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A continuidade da Educação Infantil para o Ensino Fundamental APRESENTAÇÃO A infância é uma construção social e cultural e um tempo único no ciclo da vida. Portanto, ao pensar em uma proposta educativa para as crianças pequenas, é essencial reconhecê-las como sujeitos autores e produtores de cultura. Dessa forma, as práticas pedagógicas na educação infantil e no ensino fundamental devem estar comprometidas com as infâncias, buscando articular as dimensões do cuidado e da educação, concebendo-as não como ações opostas, mas detentoras da mesma finalidade: contribuir para o desenvolvimento integral das crianças. Nesta Unidade de Aprendizagem, você reconhecerá a necessária continuidade das ações educativas da educação infantil para o ensino fundamental, a importância em garantir práticas pedagógicas que assegurem as principais características da infância, assim como a importância de articular as práticas pedagógicas entre docentes da educação infantil e do ensino fundamental. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a necessidade da continuidade da educação infantil para o ensino fundamental.• Identificar a importância de garantir práticas pedagógicas no ensino fundamental que assegurem as principais características da infância. • Explicar a importância da articulação das práticas pedagógicas entre docentes da educação infantil e do ensino fundamental. • DESAFIO Segundo os arts. 10 e 11, da Resolução CNE/CEB 5/2009 que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais, na transição da educação infantil para o ensino fundamental, as propostas pedagógicas devem prever formas de garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdo. Diante disso, e sabendo da importância da transição da educação infantil para o ensino fundamental e da necessária continuidade no desenvolvimento das crianças, busca-se, em nossa instituição, criar estratégias adequadas e envolver diferentes intervenientes nesse processo. Você é professora do primeiro ano do ensino fundamental, e a mãe de uma criança chega até você e pergunta como está conduzindo esse processo de transição das crianças da educação infantil para o ensino fundamental e de que forma está garantindo que as especificidades da criança sejam respeitadas. Como você conduziria essa conversa? INFOGRÁFICO As atividades lúdicas precisam ocupar um lugar especial na educação infantil e no ensino fundamental. Ao trabalhar com o lúdico, o professor oportuniza o desenvolvimento de habilidade e potencialidades necessárias ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor das crianças. Neste Infográfico, você acompanhará a importância em considerar o brincar na prática pedagógica da educação infantil e do ensino fundamental. CONTEÚDO DO LIVRO A partir da ampliação do ensino fundamental para nove anos, com o ingresso da criança aos seis anos de idade, é premente a necessidade de se construir práticas diferenciadas nas escolas da infância, aqui compreendido como educação infantil e ensino fundamental. Esse desafio exige uma postura crítica e reflexiva dos profissionais que trabalham com a educação, no sentido de superar a visão de descontinuidade e ruptura que se tem da educação infantil para o ensino fundamental. Essa ruptura é, em certa medida, posta pelo fato de que a criança, ao ingressar no ensino fundamental, deixa de ser criança para se tornar aluno, ou seja, toda a peculiaridade, singularidade e características próprias da infância deixam de ser consideradas. Porém, a criança que ontem criava, recriava, brincava e tinha prazer em estar na educação infantil é a mesma que hoje frequenta o ensino fundamental. Na Obra A Educação infantil e a garantia dos direitos fundamentais da infância, leia o capítulo, A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, em que você reconhecerá a necessária continuidade das ações educativas da educação infantil para o ensino fundamental, a importância em garantir práticas pedagógicas que assegurem as principais características da infância, assim como reconhecer a importância em articular as práticas pedagógicas entre docentes da educação infantil e do ensino fundamental. Boa leitura. A EDUCAÇÃO INFANTIL E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA INFÂNCIA Ana Keli Moletta A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a necessidade da continuidade da educação infantil para o ensino fundamental. Identificar a importância de garantir práticas pedagógicas no ensino fundamental que assegurem as principais características da infância. Explicar a importância