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001_O que é literariedade_ficção

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1 
 
Profa. Daniela Versiani Estudos de Literatura PUC-Rio 
 
O que é literariedade? O que é ficção? 
 
Para o teórico da literatura Jonathan Culler, textos considerados literários exigem do leitor um 
tipo especial de atenção. Essa atenção especial se volta sobretudo para duas características 
frequentemente encontradas nesses textos: a “literariedade” – ou uso especial da linguagem - e a 
chamada “ficcionalidade”. Nesse sentido, para Jonathan Culler, a literatura pode ser definida: 
...como a “colocação em primeiro plano da linguagem”. Aqui é importante o conceito de 
“literariedade”, ou seja, “organização da linguagem que torna a literatura distinguível da 
linguagem usada para outros fins. Literatura é linguagem que coloca em primeiro plano a 
própria linguagem: torna-a estranha, atira-a em você – “Veja! Sou a linguagem!”. Assim 
você não pode se esquecer de que está lidando com a linguagem configurada de modos 
estranhos. Em particular a poesia organiza o plano sonoro da linguagem para torná-lo algo 
com que temos de ajustar contas. (CULLER, 1999, p. 35) 
 
Ainda segundo Jonathan Culler, a literatura também pode ser definida por suas características 
ficcionais, ou seja, por sua ficcionalidade. Aqui a o conceito definidor de literatura é o conceito 
de ficção: 
Uma razão para que os leitores atentem para a literatura de modo diferente é que suas 
elocuções têm uma relação especial com o mundo – uma relação que chamamos de 
“ficcional”. A obra literária é um evento lingüístico que projeta um mundo ficcional que 
inclui falante, atores, acontecimentos, e um público implícito (um público que toma forma 
através das decisões da obra sobre o que deve ser explicado e o que se supõe que o público 
saiba). As obras literárias se referem a indivíduos imaginários e não históricos ([por 
exemplo], Ema Bovary, Huckleberry Finn). (CULLER, 1999, p. 37) 
 
Para outro teórico da literatura, Manuel António de Castro, temos de ter alguns cuidados ao 
definir literatura em relação ao conceito de ficção. Diz Manuel Antonio de Castro: 
Comecemos por afirmar que se todo literário é ficção, nem toda ficção é literária. O termo 
ficção formou-se a partir do verbo latino fingere. Numa primeira dimensão, a ficção 
implica o formar, dar forma, e como tal nos remete para o dado mais elementar e por isso, 
mais profundo da própria ficcionalidade, da poiésis (fazer criativo). Como qualquer outra 
realidade consistente, é a forma ficcional, o concreto ficcional por oposição ao concreto 
histórico. (CASTRO, 1985, P. 44). 
 
Obs: O verbo “fingir” vem do latim fingere, significando formar, moldar, modelar, criar, imaginar, fingir. 
 
Manuel Antonio de Castro ainda afirma: 
... a ficção tem como característica fundamental o imaginar. (...) É isto o que caracteriza 
fundamentalmente a ficção: a presença marcante e irrefreável do imaginário. (...) Ao 
falarmos de ficção, de uma maneira mais ou menos explícita, sempre fica claro que 
estamos perante um fingir. Este fingir ou dissimular não é encarado na ótica do falso. O 
2 
 
fingir, pelo contrário, aponta para uma complexa dimensão do homem. Como o fingir da 
ficção, as mais das vezes, envolve, gratifica e transforma o leitor, o simplesmente falso 
jamais explicaria essa atração e atuação da ficção. (CASTRO, 1985, p. 45) 
 
Maria Vitalina Leal Matos também aponta para a importância de não confundir ficção com 
mentira ou falsidade: 
Dizer ficcionalidade não equivale a dizer falsidade, mentira ou mistificação. Equivale sim a 
apontar para o mundo do imaginário, nas suas variadíssimas formas: sonho, mito, lenda, 
criação, anseio, medo, desejo, esperança. E leva a compreender que o universo criado pela 
linguagem, particularmente quando a linguagem está carregada de afetividade, se 
correlaciona estreitamente com essas formas. É um mundo de existência simbólica. 
Relembremos o célebre poema de Fernando Pessoa, “Autopsicografia” (Matos, 2001, p. 
225-226): 
O poeta é um fingidor. 
Finge tão completamente 
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras sente. 
 
