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Metodologias Aplicadas à Educação Ambiental Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis 2.ª edição Edição revisada IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 © 2006-2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________ T678m 2.ed Tozoni-Reis, Marília Freitas de Campos, 1954- Metodologias aplicadas à educação ambiental / Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis. - 2.ed. rev.. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 174p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3025-5 1. Educação ambiental - Metodologia. I. Título. 12-5697. CDD: 363.7 CDU: 504 10.08.12 17.08.12 038048 ________________________________________________________________________________ Sumário (Re)Pensando a Educação Ambiental ..................................................................................7 Introdução ................................................................................................................................................7 A trajetória histórica da Educação Ambiental .........................................................................................9 As tendências teóricas da Educação Ambiental .......................................................................................11 Conclusão ................................................................................................................................................14 Metodologia de ensino: limites e possibilidades .................................................................19 Introdução ................................................................................................................................................19 O processo de construção da metodologia de ensino ..............................................................................22 A construção da proposta metodológica em Educação Ambiental ..........................................................27 Princípios metodológicos da Educação Ambiental ..............................................................33 Introdução ................................................................................................................................................33 Sustentabilidade .......................................................................................................................................34 Complexidade ..........................................................................................................................................35 Conscientização .......................................................................................................................................37 Participação ..............................................................................................................................................38 Continuidade ............................................................................................................................................40 Cooperação ..............................................................................................................................................42 Interdisciplinaridade ................................................................................................................................43 Conclusão ................................................................................................................................................45 O tema gerador como proposta metodológica .....................................................................49 Introdução ................................................................................................................................................49 Paulo Freire ..............................................................................................................................................50 A metodologia do tema gerador ...............................................................................................................52 Os temas ambientais como temas geradores ...........................................................................................55 Temas ambientais como geradores de Educação Ambiental ...............................................59 Introdução ................................................................................................................................................59 Água .........................................................................................................................................................60 Lixo ..........................................................................................................................................................62 Queimadas ...............................................................................................................................................69 Animais ....................................................................................................................................................71 Energia .....................................................................................................................................................73 Conclusão ................................................................................................................................................75 A aula passeio e o mapeamento ambiental ..........................................................................79 Introdução ................................................................................................................................................79 A aula passeio de Freinet .........................................................................................................................80 Mapeamento ambiental ............................................................................................................................82 Conclusão ................................................................................................................................................86 As atividades lúdicas na Educação Ambiental .....................................................................89 Introdução ................................................................................................................................................89 Atividades lúdicas: aspectos teóricos ......................................................................................................90 Atividades lúdicas: possibilidades metodológicas ...................................................................................93 Conclusão ................................................................................................................................................96 A memória ambiental como metodologia ............................................................................107 Introdução ................................................................................................................................................107 O ambiente é histórico .............................................................................................................................108 Metodologia da história oral ....................................................................................................................109Metodologia dos estudos da memória .....................................................................................................113 Conclusão ................................................................................................................................................116 A aula passeio e as trilhas ambientais ..................................................................................119 Introdução ................................................................................................................................................119 O papel educativo das trilhas ambientais .................................................................................................120 Trilhas ambientais como metodologia de Educação Ambiental ..............................................................123 Contribuições para a metodologia das trilhas interpretativas ..................................................................125 Conclusão ................................................................................................................................................130 A dramatização na Educação Ambiental ..............................................................................133 Introdução ................................................................................................................................................133 Conceituando recursos dramáticos ..........................................................................................................134 Recursos dramáticos na EducaçãoAmbiental: possibilidades metodológicas .........................................140 Conclusão ................................................................................................................................................143 Material didático em Educação Ambiental ..........................................................................147 Introdução ................................................................................................................................................147 Conceituando