da articulação das práticas pedagógicas entre docentes da educação infantil e do ensino fundamental. Introdução Como você sabe, o ensino fundamental de nove anos é recente no Brasil. Daí a problematização sobre a articulação entre a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. Afinal, é necessário promover práticas educativas que respeitem a infância e as especificidades das crianças de 5 e 6 anos de idade. Neste capítulo, você vai estudar a continuidade das ações educativas da educação infantil no ensino fundamental. Você vai verificar a impor- tância de garantir práticas pedagógicas que assegurem as principais características da infância. Além disso, vai reconhecer a importância de os docentes da educação infantil e os do ensino fundamental articularem suas práticas. Continuidade entre educação infantil e ensino fundamental O ensino fundamental de nove anos é recente no Brasil. Como uma política pública nova na área educacional, requer refl exões e discussões para uma análise cada vez mais aprofundada. O ensino fundamental de nove anos tornou-se obrigatório no ano de 2006, embora tal pretensão já fi gurasse como meta desde 2001, na Lei nº 10.172 (BRASIL, 2001), que aprovou o Plano Nacional de Educação (2001–2010). No referido plano, encontra-se a pretensão da ampliar a duração do ensino fundamental para nove anos, com ingresso da criança aos 6 anos de idade. Essa meta passou a ser parcialmente atendida no ano de 2005, com a Lei nº 11.114, que modifi cou dois artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Tais artigos fi caram com a seguinte redação: Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental. [...] Art. 32º O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública a partir dos seis anos, terá por objetivo a formação básica do cidadão (BRASIL, 2005, documento on-line). A contemplação integral do Plano Nacional de Educação (2001–2010), com relação ao ensino de nove anos e a inserção da criança na escolaridade obrigatória aos 6 anos, ocorreu em 2006, com a promulgação da Lei nº 11.274 (BRASIL, 2006). No ano de 2009, tal obrigatoriedade passou a fazer parte também do texto da Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 59, de 2009, que alterou o inciso I do art. 208. Veja: “Educação básica obri- gatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurado inclusive sua oferta gratuita a todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 2009, documento on-line). Segundo o Ministério da Educação (MEC), no documento “Ensino fun- damental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de 6 anos de idade” (BRASIL, 2007), a ampliação do ensino é uma estratégia política com vistas a atender a um número maior de alunos no ensino obrigatório, os quais não estavam contemplados na faixa etária do ensino fundamental de oito anos. Para Campos, Campos e Rocha (2007), além desse argumentodo A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental2 Ministério da Educação, há ainda alguns outros objetivos que o nortearam para a ampliação do ensino para nove anos. Entre esses argumentos, as autoras destacam: [...] Acredita-se que ao assegurar melhores oportunidades educacionais, se atingirá indicadores mais equitativos no sistema educacional como um todo, favorecendo a permanência e o sucesso escolar das crianças. Nesse sentido, trata-se de uma medida de justiça social, na direção de uma escola de fato inclusiva. Necessidade de compatibilizar os currículos e tempos escolares entre os sistemas educacionais dos diferentes países que integram o bloco econô- mico do MERCOSUL (IPEA, 2005; FERNANDES, 2006). Declínio das taxas de fecundidade com o crescente decréscimo nas taxas de matrícula do Ensino Fundamental. Previsões apontam para a crescente ociosidade da infraestrutura destinada para este nível de ensino, o que inclui aspec- tos relacionados à composição do corpo docente (CAMPOS; CAMPOS; ROCHA, 2007, p. 5). Acompanhando as mudanças da educação infantil, em 17 de dezembro de 2009, a Resolução nº 5 fixou as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), substituindo a Resolução CNE/CEB nº 1/99. Em seu art. 5º, a lei destaca que a educação infantil continua fazendo parte da primeira etapa da educação básica, sendo oferecida em creches e pré-escolas que educam e cuidam de crianças, só que agora para a faixa etária de 0 a 5 anos (BRASIL, 2009a). Primando pelo acompanhamento da continuidade do processo de educação, o Parecer CNE/CEB nº 20/2009 (BRASIL, 2009b) destaca a importância: do acolhimento tanto das crianças como de suas famílias no ingresso da criança na instituição de ensino fundamental; do acompanhamento do processo de vivência e desenvolvimento da criança; do planejamento do trabalho pedagógico reunindo as equipes da creche e da pré-escola, acompanhado de relatórios descritivos das turmas e das crianças, suas vivências, conquistas e planos, de modo a dar continuidade ao seu processo de aprendizagem; da previsão de formas de articulação entre os docentes da educação infantil e do ensino fundamental. 