Maria Vitalina Leal de Matos oferece as seguintes explicações para a definição de literatura como 
ficção: 
A origem da ficcionalidade está no caráter verbal da literatura: a literatura é um sistema de 
significação: isto é, refere-se ao real, às coisas, sem se confundir com elas. Ou ainda, é um 
sistema de natureza simbólica: relaciona-se com as coisas referindo-as in absentia [na sua 
ausência]; designa as coisas permanecendo diferente, permanecendo outra substância 
(MATOS, 2001, p. 225). 
 
A linguagem verbal existe porque é simbólica; e porque é simbólica tem a capacidade de 
referir não apenas o real concreto, efetivo, mas também o possível, o imaginário, e até o 
impossível: recordemos Alice no País das Maravilhas, e a obra de ficção cientifica de Júlio 
Verne. A linguagem verbal tem portanto uma imensa capacidade de ficcionalidade 
(MATOS, 2001, p. 225). 
 
Maria Vitalina Matos nos alerta para outras importantes diferenças: a) entre ficcionalidade e 
referencialidade (ou ficção e realidade), e b) entre autor textual, narrador e autor empírico: 
A consideração da literatura como linguagem permite-nos compreender melhor o caráter 
ficcional (ou “fantástico”) da obra literária. Com esta expressão – natureza ficcional da 
literatura – queremos dizer que a mensagem literária cria imaginariamente a sua própria 
realidade: um universo de ficção que não se identifica com a realidade empírica. (MATOS, 
2001, p. 224.) 
A consciência da natureza ficcional do discurso literário e da diferença que separa o 
funcionamento do discurso ficcional do funcionamento do discurso comum, comporta 
algumas consequências práticas: 
 a de perceber que a pessoa que fala e que assume o discurso no texto 
literário não pode ser confundida com o escritor na sua personalidade 
prática, daí que distingamos necessariamente autor textual, narrador e 
autor empírico. O autor textual e o narrador são seres inerentes ao universo 
ficcional (mesmo que revelem muitas afinidades com a pessoa concreta do 
escritor, ao qual chamamos de “autor empírico”). 
3 
 
 ao nível do enunciado, põe-se o problema de considerar a modalidade de 
ser das criações desse enunciado: as personagens e as ações que o discurso 
ficcional constrói têm uma existência ficcional. (MATOS, 2001, p. 235) 
 
Maria Vitalina Leal Matos lembra que, por outro lado, a relação entre ficção e realidade não é de 
uma completa oposição. Há entre elas uma importante proximidade: 
Tomando como exemplo obras de ficção como [...] Os Maias [de Eça de Queiroz], por 
exemplo, sabemos que as suas personagens e intrigas são criações ficcionais, mas mantêm 
uma estreita relação com a realidade efetiva. Uma das considerações que contribui para o 
interesse com que as lemos tem justamente a ver com a “verdade” ou “falsidade” dessas 
personagens e desses acontecimentos. “Verdade” ou “falsidade” que se referem não ao 
mundo empírico, mas aos “modelos de mundo” construídos nessas obras. 
Mas, quer num caso quer noutro, existe sempre uma analogia entre os dois mundos. É essa 
analogia que nos leva a falar de verdade de muito texto literário; esta “verdade” não se 
funda na afinidade imediata com o mundo real, mas na qualidade e na força da 
“modelização” que o texto literário constrói; é essa “verdade” que torna mais eficaz o 
efeito de certos textos literários junto dos leitores do que o de muitos discursos “diretos”. 
Há três tipos de modelos de mundo: o verdadeiro, o ficcional verossímil, e o ficcional não 
verossímil. 
Quando a literatura adota modelos de mundo ficcionais verossímeis, temos a literatura 
realista; se utiliza modelos ficcionais não verossímeis, surge a literatura fantástica. 
O realismo procura aproximar-se do mundo real, através da verossimilhança, ou do “efeito 
de real” estudo por Jakobson, enquanto a ficcionalidade não verossímil, através da 
figuração fantástica,se afasta dessa realidade. 
A realidade está presente na ficção através da verossimilhança, mas não só. Por vezes a 
obra literária adota trechos do mundo real que são incluídos no mundo ficcional: é o que 
sucede no romance e no drama histórico. 
Ficção realista ou figuração fantástica não constituem tipos fixos, uma vez que 
encontramos os mais diversos graus de verossimilhança, desde o texto altamente verossímil 
ao de verossimilhança escassa. 
Mas quer num caso que no outro, estabelecem-se sempre relações estreitas entre o texto 
ficcional e a realidade: 
 considerando apenas a mimese realista, importa perceber que esta não se 
confunde nunca com a realidade; comparando um texto ficcional, mesmo 
fortemente realista, como o mundo real, verificamos que o texto contém 
sempre uma mimese esquemática e reduzida, convencional e seletiva. Foi 
observado por estudos sobre o romance realista que estes só contêm 
densidade imitativa no que se refere aos discursos das personagens. 
 Inversamente, também não há ficção fantástica, irrealista, que não se refira 
constantemente à realidade: haja em vista o modo como as obras de ficção 
científica aproveitam e exploram os avanços da astronomia e da física, ou da 
biologia molecular. (MATOS, 2001, p.236- 238) 
 
