Buscar

LIMA, Manoel Ricardo de - Jornal o GLOBO - LEMINSKI, Paulo - Poesia Porosa

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

6 l O GLOBO l Prosa l Sábado 23 .3 .2013
Registros documentais do dramaturgo, poeta e
romancista pernambucano Ariano Suassuna em
momentos de trabalho, palestras, homenagens,
lazer, leitura, reflexão e descanso compõem as 212
páginas do livro “O decifrador”, do fotógrafo
Alexandre Nóbrega, que será lançado no dia 1º de
maio, durante a Feira Nacional do Livro de Poços
de Caldas (Flipoços), em Minas Gerais. Nóbrega,
que é sobrinho do escritor, o acompanha em todos
os eventos e o fotografou ao longo da última
década. Ele conta que Suassuna está em retiro
escrevendo mais um livro que deve ser lançado
ainda em 2013. A Flipoços vai de 27 de abril a 5 de
maio e o autor de “Auto da compadecida” estará
presente para comentar o filme homônimo
baseado no livro, que será exibido durante a feira.
MARCELO CAETANO E VIVALDI MOREIRA
Exilado durante dois anos no Rio de
Janeiro — entre 1974, quando foi
derrubado pela Revolução dos
Cravos, até 1976, ano de sua morte
— o ex-primeiro-ministro português
Marcelo Caetano manteve intensa
correspondência com o escritor
mineiro Vivaldi Moreira, presidente
perpétuo da Academia Mineira de
Letras. Há poucos dias as 46 cartas
enviadas por Caetano a Vivaldi, que
morreu em 2001, foram entregues
pelo jornalista Pedro Rogério Couto
Moreira, filho de Vivaldi, ao
professor Marcelo Rebelo de Sousa,
ex-deputado na Assembleia
Constituinte de Portugal
pós-revolução e provedor da
Biblioteca Pública de Celorico de
Basto, no norte de Portugal,
instituição que receberá o acervo 
e o disponibilizará para pesquisa.
Vivaldi Moreira e Marcelo Caetano tiveram estreita
relação literária e de amizade, que começou a se
desenhar no final da década de 1930, muito antes
de se conhecerem. Na época, o mineiro, estudante
de Direito no Rio e repórter de “A Notícia”, fez a
cobertura da viagem ao Brasil do célebre escritor
português João de Barros, ministro da Instrução
Pública nos primórdios do salazarismo e que
depois rompeu politicamente com o governo
Salazar, sofrendo perseguição política. O português
e o jovem Vivaldi tornaram-se amigos e se
corresponderam até a morte de Barros, em 1956. A
admiração intelectual do mineiro pelo escritor
transferiu-se para a figura de Marcelo Caetano,
genro de João de Barros — que não chegou a vê-lo
no papel de sucessor de seu algoz Salazar, em 1968.
Nas cartas, Marcelo Caetano — também conhecido
como “o pai do Direito Administrativo português”
— trata de literatura luso-brasileira e de política
portuguesa. Faz confidências sobre o regime que
dirigiu, elogia políticos que chegaram ao poder na
Revolução dos Cravos — “todos eles foram meus
alunos” —, além de lembrar empresários e
escritores com os quais conviveu. Couto Moreira
espera que as cartas enriqueçam a pesquisa sobre a
História de Portugal.
O MOVIMENTO NAS ARTES
O seminário “Figuras do movimento” vai discutir
na Casa de Rui Barbosa (Rua São Clemente 134),
entre os dias 25 e 27 de março, a maneira como o
teatro, a literatura, a música, as artes visuais e o
cinema pensam a imagem, o movimento e a
imobilidade. Entre os convidados estão Elizabeth
LeCompte, Zbigniew Bzymek e Kate Valk do grupo
teatral americano Wooster Group, que participarão
de uma mesa com mediação e tradução da
professora Ana Bernstein, da UniRio. Haverá
exibição de DVDs das performances da
companhia. A organização é uma parceria entre o
setor de Filologia/Centro de Pesquisa da Fundação
Casa de Rui Barbosa e o Núcleo de Estudos em
Teoria do Teatro da UniRio.
