu precisava deixá-la
para trás. Fingir que era outra pessoa quando, por dentro, eu estava morrendo.
Poderia ter encontrado uma maneira de ligar para ela quando Hunter
deixou escapar que Alexis não largou o vício. Porra, eu poderia ter voltado.
Mas não fiz. Só pensei em mim e em como vê-la desaparecer diante dos meus
olhos era demais para lidar antes que minha própria vida fosse para o inferno.
Eu odiava sua irmã. Só Alexis e eu sabíamos todos os motivos pelos
quais ela estava fazendo Adriana sofrer e porque eu odiava aquela mulher. Eu
queria puni-la por ser uma vaca egoísta. Por colocar a mulher que eu amava
no inferno. Mas percebi tarde demais que ao fingir minha morte, arrastei
Adriana para as trevas. Sei que sim. Adriana me amava tanto quanto eu a ela.
Nós tínhamos objetivos. Planos de vida. Mas sua irmã os mandou para o
inferno.
Eu pedi a Hunter para ficar de olho nela. Para mantê-la segura. Não
queria mais ouvi-lo dizer que eu poderia tê-la trazido comigo e juntos
poderíamos ter começado essa farsa de vida que vivo. Eu não poderia tirá-la
da sua família. O desgraçado ganancioso em mim se arrependia todos os dias
dessa decisão.
Achei que que estava indo bem. Até ouvir sobre a morte da sua irmã e
que, um ano depois, ela perdeu a avó. Nem em um milhão de anos eu
esperava que essa mulher morresse. Muito menos logo depois de Alexis.
Sinto tanta culpa que mal posso olhar para mim mesmo. Sei que Adriana
também deve sentir isso. Ela viveu se culpando todos os dias pela morte de
seus pais.
— Uma visita surpresa vai assustá-la. É melhor você começar a pensar
em um plano de ação, porque ela vai te castrar — gemo. Meus nervos estão
me dominando. Não me sinto assim desde que saí de casa no dia em que
desapareci.
Quatro anos vivendo o pior erro que já cometi nessa vida patética.
Ela nunca vai me perdoar. Nunca vai entender o motivo de tê-la
abandonado.
Não amei ninguém do jeito que amo Adriana. Como eu poderia tentar
quando, desde o primeiro momento em que a vi, meu coração a escolheu? Ela
roubou minha alma e a entrelaçou com a sua. Nós combinamos. Nos
misturamos. Nos unimos. O órgão que bate no meu peito está lá apenas para
me manter vivo. Uma vida que eu odiava viver sem ela.
Então, agora estou aqui, parando em um lugar onde já passei muitas
vezes, esperando que ela estivesse ali, como Hunter me disse que estaria.
Provavelmente deveria ter pedido que ele explicasse tudo para ela. Mas não
pude fazer isso. Ela precisa ouvir a verdade de mim. E Deus me ajude,
porque preciso vê-la mais do que preciso respirar. Como sobrevivi tanto
tempo sem ela, eu nunca vou saber.
Independentemente do fato de ter estragado a sua vida, ainda há coisas a
serem feitas, e não posso evitar essa situação para sempre. Tenho uma
escolha a fazer, e estou escolhendo a ela.
Paro a caminhonete em uma vaga e desligo a ignição. Fecho os olhos
para controlar meu nervosismo. Quando os abro e levanto a cabeça, meus
pensamentos vão na direção oposta.
Meu pau ganha vida de forma instantânea. Ele está duro e tenso, pois
nunca quis estar dentro de outra mulher desde a última vez que esteve dentro
dela.
— Puta merda. O que é que está acontecendo com a minha vida agora?
Juro por Deus que isso deve ser um fragmento da minha imaginação.
Isso não é um sonho. É a realidade da forma mais pura. Um calmante
antes do ataque repentino de uma erupção. Na verdade, estou encarando
minha linda esposa.
CAPÍTULO QUATRO
Blake
— ADRIANA — sussurro. Ela é perfeição em um mundo cheio de
imperfeições. — Puta merda, é você mesmo.
Bem na minha frente está a visão mais exótica que já testemunhei.
Ficará gravada na minhamemória pelo resto da vida. Sob a forma de uma
bunda modelada de um jeito magnífico. O traseiro mais lindo que já vi em
uma mulher. Cabelos mais escuros e mais grossos do que me lembrava.
— Droga, Adriana, você é gostosa pra cacete, então o que é que você
pensa que está fazendo? — Puta merda.
Ajusto o pau e enfio a mão dentro da calça jeans. Só tenho pensamentos
eróticos agora. Sempre tive, para ser honesto. Especialmente com ela. Amo
sussurrar as coisas que eu gostaria de fazer ou que queria que Adriana
fizesse, e agora, eu daria qualquer coisa para ter o pau em minhas mãos. Para
acariciá-lo em um frenesi apressado enquanto olho para o seu traseiro bonito.
Não consigo evitar.
Sinto muito por quem se atrevesse a me interromper agora. Eu mataria
qualquer um que acabasse com essa fantasia ganhando vida.
Sem pressa, reclino o assento e me acomodo para observá-la, me
sentindo um pouco culpado por estar fazendo isso. Especialmente depois de
tudo que a fiz passar. No entanto, sou apaixonado por essa mulher, e ela está
me torturando de um jeito que nem imagina. Ela está abaixada, em frente à
vitrine, com a bunda para o alto. Estou surpreso por não haver uma fila de
homens por aqui. Os poucos que pararam e olharam, já fizeram meu sangue
se transformar em brasa, pronto para entrar em erupção. O que, para um
homem que nunca teve ciúmes de qualquer mulher, deve ser o primeiro sinal
para que eu saia do carro e exija que ela abra as portas para que eu possa
deixar seu traseiro vermelho. Puni-la por me tentar. Ela só é sua no papel,
mas não é algo de que ela esteja ciente.
Não dou a mínima para isso agora. Estou sentado aqui, hipnotizado.
