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Anotações Helson Nunes da Silva DIR192 DIREITOS REAIS I Pablo Stolze Gagliano (Professor) 2022.1 (Atualizado em 14/5/2022) 2 Anotações de Helson Nunes da Silva DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 3 EMENTA Direitos reais: posse: aquisição, perda e efeitos. Propriedade: aquisição e perda. Direitos reais na coisa alheia. Enfiteuse, servidões prediais. Usufruto. Uso e habitação. Rendas constituídas sobre imóveis. Direitos reais de garantia. Penhor. Hipoteca. Anticrese. Direitos reais de aquisição. Promessa de venda. NOTA DO ALUNO Este caderno de anotações foi elaborado a partir das aulas expositivas do professor da disciplina e complementado por trechos de obras recomendadas, além de citações de legislação e jurisprudência. No entanto, em algumas situações o aluno se vale de redação própria, que não corresponde necessariamente à transcrição da fala do professor. Assim, dada a dificuldade de acompanhar as aulas e sincronizar a digitação, além do cansaço natural ao final da noite, recomendo cautela e desconfiança quanto a qualquer aspecto que pareça fugir ao que realmente o professor ministrou. REFERENCIAL TEÓRICO FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Reais. 13. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2017. v. 5. GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil – Direitos Reais. 4. ed. São Paulo: Saraiva jur, 2022. v. 5. DIREITOS REAIS – PARTE GERAL 1. Noções introdutórias e Conceito 1.1. Direitos reais x Direitos das coisas (Sachenrecht) Direito das Coisas (Sachenrecht) – denominação inspirada do Direito Civil Alemão. Observação Real vem de res, que do latim significa coisa. Direitos Reais (com “R” maiúsculo) – denominação mais contemporânea utilizada na disciplina do Direito Civil que cuida da relação jurídica real. Opinião do professor Prof. Pablo considera que as denominações podem ser utilizadas tranquilamente como sinônimas, sem que isso seja considerado um equívoco. 4 Anotações de Helson Nunes da Silva 1.2. Objeto O campo dos Direitos Reais pretende estudar “a coisa”, assim entendida “como o bem suscetível de apropriação”. Observação “Bem” é um conceito mais amplo do que o de “coisa”. Ex. Direitos da personalidade são “bens”, mas não são “coisas” A possibilidade jurídica de apropriação é o elemento distintivo essencial para que um determinado “bem” seja considerado uma “coisa” e, consequentemente, possa ser objeto da disciplina dos direitos reais. Observação A disciplina é voltada para a propriedade tangível (bem corpóreo passível de valoração econômica e de imputação patrimonial privada), muito embora a parte mais valiosa da propriedade mundial seja intangível (p.e., criptomoedas). 1.3. Conceito Ramo do Direito Civil que consiste em um conjunto de normas e princípios regentes das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação, segundo uma finalidade social. “O complexo das normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem” (Clóvis Beviláqua). Bibliografia indicada RODRIGUES JR, Otávio Luiz. Direito Civil contemporâneo: Estatuto Epistemológico, Constituição e Direitos Fundamentais Obra super recomendada pelo professor. Lamentavelmente, a história revela que entre as coisas suscetíveis de apropriação estão inclusive o ser humano. É o lado triste da natureza do “sapins” que, a despeito da dignidade da pessoa humana, escraviza outros seres da mesma espécie. Dica de leitura Laurentino Gomes – A história da escravidão. 1.4. Relação Jurídica Real x Relação Jurídica Obrigacional RJO – a obrigação tem NATUREZA PESSOAL que se estabelece entre um credor e um devedor. o CREDOR ------ DEVEDOR (Stolze utiliza relação na horizontal) RJR – a obrigação tem natureza bem peculiares e vincula um sujeito a uma coisa. o SUJEITO ------- COISA (Stolze utiliza o traço na vertical). DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 5 1.5. Obrigação propter rem: Conceito e jurisprudência A obrigação propter tem natureza híbrida (obrigacional e real). Ela é transferida automaticamente para o novo titular da coisa. Exemplo: Obrigação do condômino de contribuir para a conservação da coisa comum (art. 1.315, CC/02) o Se “B” adquire um imóvel de “A” que possui dívidas condominiais, essa dívida acompanha o imóvel na transmissão da propriedade, então “B” é quem é o responsável por ela. o Se o inquilino “I” não quitou as cotas condominiais e devolveu o imóvel ao proprietário “P”, é o proprietário que será acionado a responder pela dívida do imóvel. 1.5.1. Jurisprudência: AResp 1557116/MG O STJ entende que as obrigações firmadas no contrato de fornecimento de água e energia elétrica são de natureza pessoal, então não acompanham o imóvel nas transmissões de propriedade. Proprietário “Original” entregou o imóvel ao proprietário “Atual”, sem pagar alguns meses de energia elétrica. A concessionária de energia não pode cobrar do proprietário “Atual”, porque ele não faz parte da relação contratual (que não é propter rem). Bibliografia indicada MENGER, Anton. Derecho Civil y Los Pobres Recomendado para aprofundar no histórico do direito das coisas. 2. Características essenciais 2.1. Legalidade (tipicidade) Todo direito real é NECESSARIAMENTE TÍPICO, ou seja, só pode decorrer da lei. O art. 1.225, CC/02 estabelece um rol de direitos reais. 2.2. Taxatividade Não se admite a ampliação do rol de direitos reais por vontade das partes ou qualquer outra fonte do direito que não a lei estrita. Reais: “Destinando-se a operar contra toda a coletividade, não pode qualquer direito real ser reconhecido juridicamente se não houver prévia norma que sobre ele faça previsão”. (Farias & Rosenvald, 2017) Como todos estão vinculados à lei, os direitos reais só podem ser aqueles que a lei estabelece. Em nosso ordenamento, o art. 1.225, CC. enumera em NUMERUS CLAUSUS todos os direitos reais aplicáveis ao direito brasileiro. Além disso, não se admite que haja uma interpretação ampliativa do rol de direitos reais. Significa dizer que qualquer tentativa de a autonomia privada ou outra fonte do direito criar direitos reais fora do rol estabelecido por lei será inócua, pois não produzirá efeitos erga omnes (redação de Helson). 6 Anotações de Helson Nunes da Silva Exemplos de tentativas inválidas de criar direito real por particulares: o Shopping construído por uma construtora que colocou uma cláusula contratual de empreitada de que todas as reformas ou ampliações vindouras deveriam ser realizadas unicamente por ela. O contrato foi registrado. O parecerista contratado pelo shopping alegou que a tentativa de criar novo direito real, à margem da lista numerus clausus do art. 1.225, CC, não produz os efeitos desejados. A construtora poderia até pedir indenização por descumprimento de contrato. o Ação na Câmara de Comércio Brasil-Canadá. A parte contrária alegou que havia penhor especial prevista por uma resolução da ANP. Ocorre que uma resolução (que não é lei em sentido formal) não pode criar um direito real. Só o legislador pode criar um direito real. Obrigacionais: Aparecem em nosso ordenamento em numerus apertus, privilegiando a autonomia da vontade típica das relações obrigacionais. DÚVIDA DE UM ALUNO: DIREITOS REAIS SE APRESENTAM MUITO MAIS COMO DIREITO PÚBLICO QUE DIREITO PRIVADO. O professor esclareceu que os direitos reais têm aspectos do direito público, pelo fato de serem oponíveis contra todos e dada a obrigatoriamente de estarem expressos em lei. Por outro lado, como a intervenção do Estado permanece sendo muito contraída no geral, os direitos reais são classificados mesmo como sendo da carteira do direito privado. 2.2.1. Tipicidade x Taxatividade Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, taxatividadee tipicidade não se confundem, apenas se complementam. “A taxatividade imputa ao legislador o monopólio da edificação de direitos reais. Por sua vez, a tipicidade (...) delimita o conteúdo de cada tipo de direito real”. “Os autores asseveram que caso adotássemos o princípio da tipicidade (...) não seria autorizada aos particulares a modelação dos direitos reais no âmbito deferido pelo ordenamento. (...) Ou seja, se houvesse tipicidade, não existiria qualquer espaço para a autonomia privada inovar dentro dos direitos reais forjados pela norma”. 