3A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental Quanto ao atendimento à criança em sua totalidade, as DCNEI, em seu art. 11, apontam que, na transição da educação infantil para o ensino fundamental, as propostas pedagógicas devem prever formas de garantir a continuidade do processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. A ideia é respeitar as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no ensino fundamental (BRASIL, 2010). Seguindo com as normativas legais, no ano de 2017 surgiu a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017). Ela é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica. O documento assevera que a transição entre as duas etapas da educação básica (educação infantil e ensino fundamental) requer muita atenção para que haja equilíbrio, integração e continuidade dos processos de aprendizagens das crianças. Para isso, é necessário estabelecer estratégias de acolhimento e adaptação tanto para as crianças quanto para os professores. A ideia é que a nova etapa se construa com base no que a criança sabe e é capaz de fazer, em uma perspectiva de continuidade de seu percurso educativo. Tais alterações trazem mudanças e isso exige dos profissionais envolvidos com a educação reflexão sobre o lugar da infância na contemporaneidade. Também exige o entendimento do currículo e da proposta pedagógica a serem elaborados nas instituições de educação infantil e de ensino fundamental para atenderem a essa nova realidade. Sobre tais mudanças, o Ministério da Educação (BRASIL, 2017) indica a necessidade de se reorganizar a estrutura espacial, ou seja, os materiais didáticos, o mobiliário e os equipamentos. Esses elementos precisam ser repensados para atender às crianças da nova faixa etária no ensino funda- mental, bem como àquelas que já estavam nessa etapa de ensino com oito anos de duração. Contudo, somente pensar no espaço não basta; é necessário que haja tempo para que a interação e as experimentações ocorram. Nesse sentido, é impres- cindível a mediação do professor tanto nos momentos voltados para atividades de leitura e escrita quanto nos momentos de brincadeiras. Kramer (2006) destaca que essas dimensões devem ser (e já deveriam ser) respeitadas, seja na educação infantil ou no ensino fundamental. O aluno não é algo dissociado das infâncias e das crianças, e sim parte integrante delas. Portanto, o objetivo da educação básica é assegurar a apropriação e a construção do conhecimento por todas as crianças. A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental4 No Quadro 1, a seguir, você pode ver como a legislação brasileira vem definindo a idade de ingresso na escolarização. Lei Nível de escolarização Idade de ingresso na escolarização Constituição Federal de 1988 Ensino fundamental 7 anos Lei de Diretrizes e Bases de 1996 Ensino fundamental 7 anos (facultativo a partir dos 6 anos) Plano Nacional da Educação (Lei nº 10.172/01) Ensino fundamental 6 anos Lei nº 11.114/05 (modifica a LDB) Ensino fundamental 6 anos Lei nº 11.274/06 (modifica a LDB) Ensino fundamental 6 anos Emenda Constitucional nº 59/09 (altera a Constituição Federal) Educação básica: EI (pré-escola) Ensino fundamental Ensino médio O ingresso na educação básica é a partir dos 4 anos e, no ensino fundamental, com 6 anos de idade Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009) Educação infantil: Creches: até 3 anos Pré-escola: até 5 anos Reafirma o exposto Base Nacional Comum Curricular (educação infantil) (Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017) Reafirma o exposto Reafirma o exposto Quadro 1. Histórico da legislação brasileira A necessidade de assegurar as características da infância A infância não pode ser reduzida a um simples estágio. Ela é uma categoria histórica, tendo em vista que todo ser humano passa por ela. Além disso, é um período que é constituído de características próprias, tais como a 5A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental imaginação, a fantasia, a criação, a brincadeira, entre outras. Assim, esse período precisa ser compreendido a partir do ponto de vista da criança, para não se