Incapaz de me concentrar no que quer que seja. A não ser nela. Que se dane o
motivo pelo qual vim até aqui. Pelo menos, por um minuto. Isso é muito
melhor. Vou me arrepender mais tarde, quando estiver na cama acariciando
meu pau com essa lembrança.
Continuo olhando para suas costas, porque Deus sabe quanto tempo ela
permanece na mesma posição, arrumando o que parecem ser várias peças de
lingerie no chão da vitrine. Pessoas vêm e vão. Olham espantadas e seguem
adiante. Boa viagem, filhos da mãe. Não quero ninguém imaginando a deusa
do sexo que essa mulher é.
Meu pau pulsa quando ela se levanta. O cabelo vermelho cai por suas
costas. Solto um gemido. Seguro o volante com força até sentir uma pontada
de dor subir pelo meu braço.
— Puta merda. — O zíper parece pronto para rasgar. Quero colocar as
mãos em seus cabelos, emoldurar seu rosto, inclinando sua cabeça para trás
para que eu possa tirar proveito da maciez do seu pescoço.
De repente, uma mulher aparece. Heidi. Droga. Depois de todo esse
tempo, não posso aparecer com sua melhor amiga aqui. Heidi vai me matar.
Não tenho dúvida de que ela explodiria minha cabeça se tivesse chance.
Fuzilo a vitrine com os olhos quando vejo um cara com um gorro na
cabeça abraçando Adriana pela cintura. Espero que esse cara não esteja com
ela ou vou ficar louco. Ele beija sua bochecha e sinto como se todos os ossos
do meu corpo quase se partissem ao meio. A raiva parece flutuar lentamente
pelas minhas veias, com um grande sorriso no rosto, me dizendo que ela está
com outra pessoa. Você a deixou, seu idiota. O que é que você esperava?
Estou chateado porque Hunter não me alertou sobre isso. Resmungo.
Não dou a mínima se ela está com outra pessoa ou não. Ela é minha. Adriana
vai voltar para mim. Eu espero. Rezo para que isso aconteça.
Apoio as mãos nas pernas, cravando as unhas nas coxas. Sinto os olhos
arderem, os ouvidos se encherem de raiva enquanto vejo o homem se virar
para Heidi e vislumbro seu rosto quando ele a beija. Puta merda, é o Daniel,
marido dela. Ele deixou o cabelo crescer. No momento em que percebo quem
é, minha respiração fica firme e minhas mãos relaxam. Inclino a cabeça para
o lado, olho de novo para Adriana e observo.
Estou pronto para gozar no carro, querendo afastar os olhos, mas ainda
assim, eu a observo. Ainda estou aqui, me torturando. Ainda visualizo como
seus lábios ficavam ao redor do meu pau. Seus seios pesados na minha boca.
Suas pernas abertas e sua boceta quente esperando que eu a penetre. Droga.
Estou perdido. E agora, estou vivendo esse momento ao máximo.
O mundo poderia acabar agora e tudo o que eu veria seria ela se virando
para me agraciar com o primeiro vislumbre do seu rosto. Nunca vou esquecer
minha reação animalesca quando ela fazia isso. Passei muito tempo sem ver
toda aquela beleza. Estou sofrendo.
Ela é linda. Extraordinária. Mal posso respirar. Não consigo mover um
músculo, a não ser pelo pulsar na minha calça. Não consigo tirar os olhos
dela agora.
Ela tem um corpo dos sonhos. O rápido vislumbre que tive me diz que
seus olhos ainda são tão azuis quanto me lembro, mantendo uma miríade de
apreensões ainda mais profunda. Vibrante, mas retraída. Assustada por uma
vida de dor. Eu a sinto daqui. Adriana também está vivendo no inferno. Sua
vida foi uma luta sem fim após a perda devastadora de seus pais. De me
perder. A morte horrível da irmã. E agora, sua amada avó.
Desejei procurá-la depois que soube que ela encontrou Alexis morta em
casa. Meu coração se partiu por ela e, mesmo assim, não fiz nada para ajudá-
la. Se ela me visse, se sentiria ainda mais destruída. Como seu eu fosse um
fantasma que a estava assombrando. Olhar para ela me despedaça novamente.
Sou um idiota insignificante.
— Merda — resmungo. Não quero parar de olhar. Não posso sentir sua
falta e, com certeza, não mereço o privilégio de ficar aqui sentado
observando-a sem que ela saiba.
Todo esse pesar deixa meus pensamentos quando ela se inclina para
pegar uma calcinha preta sensual, levanta a saia e se deita no chão, me
deixando ver um pedaço de tecido roxo cobrindo o ponto entre suas coxas
tentadoras. Sou mentalmente seduzido. Estou transe.
Ouço uma música pesada começar a tocar, então os três começam a
dançar enquanto trabalham juntos para vestir os manequins na vitrine. Mas
ela, essa mulher misteriosa que sempre me atraiu com seus modos de deusa
mística, coloca as calcinhas nos manequins enquanto balança o traseiro
bonito e firme.
Eu a imagino vestindo-as em si mesma. Levantando os braços enquanto
ela passa uma camisola sobre a cabeça. Eu a imagino em nossa cama. Seu
corpo se contorcendo debaixo de mim e ao meu lado. Ofegante. Implorando
para transar com força e rapidez, de forma lenta e firme. Aquele cabelo
selvagem que fica bagunçado quando ela se senta sobre mim, se movendo de
forma tão sedutora quanto agora.
Nunca, em meus sonhos mais loucos, imaginei que seria isso o que eu
encontraria quando chegasse aqui. Tudo o que quero fazer é arrastá-la para
fora daquela loja, tomá-la em meus braços, sentir o cheiro do seu perfume
cítrico, abraçá-la, protegê-la e apreciá-la de todas as maneiras possíveis.
— Dane-se. Vou até lá. — Pego o arquivo, saio do carro e paro de
repente. Meu coração parece tropeçar a cada batida. — Merda. — Não posso
fazer isso com esses dois por perto.
Meu coração se aperta. Minha garganta se fecha quando Adriana se vira.
E aqueles olhos azuis cristalinos repletos de tristeza acabam comigo quando
me olham. Ela está me procurando na escuridão? Minha respiração está
descontrolada e irregular.