2.3. Publicidade Reais: PÚBLICO Dado o absolutismo da relação, os direitos reais dependem da PUBLICIDADE. Isso porque se não houvesse a publicidade, como seria possível que tais direitos fossem oponíveis a todos? A publicidade é uma decorrência direta da natureza absoluta do direito real, pois só assim é possível exigir o respeito de todos sobre ele. Como conferir a publicidade? A publicidade é conferida mediante uma FICÇÃO JURÍDICA que requer um ato que envolve um TÍTULO AQUISITIVO que perpassa por um REGISTRO EM CARTÓRIO. O registro público gera a PRESUNÇÃO ABSOLUTA JURE ET DE JURE DE PUBLICIDADE. É por essa razão que a primeira providência a ser solicitada quando se deseja adquirir um imóvel é obter a certidão do registro de imóvel. Nela estarão registrados os direitos e obrigações que perseguem o bem. Observação Se as obrigações não estiverem registradas na matrícula do imóvel, o adquirente pode invocar a cláusula do terceiro de boa-fé, pois houve limitação do exercício de seu direito. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 7 2.4. Eficácia erga omnes Qual o alcance dos efeitos produzidos pela relação jurídica? Reais: ABSOLUTO Os efeitos produzidos são ABSOLUTOS, projetando-se sobre todos. Ou seja, os direitos reais têm efeitos ERGA OMNES, “eis que acarretam sujeição universal ao dever de abstenção sobre a prática de qualquer ato capaz de interferir na atuação do titular sobre o objeto”. Atenção Poderá ser relativizada pela lei ou pelo interesse social. Obrigações: RELATIVO Os efeitos produzidos são RELATIVOS, atingindo, por regra, somente as partes da relação obrigacional. Ou seja, os direitos obrigacionais têm efeitos INTER PARTES. 2.5. Inerência ou aderência Adere à coisa acompanhando-a em todas as suas mutações. Exemplos: Direitos reais em garantia (penhor, anticrese, hipoteca). 2.6. Sequela “A sequela decorre do absolutismo dos direitos reais, pois se posso exigir de todos um dever de abstenção, nada me impede de retirar o bem do poder daquele que viola tal comportamento” (Farias & Rosenvald, 2017). Reais: o direito de sequela está relacionado aos direitos reais na acepção de GARANTIA. Significa dizer que as consequências vinculadas à coisa a seguirão independente de quem é o proprietário. Exemplo: o “A” oferece um bem em garantia de uma relação obrigacional em que “B” é devedor. Embora o bem oferecido por “A” não perca a condição de ser alienado, ele permanecerá sendo a garantia do credor de “B”, pois o direito de garantia acompanha o imóvel e não o proprietário. “O direito de garantia acompanha a coisa, assim como a sequela acompanha o enfermo” (Prof. Eugênio). A garantia deve ser registrada na matrícula do imóvel. É essa publicidade que assegura o direito de sequela, pois o adquirente não poderá alegar que não tinha conhecimento de que o bem adquirido fora oferecido em garantia. 8 Anotações de Helson Nunes da Silva ATENÇÃO: Os subtópicos 2.7 a 2.11 não foram abordados pelo professor em sala de aula. 2.7. Preferência Reais: A preferência é característica que decorre do direito de sequela. A preferência possui duas acepções: Preferência do titular de direito real de garantia em relação aos demais credores de direitos não reais no concurso de credores. É a posição de destaque do credor em relação à garantia. É dizer, o pagamento do credor – titular de direitos reais – prefere aos demais credores. “C” tem um crédito e lhe foi oferecido um direito real em garantia. Se outros credores do mesmo devedor pretenderem executar, por exemplo, uma nota-promissória ou mesmo uma sentença favorável não poderão obter o direito real oferecido em garantia a “C”. No passado essa preferência era muito mais forte, mas atualmente com as alterações legislativas outras preferências foram criadas sejam na recuperação judicial, seja na falência, seja na insolvência civil. Concorrem: créditos tributários, trabalhistas, créditos bancários, para depois os detentores de direitos reais. Apesar da perda de força nos concursos de credores (processo coletivo), a preferência do titular de um direito real ainda permanece nos processos individuais (credor individual contra credor individual). Isso porque no processo individual presume-se que existam outros bens que possam fazer frente à dívida, enquanto no concurso de credores já se sabe que o sujeito devedor não possui bens para honrar a todos. Exemplo: o Até mesmo em uma reclamação trabalhista, que é um crédito nobre (alimentação), a execução pode ser embargada por terceiro detentor de um direito real. Preferência que se estabelece entre os titulares de direitos reais na coisa alheia para um dia se tornarem plenos proprietários. Dica de leitura Introdução de Direito Civil – Francisco Amaral. Uma coisa é o direito subjetivo. Outra coisa é o conjunto de faculdades (usar, gozar, dispor e reaver no direito de propriedade) de que o sujeito tem potencial de exercer sobre a coisa. Assim, o conjunto de faculdades compõe o que se denomina de direito de propriedade PLENO. Mas é possível que se retire algumas das faculdades (usar e fruir equivalem ao usufruto em favor de terceiro) gerando a NUA propriedade (propriedade despida de algumas de suas propriedades). Nesse caso, o terceiro passa a ter direito real de usufruto sobre a coisa alheia. Entretanto, ao direito objetivo, interessa que a propriedade seja plena, pois o proprietário pleno tende a exercer melhor a função social. O nu proprietário tem a preferência na aquisição do usufruto. E o usufrutuário tem a preferência na aquisição da nua propriedade. “O proprietário pleno tende a atender melhor a função social da propriedade. É por isso que o direito objetivo busca a propriedade plena”. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 9 Só é possível existir direitos reais na coisa alheia porque o direito real é PLÚRIO, ou seja, reúne muitas faculdades. Se não fosse plúrio, seria impossível criar diversos outros direitos baseados em faculdades isoladas ou combinadas de um conteúdo total de faculdades. 2.8. Perpetuidade Reais: os direitos reais tendem a ser PERPÉTUOS. É possível caracterizar a perpetuidade, na medida em que os direitos reais não se extinguem com o uso. Os genuinamente perpétuos são: i) propriedade; ii) enfiuteuse; iii) servidão. Esses três não se extinguem nem com a morte do titular do direito, sendo transferidos aos sucessores do de cujus. Obrigações: os direitos obrigacionais por sua natureza são TRANSITÓRIOS. Isso porque a relação obrigacional se extingue com qualquer modalidade de adimplemento da obrigação. DÚVIDA: E NO CASO DA DESAPROPRIAÇÃO, DA REQUISIÇÃO E DO TOMBAMENTO DE UMA PROPRIEDADE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA? Esses exemplos são limites ao exercício do direito de propriedade. Com efeito, a Administração Pública se vale de sua prerrogativa de supremacia do interesse público sobre o interesse privado para afastar o caráter de perpetuidade dos direitos reais em razão do interesse público devidamente motivado, e, em casos excepcionais. Exemplo de desapropriação com desvio de finalidade: ACM desapropriou um imóvel do banqueiro Clemente Mariano localizado na Ladeira da Barra. Nesse caso, houve desvio de finalidade, porque a motivação do ato estava relacionada a uma espécie de vingança, já que o proprietário não quis vendero imóvel ao Banco Econômico (desejo de ACM), mas sim ao Banco Bradesco. 2.9. Exclusiva (ou Atributiva) Reais: Em regra, os direitos reais são atribuídos a um só titular, sem a possibilidade de compartilhamento solidário. Não significa dizer que mais de um sujeito não pode ser titular de um mesmo direito real. Mas, quando isso ocorre, existe uma ordem de sucessão de uso, como se houvesse graus de titularidade: hipoteca de 1º grau, hipoteca de 2º grau. Obrigacionais: A obrigação pode ser solidária. 2.10. Desmembramento e consolidação Os direitos reais podem ser desmembrados e consolidados. O sujeito ativo pode desmembrar uma ou parte das faculdades da titularidade. Não existe a transferência do bem, senão tão somente um aspecto do direito real. Exemplos: Desmembramento da propriedade em habitação, gerando um direito de propriedade da coisa alheia. Consolidação das habitações no direito de propriedade original. 10 Anotações de Helson Nunes da Silva 2.11. Tabela comparativa entre os Direitos Reais e Obrigacionais Segundo os ensinamentos de Orlando Gomes: O objeto do direito real será sempre uma coisa determinada, ao passo que no direito das obrigações poderá ser uma coisa genérica, desde que determinável; O direito real confere ao titular um gozo permanente, e o direito pessoal confere um gozo transitório; Só direitos reais podem ser atingidos por usucapião; Atenção Enunciado n. 193 da Súmula do STJ O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião. É uma exceção, pois o direito ao “nosso próprio número de telefone” é classificado como direito pessoal. 