material didático ...............................................................................................................149 Material didático em Educação Ambiental ..............................................................................................151 Conclusão ................................................................................................................................................156 Conhecendo projetos de Educação Ambiental .....................................................................159 Introdução ................................................................................................................................................159 O método de projetos como proposta educativa ......................................................................................160 O método de projetos como proposta educativa ambiental .....................................................................162 Projetos de Educação Ambiental na escola .............................................................................................162 Projetos de Educação Ambiental na comunidade ....................................................................................165 Conclusão ................................................................................................................................................170 Apresentação T enho trabalhado com Educação Ambiental desde 1994, em atividades de ensino, pesquisa e extensão. Em todas essas atividades, a formação de educadores ambientais tem sido o foco de minha atuação, formação esta que tem, para mim, um elemento central: a participação. Não acredito em propostas pedagógicas que não levem em conta a participação dos sujeitos no seu próprio processo educativo, pois se trata de um processo intencional, dinâmico, complexo e con- tínuo que exige envolvimento pleno desses sujeitos. Portanto, tudo o que escrevi aqui foi para trazer a vocês um pouco do que temos criado no Brasil para a formação dos educadores ambientais, e isso só terá sentido se contar com sua participação plena, discutindo, dialogando, discordando, perguntando, respondendo, problematizando – enfim, construindo juntos essa formação. Entendo o grau de sua participação como a força ou a fraqueza dessa proposta. Participação como superação de ações momentâneas, fragmentadas, eventuais, em que o educador vai até os sujei- tos para legitimar propostas teórico-práticas predefinidas. Entendo que a melhor maneira de estudar uma alternativa de formação é estudá-la no que tem de mais vivo, é conseguir captar a dinâmica do movimento da realidade. Essa realidade, por sua totalidade histórica, está em permanente transfor- mação, e para transformar é preciso tornar-se sujeito. Por isso, pretendo torna-me aqui apenas uma mediadora-facilitadora do projeto de sua formação. Vocês são, para mim, sujeitos-parceiros, somos todos educadores-educandos. Nosso papel é, então, o de investigador de nossa realidade socioambien- tal. Parece ser essa a alternativa para a formação de educadores ambientais, consideradas as dimen- sões acadêmicas, políticas, sociais e históricas de sua inserção na educação. Dessa forma, convido-os para percorrerem comigo este caminho, uma trilha cuja aventura é a busca compartilhada de conhecimentos sobre Educação Ambiental e sobre, particularmente, as Metodologias Aplicadas à Educação Ambiental, metodologias que, longe de se apresentarem como propostas prontas e acabadas, pretendem tornar-se, para todos nós, instrumentos no processo criativo de propostas educativas ambientais únicas e originais com o objetivo de contribuir para a construção de uma sociedade socialmente mais justa e ecologicamente mais equilibrada, sociedade sustentável. Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis 7 A * Doutora em Educação pela Unicamp. (Re)Pensando a Educação Ambiental Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis* Introdução o iniciarmos nossos estudos sobre as Metodologias Aplicadas à Educação Ambiental, é importante refletirmos sobre seus fundamentos teóricos, isto é, empreendermos uma reflexão conceitual acerca da Educação Ambiental. Iniciemos com a indagação sobre a (im)possibilidade de educar fora do ambiente, fora de um determinado espaço biofísico, social e histórico. Por considerarmos impossível realizar qualquer proposta educativa sem incluir a reflexão sobre a relação que temos com o ambiente em que vivemos, problematizemos, então, o uso do adjetivo ambiental. Necessitamos qualificar a Educação como ambiental porque sentimos necessidade de destacar dimensões esquecidas do fazer educativo no que se refere à compreensão das relações entre a vida e o ambiente, em suas dimensões biofísicas, sócio-históricas, filosófico-políticas e socioculturais. Nossa primeira reflexão é a de que a Educação Ambiental é educação e que a introdução do termo ambiental propõe o resgate do que parecia esquecido na educação moderna: o ambiente. Grun (1996) identifica esse esquecimento como uma das “áreas de silêncio” da educação moderna, que estabeleceu-se sob a organização da sociedade capitalista industrial e, desde sua origem, esteve a serviço desse projeto social, econômico e político. A educação moderna, em particular a escola, surgiu para contribuir, pela formação dos sujeitos, na construção deste modelo de sociedade, principal responsável pela degradação ambiental que hoje vivemos, pois, ao transformar a natureza em mercadoria, retira-lhe o valor em si mesma para transformá-la em valor de troca. Por outro lado, o movimento ambientalista, principalmente a partir de 1970, trouxe para a educação a necessidade de (re)pensar as formas predatórias de nossas relações com o ambiente. O que é Educação Ambiental? Diferentesdefinições de Educação Ambiental “Educação Ambiental é um processo permanente, no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu meio ambiente e adquirem conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os tornam aptos a agir – individual e coletivamente – e resolver problemas ambientais presentes e futuros” (Ministério do Meio Ambiente – MMA). (Re)Pensando a Educação Ambiental 8 “A Educação Ambiental é definida como um processo de formação e informação orientado para o desenvolvimento da consciência crítica sobre as questões ambientais, e de atividades que levem à participação das comunidades na preservação do equilíbrio ambiental” (Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama). “O conceito de Educação Ambiental é complexo, abstrato e dificilmente compartilhado, porque não está abrangentemente explicado. Pode ser vista como uma forma de intervenção na problemática ambiental mediada por projetos definidores de programas educativos. A Educação Ambiental envolve-se na formação das pessoas na busca da utopia que significa oportunidade de reinvenção do compromisso com a emancipação. A Educação Ambiental é um processo continuado, permanente, com estratégias específicas desenvolvidas pelos seus participantes, incluindo a de sobrevivência econômica, comunitariamente articulada. Assim, o bairro, a microbacia, o ambiente urbano articulam a rede de cidadania, base do desenvolvimento sustentável. A prática da Educação Ambiental deve objetivar a ser perpassada pela intencionalidade de promoção e pelo incentivo ao desenvolvimento de conhecimentos, valores, atitudes, comportamentos e habilidades que contribuam para a sobrevivência – a nossa e de todas as espécies e sistemas naturais do planeta –, a participação e a emancipação humana” (Instituto Ecoar). “[...] a Educação Ambiental compreendida como o espaço onde se engendram relações sociais resultantes de um passado instituidor que, atualizando o presente, faz emergir as referências para futuras ações educativas no campo das políticas públicas de meio ambiente. Significa, ainda, desvelar para a sociedade experiências e propostas de Educação Ambiental, em tempos diferentes, muitas vezes até conceitualmente divergentes, mas, todas, reveladoras de um nexo comum com as conjunturas política, social, econômica e ambiental vivenciadas” (Secretaria do Meio Ambiente – SP). “A Educação Ambiental deve ser direcionada para a compreensão da busca de superação das causas estruturais dos problemas ambientais por meio da ação coletiva e organizada. Segundo esta percepção, a leitura da problemática ambiental deve se realizar sob a ótica da complexidade do meio social e o processo educativo deve pautar-se por uma postura dialógica, problematizadora e comprometida com transformações estruturais da sociedade, de cunho emancipatório. Neste sentido, acredita-se que, ao participar do processo coletivo de transformação da sociedade, a pessoa estará, também, se transformando” (Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – MG). “A verdadeira Educação é ambiental em sua essência, uma vez que o planeta não é uma somatória de sujeitos isolados por redomas… Sua tônica deve ser a de conectar as várias áreas do conhecimento, com noção de encadeamento dos fatos. E que o aprendizado se concretize em mudança de comportamento, por adoção de uma nova filosofia de vida. Que as pessoas possam se conscientizar de seu papel na engrenagem e da importância e consequência de suas ações” (Maria Vitória Ferrari Tomé – Rede Ambiente). (Re)Pensando a Educação Ambiental 9 No entanto, podemos dizer que temos, hoje, no pensar e agir educativo ambiental, diferentes concepções acerca da Educação Ambiental. Essas diferentes concepções serão analisadas nesta aula, com o objetivo de contribuir para que os educadores