Eu odiava vê-la triste. Mas era algo constante. Sempre foi difícil para
mim lidar com sua tristeza, mas ela sempre retrucava. Sempre me dizia que
daria um passo de cada vez. Minha garota linda e forte. Eu não a mereço.
Quando ela chorava pela situação da irmã, eu a abraçava, na tentativa de
consolá-la. Não saí do seu lado por dias quando ela encontrou a primeira
bolsa com diversos tipos de drogas no carro de Alexis. Eu a confortei, ouvi
seu choro, conversei, me enchi de raiva, mas a deixei lidar com seu
sofrimento. Nunca disse que Alexis mudaria. Foi ela quem encontrou forças
para seguir.
Meu coração para de bater durante os longos e prolongados momentos
em que ela olha para a escuridão atrás de mim. Há muita vulnerabilidade,
dúvida e mágoa em sua alma machucada. Na minha também, linda.
Jesus, elaainda é a mulher mais inebriante que já vi.
— Adriana. Eu... eu te amo tanto — gaguejo no ar frio da noite como
um idiota em vez de um homem que escolhe suas palavras com sabedoria.
Deus, me ajude. Anos da nossa vida juntos passam diante de mim. Não posso
aguentar muito mais. Eu a quero ao meu lado pelo resto de nossas vidas.
Mais do que deveria, pelo simples fato de não merecê-la. Sou abençoado por
estar de pé aqui, olhando para ela. Observando-a enquanto morro por dentro
por não poder abraçá-la.
Não tenho mais restrições. Levanto a mão para enxugar as lágrimas que
escorrem pelo meu rosto.
Sinto a culpa subir pela minha garganta enquanto meus pensamentos
imaginam Adriana fingindo ser forte.
A ideia de que ela me odeie me choca. Me atinge como uma rajada de
vento frio e me dá um tapa no rosto, me fazendo vacilar enquanto tento me
manter de pé. Ela não pode me odiar. Sei que ela não me odeia. Por favor,
Deus, não a deixe ter esse tipo de sentimento por mim.
O pânico é uma pílula difícil de engolir. O arrependimento, ainda mais.
Cada punhalada é repleta de dor, adicionando cicatrizes que nunca vão sarar
por completo até que ela volte para mim.
Ela arregala os olhos. Saio do seu campo de visão. Sei muito bem como
é terrível o sentimento de achar que alguém está te observando. Meu palpite é
que ela sente isso.
Minha esposa está perdida. Com o coração partido. Entendo, porque é
assim que me sinto sem ela. Só não percebi o quanto estava perdido até ouvir
que ela se mudou para cá, há dois meses. Ela mora a oito quilômetros de
mim. Em uma casa no lago Michigan, que a avó comprou. Bem ao lado da
minha adega.
Estou de luto pela sua perda. O erro que cometi causou danos
irreparáveis, mas vou resolver isso. Vou fazê-la voltar para mim. Não sei
como, mas vou.
Olho para ela uma última vez. Mesmo que ela não possa me ver, meus
olhos estão sinalizando o que quero dizer.
— Pertencemos um ao outro. Me diga o que você precisa. Estou aqui
por você. Sinto muito.
Vai ser terrível fazê-la me perdoar. Mas vou conseguir. Ela vai voltar
para mim assim que eu descobrir como contar que estou vivo.
CAPÍTULO CINCO
Adriana
— NÃO POSSO ACREDITAR em quanta neve está caindo — digo a
mim mesma quando olho pela porta francesa do quarto. Mal consigo ver o
Lago Michigan com a intensidade. Na noite passada, quando dirigimos para
minha casa, as estradas estavam cobertas, mas nada assim. É perigoso dirigir
com esse tempo e tenho razões pessoais para odiar a neve, mas é lindo.
Suspiro, dou um passo para trás e entro na cozinha.
— Acho que tenho doce suficiente por um tempo — digo, dando um
tapa no bumbum de Heidi enquanto ela fecha a tampa de um pote cheio de
biscoitos. Me acomodo em uma das banquetas vintage usadas que comprei
em uma feira de antiguidades alguns dias após o funeral da minha avó
quando Heidi me tirou da cama com seu tom exigente. Gritei com ela até
minha garganta queimar. Falei sobre as imagens das quais meus olhos nunca
se esquecerão. Não consigo tirar da cabeça as imagens da minha irmã morta e
de ter segurado minha avó enquanto ela morria. Acho que a morte das duas
está permanentemente colada em minhas pálpebras e no minuto em que as
fecho, uma luz se acende e seus corpos frios ardem com intensidade.
Heidi me obrigou a sair e meu estado era catastrófico. Sentia que estava
me afogando em desespero enquanto observava o vazio. Acabei gastando
mais dinheiro do que deveria, sem prestar atenção em nada do que comprei.
Devo ter feito um bom trabalho, porque as duas banquetas se encaixam
perfeitamente na cozinha vintage de cor creme e azul-petróleo. Elas são tão
parecidas com a cor das paredes e com os eletrodomésticos que alguém
pensaria que eu mesma as pintei.
Heidi me abraçou por dias depois de eu ter ido ver Hunter, da mesma
maneira que ela fez no minuto em que entrou em minha casa quando Blake e
Alexis morreram. Só que desta vez, ela não me pegou do chão. Ela enxugou
minhas lágrimas e me deitou na cama, onde dormi por algumas horas.
Depois, me arrastou para o chuveiro.
Quando saí do banho, ela tinha feito metade das minhas malas. Disse
que viríamos até aqui para ver onde ficava minha nova casa. Eu amei esse
lugar. No entanto, quando Heidi não está aqui comigo, me sinto sozinha. É
difícil se mudar quando se viveu em outro lugar a vida inteira, quando se
deixou tanto para trás que muitas vezes você se pergunta se tomou a decisão
certa. Acho que o tempo vai dizer.
Heidi está aqui há duas semanas. Daniel chegou há alguns dias para me
ajudar a terminar de desempacotar algumas das coisas pesadas do escritório.