3. Principiologia 3.1. Princípio da função social Segundo Pablo Stolze & Rodolfo Pamplona (2022), “todo exercício de um direito real (em verdade, de qualquer direito) não poderá descurar da preocupação com os reflexos potenciais para a sociedade”. Assim, a função social “pode ser compreendida a partir da relação com a sociedade e o meio em que está inserida” (Gagliano & Filho, 2022). 3.1.1. Fundamento constitucional e doutrinário Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 11 XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; O professor destacou ainda a doutrina de Orlando Gomes: A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária; a propriedade implica para todo o detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; A propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder. 3.1.2. Caso prático Fonte: Migalhas: Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/350235/tj-sp-nega-reintegracao-de- posse-em-area-ocupada-por-familias-carentes. Acesso em 24/3/2022. O caso: Propriedade de grandes dimensões, próxima ao aeroporto em Ribeirão Preto, foi ocupada por anos por mais de três mil pessoas carentes. Os proprietários, ao tentarem realizar a limpeza do local, em 2014, se depararam com uma ocupação irregular da área, então, ingressaram com uma ação de reintegração de posse. O resultado: Ação de reintegração de posse foi convertida em ação de indenização por desapropriação indireta. Fundamento: A 22ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP considerou que a ocupação de área de grandes proporções, desde 2014, por famílias de baixa renda, com escopo de moradia, apresenta colossal custo de reversão e cumpre o papel da função social da propriedade. Sobre a conversão da ação em desapropriação indireta, os magistrados pontuaram que o fato de a área não cumprir plenamente sua função social, antes da ocupação, também decorreu da inércia do Poder Público, considerando a iniciativa dos autores/proprietários em regularizar o empreendimento imobiliário. Em seu voto, o relator Mac Cracken ponderou que se, por um lado, havia a posse dos autores, por meio de pagamento de tributos e limpeza da área, a posse coletiva, atual e ininterrupta dos réus, ainda que clandestina, atendeu a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF), por meio de edificação de moradias. Com o devido respeito, a imensa área desprovida de edificação e sem destinação a outra finalidade perdurou por anos, sem nenhuma utilização, até a ocupação dos réus." 12 Anotações de Helson Nunes da Silva 3.2. Princípio da boa-fé objetiva O princípio da boa-fé objetiva provém da Teoria Geral do Direito. Aplicação no campo dos direitos reais: Frutos Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio. Perda ou deterioração da coisa Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa. Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante. Benfeitorias Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis. Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias. 3.3. Princípio da vedação ao abuso de direito Embora o direito de propriedade possibilite ao proprietário usar, gozar, fruir, dispor e reaver a coisa, o exercício desses direitos, como de qualquer outro, deve observar os limites de uma satisfação séria e legítima para não incorrer em abuso de direito. Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. O art. 1.228, §2º veda os ATOS EMULATIVOS. Ilicitude subjetiva. O dispositivo pode ser aplicado em conjunto com a cláusula geral de abuso de direito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Ilicitude objetiva. 3.3.1. Casos práticos O vizinho de condomínio que utiliza o som extremamente alto, ou que usa a academia oupiscina nu, de modo regular, incorre em abuso de direito. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 13 Observação Em casos extremos, é possível até que este vizinho seja expulso, mediante uma espécie de ação judicial que será estudada mais à frente. 4. Classificação dos direitos reais 4.1. Direito real da coisa própria (jus in re própria) Abrange tão somente o direito de PROPRIEDADE, que é a base de todo o Direito Real. o Usar o Gozar, fruir o Dispor o Reivindicar 4.2. Direito real na coisa alheia (jus in re aliena) Observação Objeto da disciplina Reais II Direito de gozo/fruição o Superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, concessão de uso especial para moradia, concessão de direito real de uso, laje. Laje – alguns autores consideram que a laje estaria classificada como direito real na coisa própria, mas Stolze não entende assim. o Concessão de direito real de uso Direito de garantia (penhor, hipoteca, anticrese) Direito à coisa (direito do promitente comprador do imóvel). 4.3. Direito à coisa Direito do promitente comprador do imóvel. o Contrato de promessa de compra e venda A construtora não faz o contrato de compra e venda com um promitente comprador que ainda não pagou todo o valor. Quando o cliente paga todas as parcelas, ele ADQUIRE DIREITO À COISA. o Enunciado nº 308 da Súmula do STJ. A construtora incluiu no contrato uma cláusula que oferecia o imóvel em garantia. O detalhe é que o promitente comprador contratou a aquisição do imóvel sem financiamento). Essa cláusula não tem eficácia perante os adquirentes. Súmula 308, STJ A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. 14 Anotações de Helson Nunes da Silva 5. Breve histórico dos direitos reais Atenção: --- Este tópico foi complementado pelo aluno com base em comentários do professor Eunênio Krushesky em março de 2020 --- Os direitos reais estão entre nós há milênios e pode ter sua origem nas enfiteuses criadas pelos gregos; As capitanias hereditárias não deixam de ser grandes enfiteuses. Muito embora a propriedade fosse hereditária, o capitão não podia alienar a propriedade; Ao longo do tempo, os direitos reais já foram coletivos, de natureza mística, individuais, etc. Um marco surgiu no Império Romano, com a criação da hipoteca e do penhor. A propriedade em Roma era obrigada a ser cultivada. Existia o serviço da função social. Os direitos reais tiveram seu ápice com a revolução francesa. O horror das guerras fez com que fosse necessário regular o uso da propriedade. O regime político interfere nos direitos reais. 6. Os direitos reais no CC/02 (art. 1.225) O art. 1.225, CC/02 tipificou taxativamente os seguintes direitos reais: Propriedade (direito real mais genuíno) Superfície Servidão Usufruto Uso Habitação Direito do promitente comprador do imóvel Penhor, hipoteca, anticrese Concessão de uso especial para fim de moradia Concessão de direito real de uso Laje Observação O professor esclareceu que o programa da disciplina foca no direito de propriedade (art. 1.225, I, CC), mas que ele considera importantíssimo estudar e conhecer as particularidades dos demais direitos reais. O direito real mais genuíno é o direito de propriedade. O direito de propriedade é o direito de usar, gozar, dispor, fruir e/ou reivindicar a coisa. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 15 POSSE 7. Teoria geral da Posse 7.1. Conceito e Natureza Jurídica O termo “posse” possui diversos significados. Para o direito e, mais especificadamente, para os direitos reais, qual seria o conceito e a natureza jurídica da “posse”? Posse é direito? Posse é fato? Sua natureza jurídica é híbrida? Para Stolze (2022): A posse por si só não é um direito real. o Os direitos reais são caracterizados pela “tipicidade”, devendo ser previstos e regulados por lei. A posse não está prevista em nenhuma lei. A posse é uma circunstância fática tutelada pelo Direito. Significa dizer que a posse é um fato, a partir do qual derivam-se efeitos considerados relevantes nas perspectivas jurídica e social. É possível, inclusive, que a posse derive de um ato ilícito. 7.2. Teorias da Posse 7.2.1. Teoria Subjetiva (Savigny) Dica de leitura SAVIGNY, o tratado da posse. A posse seria composta por dois elementos: i) Animus; ii) Corpus; ANIMUS A intenção de adquirir a coisa CORPUS O poder material sobre a coisa O possuidor seria aquele que, além de ter a intenção de se assenhorar do bem (animus), dispõe do poder material sobre ele (corpus). Na lição de Caio Mário da Silva Pereira. Para Savigny, adquire-se a posse quando ao elemento material (corpus = poder físico sobre a coisa) se adita o elemento intelectual (animus = intenção de tê-la como sua). Reversamente: não se adquire a posse somente pela apreensão física, nem somente com a intenção de dono: Adipiscimur possessionem corpore et animo; nem per se corpore nec per se animo. Destarte, quem tem a coisa em seu poder, mas em nome de outrem, não lhe tem a posse cível: é apenas detentor, tem a sua detenção (que ele chama de posse natural – naturalis possessio), despida de efeitos jurídicos, e não protegida pelas ações possessórias ou interditos. 