ambientais em formação identifiquem os conteúdos educativos que lhes parecem mais significativos. A trajetória histórica da Educação Ambiental Para compreender o estágio atual de desenvolvimento da Educação Ambiental, é necessário identificar alguns marcos históricos importantes na preocupação do homem com o ambiente – muito presente, hoje, em toda a sociedade, apesar de todas as suas contradições. Essa preocupação faz parte da história da humanidade. Encontramos nos registros do pensamento dos artistas, filósofos e cientistas, desde a Antiguidade, reflexões acerca da relação dos homens com a natureza, seja pelas reflexões filosóficas sobre a natureza humana, seja pela expressão de admiração com a natureza presentes nesses registros. Mas foi no século XX que essa preocupação tomou vulto, em consequência das transformações na maneira de organizar a produção e a reprodução da vida definidas pela Revolução Industrial no final do século XVIII. Esse novo modelo de produção articulado com a nova ciência, a ciência moderna, promoveu o desenvolvimento econômico e científico num ritmo espantosamente acelerado. A humanidade entrou na modernidade com uma nova estruturação do poder científico, político e social – e, consequentemente, com novos problemas. Podemos dizer que a preocupação com o ambiente se acentuou quando a humanidade se viu ameaçada pelo poder de destruição total do ambiente, o que tem como marco histórico as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, expressão do poder político e “A Educação Ambiental é ferramenta de Educação para o desenvolvimento sustentável (apesar de polêmico o conceito de desenvolvimento sustentável, tendo em vista ser o próprio “desenvolvimento” o causador de tantos danos ambientais). Ampliando a maneira de perceber a Educação Ambiental, podemos dizer que se trata de uma prática de educação para a sustentabilidade” (Projeto Apoema – RS). “O conceito de Educação Ambiental foi mudando ao longo do tempo. Inicialmente relacionado à ideia de natureza e o modo de percebê-la, tem se acentuado a necessidade de levar em conta os vários aspectos que interferem nas situações ambientais, incorporando as dimensões socioeconômica, política, cultural e histórica de uma população” (Vidagua). “A Educação Ambiental se constitui numa forma abrangente de Educação, que se propõe atingir todos os cidadãos, através de um processo pedagógico participativo permanente que procura incutir no educando uma consciência crítica sobre a problemática ambiental, compreendendo-se como crítica a capacidade de captar a gênese e a evolução de problemas ambientais” (Ambiente Brasil). (Re)Pensando a Educação Ambiental 10 econômico de um país sobre o mundo social e natural. Nesse momento, os homens conquistaram o poder de destruição total da vida sobre o planeta. Podemos dizer que aqui o movimento ambientalista teve origem, e o livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, publicado em 1962, popularizou essa preocupação. Desde então, muito se tem discutido sobre a Educação Ambiental e suas formas de realização. Nos vários e diferentes eventos nacionais e internacionais, espaços importantes para a construção de diretrizes político-filosóficas para a Educação Ambiental, a busca da sustentabilidade foi apontada como a principal tarefa da Educação Ambiental. O Tratado da Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, um dos principais documentos de referência da Educação Ambiental pactuado no Fórum das ONGs que aconteceu no Rio de Janeiro em junho de 1992, paralelamente à Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a ECO-92, reconhece a Educação como direito dos cidadãos e firma posição na Educação transformadora. Esse documento, principal referência para muitos educadores ambientais, merece destaque por se tratar de posições não governamentais, isto é, posições da sociedade civil organizada em entidades ambientalistas. O Tratado convocaas populações a assumirem suas responsabilidades, individual e coletivamente, para cuidar do ambiente: a Educação Ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservem entre si a relação de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidades individual e coletiva no nível local, nacional e planetário. (FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONGs, 1995). Desde então, a Educação Ambiental para a sustentabilidade é considerada um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida, afirmando valores e ações que contribuam para as transformações socioambientais, exigindo responsabilidades individual e coletiva, local e planetária. A sustentabilidade é entendida como fundamento da educação Ambiental crítica, transformadora e emancipatória, compreendida como estratégia para a construção de sociedades sustentáveis, socialmente justas e ecologicamente equilibradas. A Educação Ambiental para a sustentabilidade é, assim, uma educação política, democrática, libertadora e transformadora. A questão ambiental e a educação, sem perspectiva de neutralidade, são eminentemente políticas e portanto implicam construir, pela participação radical dos sujeitos envolvidos, as qualidades e capacidades necessárias à ação transformadora responsável diante do ambiente em que vivemos. No entanto, a Educação Ambiental crítica e transformadora não é consenso entre aqueles que vêm se dedicando a realizá-la. Trata-se de uma escolha político- -educativa marcada pela ideia de que vivemos numa sociedade ecologicamente desequilibrada e socialmente desigual, resultado das escolhas históricas que fizemos para nos relacionarmos com o ambiente. (Re)Pensando a Educação Ambiental 11 As tendências teóricas da Educação Ambiental Embora a Educação Ambiental já seja reconhecida como uma necessidade da sociedade contemporânea, não é uma modalidade de educação cujos princípios, objetivos e estratégias sejam iguais para todos aqueles que a praticam. Isso significa dizer que há diferenças conceituais que resultam na construção de diferentes práticas educativas ambientais. Essas diferenças conceituais podem ser sintetizadas em alguns grandes grupos: os que pensam que a Educação Ambiental tem como tarefa promover mudanças de comportamentos ambientalmente inadequados (Educação Ambiental de fundo disciplinatório e moralista, como “adestramento ambiental”), aqueles que pensam a Educação Ambiental como responsável pela transmissão de conhecimentos técnico-científicos sobre os processos ambientais que teriam como consequência o desenvolvimento de uma relação mais adequada com o ambiente (Educação Ambiental centrada na transmissão de conhecimentos) e aqueles que pensam a Educação Ambiental como um processo político de apropriação crítica e reflexiva de conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos que têm como objetivo a construção de uma sociedade sustentável do ponto de vista ambiental e social (Educação Ambiental transformadora e emancipatória). Vemos que, nessas diferentes abordagens, a Educação Ambiental pode ser adaptadora, fundamentada nas teorias não críticas da Educação, ou ser transformadora, fundamentada nas teorias críticas da Educação (SAVIANI, 1983). A educação com função adaptadora à sociedade, tal qual ela vem se desenvolvendo, é o fundamento filosófico-político da educação moderna. Enguita (1989) afirma que as instituições educativas (principalmente a família e a escola) sempre estiveram vinculadas estrategicamente às relações de produção. Com a Revolução Industrial, a escola foi se consolidando como principal instituição de formação para o trabalho – para o trabalho moderno, industrial. Essa formação não diz respeito somente à dimensão técnica dos processos de trabalho, pois durante muito tempo o capital se beneficiou da desqualificação do trabalhador, mas principalmente à dimensão política: a formação cultural (ideológica) dos indivíduos para o trabalho industrial. Essa dimensão diz respeito à formação dos indivíduos para as novas relações de trabalho exigidas pela indústria e fundamentadas no controle do tempo, na eficiência, na ordem e na disciplina, na subserviência etc. Então, a educação adaptadora, disciplinatória, tem origem histórica nas teorias não críticas da educação geradas no início do processo de industrialização e a seu serviço. (Re)Pensando a Educação Ambiental 12 Por outro lado, as teorias críticas da educação têm identidade com o pensamento crítico no campo do conhecimento pedagógico. Podemos identificar Paulo Freire (1921-1997) como um dos principais representantes desse pensamento, pois a Pedagogia do Oprimido colocou em discussão a conscientização política do sujeito-educando para a transformação social como princípio educativo. Dermeval Saviani (1943) também tem sido um importante teórico na elaboração da Pedagogia crítica, entendendo a educação e o ensino como instrumentos de transformação social, resgatando a importância dos conteúdos culturais no processo educativo. Para a Pedagogia crítica, a função da educação é a instrumentalização dos sujeitos sociais para uma prática social transformadora. É o pensamento marxista o principal referencial epistemológico da Pedagogia crítica. Nele, podemos encontrar um enorme, complexo e por vezes confuso conjunto de ideias que emergem do pensamento de Marx (1818-1894) e de seu parceiro intelectual, Engels (1820-1895). Na teoria marxista de interpretação da realidade, esses pensadores identificaram as formações econômicas da sociedade capitalista como condições históricas determinantes da vida dos sujeitos considerando o trabalho, em sua dimensão filosófica e histórica, como a categoria