O professor de teoria da literatura da UERJ, Gustavo Bernardo, também nos faz pensar sobre as 
diferentes posturas, ou modos de atenção, que o leitor pode ter diante de diferentes tipos de 
textos. Para tanto, faz menção a uma fórmula apresentada em 1817 pelo poeta e filósofo inglês 
Samuel Taylor Coleridge: 
4 
 
Para que o leitor possa lidar com o enigma que a literatura, e quiçá, a vida, representam, há 
necessidade, como Samuel Coleridge formulou, da “suspensão voluntária da descrença” – 
the willing suspension of disbelief -, movimento que todo leitor de poesia precisa fazer para 
se permitir “embarcar” no poema que lê, de modo a poder de fato “curti-lo” (...). A 
suspensão da descrença vale tanto para um poema quanto para um filme estilo 007, em que 
o espectador se exige embarcar na narrativa como se fosse verdade. Esta atitude do “como 
se” (deriva do se  então que gera os conceitos e o pensamento) é fundamental, sem ela, o 
espectador se sente enganado ao assistir a tanta “mentira”. Na verdade, um bom 
espectador e um bom leitor desejam ser enganados (...) para que, por sua vez, se sintam 
existencialmente capazes de enganar, vale dizer, de iludir, transformando a própria 
realidade. Naturalmente a suspensão da descrença é uma espécie de exercício que se faz 
por certos momentos, se suspendêssemos a descrença para sempre, entraríamos na tela do 
filme (como faz a personagem de A rosa púrpura do Cairo, filme de Woody Allen) para não 
sair nunca mais. 
E como deve ler o leitor especializado, isto é, o teórico, o crítico, o professor? Creio que nós 
precisamos efetuar uma espécie de “suspensão da suspensão da descrença”, ou seja, uma 
suspensão de segundo nível que implica uma segunda leitura. Afinal de contas, 
sustentamos em nossas aulas, tudo o que merece ser lido merece ser relido. (BERNANDO, 
1999, p. 159) 
 
Em outro texto, intitulado O estrangeiro, Gustavo Bernardo retoma a postura crítica necessária 
ao jogo da “suspensão da descrença”. Como sabemos, "suspensão da descrença" significa que o 
espectador está disposto a aceitar limitações da história que lhe é apresentada, sacrificando o 
realismo ou plausibilidade da situação em proveito do entretenimento. No entanto, Gustavo 
Bernardo chama a atenção para outra questão, que envolve tanto a leitura de textos ficcionais 
quanto a leitura de textos não-ficcionais: 
... pela [“suspensão voluntária da descrença”] todo leitor de poesia e ficção precisa 
suspender sua descrença para se permitir “embarcar” no texto que lê – mas a suspensão 
voluntária da descrença é, no limite, igualmente impossível, ou possível precisamente 
como uma ficção. 
Como teóricos e professores, entretanto, efetuamos uma espécie de “suspensão da 
suspensão da descrença”, para entender o processo que não só faculta como provoca 
aquela “suspensão da descrença”. (...) Este exercício de “suspensão da crença” seria 
indispensável, para se aprender a escolher e a decidir. (BERNARDO, Gustavo) 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BERNARDO, Gustavo. “O conceito de literatura”. In: JOBIN, José Luis (org.). Introdução aos 
termos literários. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999, p. 135-169. 
BERNARDO, Gustavo. O estrangeiro. Acesso em 20 de maio de 2008. 
http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/flusser38.htm) 
CASTRO, Manuel Antonio de. “Natureza do fenômeno literário”. In: SAMUEL, Rogel (org.). 
Manual de teoria literária. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 30-64. 
CULLER, Jonathan. Teoria literária. Uma introdução. São Paulo: Beca, 1999. 
MATOS, Maria Vitalina Leal de. Introdução aos estudos literários. Lisboa-São Paulo: Editorial 
Verbo, 2001. 
 
http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/flusser38.htm

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