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A ciência cognitiva, em seus estudos atualizados, mudou o sentido epistemológico da inteligência. Antes, esse conceito era unidimensional, contudo, hoje é multidimensional, porque entende-se que não existe apenas uma forma de inteligência, mas sim, diversas, as quais apresentam facetas que podem ser, inclusive, interdependentes. Um vendedor esperto pode ter um tipo de inteligência diferente daquela de um neurocirurgião hábil ou de um contador sagaz, por exemplo. Para Gardner (1995), todas as inteligências têm igual direito à prioridade. Esse conceito, de acordo com Antunes (1998), está correlacionado com a resolução de problemas; ele diz que a inteligência “tem a propriedade de selecionar a maneira de melhor compreender as coisas, a melhor saída para resolver problemas”. Outra importante característica para considerar um indivíduo inteligente é a capacidade de aprender com a experiência e de adaptar-se ao ambiente que nos circunda. Além disso, a metacognição é essencial, isto é, a compreensão e o controle que as pessoas possuem de seus próprios processos de pensamento. • Muitas pessoas acreditam que podem reconhecer a inteligência quando ela é expressa em comportamento observável. Contudo, talvez a inteligência não seja de forma alguma observável; talvez ela seja, como Henry Goddard (1947) a concebeu, “o grau de disponibilidade das experiências da pessoa para a resolução de seus problemas atuais e a antecipação de problemas futuros”. Criar uma definição de inteligência de ampla aceitação tem sido historicamente (Neisser, 1979; Neisser et al., 1996), e continua sendo hoje, um desafio. A maioria de nós ainda possui nossas próprias ideias implícitas da inteligência, e as usamos em diversas situações sociais. Contudo, essas ideias podem diferir de uma cultura para a outra, pois a inteligência pode exigir adaptações diferentes no âmbito de contextos sociais e culturais distintos. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas pessoas encaram como importante não apenas os aspectos cognitivos, mas também os aspectos emocionais da inteligência. Inteligência Emocional é "a capacidade para perceber e expressar a emoção, assimilá-la ao pensamento, compreender e raciocinar com emoção e regular a emoção em si e nos outros" (Mayer, Salovey, Caruso, 2000, p. 396). Algumas evidências indicam que a inteligência emocional é um previsor confiável da adaptação bem-sucedida a novos ambientes (por exemplo, faculdade ou país estrangeiro) e de sucesso no campo de atuação escolhido pela pessoa (Gabei, Dolan, Cerdin, 2005; Parker et al, 2006; Stein, Book, 2006). Um conceito relacionado é o da Inteligência Social, isto é, a capacidade para compreender e interagir com outras REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Inteligência humana e artificial. In: Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008. pessoas (Goleman, 2007; Kihlstrom, Cantor, 2000). Além disso, existe a Inteligência Cultural ou QC, ou seja, a capacidade de uma pessoa para adaptar-se a diversos desafios em culturas diferentes (Ang, Dyne, Koh, 2006; Sternberg, Grigorenko, 2006; Triandis, 2006). Definições explícitas de inteligência também adotam, frequentemente, um foco orientado à avaliação. De fato, alguns psicólogos têm se contentado em definir inteligência como tudo aquilo que os testes medem (Boring, 1923). Esta definição, infelizmente, é circular. De acordo com ela, a natureza da inteligência é aquilo que pode ser testado. Porém, o que é testado precisa ser determinado necessariamente pela natureza da inteligência. Além disso, o que testes de inteligência distintos medem nem sempre é a mesma coisa. Testes diferentes medem constructos um tanto distintos (Daniel, 1997, 2000; Kaufman, 2000; Kaufman, Lichtenberger, 1998). Portanto, não é factível definir inteligência por aquilo que os testes medem, como se todos avaliassem o mesmo parâmetro. Historicamente, diferente da contemporaneidade, ser inteligente era ter capacidades de nível elementar e psicofísicas. Estas incluem acuidade sensorial, força física e coordenação motora. Outra tradição histórica fala sobre a capacidade de nível superior e de julgamento. Descrevemos tradicionalmente