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Corpo e corporeidade

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Corpo e corporeidade
O corpo é objeto de estudo de várias disciplinas e, para nós (psicólogos), quando falamos sobre o adoecimento, nos referimos às marcas e percepções que serão delineadas subjetivamente; Lembremos que os processos psíquicos se enraízam na materialidade corporal e vice versa.
O pesquisador brasileiro Lazslo Ávila (2012) ao analisar a polissemia do corpo, chegou ao total de 09 noções, comumente utilizadas, dentre elas: 01) Corpo físico: trabalhado pelas ciências biomédicas; 02) Corpo imaginarização: é o corpo das artes e da publicidade; 03) Corpo do outro: é o corpo fantasiado pelo próprio sujeito mas, que permanece alheio a ele; 04) Corpo trabalhado: pela educação física, pela fisioterapia, pelo quiropraxia, sendo este o corpo da reabilitação. 05) Corpo da dança: é o corpo vivenciado entre os atos, no palco, na liberdade dos movimentos; 06) Corpo religioso: é o corpo das crenças; 07) Corpo da psicanálise: é o corpo das pulsões, este corpo foi o enigma inicial da psicanálise através das conversões histéricas; 08) Corpo experienciado: É o corpo colocado entre o “eu” e o “outro”. É a expressão das minhas próprias fronteiras e, esse foi o corpo de maior interesse para a psicossomática psicanalítica porque define “as respostas subjetivas do sujeito, diante daquilo que lhe afeta”. Portanto, uma reclamação no trabalho pode produzir náuseas ou repercutir no agravamento da enxaqueca. Por fim, o corpo nº 09 é aquele que ainda está por vir, que está em definição e, o autor afirma que há espaço para muitos estudos sobre tal. Para Lazslo Ávila, a psicossomática ao ser pensada em associação com a psicanálise permite compreender que ocorreu um “deslocamento” na representação subjetiva, já que no sintoma psicossomático, a questão subjetiva (que deveria ser compreendida mentalmente) ou nas palavras do autor “representada”, se traduz no corpo, ou seja, é apresentada sob a perspectiva somática. Nessa situação, a psicoterapia deverá permitir a representação por outras vias. Logo, a psicossomática comporta uma multiplicidade entre a cultura, as perspectivas sociais e históricas, o corpo físico e o experienciado.
 
Psicossomática: caracterizações do campo
 
Pode-se dizer que o percurso histórico da Psicossomática é marcado por duas divisões: uma delas deu ênfase à Psicossomática Psicanalítica; a outra deu ênfase à Psicossomática mais biológica, neurofisiológica.
Tal nomenclatura foi utilizada pelo psiquiatra Johann Heinroth em 1818, nos seus estudos sobre epilepsia, câncer e tuberculose. Apesar disso, somente após pouco mais de um século, novos estudos ganharam relevância. Apesar de não usar a palavra “psicossomática”, propriamente dita, os estudos de Freud são vistos como o marco da Psicossomática Psicanalítica. Cruz e Pereira Junior (2011) relembraram os sintomas das histéricas, que chamavam a atenção dos médicos na época, dado que as paralisias ocorriam sem a evidência de lesões, danos aos músculos ou nervos. A hipnose demonstrava que o organismo estava em condições “normais” de funcionamento e, a associação livre demonstrava a cadeia logicamente formada entre o inconsciente é aquilo que é verbalizado, permitindo trazer à tona os eventos reprimidos e traumáticos.
Branco (2005) afirmou que em Freud, não há como negar o sujeito que está ligado ao corpo e, a subjetividade e o simbólico subentendem-se no contexto da fala, onde o sujeito não é uma singularidade pura. Para a autora, os modelos psicanalíticos ajudam a pensar as origens e os momentos desencadeadores das perturbações somáticas, que são diversos.
 
“Nas doenças psicossomáticas identificamos uma regressão próxima da regressão psicótica, uma regressão de tipo muito arcaico, mas sem evidente fragmentação do Eu. Neste caso, a neurose do órgão é uma resposta somática que não pretende expressar uma emoção e, ao contrário da conversão histérica, é desprovida de sentido aparente” (BRANCO, 2005, p. 258).
 