central dessas relações. Nesse sentido, as categorias de totalidade, concreticidade, historicidade e contraditoriedade são perpassadas por um movimento (dialético) que dá forma à relação homem-natureza e à educação. A história é, então, a força construtiva das relações sociais, e as relações sociais, a força construtiva da relação dos sujeitos com o ambiente em que vivem. As ideias educativas que emergem dessa concepção histórica das relações sociais dizem respeito à formação humana. O desenvolvimento pleno dos sujeitos, a busca do homem onilateral1 e o processo de humanização, que é histórico, concreto e dialético, expresso pela sua prática social, fazem a estrutura das ideias educativo-pedagógicas desse referencial. A configuração de uma possível teoria educacional marxista vem sendo construída por várias correntes e tendências do pensamento marxista e do pensamento educacional. Nesse sentido, um dos principais teóricos de grande influência no meio educacional, inclusive no Brasil, é o italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Os temas educativos e suas ideias sobre escola, como outros temas abordados no conjunto de sua obra, têm referenciais nas concepções marxistas de homem e de sociedade e tomam a centralidade do trabalho como base teórica. Assim, o trabalho como princípio educativo é a síntese de sua contribuição às teorias educacionais (MANACORDA, 1991). A escola formativa, desinteressada, é a expressão gramsciana de uma proposta educativa em que a preparação para o trabalho não é o objetivo da educação (técnica, de treinamento, profissionalizante), mas o princípio (filosófico e político, humanizador) da organização da educação e do ensino. A Educação Ambiental na perspectiva da transformação social, de inspiração gramsciana, é a defesa da transformação do caráter organizativa do trabalho na sociedade capitalista, instrumento e metado processo educativo. 1 Homem on i l a t e r a l é u m a e x p r e s s ã o marxis ta que s igni f ica o s u j e i t o p l e n o , p l e n a m e n t e d e s e n - volvido em todas as suas d i m e n s õ e s , e m t o d a s suas potencialidades. A onilateralidade supera a condição unilateral. (Re)Pensando a Educação Ambiental 13 Um outro teórico marxista de grande influência no meio educacional brasileiro é o russo/soviético Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), cujos estudos têm contribuído para a construção de teorias educacionais de inspiração marxista. O desenvolvimento humano e particularmente o funcionamento intelectual humano em sua dimensão histórica e social foram estudados por ele e seus parceiros de estudos, tendo como base o método materialista histórico e dialético e como contexto histórico-cultural a revolução socialista e o desafio da construção do socialismo soviético. A relação dialética homem-natureza é mediada por instrumentos, os conhecimentos, que são fornecidos e modificados pela cultura. Os conhecimentos são produtos e produtores sociais e históricos. Essa teoria da formação humana traz consequências para a educação, traçando diretrizes e alternativas para propostas pedagógicas, inclusive no âmbito escolar. Para Vygotsky (1984), a contextualização histórica e social dos conhecimentos constitui-se como princípio organizador dos processos de ensino-aprendizagem. A apropriação desses conhecimentos como instrumentos do processo de humanização modifica intencionalmente os homens, os próprios conhecimentos, a história e a sociedade e elabora cultura para que esta seja apropriada no processo de humanização. A formação de sujeitos ambientalmente responsáveis, comprometidos com a construção de sociedades sustentáveis, fundamento filosófico-político e teórico-metodológico da Educação Ambiental, é uma ação política intencional, um processo educacional intencional e que, portanto, necessita de sistematização pedagógica e metodológica. A Educação Ambiental é educação, é formação humana, é educação em suas várias dimensões – sendo, portanto, um processo de apropriação, pelos sujeitos, da humanidade construída histórica e coletivamente pela própria humanidade (SAVIANI, 1994). Dessa forma, o processo educativo ambiental diz respeito à relação entre cidadania e ambiente, às formas históricas com que a humanidade se relaciona com o ambiente, assim como as formas históricas das relações entre os sujeitos e destes com o ambiente, priorizando a necessidade de participação política dos sujeitos sociais empenhados na transformação social. Essa participação política, no campo educativo é resultado da apropriação crítica e reflexiva dos conhecimentos sobre o ambiente, a qual poderá garantir os espaços de construção e reelaboração de valores éticos para uma relação responsável dos sujeitos entre si e deles com o ambiente. A apropriação crítica de conhecimentos parte de uma concepção de ambiente mais complexa, que considera seu caráter social, histórico e dinâmico, superando a concepção biológica, reducionista, entendendo o ambiente como síntese de múltiplas determinações. Nesse sentido, Leff (2001, p. 224) afirma que o ambiente não é, pois, o meio que circunda as espécies e as populações biológicas, é uma categoria sociológica (e não biológica), relativa a uma racionalidade social, configurada por comportamentos, valores e saberes, como também novos potenciais produtivos. (Re)Pensando a Educação Ambiental 14 Esse autor coloca o ambiente como tema fundante do processo de construção do saber ambiental, um tema a ser problematizado, gerando ações voltadas para a construção de uma nova racionalidade ambiental, uma racionalidade em que a sustentabilidade, a justiça e a democracia estejam sempre presentes, uma racionalidade social e ambiental. A Educação Ambiental para a sustentabilidade, capaz de atuar na formação de sujeitos sociais críticos, participativos, que se pautem pela construção de uma sociedade em que a sustentabilidade seja entendida também como democracia, equidade, justiça, autonomia e emancipação, é nossa referência neste estudo. Isso significa superar a ideia, muito presente nas propostas de Educação Ambiental, de que a Educação Ambiental tem como objetivo a “mudança de comportamento” dos sujeitos em busca de comportamentos considerados ambientalmente corretos, configurando-se, como nos ensina Brugguer (1994), num adestramento ambiental. Nesse sentido, temos também que buscar a superação do caráter moralista e moralizante que temos observado em algumas ações educativas ambientais (LOUREIRO, 2004) para ser possível a construção da Educação Ambiental crítica e emancipatória. Conclusão A Educação Ambiental, então, é um processo de formação humana, amplo, contínuo e complexo. Podemos pensar em projetos de Educação Ambiental para idosos, adultos, jovens e crianças, assim como propostas em variados espaços educativos onde vivem, real e concretamente, os sujeitos sociais. Reigota (1995) analisa alguns aspectos que considera importantes para fundamentar uma filosofia da Educação Ambiental. Partindo do pressuposto de que a Educação Ambiental é sempre realizada a partir da concepção que se tem do meio ambiente, aponta para a necessidade urgente e radical da mudança de mentalidade sobre as ideias acerca dos modelos de desenvolvimento. Faz críticas a algumas dessas concepções, argumentando a favor do que se tem chamado de teoria da complexidade. Esse novo paradigma pode, segundo o autor, explicar as relações humanas e ambientais, sendo possível tomá-lo como referencial teórico-epistemológico para a Educação Ambiental. Relacionando-a com a pós- -modernidade, afirma: “as concepções educacionais vigentes não dão conta da complexidade do cotidiano que vivemos neste final de século”. Nesse sentido, define Educação Ambiental como uma educação política, fundamentada numa filosofia política, da ciência da educação antitotalitária, pacifista e mesmo utópica, no sentido de exigir e chegar aos princípios básicos de justiça social, buscando uma “nova aliança” (Prigogine & Stengers) com a natureza através de práticas pedagógicas dialógicas. (REIGOTA, 1995, p. 61) Assim, podemos considerar que a Educação Ambiental como dimensão da educação é atividade intencional da prática social que imprime ao desenvolvimento (Re)Pensando a Educação Ambiental 15 individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, com o objetivo de potencializar essa atividade humana, tornando-a mais plena de prática social e de ética ambiental. Essa atividade exige sistematização por meio de metodologia que organize os processos de transmissão/apropriação crítica de conhecimentos, atitudes e valores políticos, sociais e históricos. Assim, se a Educação é mediadora na atividade humana, articulando teoria e prática, a Educação Ambiental é mediadora da apropriação, pelos sujeitos, das qualidades e capacidades necessárias à ação transformadora responsável diante do ambiente em que eles vivem. Podemos dizer que a gênese do processo educativo ambiental é o movimento de fazer-se plenamente humano pela apropriação/ transmissão crítica e transformadora da totalidade histórica e concreta da vida dos homens no ambiente (TOZONI-REIS, 2004). A Educação Ambiental, assim, é construída na relação entre os conhecimentos e as relações sociais, constrói e é construída no e pelo novo paradigma da responsabilidade da ação humana na natureza e na sociedade. Dessa forma, somente uma teoria crítica da Educação pode ser suficiente para fundamentar ações educativas ambientais mais conscientes e consequentes, ações educativas emancipatórias. A Educação para o ambiente só tem sentido se tomarmos como referência a ideia de que “a ecologia será política ou não será” (SADER, 1992).O conceito de natureza não é natural (PORTO-GONÇALVES, 1990) É comum entre aqueles que se envolvem com a problemática ecológica citar outras sociedades como modelos de relação entre os homens e a natureza. As comunidades indígenas e as sociedades orientais são, via de regra, evocadas como modelos de uma relação harmônica com a natureza. Se em diferentes religiões o paraíso é projetado no reino dos céus, para diversos ecologistas este se localiza em outras sociedades. Há uma virtude nesse procedimento: ele oferece um consolo, enquanto ideia, para o mundo em que vivemos – que concretamente não tem consolo. Isto não deixa de ser, à sua moda, uma crítica à sociedade que não é tal e qual os modelos citados, daí as utopias. Nesse sentido, as utopias têm lugar concreto num mundo onde não existem concretamente, sendo por isso sonhadas e projetadas enquanto utopias. Por outro lado, esse procedimento não deixa de ser também uma fuga dos problemas concretos, muitas vezes derivada de uma incompreensão das razões pelas quais em nossa sociedade e cultura as coisas são do jeito que são. Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada ideia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim, a sua cultura. Dessa forma, é fundamental que reflitamos e analisemos como foi e como é concebida a natureza na nossa sociedade, o que tem servido como um dos suportes para o modo de produzirmos e vivermos, que tantos problemas nos tem causado e contra o qual constituímos o movimento ecológico. (Re)Pensando a Educação Ambiental 16 1. Cada aluno deverá, individualmente, escrever em meia folha de papel uma reflexão sobre “o que é Educação Ambiental”. 2. Com a participação de toda a turma, os alunos devem organizar as respostas num quadro na sala. 3. A seguir, empreender uma discussão coletiva das semelhanças e diferenças que compõem o quadro. 4. Agrupar, então, as respostas semelhantes. 5. Selecionar, coletivamente, as respostas que têm mais significado para todos. 6. Construir um texto coletivo partindo das ideias selecionadas. Leituras: BRÜGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994. LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2004. REIGOTA, Marcos. Por uma filosofia da educação ambiental. In: _____. Meio Ambiente e Representação Social. São Paulo: Cortez, 1995. Sites: <www.mma.gov.br > <www.wwf.org.br> <www.sf.dfis.furg.br/mea/remea> <www.sosmatatlantica.org.br> <www.redeambiente.org.br> <www.wwiuma.org.br> Vídeo: Ilha das Flores. Direção de: Jorge Furtado. Brasil: Sagres, 1988. Parte da coletânea Curta os Gaúchos. (Re)Pensando a Educação Ambiental 17 BRUGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994. ENGUITA, Mariano. A Face Oculta da Escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONGS. Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Rio de Janeiro: 1995. GRUN, Mauro. Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária. Campinas: Papirus, 1996. LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetórias e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2004. MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Cortez, 1991. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Os (Des)caminhos do Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: Ed. Contexto, 1990. REIGOTA, Marcos. Educação Ambiental e Representação Social. São Paulo: Cortez, 1995. (Coleção Questões da Nossa Época). SADER, Emir. A ecologia será política ou não será. In: GOLDEMBERG, Miriam (Org.). Ecologia, Ciência e Política. Rio de Janeiro: Revan, 1992. SAVIANI, Dermeval. A Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 1994. _____. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1983. TOZONI-REIS, Marília Freitas Campos. Educação Ambiental: natureza, razão e história. Campinas: Autores Associados, 2004. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. (Re)Pensando a Educação Ambiental 18 19 P Metodologia de ensino: limites e possibilidades Introdução ara pensarmos na construção de metodologias aplicadas à Educação Ambiental, é preciso, primeiramente, estudar o processo de construção das metodologias de ensino, isto é, refletir sobre o caráter processual das metodologias de que lançamos mão no dia a dia do fazer docente. Então, vamos refletir um pouco, neste texto, sobre o que está escrito no quadro abaixo. As metodologias aplicadas à Educação Ambiental são construídas ou apresentadas como “receitas” prontas para serem aplicadas pelos educadores? Para responder a essa questão, pensemos no papel da metodologia de ensino no processo educativo. As teorias tecnicistas da Educação, muito presentes na Educação escolarizada no Brasil, principalmente na década de 1970 (SAVIANI, 1983), supervalorizaram as metodologias, em especial as técnicas de ensino, colocando-as no centro do processo educativo. De todas as teorias da educação, em especial as teorias da aprendizagem, as tecnicistas são, talvez, as mais criticadas, não apenas pela sua proposta metodológica mas também pelos seus fundamentos político-filosóficos. O behaviorismo, base da teoria da aprendizagem proposta pelo tecnicismo, trouxe a possibilidade de controlar o processo de aprendizagem de forma tal que, segundo pregava, seria possível garantir, pelo controle do estímulo, a resposta adequada. Assim, as técnicas de ensino, instrumento metodológico que realiza na prática esse controle, foram supervalorizadas por essa abordagem educativa. Todas essas ideias foram muito combatidas pelas teorias críticas, principalmente porque, estando as técnicas a serviço do controle do processo, não garantiam oportunidades de desenvolvimento da autonomia dos sujeitos. A proposta educativa de Comenio (1957), apresentada na Didáctica Magna, publicada em 1716, constituiu-se, sem dúvida, num marco histórico importante para a democratização da educação e do ensino, pois faz uma intransigente defesa da Educação para todos. No entanto, essa proposta, inserida no pensamento científico moderno, traz as implicações políticas de seu contexto histórico. O rigor metodológico da Didáctica Magna expressa, ao mesmo tempo, a valorização da educação e do ensino para todos os indivíduos nas sociedades como também seu referencial racionalista, inclusive em sua vertente educativa fortemente disciplinatória. Na apresentação da obra, Comenio (1957) escreve: Metodologia de ensino: limites e possibilidades 20 Didáctica magna (COMENIO, 1957, p. 43-44) Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos ou processo seguro e excelente de instituir, em todas as comunidades de qualquer reino cristão, cidades e aldeias, escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo, sem exceptuar ninguém em parte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, desta maneira, o que diz respeito à vida presente e à futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e solidez. Onde os fundamentos de todas as coisas que se aconselham são tirados da própria natureza das coisas; a verdade é demonstrada com exemplos paralelos das artes mecânicas; o curso dos estudos é distribuído por anos, meses, dias e horas; e, enfim, é indicado um caminho fácil e seguro de pôr estas coisas em prática com bom resultado. A proa e a popa da nossa didáticaserá investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atrativo e mais sólido progresso; na cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz e mais tranquilidade. Podemos observar que o detalhamento metodológico anunciado nessa apresentação é rigorosamente cumprido no decorrer da obra. Chama a atenção a riqueza desse detalhamento nos conteúdos didático-pedagógicos apresentados. Observamos nela uma progressiva e detalhada exposição dos fundamentos e dos conteúdos de ensino em 33 capítulos que pretendem orientá-lo, tanto do ponto de vista dos conhecimentos científicos como do ponto de vista de uma completa metodologia de ensino. O excesso de rigor metodológico, construído como forma disciplinatória da Educação para todos da época não é muito diferente dos objetivos e estratégias educativas do tecnicismo. Por essas razões, as críticas a essa abordagem tiveram tanta influência na formação de alguns professores que, em busca de fundamentação teórico-metodológica para o desenvolvimento de práticas educativas mais adequadas à interpretação crítica da realidade em que vivemos, passaram a rejeitar a utilização de técnicas de ensino. No entanto, na prática cotidiana da realização dos processos educativos, as metodologias de ensino e a utilização de técnicas sempre estiveram presentes, como nos ensinam os autores de um trabalho com sugestivo título: Técnicas de ensino, por que não? (VEIGA, 1991). Essa obra nos traz a etimologia da palavra técnica, que entre os gregos significa “arte”, “habilidade”. No Dicionário Aurélio, encontramos metodologia como a “arte de dirigir o espírito na investigação da verdade”; método como um Metodologia de ensino: limites e possibilidades 21 “caminho para chegar a um fim”, ou ainda “programa que regula previamente uma série de operações que se deve realizar, apontando erros evitáveis em busca de um resultado determinado”, “processo ou técnica de ensino”. A palavra técnica também relaciona-se, nesse dicionário, a essas ideias: “relativo à arte” ou “peculiar a uma determinada arte, ofício ou ciência”. Observamos nessas definições que a ideia de metodologia está relacionada a arte, portanto à criação, criatividade. Pensemos, pois, nessas possibilidades: a educação, com o instrumental metodológico para uma educação criativa, instigante, questionadora