essas capacidades como relacionadas ao pensamento (Neçka, Orzechowski, 2005). Francis Galton (1822-1911) acreditava que a inteligência é uma função de capacidades psicofísicas. Galton manteve, durante diversos anos, um laboratório bem equipado onde os visitantes poderiam, eles próprios, ser submetidos a diversos testes psicofísicos. Estes testes mediam uma ampla gama de habilidades e sensibilidades psicofísicas. Um exemplo era a sensibilidade ao tom, a capacidade para perceber pequenas diferenças entre as notas musicais. Contudo, dentre tantas críticas, os seus testes não conseguiam prever, por exemplo, as notas na faculdade. Portanto, o método psicofísico para avaliação da inteligência logo caiu no quase esquecimento. Reapareceria, no entanto, muitos anos mais tarde em uma configuração um tanto diferente. Alfred Binet (1857-1911) desenvolveu uma alternativa ao método psicofísico. Ele e Theodore Simon também tentaram avaliar a inteligência, porém a meta que almejavam era muito mais prática do que puramente científica. Binet havia sido solicitado a criar um procedimento para diferenciar alunos normais dos mentalmente atrasados (Binet, Simon, 1916). Desse modo, Binet e seu colaborador passaram a medir a inteligência como função da capacidade de aprender no âmbito de um contexto acadêmico. Em sua visão, a acuidade, a força ou habilidade psicofísicas não são fundamentais, mas sim, o julgamento, sendo este primordial para a inteligência. REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Inteligência humana e artificial. In: Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008. Para Binet (Binet, Simon, 1916), o pensamento inteligente (julgamento mental) engloba três elementos distintos: direção, adaptação e crítica. Direção envolve conhecer o que precisa ser feito e como fazê- lo; adaptação refere-se a explicitar uma estratégia para realizar uma tarefa, e, em seguida, monitorar esta estratégia enquanto a implementa; e crítica é a capacidade para criticar seus próprios pensamentos e ações. Inicialmente, quando Binet e Simon desenvolveram seu teste de inteligência, estavam interessados em algum meio para comparar a inteligência de uma criança com a de outras crianças da mesma idade cronológica (física). Para a finalidade que possuíam, empenharam-se em determinar a idade mental de cada criança – o nível médio de inteligência de uma pessoa de determinada idade. As idades mentais possuíam utilidade para comparar uma determinada criança de 7 anos com outras crianças da mesma idade, porém o uso de idades mentais tornava difícil comparar a inteligência relativa em crianças de idades cronológicas diferentes. William Stern (1912) sugeriu como alternativa que avaliássemos a inteligência das pessoas usando um quociente de inteligência (QI): idade mental/idade cronológica x 100. Posteriormente, as pontuações do Qi também provaram ser inadequadas. Atualmente, os psicólogos raramente usam QIs baseados em idades mentais. Como alternativa, os pesquisadores voltaram-se para a mensuração de comparações baseadas em supostas distribuições normais de resultados de testes aplicados a grandes populações. Os resultados baseados nos desvios da pontuação média de uma distribuição normal de resultados em um teste de inteligência são denominados desvios de Ql. Muitos teóricos cognitivos acreditam que os QIs proporcionam somente uma medida incompleta da inteligência. Lewis Terman baseou-se nos trabalhos de Binet e Simon e elaborou a primeira versão da Escala de Inteligência Stanford-Binet. O teste Stanford-Binet foi, durante muitos anos, o padrão para testes de inteligência e ainda é utilizado amplamente. No entanto, as escalas Wechsler concorrentes, provavelmente são até mais empregadas. Wechsler, de modoanálogo a Binet, adotava um conceito de inteligência que ia além do que seu próprio teste media. Ele acreditava claramente na validade das tentativas de medição da inteligência, porém, não limitou seu conceito de inteligência aos resultados dos testes. Para Wechsler, a inteligência é fundamental em nosso cotidiano, inclusive no momento de nos relacionarmos e cuidarmos de nossas vidas, não a utilizando somente para testes e lições de casa. Um foco na medição da inteligência é