Mas agora não tenho certeza de quando nos veremos novamente. Fiquei
sabendo que os invernos no Michigan podem ser muito mais fortes que os de
Nova York. Especialmente quando se está perto da água. Há uma tempestade
de neve atravessando o lago agora.
Pego a caneca de café fumegante que ela preparou para mim, mordo um
dos muffins de mirtilo que são meus favoritos e não consigo deixar de pensar
em Alexis tentando fazer essas coisas. Sua frustração assumiu o controle até
que ficamos na cozinha com um acesso de riso por ela ter esquecido um
ingrediente ou por ter queimado tudo.
Afasto essa lembrança, desviando os pensamentos para Hunter no dia
em que fui até sua casa. Ele foi gentil muito gentil comigo. Tivemos uma
conversa maravilhosa sobre tudo e nada. Eu estava com tanto medo de que
ele me odiasse. Mas ele me disse que entendia e que sempre que eu
precisasse de algo, poderia ligar para ele ou aparecer. Ainda não consigo. A
lâmina afiada ainda está machucando meu coração. E dói.
Agradeci e depois olhei pela janela para os fundos de sua propriedade,
onde fica o túmulo do meu marido. Não fui até lá para me despedir. Foi
muito próximo do funeral da minha avó. Pelo menos, essa era a desculpa que
eu continuava dando a mim mesma.
A culpa constrói outra parede interna por eu não ter me despedido de
Blake quando a dor se torna insuportável. Uma nuvem pesada de
ressentimento por não ter feito isso se mistura com o meu sangue. Mantenho
os olhos focados no cabelo escuro de Heidi para tentar afastar esses
pensamentos horríveis. Ter ido até lá não me faria bem nenhum. Tive que
deixar Blake para trás ou nunca iria aprender a viver de novo. Heidi e Daniel
são tudo o que tenho agora. Sou incrivelmente abençoada por tê-los como
amigos.
— Nunca há doces demais. Isso não existe. Você pode encontrar um
homem com quem dividir. Aposto que o barman sexy da vinícola ao lado te
ajudaria com o problema de solidão — ela brinca. Meu coração tenta abraçar
seu golpe não intencional. Deus, eu sou patética. Ela está brincando, mas
estou procurando o lado negativo das suas palavras.
— Talvez eu ligue para ele — minto.
— Você não vai ligar. Mas não vou te pressionar, especialmente hoje.
Você está pronta para o seu primeiro dia de trabalho sozinha? — Suspiro
aliviada. Não quero mais ser forçada a discutir sobre outros homens.
— Tecnicamente, não vou trabalhar sozinha. Você se lembra da Jenny,
certo? — Tenho uma recepcionista pela qual me apaixono todos os dias.
Jenny é uma motorista de ônibus aposentada de cinquenta e nove anos, que
ficou viúva recentemente. Seus filhos disseram que ela precisava de uma
ocupação. Ela saiu para procurar algo quando tropeçou em mim, parada na
vitrine, tentando descobrir como eu iria decorar o lugar quando chegasse a
hora. Gostei dela e a contratei na hora. E ela tem sido maravilhosa.
— Ah, não brinca. Sei disso, sua boba. Eu quis dizer sem mim. — Claro
que ela se referiu a isso. Heidi é meu anjo da guarda demoníaco de cabelos
escuros. Uma mistura de bem e mal, dependendo do seu humor. Ou do meu.
— Eu sei o que você quis dizer, tonta. Nunca estive tão pronta para
alguma coisa. — Outra mentira. Eu estava pronta para viver uma vida
completamente diferente com meu marido cujo carro explodiu depois de cair
de um penhasco não muito tempo atrás. Estremeço. Aquela repentina
sensação de ter levado um soco no estômago me atinge novamente. Estou
sozinha. Essa é a realidade cruel da vida. Esta é a minhavida e preciso seguir
em frente, pela memória da minha avó. Eu a amava, e ela me amava tanto que
mesmo depois da sua morte, ainda cuidava de mim.
— Quer que eu fique com você? — ela pergunta, ignorando a forma
como costumava me chamar ao alcançar o balcão para segurar minha mão.
— Não. Você tirou tempo suficiente do trabalho para estar comigo. Vá
para casa e asse uma daquelas tortas de mirtilo que eu amo. Você pode
mandá-la para mim — respondo rapidamente, sabendo que não vou comer a
menos que ela esteja aqui me forçando.
Provar que posso ficar sozinha por mais que algumas semanas é o
principal motivo pelo qual ela precisa ir. O outro é que ela realmente precisa
voltar ao trabalho antes de transformar minha cozinha em uma padaria. Tudo
o que ela fez depois que desabei mais uma vez com ela e Daniel foi enterrar
minhas mãos em farinha, massa de biscoito e de bolo. Era o jeito dela de
tentar me manter distraída. Há um bolo invertido de abacaxi, duas dúzias de
biscoitos amanteigados com muitas carinhas sorridentes olhando para mim no
balcão e meio litro de iogurte congelado no freezer. Meu tratamento para
depressão. Sim, ela precisa parar de agir como se fosse minha mãe.
Heidi e Daniel são donos da HJB Bakery, que fica localizada a duas ruas
da antiga butique da minha avó. Suas tortas são as melhores da cidade. Nos
conhecemos logo depois que meus pais morreram, algumas semanas antes de
eu encontrar Blake. Ela apareceu na loja com a sua postura divertida em
relação a vida. Estava procurando um sutiã sexy. Me contou sua história de
vida e como perderia a virgindade naquela noite. Nunca ri tanto.
Lá estava eu, uma jovem sofrendo por perder os pais. Preocupada com a
irmã, que desaparecia durante dias e uma avó que estava arrasada com a
perda do filho. Eu estava tentando me agarrar ao último fio que mantinha
minha família unida quando a mulher que equilibrou minha vida entrou na
loja me fazendo rir, me contando que sua mãe era dona de uma padaria e que
trabalhava ao lado dela desde que se lembrava.