ou para uma educação mecânica e disciplinatória? Sabemos que também é comum entre os professores de todos os níveis de ensino conferir às técnicas um papel determinante no processo de ensino. Silva (1992) traz-nos alguns desses pontos para reflexão: é preciso que os professores superem a preocupação excessiva com os métodos e, com o auxílio da Psicologia, da Filosofia e da Ciência Política, busquem no campo do conhecimento pedagógico subsídios teórico-metodológicos para a construção das propostas educativas. O autor destaca a necessidade de superar os modismos metodológicos pela construção mais sólida, competente e consequente das metodologias adequadas ao projeto político-pedagógico que acreditam e constroem. Para isso, o autor nos faz uma interessante provocação: PROCURA-SE: “um método milagroso ou uma técnica santa para curar todos os males da educação brasileira!” QUESTIONA-SE: “a cura para problemas de ensino e aprendizagem deve ser procurada, única e exclusivamente, no método utilizado pelo professor?” LAMENTA-SE: “será que os professores brasileiros perderam o bom senso ou será isto um problema de má formação mesmo?” (SILVA, 1992, p.12) Parece ser esse o quadro no qual se insere a discussão das metodologias de ensino: de um lado, estão aqueles que supervalorizam as técnicas, conferindo- -lhes um caráter definidor no processo de ensino; de outro, os que desvalorizam as metodologias e, em particular, a utilização de técnicas de ensino; e ainda de outro, os que pedem cuidado com relação às metodologias, sem descartá-las das necessidades educativas dos educadores. Isso nos leva a uma reflexão importante quando pensamos na construção das metodologias da Educação Ambiental. Reconhecendo a necessidade das metodologias – pois é, a rigor, impossível realizar um processo educativo abrindo mão da construção de uma proposta metodológica –, essa polêmica nos ajuda a pensar no que é fundamental nesse processo. Saviani (1991) reflete sobre o método como instrumento de análise e ação na área da Educação. Esse autor defende a ideia da superação da etapa de senso comum educacional (conhecimento da realidade empírica da educação) pela reflexão teórica (movimento do pensamento, abstrações) como estratégia metodológica para que os educadores alcancem a etapa da consciência filosófica, que para ele consiste na apreensão da realidade concreta da Educação – concreta pensada –, realidade educacional plenamente compreendida. O que é um método? Metodologia de ensino: limites e possibilidades 22 Portanto, a preocupação com as metodologias de ensino, com um método de interpretação da realidade, com técnicas que instrumentalizem o educador na compreensão e na organização dos processos educativos, está sempre presente no campo educacional: Por conseguinte, sua relativa autonomia permite discorrer a respeito de um saber sobre as técnicas de ensino, ou, dito de outro modo, estas possuem um saber. E é isso que procuramos realizar. Porém, as reflexões que se apresentam aqui não concordam que o ensino seja algo eminentemente técnico, ou que o saber sobre o ensino ou sobre o próprio processo de ensinar seja fundamentalmente técnico. Reconhecemos sim a significação e o lugar da técnica que permite viabilizar a execução do ensino. (VEIGA, 1991, p. 8) É essa a concepção que fundamenta o estudo dos limites e possibilidades da construção de metodologias aplicadas à Educação Ambiental que aqui propomos. O reconhecimento da necessidade na execução dos processos educativos, mas também o reconhecimento de seu lugar subsidiário em relação ao processo de ensino. Nessa linha, pensemos um pouco mais sobre a necessidade de construção contínua e permanente da proposta metodológica que dá apoio ao projeto educativo em que estamos inseridos. O processo de construção da metodologia de ensino Para facilitar nossas reflexões sobre o processo de construção da metodologia de ensino, tomemos para análise Mr. Holland, adorável professor. Esse filme, que pode ser questionado quanto ao seu conteúdo acrítico com relação aos valores das sociedades capitalistas, traz, apesar disso, uma interessante oportunidade de pensarmos o processo de construção das metodologias de ensino nos processos educativos. A narrativa é centrada na trajetória profissional de um professor de uma escola de Ensino Médio e o vemos construindo, cotidiana e continuamente, uma proposta metodológica para o ensino de música. É muito interessante notar como o professor, nos movimentos concretos da realidade de seus alunos, articulado aos seus conhecimentos de música e a aspectos pedagógicos, busca em diferentes fontes – nas conversas com sua mulher, com a diretora da escola, com alguns colegas, com a diretora da escola para surdos –, inclusive na reflexão sobre seus próprios valores, subsídios teóricos para a construção de sua prática pedagógica. A primeira contribuição desse filme para o estudo aqui pretendido, a reflexão sobre o papel da metodologia de ensino nas propostas educativas, diz respeito à necessidade de destacar o caráter processual da construção de nossas propostas metodológicas, isto é, uma metodologia de ensino nunca está pronta e acabada, é um processo dinâmico de construção contínua da prática educativa. Isso nos leva a destacar tambémo caráter singular da construção metodológica, ou seja, nenhuma metodologia de ensino pode ser transportada de uma situação concreta a outra. Podemos admitir que uma proposta metodológica inspire outra, mas não podemos esperar que ela seja aplicada em diferentes e diversas situações sem profundas modificações com caráter adaptativo. Metodologia de ensino: limites e possibilidades 23 Numa das cenas finais do filme, o concerto que o professor realiza para os alunos da escola de surdos, frequentada por seu filho, explicita a possibilidade, pela construção de metodologias criativas adequadas às mais diversas situações, de realizar processos educativos aparentemente impossíveis. É interessante refletir sobre essa situação: um professor de música consegue, com dedicação, competência e muito esforço, desenvolver uma metodologia para “ensinar” música para surdos. Essa possibilidade começa a ser construída quando seu filho, deficiente auditivo desde bebê, explicita o conflito do pai que resiste a aceitar a condição do filho. Durante uma discussão entre os dois, o então já jovem estudante mostra ao pai que sua resistência em aceitar a deficiência auditiva do filho impede que ele o ajude a conhecer mais a música, mostrando-lhe quanto ele, sozinho, tem conseguido para isto. Podemos identificar aqui alguns elementos importantes na construção metodológica de nossa prática educativa. O professor é desafiado, pela realidade, a desenvolver uma metodologia de ensino capaz de realizar o aparentemente impossível. O movimento que ele inicia também traz indicadores do processo em curso: uma importante contribuição para a realização desse desafio é o contato que procura com a diretora da escola de surdos. Ela o orienta, com conhecimentos teórico-práticos sobre a Educação de deficientes auditivos, para que ele construa técnicas próprias para a percepção do ritmo e da harmonia da música para um público com necessidades tão especiais quanto aquele. Vemos aqui, portanto, o concerto para surdos ser construído pela articulação entre o compromisso do professor (desafio), o domínio do conteúdo (seus conhecimentos sobre a música) e os conhecimentos pedagógicos necessários à construção da proposta. Os conhecimentos pedagógicos têm complexidade tal que é preciso compreendê-los mais amplamente do que um conjunto de técnicas de ensino descoladas do processo educativo. Técnicas atraentes, material de ensino sofisticado e modismos tecnológicos não contribuem para a construção de propostas metodológicas competentes se não estiverem radicalmente articuladas a um processo de construção metodológico singular. Os conhecimentos pedagógicos são gerados no campo do conhecimento pedagógico. Identifiquemos esse campo como subsídio teórico para o compromisso e o desafio que aqui nos colocamos: refletir sobre os elementos fundamentais do processo de construção das metodologias aplicadas à Educação Ambiental. Muitas ciências são subsidiárias da Pedagogia para compreender o processo educativo: a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, a Economia, a História, a Linguística, entre outras. Essas ciências, no entanto, não se dedicam à construção do campo do conhecimento pedagógico, mas estudam o fenômeno educativo a partir de sua própria óptica, isto é, no campo de conhecimento de sua própria especificidade. Para a construção de propostas metodológicas mais adequadas à realidade vivida nos processos educativos, é importante identificarmos no campo do conhecimento pedagógico os elementos das ações pretendidas. Libâneo (1998, p. 30) contribui para a identificação desses elementos: A Pedagogia, com isso, é um campo de estudos com identidade e problemáticas próprias. Seu campo compreende os elementos da ação educativa e sua contextualização, tais como o aluno como sujeito do processo de socialização e aprendizagem; os agentes de formação Metodologia de ensino: limites e possibilidades 24 (inclusive a escola e o professor); as situações concretas em que se dão os processos formativos (entre eles o ensino); o saber como objeto de transmissão/assimiliação; o contexto socioinstitucional das instituições (entre elas as escolas e salas de aula). Resumidamente, o objetivo do pedagógico se configura na relação entre os elementos da prática educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber e os contextos em que ocorre. Essas reflexões nos ajudam a identificar os elementos do processo educativo que precisamos conhecer mais aprofundadamente para a construção de nossas propostas metodológicas, isto é, precisamos responder sempre o que conhecemos dos educandos (sujeitos e não objetos das situações educativas), o que somos como educadores (que compromissos nos desafiam), quais são os saberes envolvidos nesse processo e o que conhecemos dos contextos sociais, políticos e culturais que determinam os processos educativos. Analisemos também, no filme proposto, todo o processo de construção da metodologia do ensino de música para os alunos da escola em que o professor trabalhou durante 30 anos. É interessante observar como o filme traz, por meio de vários e diferentes recursos, a ideia da passagem do tempo. Isso, para as análises aqui pretendidas, tem importância fundamental: a construção de uma metodologia de ensino é um processo longo e contínuo, que exige dedicação e tempo para sua realização. Não podemos pensar na construção metodológica num momento que antecede o processo de ensino. Ela se dá durante o processo e, portanto, é construída continuamente. Continuidade é, então, uma exigência da construção da metodologia de ensino. Isso nos remete a um outro elemento do processo pedagógico: a participação, implícita ou explícita, de vários atores sociais, como o educador, os educandos e as pessoas relacionadas, direta ou indiretamente, a eles. Sendo o processo contínuo, participam dele, nos diferentes momentos, diferentes personagens. Sendo essa participação real, por que não potencializá-la a ponto de sistematizar a participação dos diretamente envolvidos? Isto é, podemos construir propostas metodológicas para nossa prática educativa com a participação direta de todos os envolvidos, não só pela nossa observação cotidiana mas também ouvindo e criando oportunidades concretas para que os diferentes participantes dos processos educativos sejam ouvidos, individual e coletivamente, e tomem decisões acerca de seu próprio processo educativo. Ainda em relação ao tempo, o filme nos mostra algumas transformações nos costumes da sociedade em que está inserida a narrativa. Esse é também um ponto importante para nossos estudos acerca das metodologias de ensino. As referências culturais são elementos constituintes da aprendizagem dos educandos e precisam ser ponto de partida para a construção da prática pedagógica competente e de qualidade. Numa cena, essa preocupação aparece com especial destaque: o professor inicia a aula de música, cujo objetivo é apresentar os músicos clássicos aos alunos, tocando ao piano, num arranjo em ritmo de rock, um trecho de uma música de Bach. Os alunos identificam a música porque foi gravada por um conjunto de rock e a partir daí o professor inicia a discussão. Vemos aqui como os referenciais dos alunos entram no procedimento metodológico como ponto de partida, como elemento motivador da aprendizagem. Podemos concluir que o professor buscou nas teorias da motivação elementos reais para construir uma proposta pedagógica, vivenciando na prática o conceito teórico da aprendizagem significativa. Além disso, vemos Metodologia de ensino: limites e possibilidades 25 nessa cena a ideia, muito valorizada no campo do conhecimento pedagógico, de que, num processo educativo que se pretenda mais significativo, é importante partir da realidade dos educandos em busca da ampliação dos conhecimentos. “Respeitar a realidade” é umadiretriz metodológica bastante presente no discurso de muitos educadores. No entanto, é importante refletirmos sobre seu real significado. É comum observarmos educadores que, em nome do “respeito” à realidade dos educandos, na maioria das vezes uma realidade que determina condições perversamente precárias de acesso aos conhecimentos e elementos da cultura, imobilizam-se, não buscam a ampliação das experiências culturais desses educandos. Isto é, ao abrirem mão da diretividade no processo educativo, motivados pela ideia de não intervir na realidade existente, cristalizam a situação precária da apropriação dos conhecimentos por parte dos educandos. Um processo educativo que se pretenda crítico e transformador exige contribuição para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, isto é, democratizar o acesso aos conhecimentos e instrumentos da cultura, o acesso ao saber elaborado. Para isso, do ponto de vista político-pedagógico, é importante que o educador assuma seu papel diretivo, no sentido de garantir condições objetivas de, partindo da realidade vivida, ampliar os conhecimentos e experiências culturais, instrumentalizando os educandos para uma prática social crítica e transformadora (LIBÂNEO, 1985). No filme que estamos analisando, as cenas em que o professor tenta ensinar Gertrudes Lang a tocar um instrumento musical mostram o processo de superação do inicial desinteresse que ele desmonstrava pela efetiva aprendizagem dos alunos. Na narrativa, as sequências que abordam a história dessa aluna revelam como o professor, então já mais comprometido profissional e pessoalmente com os alunos, inicia um processo de observação e construção de formas alternativas para ajudar Gertrudes a superar suas dificuldades com o instrumento: aqui vemos novamente a importância, para os professores, de buscar, nas teorias da motivação, conhecimentos teóricos para a organização do ensino. O mesmo acontece com a sequência em que o professor “ensina” ritmo para Louis, o atleta que por não apresentar rendimento escolar suficiente foi retirado da equipe de luta livre, esporte pelo qual tem grande interesse. No processo de desenvolvimento da percepção rítmica pelo aluno, vemos o professor lançando mão das mais variadas e criativas técnicas, buscando a metodologia mais adequada a esse desafio. Nessas duas histórias do filme, podemos observar, principalmente, o princípio da aprendizagem significativa fundamentando a construção das metodologias próprias a cada situação educativa. A aprendizagem significativa é, sem dúvida, um dos principais componentes na construção de uma proposta metodológica que se pretende inovadora e instigante. Proposta por Ausubel, segundo Moreira e Masini (1982), essa concepção de aprendizagem pressupõe a agregação de novos conhecimentos a conhecimentos preexistentes na estrutura cognitiva de quem aprende, pois os novos conceitos associam-se aos conceitos gerais preexistentes, para torná-los mais elaborados e mais generalizáveis, apropriados, então, de forma mais significativa. O princípio Metodologia de ensino: limites e possibilidades 26 pedagógico da aprendizagem significativa se contrapõe aos princípios da aprendizagem memorizadora, tratados pela transmissão mecânica de conhecimentos daquele que os detém (o educador) a aqueles que os recebem (os educandos). Para que a aprendizagem se realize concreta e eficazmente, o processo deve, segundo esse referencial, proporcionar oportunidades para a compreensão, intelectual e afetiva, do novo, isto é, o conhecimento novo tem que ter significado cultural, intelectual e afetivo. Não que o conhecimento tenha que ter sentido prático imediato, mas tem que ser compreendido plenamente – com o cuidado, é claro, de não criar situações artificiais de significação: o educando necessita apresentar disposição de relacionar o novo conceito de maneira substantiva e não arbitrária a sua estrutura cognitiva (Moreira; Masini, 1982). Segundo Bruner (1976), Ausubel (1980) e Vygotsky (1987), no processo de ensino-aprendizagem é fundamental a reconstrução do conhecimento e, para isso, é importante que o educador empreenda esforços para descobrir o que os educandos já sabem para, com esses dados, organizar formas de apropriação dos conteúdos, estimulando-os a, pelo pensamento, passar dos conhecimentos particulares para o conhecimento geral e vice-versa, construindo, desconstruindo e reconstruindo-os. O educador pode tomar os conhecimentos particulares, em geral relacionados à realidade cotidiana, aquilo que os educandos conhecem, como ponto de partida para, a partir de abstrações do pensamento, estimuladas pelo educador por meio de desafios sistematizados, chegar a uma compreensão concreta, significativa, dos conteúdos em análise. Nesse sentido, na construção de uma proposta metodológica, o educador é mediador na relação sujeito-objeto de conhecimento. Ensinar pela compreensão significa fornecer informações, questionar, problematizar e até corrigir equívocos, mas de forma a estimular o raciocínio e o pensamento da construção do conhecimento. Moysés (1994) destaca esse procedimento afirmando que o trabalho educativo é um trabalho conjunto entre educandos e educadores, ou, como encontramos em Paulo Freire: “ninguém educa ninguém, educador e educando se educam, mediados pelo mundo” (FREIRE, 1984). Se considerarmos que a Educação Ambiental não se restringe à transmissão mecânica de conhecimentos sobre o ambiente, mas é um processo mais complexo que tem como objetivo contribuir para a construção de sociedades sustentáveis e equitativas ou socialmente justas e ecologicamente equilibradas e gerar, com urgência, mudanças na qualidade de vida e maior consciência de conduta pessoal, assim como harmonia entre os seres humanos e destes com outras formas de vida (FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONGS, 1995), é importante que tomemos a aprendizagem significativa como referencial na construção das metodologias mais adequadas a esse processo. No nosso filme, o professor demonstra, desde o início, reconhecer a ineficiência e a inadequação das tradicionais metodologias de ensino, centradas na transmissão mecânica de conhecimentos sem significado concreto para os alunos, em sua prática pedagógica. Tem esse significado o diálogo com Íris, sua mulher: Metodologia de ensino: limites e possibilidades 27 “Fiz vários alunos dormirem!”