16 Anotações de Helson Nunes da Silva 7.2.2. Teoria Objetiva (Jhering) Dica de leitura JHERING. Teoria simplificada da Posse. Jhering partindo da teoria de Savigny, e, contrapondo as ideias do primeiro, formula outra teoria. A posse deveria ser compreendida de uma forma mais simplificada, mais objetiva. O possuidor seria aquele que se comporta como se fosse proprietário, imprimindo ao bem DESTINAÇÃO ECONÔMICA. O que Jhering criticava na teoria subjetiva é que ela não deveria focar nos elementos animus e corpus, pois o animus pode estar IMPLÍCITO em algo mais objetivo. 7.2.3. Teoria sociológica da posse (Perozzi, Saleilles, Hernandez Gil) O princípio da FUNÇÃO SOCIAL também se projetou na doutrina da posse: a posse só pode ser compreendida em uma perspectiva “socializante” (“POSSE-SOCIAL”). “A posse se explica e se justifica pela sua própria função social e não, simplesmente, pelo mero viés do interesse pessoal daquele que a exerce” (Gagliano & Filho, 2022). 7.3. E qual teria sido a teoria adotada pelo CC/02? 7.3.1. A adoção da teoria objetiva de Jhering. Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Na visão de Stolze, o Código Civil de 2002 adotou a teoria objetiva de Jhering na perspectiva do princípio da função social. “Mesmo que o sujeito não seja o proprietário, mas se comporte como tal – por exemplo, plantando, construindo, morando –, poderá ser considerado possuidor” (Gagliano & Filho, 2022, p. 63). “Vale dizer, o exercício, pleno ou não, dos poderes inerentes à propriedade (usar, gozar, ou fruir, dispor, reivindicar) somente justifica a tutela e a legitimidade da posse se observada a sua função social” (Gagliano & Filho, 2022, p. 63). 7.3.2. Onde se aplica a teoria subjetiva de Savigny no Brasil? Apesar de prevalecer a teoria objetiva, não significa que nosso ordenamento não privilegiou Savigny, pois a usucapião é um exemplo que demonstra bem a influência da teoria subjetiva. Para existir usucapião tem que existir posse, e tem de caracterizar animus domini. Exemplo: o Empréstimo de livro: Para não permitir a usucapião, é importante que o proprietário, de tempo em tempo, lembre ao possuidor de que ele, proprietário, está mantendo interesse na coisa. o Um assaltante pode usucapir o objeto furtado ou roubado. Dica de leitura Raul Chaves – A usucapião e o crime. Usucapião pressupõe determinado tempo na posse com animusdomini. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 17 o Mas não é tão simples como parece. A posse deve ser ostensiva, demonstrando atuar como verdadeiro proprietário, e desde que o proprietário não tome alguma providência. o Clandestinidade não produz posse. o O possuidor de má-fé não tem direito. O de boa-fé tem direitos há alguns frutos. o A análise deve ser casuística. 7.4. Detenção (“fâmulo da posse”) – art. 1.198, CC Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. O detentor não deve ser considerado possuidor, na medida em que é um mero “servidor ou fâmulo da posse”. A detenção abrange as situações em que o sujeito do poder de fato é desinteressado na coisa. Exemplos de detenção pura: o Bibliotecário, caseiro, motorista particular, funcionários da fazenda. Exemplo de mudança de detenção para posse: o Detenção: Um pastor foi designado para cuidar da Comunidade Evangélica de determinado município. Nessas circunstâncias, ele exercia o controle do imóvel em nome de outrem a quem estava subordinado. o Posse: No momento em que se desligou do quadro de pastores e continuou nas dependências do templo, deixando de seguir as ordens do legítimo possuidor, houve a transmudação de sua detenção em posse. A doutrina ainda cita o art. 1.208, CC como tendo características da detenção, embora o artigo base do instituto seja mesmo o 1.198. Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. A professora Fernanda (convidada) comentou sobre três espécies que podem ser extraídas deste artigo: Primeira parte: TOLERÂNCIA E PERMISSÃO. o Conceito – ato de liberalidade de conceder o uso temporário e esporádico do bem. o Exemplo: Um vizinho que para na vaga de garagem de outro vizinho para descarregar compras ou em um dia de festa. o Atenção: A preocupação que o proprietário tem de ter é em não deixar configurar um comodato, pois se isso ocorrer pode caracterizar a posse, e a falta de interesse jurídico. Lembrando que na justiça, havendo dúvidas sobre se é detenção ou posse valerá o brocardo: In dubio pro posse. 18 Anotações de Helson Nunes da Silva Segunda parte: VIOLÊNCIA E CLANDESTINIDADE. o Violência: Enquanto o proprietário está defendendo sua propriedade de uma invasão, valendo-se, inclusive, de força e violência (proporcionais àquelas empregadas pelos invasores), só há de se falar em detenção. Caso os invasores consigam seu objetivo, expulsando o proprietário para, a partir daí, usar, gozar e usufruir do bem, deixa de existir detenção e passa a existir a posse. o Clandestinidade: Situação em que os invasores se mantêm em clandestinidade, sem que o proprietário perceba. Até este momento, existe detenção. Assim que os proprietários se derem conta de quem o bem foi invadido, pela ostensividade do ato, deixa de existir detenção e passa a existir posse. Além das duas, ainda existe o debate sobre: OCUPAÇÃO DE BENS PÚBLICOS. 7.4.1. Ocupação de bens públicos Enunciado n. 619 da Súmula do STJ: A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias. Para as situações de ocupação de bem público indevidas ou ilícitas, o STJ entende que a natureza é de mera detenção. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o sujeito não pode ter posse sobre bem público. A regra é que não cabe posse sobre bens públicos. Não cabe usucapião de bem público. E quando não está cumprindo a função social? STJ – REsp 1.296.964/DF RECURSO ESPECIAL. POSSE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BEM PÚBLICO DOMINICAL. LITÍGIO ENTRE PARTICULARES. INTERDITO POSSESSÓRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL. OCORRÊNCIA. 1. Na ocupação de bem público, duas situações devem ter tratamentos distintos: i) aquela em que o particular invade imóvel público e almeja proteção possessória ou indenização/retenção em face do ente estatal e ii) as contendas possessórias entre particulares no tocante a imóvel situado em terras públicas. 2. A posse deve ser protegida como um fim em si mesma, exercendo o particular o poder fático sobre a res e garantindo sua função social, sendo que o critério para aferir se há posse ou detenção não é o estrutural e sim o funcional. É a afetação do bem a uma finalidade pública que dirá se pode ou não ser objeto de atos possessórias por um particular. 3. A jurisprudência do STJ é sedimentada no sentido de que o particular tem apenas detenção em relação ao Poder Público, não se cogitando de proteção possessória. 4. É possível o manejo de interditos possessórios em litígio entre particulares sobre bem público dominical, pois entre ambos a disputa será relativa à posse. 5. À luz do texto constitucional e da inteligência do novo Código Civil, a função social é base normativa para a solução dos conflitos atinentes à posse, dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. 6. Nos bens do patrimônio disponível do Estado (dominicais), despojados de destinação pública, permite-se a proteção possessória pelos ocupantes da terra pública que venham a lhe dar função social. 7. A ocupação por particular de um bem público abandonado/desafetado - isto é, sem destinação ao uso público em geral ou a uma atividade administrativa -, confere justamente a função social da qual o bem está carente em sua essência. 8. A exegese que reconhece a posse nos bens dominicais deve ser conciliada com a regra que veda o reconhecimento da usucapião nos bens públicos (STF, Súm 340; CF, arts. 183, § 3º; e 192; CC, art. 102); um dos efeitos jurídicos da posse - a usucapião - será limitado, devendo ser mantido, no entanto, a possibilidade de invocação dos interditos possessórios pelo particular. 9. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1296964 DF 2011/0292082-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/10/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/12/2016 IP vol. 102 p. 209) DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 19 7.5. Posse de Direitos (“Possessio Juris”) Bibliografia indicada ALVIM, Arruda; COUTO, Mônica. Comentários ao Código Civil (art. 1.196 a 1.276). Regra geral No geral, pensamos em “posse” de bens corpóreos, e deixamos a terminologia de “somos titulares” para os direitos pessoais” (Gagliano & Filho, 2022, p. 69) Exemplos: Saulo possui uma bicicleta. Aline é titular do direito à matrícula na faculdade. “A tendência atual, em nosso sistema, é considerar a posse em face de bens corpóreos ou materiais (o carro ou a casa) ou, excepcionalmente, em face de certos bens incorpóreos ou imateriais (a energia elétrica), que não se confundem com os direitos pessoais”. (Gagliano & Filho, 2022, p. 68) Excepcionalidade No entanto, por vezes, a teoria da posse de direitos pessoais ganha importância no campo do reconhecimento da usucapião. Enunciado n. 193 da Súmula do STJ O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião. Note-se que não é a usucapião de uma coisa (cabos ou fibras óticas da empresa de telefonia). É a usucapião de um direito ao nosso próprio número de telefone. 8. Classificação da posse 8.1. Quanto ao exercício e gozo Posse direta Exercida mediante o poder material ou contato direto com a coisa. Exemplo: Locatário Posse indireta Exercida por via oblíqua Exemplo: Locador o Savigny tinha dificuldade de explicar a posse indireta, pois o possuidor está à distância, então desfigurava o requisito do corpus. Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula aindireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. A posse direta pode surgir de direito pessoal (locatário) ou de direito real (usufruto). A posse direta pode coexistir com a posse indireta. Qualquer dos possuidores pode defender a sua posse entre si ou em face de terceiros. 20 Anotações de Helson Nunes da Silva STJ, Resp. 588.714/CE RECURSO ESPECIAL. CIVIL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO AJUIZADA POSTERIORMENTE AO ABANDONO DO IMÓVEL PELA LOCATÁRIA. POSSIBILIDADE. OBJETIVO: EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Celebrado o contrato de locação, opera-se o fenômeno do desdobramento da posse, pela qual o locador mantém para si a posse indireta sobre o imóvel, transferindo ao locatário a posse direta, assim permanecendo até o fim da relação locatícia. 2. Enquanto válido o contrato de locação, o locatário tem o direito de uso, gozo e fruição do imóvel, como decorrência de sua posse direta. Nessa condição, pode o locatário, sem comprometimento de seu direito, dar ao imóvel a destinação que melhor lhe aprouver, não proibida por lei ou pelo contrato, podendo, inclusive, se assim for sua vontade, mantê-lo vazio e fechado. 3. As ações de despejo têm natureza pessoal, objetivando a extinção do contrato de locação, em razão do fim de seu prazo de vigência, por falta de interesse do locador em manter o vínculo porque o locatário inadimpliu qualquer de suas obrigações ou ainda porque é de seu interesse a retomada do imóvel, por uma das causas previstas em lei. 4. Hipótese em que, não existindo nos autos prova de que o contrato de locação foi rescindido, deve prevalecer a presunção de sua validade, sendo vedado à locadora retomar a posse do imóvel por sua livre e espontânea vontade, ainda que a locatária estivesse inadimplente no cumprimento de suas obrigações, sob pena de exercer a autotutela. O remédio jurídico, em tal caso, nos termos do art. 5º da Lei 8.245/91, é o ajuizamento da necessária ação de despejo. 5. Recurso especial conhecido e improvido. (STJ - REsp: 588714 CE 2003/0159137-0, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 09/05/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 29/05/2006 p. 286LEXSTJ vol. 202 p. 124RDR vol. 39 p. 387) Celebrado o contrato de locação, opera-se o desdobramento da posse, também conhecido por PARALELISMO. Diz-se que surge o fenômeno da ESPIRITUALIZAÇÃO DA POSSE. Atenção A professora Fernanda Barreto comentou que a classificação de posse direta e posse indireta não se aplica às situações de violência ou clandestinidade. 8.2. Quanto à existência de vício Posse justa Posse injusta Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. Posse VIOLENTA o Em 10/3, “Invasor” invadiu a fazenda de “Proprietário”. Este pode utilizar a autotutela da posse, para repelir o ato de invasão, dentro dos limites da proporcionalidade da conduta. No dia 18/3, após 8 dias de violência, o proprietário foi expulso da fazenda. O esbulho se confirmou, e o “Invasor” começou a plantar no terreno. De 10/3 a 18/3, durante o ato de violência, não há posse, apenas detenção. De 19/3 em diante, cessada a violência, “Invasor” passa a exercer posse injusta. Ainda que esta posse seja injusta, se o proprietário não tomar as providências judiciais previstas, “Invasor”, mantendo a posse, poderá futuramente usucapir da fazenda. Isso porque, ele está referenciando a função social. Atenção Mesmo identificando a origem injusta, essa posse ainda é tutelada pelo direito. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 21 o Remédio jurídico: O proprietário esbulhado deve provocar o judiciário imediatamente para reaver sua propriedade: ação de reintegração de posse. Curiosidade Na Justiça, ambos podem ingressar com ação para discutir quem mantém a melhor posse. Posse CLANDESTINA o Enquanto está escondido, oculto... não há posse. o Remédio: desforço incontinente. Posse PRECÁRIA (vide tópico 10 - Posse precária) o Decorre, em regra, do comodato. Ana empresta seu apartamento para Clara residir por um tempo. o A grande questão envolvendo a posse precária (lícita) é sua diferenciação com a precariedade da posse (vício). 8.3. Quanto à legitimidade do título (elemento subjetivo) Posse de boa-fé Se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Exemplo: o O sobrinho que recebeu uma fazenda por herança, sem saber que o tio não é efetivamente o proprietário. Presunção de boa-fé Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. Posse de má-fé Configura-se a posse de má-fé a partir do momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. Enunciado n. 303 da IV Jornada de Direito Civil 303 – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse. o Justo título – justo motivo que autoriza a aquisição derivada da posse. o Não precisa estar materializado em instrumento público ou particular. o A compreensão é na perspectiva da função social da posse. 22 Anotações de Helson Nunes da Silva 8.4. Quanto ao tempo Posse nova É aquela que tem menos de “ano e dia”. o É mais fácil o proprietário expulsar o possuidor da coisa, com uma ação de força nova. o É possível requerer uma liminar das possessórias. Posse velha É aquela que tem mais de “ano e dia”. o Entra com ação de força velha. o Perde a possibilidade de liminar das possessórias. o Na dúvida, o proprietário tem de reagir logo. Buscar o advogado e entrar com a ação possessória. Art. 558. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. Ação de força nova. Possibilidade de liminar das possessórias. Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório. Ação de força velha. Procedimento comum. 8.5. Quanto à proteção Posse ad interdicta A posse que é passível de proteção pelos interdictos possessórios. o Ação de reintegração da posse, por exemplo. Posse ad usucapionem o A posse passível de se transformar em direito de propriedade, por meio da usucapião. 9. Composse Consiste na posse simultânea de um mesmo imóvel por mais de uma pessoa. Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores. Pro diviso Os compossuidores delimitam em comum acordo as áreas para o exercício da posse de cada um deles. Exemplo: o Três irmãos, condôminos e compossuidores do mesmo imóvel, resolvem delimitar a área de uso de cada um. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 23 Pro indiviso A posse compartilhada é realizada de forma indistinta e simultânea, por qualquer um dos compossuidores (art. 1.199, caput, CC). 9.1. Composse entre herdeiros durante o inventário STJ, Resp. 1.244.118/SC DIREITO CIVIL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE DE IMÓVEL HERDADO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM E DO DIREITO SUCESSÓRIO DA HERDEIRA PRETERIDA. PRÁTICA DE ATOS DE AUTODEFESA DA POSSE. TURBAÇÃO CARACTERIZADA.ARTS. ANALISADOS: 488, 1.572 E 1.580 DO CCÚ1916. 1. Ação de manutenção de posse, distribuída em 21Ú01Ú2005, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 24Ú09Ú2012. 2. Discute-se a possibilidade de propositura de interditos possessórios entre compossuidores, no particular, entre coerdeiros, e a ocorrência de turbação à posse do bem herdado. 