Conversamos por mais de uma hora. Acabei dando a ela um sutiã com
calcinha combinando, se prometesse voltar com uma torta de mirtilo. Ela
cumpriu a promessa e apareceu no dia seguinte com a virgindade perdida e
tudo mais. Somos melhores amigas desde então. Ela se casou um ano depois
com o homem que tirou sua virgindade. Sortuda.
— Se eu descobrir que você se afundou em autopiedade, vou voltar
aqui, com tempestade de neve ou não, para te dar uma surra. Estou falando
sério.
— Sim, mãe — digo. Estou ficando boa em fazê-la acreditar que estou
bem. A menos que eu tenha um colapso. E ela sempre parece estar por perto
quando isso acontece. Termino o café e o muffin, coloco o prato na pia e a
sigo até a porta quando Daniel grita que terminou. O pobre homem já está lá
há um tempo, raspando o gelo e a neve do carro alugado.
— Que frio. Cuidado ao dirigir para o aeroporto. Por favor, mande uma
mensagem quando chegarem em casa — digo a eles enquanto puxo as
mangas da blusa.
— Pode deixar. Fique bem. — Respondo com um aceno de cabeça em
vez de dizer algo. Qualquer coisa que eu diga sobre ficar bem será outra
mentira. Perdi minha razão de lutar há muito tempo.
CAPÍTULO SEIS
Adriana
FECHO A PORTA DEPOIS de vê-los se afastarem e olho para a neve
densa que cobre o lago Michigan enquanto enfio os pés no tapete macio da
sala de estar. Os grandes flocos me atraem enquanto caminho até as janelas
dos fundos da casa e levanto a cabeça. Em breve, o céu vai se abrir, a neve
cairá mais forte e os edifícios, que serão abertos aos domingos nesta cidade
turística, se iluminarão, decorados com perfeição para o Natal. Eles estarão
vibrando cheios de vida. Eu amo e odeio a época de Natal por muitas razões.
Paro quando me viro para ver o plano aberto da casa. O esquema de
cores é brilhante e alegre, com diferentes tons de azul, verde, creme e toques
de roxo, minha cor favorita.
A entrada do amplo espaço aberto tem vista panorâmica do lago
Michigan. A mesma vista pode ser capturada da cozinha, sala de jantar e de
estar. A cozinha tem o que chamamos de espaço de três estações: uma área
envidraçada que não tem aquecimento, ótima para ser usada na primavera,
verão e outono, mas impossível no inverno por causa do frio. É perfeita para
fazer as refeições aproveitando o clima fresco e ameno. A suíte principal tem
dois armários enormes e um lindo banheiro com um grande box de azulejos.
Há um porão transformado em academia, sauna e sala de jogos. No andar de
cima ficam os outros quartos e banheiros. Minha avó me conhecia bem
quando contratou pintores e paisagistas para começar a reformar esse lugar.
Mal posso esperar para me sentar e apreciar o lago. Por enquanto, vou ficar lá
dentro e ver a neve.
A dor no peito espalha um calor desagradável pelo meu corpo. Nunca
me senti assim antes. Metade de mim está vazia e a outra metade está amarga,
zangada, magoada e incapaz de controlar a vontade de correr e me esconder.
Mas não posso fazer isso. Não quando a raiva aparece e ataca a vida por me
machucar. Ela quer proteger o lado vazio. O lado que é tão oco que tremo,
mesmo estando aquecida. Quero fechar os olhos e voltar a uma época em que
minha vida era pacífica. Quando a tristeza nem sempre me atingia, quando
não havia dor enchendo meu coração durante o dia e me atropelando quando
eu dormia. Não havia culpa construindo muros ao redor do meu coração.
Estou sufocada e não sei como respirar.
Hoje seria meu aniversário de casamento. Me lembro do nosso segundo
aniversário como se fosse ontem. Do jeito que Blake me despiu. Ele já havia
feito isso, mas desta vez não foi com as mãos. Foi com aqueles olhos
excitantes e semicerrados. Os olhos que eu costumava encarar quando ele
estava enterrado dentro de mim.
Ouço vozes na minha cabeça como um rio confuso: a corrente lenta e
constante de um lado, intensa e rápida do outro. Espero que elas se encontrem
em algum lugar no meio. Mas isso não acontece. Elas continuam. Os
obstáculos se apresentam e minha mente sinuosa se afoga. Não consigo
acompanhar. Afundar é a única opção que tenho para aliviar a perturbação.
Estar livre do arrependimento frio e medroso que fritou meu cérebro e
apontou o dedo na minha direção.
Olhos azuis ardentes enviaram sangue direto para o meu íntimo.
Aqueles olhos que precisavam estar me olhando enquanto ele me preenchia,
me deixando inteira. Ele levantou uma das mãos para revelar um espartilho
sexy. Levantou a outra para me mostrar a tulipa roxa que sempre me dava.
Minha cor favorita. Roxo significa paixão.
Seus olhos deslizaram por mim enquanto ele murmurava:
— Puta merda, baby. Isso vai ficar lindo em você. É roxo. Minha cor
favorita. — Eu estava molhada. Desviei o olhar quando vi minha irmã passar
usando roupas que pareciam não ser trocadas há dias. Estava com os
cabelos bagunçados e os olhos tão vermelhos que era preciso se aproximar
para ver a cor. Fiquei irracionalmente chateada com ela.
Eu fiz o meu melhor para prestar atenção ao que estava acontecendo na
minha frente em vez de Blake do outro lado da sala. Ele estava pronto para
me levar para um passeio no fim de semana. Era nosso aniversário e eu
precisava contar algo para ele. Algo que teria que esperar, porque eu
duvidava muito de que iríamos a algum lugar. Não com ela daquele jeito.
— O que é que você está fazendo aqui com essa aparência, Alexis? —
murmurei. Ela deveria fechar a loja para mim naquela noite. Eu devia saber
que não podia confiar nela. Perdi a capacidade de respirar. Minha raiva
estava se espalhando da cabeça aos pés. Eu amava minha irmã mais do que
ela poderia imaginar, mas por que ela me fazia odiá-la às vezes?