apenas uma das diversas abordagens da teoria e das pesquisas de inteligência. Pelo menos dois dos principais temas da metodologia para o estudo da inteligência surgiram com relação a outros tópicos da Psicologia Cognitiva. Um diz respeito aos psicólogos cognitivos que devem se concentrar na mensuração da inteligência ou nos processos da inteligência. Um segundo REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Inteligência humana e artificial. In: Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008. é aquele relacionado ao que se encontra na base da inteligência: a herança genética de uma pessoa, os atributos adquiridos por alguém ou algum tipo de interação entre os dois. Os psicólogos interessados na estrutura da inteligência têm se apoiado na “análise fatorial”, um método estatístico para separar um constructo – inteligência, nesse caso – em alguns fatores ou capacidades hipotéticos que os pesquisadores acreditam formar a base das diferenças individuais no desempenho em testes. Os fatores específicos obtidos ainda dependem, evidente mente, das perguntas específicas sendo formuladas e das tarefas sendo avaliadas. A análise fatorial baseia-se em estudos de correlação. A ideia é que quanto maior a correlação entre dois testes, maior a probabilidade de que meçam a mesma variável. Charles Spearman: considerado o inventor da análise fatorial, Spearman (1927) concluiu que a inteligência pode ser compreendida em termos de dois tipos de fatores. Um único fator geral (“fator g”) permeia o desempenho em todos os testes de aptidões mentais. Um conjunto de fatores específicos está envolvido no desempenho não apenas de um único tipo de teste de aptidão mental (p. ex., cálculos aritméticos). Na visão de Spearman, os fatores específicos são somente de interesse casual em virtude da aplicabilidade restrita deles. Para Spearman, o fator geral fornece a chave para a compreensão da inteligência. Ele acreditava que "g" seria o resultado de "energia mental" (eletroquímica geral disponível ao cérebro). Louis Thurstone: em contraste a Spearman, concluiu que o núcleo da inteligência não reside em um único fator, mas em sete destes fatores, denominados de “capacidades mentais básicas”, que são: 1. Compreensão verbal: medida por testes de vocabulário; 2. Fluência verbal: medida por testes com limitações de tempo, exigindo que a pessoa submetida aos testes pense no maior número possível de palavras que começam com um letra dada; 3. Raciocínio indutivo: medido por teste do tipo de analogias e de tarefas que envolvem completar séries de números; 4. Visualização espacial: medida por testes que requerem rotação mental de imagens de objetos; 5. Número: medido por cálculos e testes envolvendo solução de problemas matemáticos simples; 6. Memória: medida por testes de recordação de imagens e palavras; e 7. Rapidez perceptiva: medida por testes que exigem da pessoa testada o reconhecimento de pequenas diferenças em imagens. Os teóricos do processamento de informação estão interessados em estudar como as pessoas manipulam mentalmente aquilo que aprendem e conhecem a respeito do mundo (Hunt, 2005). REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Inteligência humana e artificial. In: Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008. Os pesquisadores consideram a rapidez e a precisão do processamento de informação como fatores importantes para a inteligência. O foco do estudo sobre o processamento de informação se dá nos mecanismos pelos quais a informação é processada, ou seja, estuda-se “como” é processada ao invés do “o que”. TEORIAS DO TEMPO DE PROCESSAMENTO TEMPO DE INSPEÇÃO: é a duração de tempo que se leva para inspecionar itens e tomar uma decisão a respeito deles. Nettelbeck (1987) descobriu que tempos de inspeção menores se correlacionam mais proximamente com as pontuações em testes de inteligência. TEMPO DE REAÇÃO PARA A ESCOLHA: alguns pesquisadores propuseram que a inteligência pode ser compreendida em termos da velocidade de condução neuronal (por exemplo, Jensen, 1979, 1998). Em outras palavras, a pessoa inteligente é alguém cujos circuitos neurais conduzem informações rapidamente. Quando Arthur Jensen propôs esta noção, ainda não se encontravam prontamente