 
Nos EUA, na década de 40, dois nomes ganharam relevância nas investigações sobre a psicossomática: Helen Dunbar e Franz Alexander, que defenderam a psicogênese da doença. A primeira, falava sobre os perfis da personalidade, acreditando que os sintomas seriam derivados da energia pulsional agindo diretamente no sistema nervoso. Alexander, por sua vez, foi reconhecidamente a maior referência em Psicossomática das décadas de 30 e 40. Branco (2005) mencionou que o mesmo era crítico às explicações da psicossomática como extensões ao modelo de conversão histérica de Freud. Para o autor, a impossibilidade de expressar emoções produzem recalcamentos, geradores de tensões. Assim:
 
“Quando reprimidos, a agressividade, o medo e a culpabilidade provocam disfuncionamentos de órgãos, por impulso de tensões emocionais crônicas. Aos defeitos estruturais da personalidade defendidos por Dunbar, Alexander (1950) contrapôs a especificidade do conflito, diferenciando sintomas conversivos (expressão simbólica de um conteúdo psicológico recalcado) e doenças psicossomáticas (respostas vegetativas a estados emocionais crônicos)" (BRANCO, 2005, p. 259).
 
Segundo Casetto (2006) nessa perspectiva, as pesquisas analisaram as doenças. Na Escola de Chicago, o grupo deu ênfase à úlcera gástrica, artrite reumatóide, asma brônquica, dermatoses, retocolite ulcerativa, hipertensão arterial e tireotoxicose, buscando localizar os conflitos específicos de cada. Contudo, as lacunas epistemológicas e a ênfase nas doenças fez com que outros teóricos buscassem novas formas de sistematizar a Psicossomática.
No início da década de 60, a Psicossomática contou com 02 nomes, agora no cenário Parisiense: Pierre Marty e Michel de M’Uzan. Sidnei José Casetto (2006) dedicou à essa escola uma boa parte do seu artigo sobre a perspectiva psicanalítica do século XX, conforme veremos. Marty e M’Uzan propuseram avaliar o pensamento consciente, para além da neurose e da psicose. Para eles, o pensamento operatório demonstrava as “ausências” e, essas ausências eram buscadas em outras esferas do psiquismo.
Vejamos o trecho abaixo, segundo o qual Cerchiari (2000) explica esse processo:
Esta forma peculiar de pensamento seria para eles um pensamento consciente que se organizaria por causa da falha do pré-consciente, acarretando assim impossibilidade de comunicação entre o consciente e o inconsciente. Consequentemente , os sujeitos que apresentam esse estilo peculiar de pensamento teriam uma pobreza fantasmática e uma precária vida onírica. Portanto, a capacidade simbólica e o valor de sublimação seriam quase inexistentes acarretando um prejuízo considerável da capacidade de  produção, quer científica quer artística, desses sujeitos. Essa estrutura de pensamento apresenta duas características fundamentais: a primeira se refere a um pensamento consciente que se manifesta sem vínculo algum com o orgânico e sem atividade fantasmática de considerável valor; e a segunda diz respeito ao fato do pensamento reproduzir simplesmente uma ação, ou seja, não há significado para o ato, mas apenas a palavra ilustrando a ação.
 
Branco (2005) fala da pobreza libidinal, de tal forma que os sujeitos psicossomáticos possuem dificuldades na identificação dos afetos. Com esse trabalho fundaram o Instituto de Psicossomática de Paris. 
A dificuldade na comunicação dos afetos retornou nas pesquisas conduzidas em 1970 por John Nemiah e Peter Sifneos; este último denominou tal comunicação de alexitimia. Branco pontua que a alexitimia não deve ser identificada como falta mas, como dificuldade (de simbolização, de compreensão das experiências afetivas). McDougall, outro teórico da época, vê a alexitimia como uma pré-neurose, que coloca em questão as dificuldades de separação de si e do objeto, levando os sujeitos às posições arcaicas.
Nemiah e Sifneos verificaram que nos pacientes ditos psicossomáticos, as queixas dos sintomas somáticos geralmente não estabeleciam relações com prováveis doenças físicas ou diagnósticos que fossem possíveis (BRANCO, 2005).
 Concepção neurofisiológica.
Cerchiari (2000) citou outros modelos, dentre eleso biológico e neurofisiológico, explicando as desordens desde Hipócrates. Autores mais recentes explicaram que as situações externas, principalmente as que provocam estresse, fazem com que o organismo passe por uma readaptação interna, o que pode em longo prazo causar o adoecimento.

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