OFICINA QUARENTONA
A oficia literária comandada pelo professor Ivan
Proença — a mais antiga do país em
funcionamento ininterrupto — comemora os seus
40 anos com a publicação de uma coletânea com
textos em prosa e poesia de 34 alunos. O
lançamento será no dia 27, às 19h30m, no Solar das
Palmeiras (Rua das Palmeiras 35, Botafogo).
RETRATOS DE SUASSUNA
| PRELO |
ALEXANDRE NÓBREGA/DIVULGAÇÃO
P aulo Leminski declaraem 1987, dois anos an-tes de sua morte, que é
um “pensador selvagem”. Um
pensamento que “abastece
uma experiência criativa tem
que ser selvagem”, diz ele. Es-
critor singular, nascido filho de
negra com polaco, em 1944,
em Curitiba, cidade sobre a
serra e muito gelada. Mas, co-
mo todas as outras cidades
desse país, erguida na deriva
de nossa composição antropo-
lógica e cultural com politicas
públicas desastrosas e distri-
buição social vergonhosa.
A reunião de seus poemas
publicada agora tem muito
mais a ver com um rito de fes-
ta, o que por um lado pode ser
bom. É um quadro que vai des-
de “Quarenta clics em Curiti-
ba” (1976), seguindo um per-
curso por seus outros livros de
poemas — “Caprichos & rela-
xos” (1983) e “Distraídos ven-
ceremos” (1987), publicados
em vida, e os póstumos “La vie
en close” (1991), “O ex-estra-
nho” (1996) e “Winterverno”
(2001) — e poemas esparsos.
Depois, um texto apressado de
José Miguel Wisnik sobre as
canções de Leminski. Num
apêndice, um ensaio de Leyla
Perrone-Moisés, interessante
desde à época, quando arma a
imagem ambivalente do “sa-
murai-malandro”. E as orelhas
e os textos de quarta capa que
estão nos livros — de Haroldo
de Campos, Caetano Veloso,
do próprio Leminski, de Alice
Ruiz e Wilson Bueno. São tex-
tos pequenos, já conhecidos,
que podem servir ao leitor
mais desavisado. Assim tam-
bém como a apresentação
amorosa feita por Alice Ruiz.
UM SOPRO NOVO, AINDA HOJE
Mas é a diferença inventiva e
corajosa do texto de Wilson
Bueno, originalmente a orelha
de “O ex-estranho”, que ainda
aponta a importância da pu-
blicação dos poemas de Le-
minski nesse momento: um
“sopro invariavelmente novo
na sempre melancólica estân-
cia seresteira que é, sabemos, o
país”. E este é o contradito, por-
que é importante não confun-
dir os destrambelhos conser-
vadores que a meca editorial
nos impõe como “novidade”,
na busca insossa de um ro-
mance e de um livro de poe-
mas que demarquem uma ge-
ração insuspeita, e o “novo”,
um vínculo distraído àquilo
que tem pensamento, frescor,
suspeição e aventura, caso de
todo o trabalho de Leminski.
Insisto numa ideia de traba-
lho porque Leminski escreveu
que “assim como não há raças
puras, também não há códigos
puros”. Ele defende o tempo in-
teiro como política incondicio-
nal, ou seja, como ética, entre a
hospitalidade e a destituição, a
ideia de uma contaminação
possível da literatura consigo
mesma e com outras lingua-
gens: “outros códigos, outros
recursos, outros meios. Nem
que seja só em pensamento”.
Sua opção visceral seria jus-
tificada quando publica, nos
anos 1980, quatro biografias
como forma de “pedir provi-
dências” e apontar como a vi-
da poderia/deveria se mani-
festar através de uma radicali-
zação política da arte como ex-
periência. São biografias de
Cruz e Sousa, poeta brasileiro
do século XIX, negro e simbo-
lista em terra de brancos par-
nasianos; de Bashô, um supe-
rintendente de águas e inven-
tor do haikai, uma forma orgâ-
nica; de Jesus, o nabi que exa-
gera, escreve na areia e quer vi-
rar o homem pelo avesso: dar a
outra face; e de León Trótski, a
pressão sanguínea da arte co-
mo uma forma política de vida
revolucionária e transgressora
em direção ao pouco.