disponíveis medidas diretas da velocidade de condução nervosa. Então, Jensen estudou, inicialmente, uma proposta para a substituição da medição da velocidade do processamento neural. A substituição foi feita pelo tempo de reação para a escolha – o tempo que decorre para selecionar uma resposta entre diversas possibilidades. Participantes com QIs maiores são mais rápidos que aqueles com QIs menores em termos de tempo de reação (TR) (Jensen, 1982). RAPIDEZ DE ACESSO LÉXICO E RAPIDEZ DE PROCESSAMENTO SIMULTÂNEO: alguns pesquisadores focalizaram a rapidez de acesso léxico – a velocidade com a qual podemos recuperar informações sobre palavras (por exemplo, designação de letras) armazenadas em nossa memória de longo prazo (Hunt, 1978). Alunos com menor capacidade verbal levam mais tempo para obter acesso a informações léxicas do que os alunos com maior capacidade verbal (Hunt, 1978). A inteligência também possui relação com a capacidade das pessoas para dividir sua atenção (Hunt, Lansman, 1982). De acordo com Hunt e Lansman, pessoas mais inteligentes são mais capazes de dividir o tempo entre as duas tarefas a fim de executar ambas eficazmente. Em resumo, as teorias do tempo de processamento tentam explicar as diferenças de inteligência valendo- se das diferenças da rapidez das várias formas de processamento das informações. Constatou-se que o tempo de inspeção, o tempo de reação para a escolha e o tempo de acesso léxico possuem todos correlação com medidas de inteligência. Estas descobertas indicam que, em média, maior inteligência pode estar relacionada à velocidade de várias capacidades de processamento de informações. Pessoas mais inteligentes codificam informações mais rapidamente na memória de trabalho, acessam informações com mais rapidez na memória de longo prazo e respondem de modo mais rápido. Contudo, REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Inteligência humana e artificial. In: Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008. essas teorias necessitam de mais pesquisas para determinar como a velocidade do processamento relaciona-se à inteligência, pois no caso dos idosos, por exemplo, existem déficits, porém a retenção a longo prazo de novas informações, preservada nesses indivíduos, é mediada por processos cognitivos distintos da rapidez de processamento. Estes processos incluem estratégias de ensaio. Portanto, a velocidade do processamento de informação pode influenciar o desempenho inicial em tarefas envolvendo recordação e tempo de inspeção, porém a rapidez não se encontra relacionada à aprendizagem a longo prazo. Talvez um processamento mais rápido da informação ajude os participantes nos aspectos de desempenho nas tarefas dos testes de inteligência ao invés de contribuir para o aprendizado real e para a inteligência. Pesquisas sugerem que a memória de trabalho pode ser um componente crítico da inteligência. Existem indicações de que uma medida da memória de trabalho consegue oferecer uma previsão quase perfeita dos resultados de testes de capacidade geral (Colom et al, 2004; veja também Kane, Hambrick, Conway, 2005). Outros pesquisadores demonstraram uma relação significativa, porém menor, entre memória de trabalho e inteligênciageral (por exemplo, Ackerman, Beier, Boyle, 2005). Portanto, parece que a capacidade para armazenar e manipular informações na memória de trabalho pode ser um aspecto importante da inteligência. No entanto, provavelmente, não é tudo que a compõe. Howard Gardner (1983, 1993b, 1999, 2006) propôs uma teoria de inteligências múltiplas na qual a inteligência engloba muitos constructos independentes e não apenas um determinado constructo unitário. No entanto, ao invés de referir-se a capacidades múltiplas que juntas constituem a inteligência (por exemplo, Thurstone, 1938), essa teoria distingue oito inteligências diferentes que são relativamente independentes entre si. Cada uma é um sistema separado de funcionamento, embora estes sistemas possam interagir para produzir o que consideramos desempenho inteligente. REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Inteligência humana e artificial. In: Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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