3. Aberta a sucessão, a transmissão do patrimônio faz-se como um todo unitário (condomínio hereditário), e assim permanece, até a partilha, em situação de indivisibilidade (art. 1.580 do CCÚ16), a que a lei atribui natureza imóvel (art. 44, III, do CCÚ16), independentemente dos bens que o compõem. 4. Adquirem os sucessores, em consequência, a composse pro indiviso do acervo hereditário, que confere a cada um deles a legitimidade para, em relação a terceiros, se valer dos interditos possessórios em defesa da herança como um todo, em favor de todos, ainda que titular de apenas uma fração ideal. De igual modo, entre eles, quando um ou alguns compossuidores excluem o outro ou os demais do exercício de sua posse sobre determinada área, admite-se o manejo dos interditos possessórios. 5. Essa imissão ipso jure se dá na posse da universalidade e não de um ou outro bem individuado e, por isso, não confere aos coerdeiros o direito à imediata apreensão material dos bens em si que compõem o acervo, o que só ocorrerá com a partilha. 6. No particular, o reconhecimento do direito sucessório da recorrente não lhe autoriza, automaticamente, agir como em desforço imediato contra os recorridos que, até então, exerciam a posse direta e legítima do imóvel. 7. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa parte, desprovido. 10. Posse precária (Detalhamento do subtópico “8.2 - Quanto à existência de vício” Posse injusta Posse PRECÁRIA) Existe uma diferença entre a posse precária, que é lícita, e a precariedade da posse, que é vício. POSSE PRECÁRIA A posse precária é aquela concedida a título de favor. É um comodato. O comodatário se torna um possuidor lícito. VÍCIO DA PRECARIEDADE Surge quando o proprietário solicita ou exige a devolução do bem, e o comodatário, quebrando a relação de confiança (violação à boa-fé objetiva), não o devolve. O vício da precariedade torna a posse injusta. 24 Anotações de Helson Nunes da Silva 10.1. Interversão da posse ou interversio possessionis Consiste na alteração da natureza da posse exercida, até então lícita, para uma posse injusta, por meio do vício da precariedade. Enunciado n. 237 da III Jornada de Direito Civil Art. 1.203: É cabível a modificação do título da posse – interversio possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo efeito a caracterização do animus domini. Segundo prof. Pablo, a concessão de posse precária é lícita. O vício da precariedade só surge com a quebra do vínculo de confiança pela negativa de devolução da coisa. 10.2. Esbulho pacífico REsp 302.137/RJ, rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (...) III – A recusa do comodatário em restituir a coisa após o término do prazo do comodato, mormente quando notificado extrajudicialmente para tanto, implica em esbulho pacífico decorrente da precariedade da posse, podendo o comodante ser reintegrado na mesma através das ações possessórias. 11. Aquisição da posse (art. 1.204 e 1.205) Em que momento ocorre a posse (e, consequentemente, sua perda), quem está legitimado a adquiri-la e de que forma? 11.1. Momento de aquisição Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Aproxima-se da Teoria de Jhering – adquire-se a posse quando um sujeito passa a se comportar como proprietário, “passando a exercitar, na prática, qualquer dos poderes de usar, gozar ou fruir, dispor da coisa, ou mesmo, reivindicá-la” (Gagliano & Filho, 2022, p. 81). Clóvis Beviláqua ensina que “se a posse é o estado de fato, correspondente ao exercício da propriedade ou de seus desmembramentos, sempre que esta situação se definir, nas relações jurídicas, haverá posse”. 11.2. Legitimados Art. 1.205. A posse pode ser adquirida: I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 25 11.3. Transmissibilidade da posse (art. 1.206 e 1.207) Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres. Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. Importante para o direito sucessório. “Com os mesmos caracteres” – O herdeiro, como sucessor universal, dá continuidade à posse do antecessor com as mesmas características, ou seja, se a posse era injusta permanecerá injusta, se era justa é transmitida como justa. o Os tempos de posse podem ser somados para efeitos de usucapião. Ao “sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais”. o Sucessor singular: adquirente por compra e venda, donatários e legatários. o União de posses está associada a acessão (conceito ainda não estudado). 11.3.1. Sucessio Possessionis vs. Acessio possessionis Sucessio Possessionis – A posse é sucedida com as mesmas características, ou seja, se a posse era injusta permanecerá injusta. Acessio possessionis – A posse não é sucedida como antes. No caso da compra, doação e beneficiário de legado, é acessio possessionis. 11.3.2. Questão especial: Constituto possessório (cláusula “constituti”) x Traditio Brevi Manu Constituto possessório – aquele que possuía (a posse) em seu próprio nome passa, em seguida, a possuir em nome de outrem. o “A” era proprietário do imóvel, vendeu a “B” e se manteve no imóvel como locatário. Assim, deixou de ter a posse em nome próprio (ele mesmo como proprietário) para ter a posse (inquilino) em nome de outrem (locador) A cláusula que disciplina essa operação é denominada de cláusula constituti. Traditio brevi manu – aquele que possuía em nome alheio passa a possuir em nome próprio. o Locatário que compra o imóvel e consolida plenamente a posse. 12. Efeitos da posse O professor comentou que esse tópico abre um mundo de perspectivas, mas que, para efeitos da disciplina, ele destacaria os três efeitos mais importantes. 12.1. Percepção de frutos e produtos Revisão de conceitos Frutos colhidos ou percebidos – já destacados da coisa principal, mas ainda existentes. Frutos pendentes – ainda se encontram ligados à coisa principal. Frutos percipiendos – deveriam ter sido colhidos, mas não foram. Frutos estantes – foram destacados e se encontram armazenados. 26 Anotações de Helson Nunes da Silva Frutos consumidos – foram destacados e não existem mais. Frutos naturais – decorrem do próprio bem principal de forma natural, sem intervenção humana. Frutos industriais – decorrem de atividade industrial humana (bens manufaturados). Frutos civis ou rendimentos– utilidades que a coisa periodicamente produz, na forma de renda (juros, aluguel). 12.1.1. Frutos Efeitos para o possuidor de boa-fé Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Frutos percebidos – O direito se resume aos frutos percebidos enquanto perdure a boa-fé. A partir do momento que o possuidor de boa-fé tomar ciência de que um legitimo possuidor reivindicou a posse, a condição é alterada para possuidor de má-fé, fazendo com que ele perca direito aos frutos percebidos dali em diante (vide art. 1.216, CC). Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produçãoe custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. Frutos pendentes – devem ser restituídos ao legítimo possuidor, embora o possuidor de boa-fé possa abater as despesas da produção e custeio. Frutos estantes ou estocados – devem ser restituídos ao legítimo possuidor. Efeitos para o possuidor de má-fé Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio. Frutos colhidos e percebidos – responde por todos eles, como forma de sanção a sua má-fé. Frutos percipiendos – responde, inclusive, pelos frutos que poderia colher e não o fez. Direito às despesas de produção e custeio – o ressarcimento é devido para evitar o enriquecimento ilícito. Momento em que os frutos são considerados colhidos e percebidos Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia. Frutos naturais e industriais – tão logo são separados da coisa principal. Exemplo o No exato momento em que o bezerro nasce já é considerado um fruto colhido. Então, se a reivindicação foi posterior ao nascimento, o possuidor de boa-fé tem direito à posse do bezerro. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 27 Frutos civis ou rendimentos – verificados dia a dia. Exemplo o Possuidor que locava o imóvel foi informado da reivindicação no dia 15. Até o dia 15, tem direito aos frutos percebidos, pois estava de boa-fé. Após o dia 15, já não terá, pois sua condição mudou para possuidor de má-fé. 12.1.2. A controvérsia acerca dos produtos Art. 1.232. Os frutos e mais PRODUTOS da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem. A questão que se impõe é que o código só cuidou dos efeitos que possuidor de boa-fé tem em relação aos frutos, ficando silente quanto aos produtos. Uma interpretação literal levaria ao entendimento que o possuidor de boa-fé teria que restituir inclusive os produtos colhidos e percebidos, criando uma situação de flagrante injustiça. Posição de Clóvis Beviláqua “Na expressão frutos, compreendem-se (...) os produtos”, então no “meu sentir, é mais adequada e justa o mesmo tratamento dado aos frutos”. 