Ela começou a se desculpar por algo. Suas palavras eram aceleradas, e
ela gesticulava muito.
— Alexis, devagar. Não consigo entender uma palavra do que você está
dizendo. — Apertei os olhos com força. Pressionei meu peito. Ela estava
bêbada ou drogada de novo. Falando rápido e levantando a voz.
Estiquei o pescoço para ver Blake olhando para nós duas. Linhas
profundas em sua testademonstravam seu aborrecimento e confusão. Ele
estava com raiva.
Já estive nesse caminho com ela muitas vezes. Sempre atrasada,
aparecendo drogada, cheirando a bebida, com os olhos vidrados e mal
conseguindo ficar de pé.
Toda vez que ele presenciava algo assim, eu me perguntava se ele se
cansaria e iria embora. Mas ele nunca foi. Nunca disse uma palavra, como
prometeu que não o faria.
Ele me amou. Eu gostaria de ter tido a coragem de fazer as malas e
deixar aquele lugar com ele.
No entanto, a culpa me corroeria. Ela era minha irmã. Blake sabia que
eu nunca poderia deixá-la.
Apoio as mãos no vidro frio da janela para parar a batida pesada do meu
coração que sangra enquanto meu corpo reage às lembranças. Quero sair e
me enterrar na neve para congelar meu cérebro e não precisar mais pensar.
Eles que se danem.
Porém, hoje também quero gritar com toda a força que tenho nos
pulmões para o meu marido por não me ouvir quando eu disse que o tempo
estava muito ruim para dirigir no dia em que ele morreu. Por ele ser
responsável pela parte vazia do meu coração. Por me abandonar depois de
curá-lo e depois parti-lo em fragmentos.
Cada segundo do dia é mais do que posso suportar. A morte está ao meu
redor há muito tempo. Queima bem no centro do meu peito. Quando será a
minha vez de ser feliz? Eu me pergunto. Por que todas as pessoas boas têm
que deixar a Terra antes da hora?
Sigo pelo corredor em direção ao meu quarto, parando para passar os
dedos pela textura macia e aveludada de uma cadeira que reformei. Quase
tudo aqui é novo para mim. Os móveis descartados por outra pessoa se
tornaram meus deliciosos tesouros.
Eu não tinha ideia do que estava reservado para mim quando me
encontrei com Hunter. Tudo que eu sabia era que estava com medo de perder
o controle antes de chegar lá. Fiz o melhor que pude para me segurar até que
ele me mostrou o que minha avó tinha feito. Nunca, em meus sonhos mais
loucos, eu teria imaginado que ela tinha me comprado uma casa. Me deixou
uma carta e me disse para recomeçar minha vida. Aqui. Em um lugar de
serenidade e paz. Eu realmente vou encontrar paz aqui? Finalmente vou
encontrar um homem que traga de volta a Adriana que já fui? Alguém que
encobrirá as cicatrizes do meu passado com boas lembranças? Não gosto da
mulher que me tornei. Ela está sozinha. Seus pensamentos estão cheios de
culpa e arrependimento. Quero mais da vida. Mereço ser feliz.
Estou em Traverse City há quase seis meses. Comprando itens aqui e ali,
reformando-os ao meu gosto vintage. Entre isso e a loja, me mantive
ocupada. Esta casa de quatro quartos em um dos Great Lakes é grande
demais para mim. Mas é minha. Foi um presente dela. E nunca fiquei tão
agradecida por nada na vida.
A não ser pelo meu novo estúdio, o único lugar em que minha mente
pode vagar, o lugar onde em breve poderei me perder atrás das lentes e viver
as fantasias dos outros. Não tenho mais nada. Mas quero o que os outros têm:
uma família e uma casa que pareça um lar. Quero uma vida.
Suspiro. Essa autopiedade está me cansando. Digo a mim mesma que
será um dia glorioso. Tem que ser.
Meus pensamentos se voltam para Blake uma última vez. É isso,
Adriana. Chega de pensar nele e naquele dia.
— Por que você não me ouviu? Eu precisava tanto de você, Blake. Vivi
anos sozinha, mas há dias, como hoje e ontem à noite, em que te sinto perto
de mim. Eu te odeio por fazer isso comigo. Por me deixar sem se despedir. —
Choro. As perguntas me dominam e a fúria se eleva. Elas me atingem.
Espalham sensores em todos os lugares até eu sentir que estou prestes a
perder o controle de mim mesma.
Tive a estranha sensação de estar sendo observada na noite passada.
Quando me virei, não havia ninguém, então continuei trabalhando. Fiquei em
pânico e não gosto disso. Blake me deixou com o coração partido e agora
estou pensando que o sinto. Isto tem que parar.
Respirações profundas e pesadas escapam dos meus pulmões. Preciso
me acalmar.
Engulo o nó que se forma na minha garganta. As vozes silenciam e se eu
não reconhecesse a verdade das palavras de Heidi sobre namorar, eu cairia no
chão e desmoronaria.
Tentei ficar de pé sozinha. Continuar com a orientação de Daniel e
Heidi. Não suporto que ninguém veja a solidão que sinto me consumir e
cobrir cada pedacinho do meu corpo. Sua batida constante confrontando a
convicção no meu cérebro.
Preciso parar de pensar tanto. Eu realmente preciso seguir em frente.
CAPÍTULO SETE
Blake
— O QUE É QUE VOCÊ espera que eu faça, Hunter? Que vá até ela e
diga: oi, Adriana. Sinto muito. Me desculpe por não ter chegado em casa
para jantar há quatro anos. Tive que ir embora para salvar nossas vidas.
Estou de volta, agora vamos recomeçar? — Fecho a porta do porão depois de
verificar os barris de vinho. Respiro fundo. O ar frio do inverno atinge meus
pulmões antes de darmos o primeiro passo. O vento está uivando e o frio do
lago espalha essa porcaria por todo o lugar. Vai ser um inverno difícil. Já
posso sentir.
Puxo o gorro sobre as orelhas quando começamos a voltar para a casa
que tentei transformar em lar, mas se parece mais com minha própria prisão.