Daí em diante podemos en-
tender que o trabalho de Le-
minski — como uma exatidão
da literatura, ou seja, a literatu-
ra como imperfeição, desajus-
te em relação ao comum e rela-
ção direta com o conhecimen-
to — é muito mais especulativa
se lida diante de tudo o que es-
creveu. Porque ele parece op-
tar — como resposta criativa e
pensamento selvagem — por
uma tentativa de interrupção
da catástrofe. É Walter Benja-
min quem nos avisa que a ver-
dadeira catástrofe é que as coi-
sas permaneçam como estão.
A extremidade do seu gesto
a-funcional e anti-institucio-
nal, uma atribuição da poesia,
tem a ver com o que ele postu-
la interrogativamente ao com-
preender que há uma violência
paradoxal na cultura letrada
brasileira: “A cultura letrada já
tem um destino, no Brasil.
Uma história, uma direção, um
sentido”. E argumenta: “De
momento, porém, como falar
sobre público para um povo
em sua maioria como o nos-
so?” Para isso, parte de um
marcode variação e deriva a
essa história, que é suposta-
mente a publicação de “Os ser-
tões”, de Euclides da Cunha,
ço de um jogo e de uma toma-
da de posição no mundo, na
História. Ele escreve: “a vida é
as vacas / que você põe no rio /
para atrair as piranhas / en-
quanto a boiada passa” e “ago-
ra eu quero a pedrada / chuva
de pedras palavras / distribu-
indo pauladas”. Ou em “Distra-
ídos venceremos”, quando per-
segue uma saída para a recu-
peração do aforismo em con-
traponto ao uso descabido do
slogan como a máxima inócua
de nosso tempo: “vim pelo ca-
minho difícil, / a linha que
nunca termina”, “Tudo o que
faço / alguém em mim que eu
desprezo / sempre acha o má-
ximo” ou “e que a pedra só não
voa / porque não quer / não
porque não tem asa”.
É possível criar uma resis-
tência à acessibilidade recor-
rente em que são lançados os
seus poemas por causa do tom
aparentemente simples, de
uma dicção da rua (da picha-
ção à conversa de bar) à ideia
de uma malandragem da lin-
guagem. Até porque isso pode
ser lido muito mais como um
pretexto para problematizar a
circulação do poema “como
qualquer mercadoria ou pro-
duto industrial”.
O seu jogo é provocar um
scherzo: móbile que vem do
pensamento de Mário de An-
drade, e não apenas
de Oswald, que, muito
mais intempestivo e
bárbaro, é sempre a
clave mais óbvia para
a poesia de Leminski.
É com essa argúcia de
Mário, me parece, que
Leminski brinca para
enfrentar a adaptação
e a domesticação do
poeta, tão reclamadas
agora. Como afirma
Silvina Rodrigues Lo-
pes, precisamos inda-
gar de perto esta ten-
dência de nosso tem-
po em adaptar “gran-
de parte daqueles que
se apresentam como
escritores às condi-
ções institucionais dominan-
tes e ao mercado, o que signifi-
ca que não produzem senão
simples objetos de consumo,
ao nível de qualquer outro arti-
go de supermercado”.
Por isso, o sopro é a POESIA
de Leminski, essa aventura en-
tre erotismo e desespero com a
vida das formas ("sem deses-
pero não haverá provavelmen-
te decisão", afirma Silvina).
Uma poesia que ensina a resis-
tir: “nunca erro uma vez”, diz
ele. E assim mantém sua “infi-
nita estranheza (o impoder da
literatura, a qual, recusando
submeter-se a qualquer mode-
lo, também não pretende pro-
vocar qualquer submissão),
relação que não classifica, não
hierarquiza”. A sua poesia é
uma articulação daquele que
entende que, para operar o po-
ema num enlace com a moder-
nidade, é preciso constituir um
processo histórico imperma-
nente, descontínuo e anacrô-
nico: o que leva a nada. Tanto é
que num ensaio que recupera
a sobrevivência do quase invi-
sível, da miniatura contra a
institucionalização definitiva e
imponente dos holofotes, inti-
tulado, não à toa, de “Bonsai”,
ele diz: “Todos os homens são,
enfim, herdeiros da produção
cultural de todos os homens,
de todos os povos, de todas as
épocas”. Selvageria pura. l
Poesia porosa
Coletânea reúne todos os poemas do ‘pensador selvagem’ que
defendia a contaminação entre a literatura e outras linguagens
PAULO LEMINSKI
MANOEL RICARDO DE LIMA
DIVULGAÇÃO
Leminski. Sob a aparência simples dos versos, uma poderosa carga política 
Manoel Ricardo de Lima é poeta
e professor de literatura na Uni-
rio. Publicou, entre outros, “En-
tre percurso e vanguarda — al-
guma poesia de P. Leminski”
(Annablume, 2002) e “Jogo de
Varetas” (7Letras, 2012). Este
texto é uma versão do prefácio
que escreveu para a antologia
bilíngue de Paulo Leminski “Yo
iba a ser Homero”, com tradução
de Aníbal Cristobo, a sair pela
Edições Kriller71, de Barcelona.