. Também é interessante observar que o desinteresse do professor pela docência demonstrado inicialmente, que revelava o baixo grau de compromisso com a aprendizagem dos alunos, foi fator determinante de escolhas metodológicas ditas “tradicionais”, pois elas garantem um aparente cumprimento dos compromissos formais dos professores com o processo de ensino. Então, o compromisso do educador, articulado ao domínio do conteúdo, e a busca de conhecimentos pedagógicos são os principais componentes do processo de construção das metodologias de ensino aplicadas a cada situação educativa singular. A relação entre compromisso do educador e sua competência técnica, que abrange o domínio de conteúdos e os aspectos pedagógicos dos processos de ensino, foram discutidos por Saviani (1994). O esforço do educador por uma educação transformadora somente se realiza, segundo as análises desse autor, pela articulação radical entre o compromisso político e a competência técnica, isto é, sem compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, uma sociedade transformada, o educador, em permanente relação com os educandos, não realiza a educação crítica e transformadora, mas reconhece também que sem competência técnica esse compromisso político se esvazia, não se concretiza. O processo educativo crítico e transformador exige do educador compromisso político e competência técnica. Na Educação Ambiental, somente uma Educação crítica e transformadorapode contribuir para a construção de uma sociedade ecologicamente equilibrada e socialmente justa. Dessa forma, na construção de metodologias aplicadas à Educação Ambiental, o compromisso político por uma Educação Ambiental crítica e transformadora somente se realiza com competência técnica, buscada no domínio de conhecimentos sobre o ambiente e no domínio de conhecimentos pedagógicos. A construção da proposta metodológica em Educação Ambiental Diante do até agora refletido, podemos identificar alguns dos princípios fundamentais para a construção de propostas metodológicas em Educação Ambiental. O primeiro ponto refere-se à necessidade de partir da ideia de que qualquer metodologia para a Educação Ambiental tem que ser construída. No entanto, podemos buscar em diferentes propostas metodológicas inspiração para essa construção, revelando, com isso, um segundo princípio: as técnicas e instrumentos pedagógicos devem ser adaptados às necessidades singulares do processo em curso. Um outro importante princípio na construção das metodologias aplicadas à Educação Ambiental diz respeito à necessidade de buscar na realidade concreta os elementos reais para as propostas educativas e, por último, é importante apoiar a construção metodológica de uma proposta educativa ambiental no campo do conhecimento pedagógico. Metodologia de ensino: limites e possibilidades 28 O currículo dos urubus (ALVES, 1987) O rei Leão, nobre cavalheiro, resolveu certa vez que nenhum dos seus súditos haveria de morrer na ignorância. Que bem maior que a educação poderia existir? Convocou o urubu, impecavelmente trajado em sua beca doutoral, companheiro de preferências e churrascos, para assumir a responsabilidade de organizar e redigir a cruzada do saber. Que os bichos precisavam de educação, não haveria dúvidas. O problema primeiro era o que ensinar. Questão de currículo: estabelecer as coisas sobre as quais os mestres iriam falar e os discípulos iriam aprender. Parece que havia acordo entre os participantes do grupo de trabalho, todos urubus, é claro: os pensamentos dos urubus eram os mais verdadeiros, o andar dos urubus era o mais elegante, as preferências de nariz e de língua dos urubus eram as mais adequadas para uma saúde perfeita; a cor dos urubus era a mais tranquilizante; o canto dos urubus era o mais bonito. Em suma: o que é bom para os urubus é bom para o resto dos bichos. E assim se organizaram os currículos, com todo rigor e precisão que as últimas conquistas da didática e da psicologia da aprendizagem poderiam merecer. Elaboraram-se sistemas sofisticados de avaliação para teste de aprendizagem. Os futuros mestres foram informados da importância do diálogo para que o ensino fosse mais eficaz e chegaram mesmo, vez por outra, a citar Martin Buber. Isto tudo sem falar na parafernália tecnológica que se importou do exterior, máquinas sofisticadas que podiam repetir as aulas à vontade para os mais burrinhos, e fascinantes circuitos de televisão. Ah! que beleza. Tudo aquilo dava uma deliciosa impressão de progresso e eficiência e os repórteres não se cansavam de fotografar as luzinhas piscantes das máquinas que haveriam de produzir saber, como uma linha de montagem produz um automóvel. Questão de organização, questão de técnica. Não poderia haver falhas. Começaram as aulas, de clareza meridiana. Todo mundo entendia. Só que o corpo rejeitava. Depois de uma aula sobre o cheiro e o gosto bom de carniça, podiam-se ver grupinhos de pássaros que discretamente (para não ofender os mestres) vomitavam atrás das árvores. Por mais que fizessem ordem unida para aprender o gingado do urubu, bastava que se pilhassem fora da escola para que voltassem todos os velhos detestáveis hábitos de andar. E o pavão e as araras não paravam de cochichar, caçoando da cor dos urubus: “Preto é a cor mais bonita? Uma ova...” E assim as coisas se desenrolaram, de fracasso a fracasso, a despeito dos métodos cada vez mais científicos e das estatísticas que subiam. E todos comentavam, sem entender: “A educação vai muito mal...” Gosto de estórias porque elas dizem com poucas palavras aquilo que as análises dizem de forma complicada. Todo mundo reclama do fracasso da educação no Brasil. Os alunos de hoje não são como os alunos de antigamente. Nem mesmo sabem escrever. Que dizer do aprendizado de Ciência, esta coisa tão Metodologia de ensino: limites e possibilidades 29 importante para o projeto Brasil Grande Potência? E eu fico a me perguntar se o problema não está justamente aqui. Um bem-te-vi que consiga ser aprovado com distinção na escola dos urubus pode ser muito mais inteligente para os urubus. Bem-te-vi é que ele não é. Não passa de um degenerado. E aqui volto à moral da estória do Pinóquio às avessas, que ainda vou escrever, aquela mesma que causou espanto: por vezes, a maior prova de inteligência se encontra na recusa em aprender. É que o corpo tem razões que a didática ignora. Vomitar é doença ou é saúde? Quando o estômago está embrulhado, aquela terrível sensação de enjoo, todo mundo sabe que o dedo no fundo da garganta provocará a contração desagradável mas saudável. Fora com a coisa que violenta o corpo! Nietzsche dizia em certo lugar (não consegui encontrar a citação) que ele amava os estômagos recalcitrantes, exigentes, que escolhiam a sua comida, e detestava os avestruzes, capazes de passar em todos os testes de inteligência, por sua habilidade de digerir tudo. Estômago exigente, capaz de resistir e de vomitar. Em cada vômito uma denúncia: a comida é imprópria para a vida. E eu me pergunto se este tão denunciado e tão chorado fracasso da educação brasileira não será antes um sinal de esperança, de que continuamos capazes de discernir o que é bom para o corpo daquilo que só é bom para o lucro. Esquecer depressa: não é esta a forma pela qual a cabeça vomita a comida de urubu que lhe foi imposta? Cursinho vestibular, exame vestibular: banquete de urubu? É fácil saber. Que se sirva a mesma comida, seis meses depois. Uma ideia a ser explorada: para educar bem-te-vi é preciso gostar de bem-te-vi, respeitar o seu gosto, não ter projeto de transformá-lo em urubu. Um bem-te-vi será sempre um urubu de segunda categoria. Talvez, para se repensar a educação e o futuro da Ciência, devêssemos começar não pelos currículos- -cardápios, mas do desejo do corpo que se oferece à educação. É isto: começar do desejo... Esta história-texto ilustra e completa nossas reflexões sobre com o que devemos nos preocupar quando pensamos na construção de metodologias para a Educação, e em particular para a Educação Ambiental. A partir dela, podemos refletir sobre a importância de construirmos metodologias de ensino que levem em conta a diversidade, as características dos educandos e seu contexto social, político e cultural, e construir metodologias que, sem abrir mão das possibilidades pedagógicas de técnicas e materiais a que temos acesso, mas colocando-os a serviço de um processo dinâmico, construído em situações educativas concretas, reais e singulares, nas quais a participação de todos os envolvidos é de fundamental importância. Assim, podemos concluir que entre os elementos construtores das metodologias de ensino para os educadores estão olhos, ouvidos, coração e mente abertos. Isto é, se o educador se preocupar em observar (olhos), dar voz aos envolvidos no processo (ouvidos), comprometer-se concretamente com todo o processo (coração) e empreender esforços intelectuais para sua realização (mente) com objetivos Metodologia de ensino: limites e possibilidades 30 de construir propostas instigantes e inovadoras, terá realizado o desafio de construir propostas metodológicas comprometidas com a Educação Ambiental crítica e transformadora, que busque a construção de sociedades ambientalmente equilibradas e socialmente justas
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