É meu aniversário de casamento e estou chateado. Portanto, não estou
com vontade de repetir o porquê deveria ir ver minha esposa. Especialmente
hoje. Estou irado por não estar em algum lugar fazendo amor com ela.
Acalentando-a da maneira que deveria. Transando com ela até que ela não
aguentasse mais. Ouvindo-a dizer meu nome enquanto eu sussurro todas as
coisas sacanas que quero fazer com ela. Todas as coisas que os casais
apaixonados fazem. Casais normais, pelo menos.
Estou longe de ser normal. Todo mundo está, não é?
Desde o primeiro momento em que a vi, eu a quis. A garota linda e mal-
humorada debaixo da árvore. Aquela cuja boca tive que beijar no segundo em
que começou a brigar comigo por acidentalmente quebrar sua lente. Tive que
descobrir quem ela era. Implorei a todas as pessoas que eu conhecia naquele
campus que me ajudassem a encontrá-la. Tive sorte quando alguém me disse
o seu nome. Sua boca sempre foi minha fraqueza, mesmo quando fiz o meu
melhor para controlá-la. Algo que nunca consegui. Ela me deixou de joelhos
com aquela boca. Deus, sinto sua falta.
Meu pau se mexe com a lembrança.
Tudo o que tenho feito é dizer a mim mesmo que desejo ouvi-la gemer
meu nome enquanto a penetro por trás ou ouvir aqueles sons baixos que saem
da sua boca enquanto estamos transando. Não vai ser fácil explicar porque
tive que ir embora e fiquei longe. Ela pode nunca me perdoar. Mas não tenho
como não tentar. Jamais vou deixá-la. Bem, se eu tiver sorte o suficiente para
recuperá-la.
— Não, não é isso que estou dizendo para você fazer. Estou dizendo
para você se recompor para podermos traçar um plano. O destino a trouxe até
aqui. A avó dela não sabia sobre você quando começou a procurar uma
propriedade para ela. Quero dizer, vamos lá, eu nem sabia que ela tinha
comprado a casa até que ela apareceu com a escritura, me pedindo para
colocá-la em seu testamento. Mas você está aqui, ou o homem forte que eu
conhecia está. Vocês pertencem um ao outro e você sabe, assim como eu, que
precisa recuperar sua esposa. Caramba, cara, você teve meses para pensar
nessa merda. Vá vê-la agora, porque eu te garanto: qualquer dia desses, ela
vai conhecer alguém, Blake, e outra pessoa vai tomar essa decisão. Então o
homem que você se tornou também estará morto. Receio não conseguir tirar
você disso se acontecer. Crie coragem, filho. — Meus olhos ardem. A neve
branca e pesada caindo do céu está mudando para gotas vermelhas. Vejo
tanto disso que quero dar um soco em alguém. De preferência, no meu
amigo, que está certo.
Hunter é como um tio para mim. Mesmo que eu o tivesse odiado quando
falamos sobre as duas opções que me foram dadas há anos, eu sabia que ele
estava cuidando de Adriana e de mim, assim como de todos os outros. Ele
poderia ter me orientado a fazer algo que me mataria, mas não o fez. Uma das
minhas escolhas era vir para cá para trabalhar para ele. A outra era o serviço
de proteção atestemunhas, no qual eu teria que cortar todos os meus laços
por completo. A escolha que fiz foi difícil o suficiente. Proteção à testemunha
em um lugar onde eu teria que recomeçar, sempre me perguntando se alguém
estaria me procurando? Com certeza, não. Sou a prova viva de que nosso
sistema está ferrado. De verdade.
Fico feliz que ele tenha me protegido. Eu amo esse vinhedo. O que
começou como um pequeno investimento para Hunter e sua esposa, Rebecca,
se transformou em algo maior do que qualquer um de nós esperava.
Compramos outro pequeno vinhedo, adjacente a este. Plantamos mais
videiras. E este verão será o terceiro ano com hectares de uvas novas.
Ele é meu amigo, meu conselheiro, parceiro de negócios e esteve ao
meu lado nos anos mais sombrios da minha vida. Ele me ouviu. Me viu
chorar. Ficou bêbado comigo. Mas nem uma vez ele me irritou do jeito que
está fazendo agora ou me pressionou até que cerrei os punhos com a
necessidade de socar o primeiro objeto duro que pudesse encontrar.
Fiquei sentado no escritório pela maior parte da manhã de ontem,
olhando para uma longa lista de coisas a fazer agora que o inverno está
chegando. Eu jamais conseguiria examinar tudo isso se não me concentrasse.
Sempre levei a sério todos os trabalhos que tive. Ia até o limite. Mas quando a
mulher que a gente ama fica a poucos metros de distância depois de anos sem
conseguir tocá-la, o trabalho sai perdendo. Pelo menos, foi o que me
aconteceu.
Não estou calmo. Estou fervendo.
Cheguei em casa depois de vê-la pela vitrine e bati no saco de pancadas
até meus dedos ficarem machucados. Pensei em me mudar para que nunca
mais pudesse vê-la. Mas mudei de ideia rapidamente, porque o pensamento
de ela encontrar outra pessoa, de outro homem tocar o que me pertencia, me
fez querer dar um tiro na cabeça. Vou morrer se descobrir que alguém fez
isso. Tive que ligar para Hunter para me acalmar. Ele riu por dez segundos.
Em seguida, ficou sério e começou a remar na direção oposta.
— Você é demais, garoto. Corrija seus erros e lute por essa mulher. Não
consigo imaginar o que ela está passando. Você consegue? — ele perguntou.
Suas palavras foram como um soco no estômago. Mas ouvi-lo dizer as
palavras que estavam apodrecendo meu estômago me fez cair em uma
cadeira. Minhas pernas não eram mais capazes de me segurar.
Eu não ia discutir, pois Hunter estava certo. Sem mencionar que eu
respeitava demais o homem. Adriana está vivendo um inferno. Nós dois
estamos.