DOIS POEMAS DE LEMINSKI
eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois
sim
eu quis a prosa
essa deusa
só diz besteiras
fala das coisas
como se novas
não quis a prosa
apenas a ideia
uma ideia de prosa
em esperma de trova
um gozo
uma gosma
uma poesia porosa
Trechos de “Toda poesia”
(Companhia das Letras)
em 1900, que ele cha-
ma de “cordel de guer-
ra / de um homero
anônimo”.
Há uma possibilida-
de de pensarmos que
Paulo Leminski é um
poeta-crítico dos mais
entranhados ao seu
tempo, às questões
mais impertinentes da
cultura e a certa tradi-
ção da arte produzida
no Brasil. Desse mo-
do, faz todo sentido
compor com seus po-
emas alguns de seus
textos-ideia-invenção
como o “Catatau”
(1975), que narra a
vinda de Descartes ao Brasil na
brigada de Maurício de Nassau
nos idos de 1630/40, numa in-
versão sintomática entre colo-
nizado e colonizador; “Agora é
que são elas” (1983), que des-
monta a ideia da literatura co-
mo funcionalidade ou caráter
normativo: “EU QUERO É O
INFERNO”; e “Metaformose”
(1994), um fabulare do mito de
Narciso que, como diz Régis
Bonvicino, é um texto “que se
coloca na zona de intersecção
entre a prosa de ficção, a prosa
crítica, a poesia — com ampa-
ro em pesquisa de História”.
Estamos diante de um jogo
entre a força da imaginação e o
sentido: “O sentido, acho, é a
entidade mais misteriosa do
universo” e “Me recuso a viver
num mundo sem sentido”, afir-
mava. Ou seja, o seu trabalho
nos coloca o tempo inteiro no
plano do inespecífico, na insu-
ficiência da linguagem, numa
memória ativa sem mecanis-
mo ou domesticação. Diz ele:
“... isso é próprio da natureza
do sentido: ele não existe nas
coisas, tem que ser buscado,
numa busca que é sua própria
fundação”. Por isso seus textos
solicitam ser lidos como zona
contaminada e desejante; na
armadilha do indistinto entre
seus poemas, ensaios, cartas,
narrativas, letras de canção
etc, provocando uma tempo-
ralidade impermanente que
podemos chamar de POESIA,
de invenção, de trabalho de
poeta: “uma maneira de sair
da maioria”.
Vale muito ver algo disso em
“Caprichos & relaxos”, por
exemplo. Livro que reúne pe-
quenas plaquetas publicadas
anteriormente de forma ama-
dora (ou seja, com rasgo amo-
roso) e que, desde o título,
monta uma imagem dialética,
logo ambivalente, como come-
Toda poesia
Paulo
Leminski
POEMAS
Ed. Companhia
das Letras,
424 páginas.
R$ 46
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2215-3528 ou 2532-3646
Outros Livros e CDS
COMPRO LIVROS E CDS
FASE RACIONAL
A Fase da recuperação e Imunização
da humanidade. Saia já da fase de
liquidação. Leia os Livros:
UNIVERSO EM DESENCANTO.
RE
PR
OD
UÇ
ÕE
S
Marcelo Caetano
Vivaldi Moreira
User: Gfreitas Time: 03-22-2013 15:02 Product: OGloboProsaeVerso PubDate: 23-03-2013 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_F Color: CMYK

Outros materiais