12.2. Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa (art. 1.217 e 1.218) Revisão de conceitos Perda – total perecimento da coisa. Deterioração – dano parcial da coisa. Possuidor de boa-fé Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa. Em regra, não responde nem pela perda nem pela deterioração. Salvo, se ele der causa, atuando com culpa ou dolo (art. 187, CC). Exemplo o O possuidor de boa-fé toca fogo para fazer pastagem, e o fogo se alastra por 60% do terreno. Mais pra frente, o proprietário reivindica a posse e pede indenização, pois o antigo possuidor, mesmo de boa-fé, deu causa a danos por culpa ou dolo. Possuidor de má-fé Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante. Em regra, responde pela perda e pela deterioração, ainda que por acidente: responsabilidade objetiva. Salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante. Exemplo o Pode provar que a perda ou deterioração foram causadas por um raio. Neste caso, o fato aconteceria mesmo se a posse estivesse com o reivindicante. 28 Anotações de Helson Nunes da Silva 12.3. Tratamento dado às benfeitorias realizadas (art. 1.219 a 1.222) Observação Não confundir benfeitorias com acessão artificial (construção). 12.3.1. Possuidor de boa-fé Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias NECESSÁRIAS e ÚTEIS, bem como, quanto às VOLUPTUÁRIAS, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias NECESSÁRIAS e ÚTEIS. Direito às benfeitorias NECESSÁRIAS e ÚTEIS realizadas na coisa. Jus retentionis – tem direito ao exercício do direito de retenção da coisa. Jus tollendi – exercício do direito de levantar a coisa (desde que não comprometa a coisa), caso o legítimo possuidor não o pague. 12.3.2. Possuidor de má-fé Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias. Somente tem direito a ser indenizado pelas benfeitorias NECESSÁRIAS, mas NÃO tem direito de retenção. Também NÃO tem direito de levantar as voluptuárias. Jus retentionis – não tem direito ao exercício de retenção da coisa. Jus tollendi – não tem direito ao exercício de levantar a coisa Qual o valor da indenização para o possuidor de má-fé? Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual. O possuidor de má-fé pode ser compelido a receber pelo valor atual ou pelo valor de custo da benfeitoria. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 29 12.3.3. Quadro-resumo 12.3.4. Lei do inquilinato Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção. Benfeitorias necessárias – Em regra, são indenizáveis, ainda que não autorizadas pelo locador. Benfeitorias úteis – São indenizáveis, desde que autorizadas pelo locador. Jus retentionis – SIM. Art. 36. As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel. Benfeitorias voluptuárias – não são indenizáveis. Jus retentionis – NÃO. Jus tollendi – SIM, desde que não afete a estrutura e a substância do imóvel. Cláusula de renúncia Enunciado n. 335, STJ Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção. Enunciado n. 433, V Jornada de Direito Civil Art. 424: A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão. 30 Anotações de Helson Nunes da Silva 12.4. Autotutela da posse Conceitos Turbação – é o embaraço, perturbação da posse. o Um sujeito entra com seu gado na terra de terceiro para pastar. Esbulho – é a privação da posse, a invasão. Direitos do possuidor Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. Turbação – o possuir tem o direito de ser mantido na posse Esbulho – o possuidor tem o direito de restituição de posse Formas legítimas de manutenção e retomada de posse § 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. Requisitos Agir logo e com proporcionalidade de força. Com a moderação Legítima defesa ou Desforço o Legítima defesa Turbação Chamou um funcionário e retirou os gados o Desforço incontinente Esbulho Chamou o funcionário e retirou os invasores. Tempo necessário para agir Art. 1.224.Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido. Tempo necessário para reagir leva em consideração a distância e o tempo de deslocamento o Exemplo: O possuidor estava a 1.000 Km de distância, então não poderia chegar em 1h. Enunciado 495, V Jornada de Direito Civil No desforço possessório, a expressão “contanto que o faça logo” deve ser entendida restritivamente, apenas como a reação imediata ao fato do esbulho ou da turbação, cabendo ao possuidor recorrer à via jurisdicional nas demais hipóteses. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 31 PROPRIEDADE 13. Noções gerais sobre propriedade 13.1. Fundamento constitucional Direito fundamental A constituição consagra a propriedade como um direito fundamental. Art. 5º, XXII - é garantido o direito de propriedade; Direito fundamental imbricado com a função social. Art. 5º, XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 13.2. Reflexões sobre o princípio da função social Em Roma antiga, dizia-se que a propriedade vertical se estendia do céu ao inferno. Então, havia quem abusasse, mais que usasse disso. Um proprietário, se sentindo incomodado com a passagem de balões por cima de sua propriedade, colocou lanças bem altas para impedir que os balões passassem por ali. Como tinha direito ao uso da propriedade vertical, em princípio, não haveria nada de errado. No entanto, o direito ao uso da propriedade encontra limites na sua função social. Principais reflexões: León Duguit Autor responsável pela construção da doutrina geral do direito da propriedade. Segundo Orlando Gomes, Duguit é o pai da ideia de que os direitos só se justificam por uma missão social para a qual devem colaborar. Dica de leitura As transformações gerais do direito privado. Orlando Gomes O autor profetizou a constitucionalização do direito civil, processo pela qual os principais institutos do direito civil migraram para a Constituição Federal. o Propriedade o Contrato o Família A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tomar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder. (2012, p.121) 32 Anotações de Helson Nunes da Silva Gustavo Tepedino A propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade. (...) A despeito, portanto, da disputa em torno do significado da noção de função social, poder-se-ia assinalar, como patamar de relativo consenso, a capacidade do elemento funcional em alterar a estrutura de domínio, inserindo-se em seu “profilo interno” e atuando como critérios de valoração do exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um “massimo sociale.”. Função social o Ativa Impõe ativamente certas ações. Exemplo: Respeitar o comando ambiental. Cumprir as obrigações com os trabalhadores rurais. o Passiva Impõe passivamente algumas abstenções. Exemplo: Não pode poluir as águas. A função social legitima a propriedade. No entanto, essa legitimação não se confunde com a ideia de coletivização da propriedade. É até possível que a função social beneficie a coletividade, mas o seu fundamento não é essencialmente esse. O fundamento da função social é atender ao interesse da sociedade como um todo. Outro ponto é que, no Brasil, a função social não se presta a atender os interesses do Estado. Questão (Prof. Alvim Arruda). A função social está dentro do conceito de propriedade ou é um elemento exógeno que limita e condiciona a propriedade? Segundo Stolze, a função social seria um vetor principiológico externo à propriedade. Isso porque não se perde o direito à propriedade automaticamente quando se deixa de observar a função social. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 33 13.3. Conceito de propriedade e natureza jurídica O direito de propriedade consiste no direito real de usar, gozar ou fruir, dispor e reivindicar a coisa nos limites da função social. Tratamento legal Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Trata-se de um direito complexo que conjuga alguns poderes. Propriedade plena Se o sujeito dispõe de todos os poderes, diz-se que ele tem a propriedade é plena. Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário. Limites ao direito de propriedade Art. 1.228, §1º - O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. 13.4. Abuso de direito de propriedade 13.4.1. Proibição de abuso de direito (cláusula geral) A cláusula geral de abuso de direito está disposta no art. 187, CC. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Ilicitude objetiva. Não importa a intenção. 13.4.2. Proibição dos atos emulativos Art. 1.228, §2º - São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam ANIMADOS PELA INTENÇÃO DE PREJUDICAR OUTREM. Ilicitude com base na subjetividade, pois se exige a comprovação do dolo. O professor considera que a redação desse dispositivo iniciou bem, mas teve um péssimo desfecho. Iniciou bem porque vedou os atos que não trazem qualquer comodidade ou utilidade ao proprietário, mas falhou ao prever a exigência de dolo de prejudicar outrem. Influência do art. 833, CC/1942 Italiano. 34 Anotações de Helson Nunes da Silva 13.5. Características Complexo Absoluto (erga omnes) Perpétuo Exclusivo Elástico 13.5.1. Complexo Na medida em que congrega um conjunto de poderes e faculdades que o tornam o mais completo dos direitos reais: usar; gozar e fruir; dispor e reivindicar. 13.5.2. Absoluto (erga omnes) Não no sentido de que o proprietário pode fazer o que bem entender, e, sim, porque a oponibilidade desse direito de propriedade é ERGA OMNES. 13.5.3. Perpétuo Não se extingue, simplesmente, pelo não uso, podendo ser transmitido indefinidamente por gerações (Gagliano & Filho, 2022, p. 117). 13.5.4. Exclusivo Salvo em hipóteses de condomínios ou da multipropriedade, o poder dominial de alguém sobre determinada coisa exclui o de outrem, concomitantemente. 13.5.5. Elástico Não perde a essência, mesmo quando distendido ou contraído para formação de outros direitos reais. Al cesar el derecho real de disfrute sobre la propiedad, esta (re)adquiere su dimensión original, su plenitude, el dominio completo – alodialidad –; pasa a ser, nuevamente, uma propiedad plena con todos sus atributos, dejando de ser nuda propiedad. Esto se relaciona con lacaracterística de elasticidad de la propiedad. Se contrae com el usufructo y se expande al cese. Por el usufructo, la propiedad descrece e crece. Enrique Varsi Rospigliosi. Citado no Manual de Direito Civil por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona. Elasticidade DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 35 Propriedade Plena Destaca Usar / Fruir forma o Usufruto O proprietário tem a faculdade de destacar os poderes de usar/fruir para o usufruto de alguém. NUA PROPRIEDADE – aquela que não está plena em seus poderes de usar, gozar/fruir, dispor. Usufruto Devolve Usar / Fruir retoma Propriedade Plena ALODIALIDADE – Ao cessar o usufruto, a propriedade se consolida novamente, voltando a ser plena. 13.6. Extensão da propriedade (art. 1.229, art. 1.230) Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Em regra, a propriedade se estende de forma horizontal e vertical (ar e solo). Para o alto, os poderes de propriedade devem observar os limites do gabarito municipal. UTILIDADE – A altura e profundidade de uso devem ser úteis ao exercício do uso, gozo e fruição. O proprietário não tem direito à vista, então se um imóvel é construído e passa a atrapalhar a vista para o mar ou para áreas verdes de outro proprietário, este não terá direito a reivindicar nada. Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais. Subsolo – a exploração de jazidas, minas e demais recursos minerais, assim como os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens (leis especiais) estão excetuados ao direito de propriedade. 13.7. Diferença entre propriedade resolúvel e propriedade ad tempus Resolúvel – aquela que tem, em seu próprio título constitutivo, um elemento que limita potencialmente a sua duração, como uma condição resolutiva. Exemplo: o A propriedade fiduciária de um bem só existe até que o comprador efetue o pagamento de todas as parcelas do financiamento, momento em que a propriedade fiduciária é automaticamente desfeita, consolidando a propriedade plena do comprador. Ad tempus – não nasce com previsão de fim. Nasce com vocação de definitividade, mas um fato superveniente pode repentinamente extingui-la. o A doação que foi revogada por ingratidão. O donatário tem potencial para ser proprietário pleno e definitivo do bem desde a doação. No entanto, se a doação for revogada por ingratidão, a propriedade é desfeita. 13.8. Tutela processual da propriedade Sendo a propriedade o mais completo direito real, é natural que seja necessário manejar, em certas circunstâncias, uma tutela processual para o seu reconhecimento. 36 Anotações de Helson Nunes da Silva Basicamente, há dois instrumentos: Ação reivindicatória Ação publiciana 13.8.1. Ação reivindicatória Aplica-se quando o proprietário é privado de seu bem e fundamenta sua demanda por meio de comprovação da titularidade do domínio – ius possidendi. A lide é entre o “proprietário que tem título, mas não tem posse” contra o “possuidor que tem posse, mas não tem título”. Comprovar titularidade do domínio o Registro imobiliário em cartório o Descrição atualizada do bem, com delimitação dos contornos e confrontações. 13.8.2. Ação publiciana A ação publiciana consiste em uma espécie de ação reivindicatória quando o postulante não tem o título da propriedade. O postulante reivindica a propriedade alegando que é o legítimo proprietário mesmo sem ter o registro. Assim, deve provar por outros meios. Exemplo: Jorge é proprietário de um terreno que foi adquirido por usucapião, mas ainda não dispõe da sentença declaratória, o que significa que não tem o título dominial em seu nome. Se Mauro invade sua propriedade, Jorge pode ingressar com medida no juízo possessório para reavê-la. Como não tem o título, o caminho será uma ação publiciana. 13.9. Modos de aquisição da propriedade imobiliária Basicamente, existem três modos para a aquisição da propriedade imobiliária. Usucapião Acessão Registro Os detalhes serão vistos a partir do tópico 14. 13.10. Modos de aquisição da propriedade mobiliária Este tópico foi desenvolvido a partir de uma atividade de leitura e fichamento sugerida pelo professor. Referencial teórico: GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil. Direitos Reais. 4ª. Ed., Saraiva, 2022, p. 239 a 252. DIR192 – DIREITOS REAIS I (2022.1) 37 13.10.1. Modalidades São aquelas dispostas nos art. 1.260 ao art. 1.274, CC: Usucapião Ocupação Achado de tesouro Tradição Especificação Confusão Comissão Adjunção Somente a usucapião é modalidade comum para bens imóveis e bens móveis. Os demais são específicos da propriedade de bens móveis. 13.10.2. Usucapião Usucapião ordinária Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade. Forma mais ordinária Requer justo título e boa-fé Tempo: 3 anos Exemplo: o Sujeito que comprou um veículo, ignorando que havia um vício no ato de transferência, devidamente documentado. Usucapião extraordinária Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé. Forma extraordinária Independente de título ou boa-fé. Tempo: 5 anos. Questão polêmica: É possível usucapir bem móvel roubado ou furtado? o Observar que no caso do roubo, cessa a violência no momento posterior à prática do crime, passando a fruir a contagem do prazo de usucapião. o Resp 1.637.370/RJ É possível a usucapião de bem móvel proveniente de crime após cessada a clandestinidade ou a violência. 38 Anotações de Helson Nunes da Silva o Posição de Dilvanir da Costa, Stolze & Pamplona Enquanto estiver pendente o prazo para se deduzir a prescrição punitiva em Juízo, não se pode reconhecer a usucapião, porquanto a res ainda pode ser enquadrada como produto de crime. o Projeto de Lei n. 7.385/2010 – proposta para impedir a usucapião de coisa obtida por meio de crime. “Se a pessoa tem a posse da coisa como resultado de ato criminoso, é vedada a usucapião.” Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e 1.244 . Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores ( art. 1.207 ), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242 , com justo título e de boa-fé. Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. 13.10.3. Ocupação Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei. Res nullius – assenhoramento de um bem móvel sem dono. Res derelictae – assenhoramento de uma coisa abandonada. Atenção Não se pode adquirir a propriedade de coisa perdida – res despercicta. Quem encontra coisa perdida está obrigado a restituir ao dono ou legítimo possuidor. Achádego – Quem encontra e devolve o bem tem direito a uma recompensa não inferior a 5% do seu valor. 13.10.4. Achado de tesouro Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente.
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