Então bebi. Meus pensamentos voltaram à noite passada, quando ela
passou de seu jeito brincalhão e sedutor para uma vítima traumatizada da
crueldade da vida. Estava escrito por todo seu corpo. Ela estava prestes a
desmoronar e, mesmo fingindo estar bem, quando se virou, seu rosto revelou
tudo. Minha linda Adriana mal conseguia se manter de pé. Eu podia enxergá-
la por dentro. Ela estava perdida.
Pensei neste mesmo dia, há alguns anos.
Olhos azuis ardentes observavam todos os meus movimentos, fazendo
meu pau pulsar. Aqueles olhos precisavam estar olhando para os meus
enquanto ela montava em mim. Ergui a mão para revelar um espartilho sexy.
Meus olhos deslizaram por seu corpo. Caramba, isso ficaria demais nela.
Era roxo. Minha cor favorita em contraste à sua pele branca, macia e nua.
Ela desviou o olhar quando a irmã entrou toda desgrenhada. Os cabelos
estavam bagunçados e os olhos estavam tão vermelhos que era preciso se
aproximar para ver a cor. Passei de excitado para extremamente chateado.
Era nosso aniversário.
Fiz o meu melhor para prestar atenção ao que estava acontecendo entre
as duas enquanto meus dedos flexionavam o tecido sedoso com raiva.
Adriana adorava sentir a seda. Eu adorava senti-la. Mas ver Alexis foi
suficiente para me deixar enjoado. Tive que me esforçar para tentar prestar
atenção ao que elas estavam dizendo.
— O que é que ela está fazendo aqui com essa aparência, droga? —
resmunguei. Eu sabia o que ela estava fazendo e a odiava ainda mais por
isso. Ela estava tentando se salvar antes que eu tivesse a chance de tentar
corrigi-la. Ela sabia que estava estragando tudo da pior maneira possível.
Mulher estúpida. Nunca gostei dela e tinha todos os motivos para isso.
Adriana e Alexis discutiram por alguns minutos. Eu sabia que minha
esposa não ia aceitar desculpas. Ela já tinha ouvido todas.
Estava pronto para separar as duas quando Alexis saiu da loja de forma
furtiva e aqueles olhos que antes cintilavam rapidamente arderam em
lágrimas.
Com a roupa nas mãos, me aproximei pouco antes de suas pernas
cederem. Peguei-a nos braços, aninhei-a em meu peito e a segurei firme
enquanto ela desabafava. Todo o tempo eu sabia que este seria o nosso
último aniversário de casamento juntos e agora estava arruinado.
Tudo em Adriana se assemelha ao ocorrido há anos. Ela mal está dando
conta. A tristeza, a vergonha, a culpa. E nada disso é culpa dela. É o destino.
A palavra em que tantas pessoas neste mundo em que vivemos acredita.
— Não sei o que fazer. Eu tinha toda a intenção de contar tudo a ela
ontem à noite. Caramba, até levei o arquivo comigo para que ela pudesse lê-
lo, porque eu não tinha certeza se conseguiria contar como a minha ganância
quase custou sua vida. Ela está tão arrasada com tudo o que aconteceu que
tenho medo de que ela não consiga lidar com mais isso. — Nunca acreditei
no destino. Não até que ela se mudou para cá. Eu costumava acreditar em um
amor tão poderoso que não podia ser interrompido, não importava o quanto
uma pessoa tentasse. Não importava quantos obstáculos fossem lançados em
seu caminho. O amor sempre encontra um jeito. Só que não tenho mais tanta
certeza disso. Essa coisa toda é um enigma cheio de confusão. Eu só preciso
recuperá-la.
— Cara, quantas vezes tenho que te dizer que não era ganância? Você só
estava fazendo seu trabalho e, por acaso, estava no lugar errado, na hora
errada. Você está aí dizendo que não acha que ela pode lidar com isso. Já me
disse essa merda antes. Não acreditei e continuo não acreditando. Já pensou
que talvez seja o que ela precisa? Para que vocês dois possam voltar a ser as
pessoas que eram antes? Durante anos, você me disse o quanto ela era forte,
como apesar de tudo a vida não conseguiu derrubá-la. Ela ainda está de pé e
está bem no seu quintal, Blake. O que é que você está esperando?
— Droga. Você não pode saber o que se passa na cabeça dela. Mas eu a
conheço. A Adriana se culpa por tudo de ruim que aconteceu com as pessoas
que ela ama. No dia em que fui embora, eu disse que não podia ficar em casa
e vê-la cuidar da irmã. Disse que estava me matando ver que Alexis a estava
consumindo quando isso não passava de uma mentira. Quanto mais Adriana
acreditava na irmã, mais eu a amava. Acabei com a minha esposa. Eu.
Adriana está escondida atrás das lentes. Do trabalho dela. Tudo por minha
causa! — Solto um rugido tão alto que meus ouvidos doem.
— Bem, talvez você possa descobrir o que vai acontecer em breve. Há
rumores de que o Mason só fala nela na vinícola. — Paro de andar. A neve
pesada começa a cair como chuva. Estou afundando.
— Se ele tocar nela, eu o mato. — Hunter levanta as sobrancelhas. Nós
dois sabemos que palavras semelhantes saíram da minha boca há anos. É o
motivo de eu estar aqui com ele em primeiro lugar. Aquela noite vai me
assombrar pelo resto da vida. A imagem, o som, o cheiro de sangue que
cobria minha pele e roupas.
— Então faça algo com relação a isso, Blake. Sei que você está com
medo. Eu também estaria. Quanto mais você fica por aqui sentindo pena de si
mesmo, mais dá ao Mason ou a outra pessoa a oportunidade de conquistá-la.
Sei que ela está sentada no bar agora. — Suas últimas palavras me fazem
perder a racionalidade. Não consigo sequer pensar em outro homem tocando
minha esposa.
A noite passada e o dia de hoje pareceram mais longos do que os anos
em que estivemos separados. A raiva corre pelo meu corpo mais rápido do
que o fluido que escorre através de um funil. A culpa está me comendo vivo.
Suas palavras se tornam o ponto de ruptura da minha paciência.
— Me leve