correr o risco de considerá-la enquanto infans, ou seja, a que não fala, a que não tem voz. Para isso, é necessário primeiramente considerar que toda criança cria cultura, brinca. Nisso reside a sua singularidade. No ato de criar e recriar, fazer e refazer, próprio da criança, reside o potencial da brincadeira, entendida como experiência da cultura. Nesse sentido, “As crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que se inserem (em seu espaço) e que lhes é contemporânea (de seu tempo)” (KRAMER, 2007, p. 16). A criança não se resume a ser alguém que não é, mas que se tornará. O segundo ponto a se considerar é que a criança é colecionadora, ou seja, atribui sentido ao mundo, produz história como colecionadora. A partir disso, ela vai construindo, dia a dia, a sua trajetória. Portanto, [...] a criança busca, perde e encontra, separa os objetos de seus contextos, vai juntando figurinhas, chapinhas, ponteiras, pedaços de lápis, borrachas antigas, pedaços de brinquedos, lembranças, presentes, fotografias” (KRA- MER, 2007, p. 16). O terceiro ponto indica que a criança subverte a ordem e estabelece uma relação crítica com a tradição. Olhar o mundo através dos olhos da criança pode revelar o desconhecido, uma outra maneira de ver o mundo e tudo o que há nele. Considerar o olhar da criança é favorecer aos adultos que continuem agindo enquantosujeitos críticos da história que produzem. Por meio do seu olhar crítico, a criança fala do seu mundo, do mundo do adulto e da sociedade. Nesse contexto, Kramer (2007) revela que o papel da documentação pedagógica é ajudar a constituir esse olhar infantil, sensível e crítico. Por fim, você deve considerar que as crianças são sujeitos sociais, per- tencem a um grupo social, uma etnia. Ou seja, as crianças não formam uma comunidade isolada, elas fazem parte de um grupo maior. Por meio de suas brincadeiras, é possível observar essa singularidade, esse pertencimento. De acordo com Kramer (2007, p. 17), “[...] os costumes, valores, hábitos, as práticas sociais, as experiências interferem em suas ações e nos significados que atribuem às pessoas, às coisas e às relações”. As crianças brincam e isso as caracteriza. Assim, cabe ao professor considerar, simultaneamente, a sin- gularidade da criança e as determinações sociais e econômicas que interferem na sua condição, para que possa reconhecer a diversidade cultural e combater a desigualdade de condições existentes. A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental6 As crianças têm direito de estar em uma instituição educacional estruturada de forma a favorecer a sua inserção crítica na cultura. A ideia é propiciar, mais do que uma escola digna, uma vida digna para elas. A educação infantil e o ensino fundamental são indissociáveis. Ambos envolvem conhecimentos e afetos, saberes e valores, cuidados e atenção, seriedade e riso. Além disso, os desafios que se apresentam nas duas etapas são os mesmos: é necessário pensar a creche, a pré-escola e a educação fun- damental como instâncias de formação cultural, que veem as crianças como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais. Portanto, considere o seguinte: [...] o planejamento e o acompanhamento pelos adultos que atuam na educação infantil e no ensino fundamental devem levar em conta a singularidade das ações infantis e o direito à brincadeira, à produção cultural, na educação infantil e no ensino fundamental. Isso significa que as crianças devem ser atendidas nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar) e que tanto na educação Infantil quanto no ensino fundamental sejamos capazes de ver, entender e lidar com as crianças como crianças e não só como alunos (KRAMER, 2006, p. 811). Pensar sobre a infância na escola e na sala de aula é um grande desafio para o ensino fundamental, que, ao longo de sua história, não tem considerado o corpo, o universo lúdico, os jogos e as brincadeiras como prioridade. Para Corsino (2007), é necessário que o professor considere as crianças enquanto sujeitos ativos que participam e intervêm no que acontece ao seu redor, pois suas ações são também forma de reelaboração e de recriação do mundo. As ações da criança são simultaneamente individuais e únicas (subjetivas), porque são suas formas de ser e de estar no mundo, mas são ao mesmo tempo coletivas, na medida em que são situadas histórica e socialmente. Assim: [...] a ação da criança no mundo não pode ser entendida apenas como desem- penho ou comportamento, mas como simbolização do sujeito. Nessa perspec- tiva, conhecer a criança implica observar suas ações-simbolizações, o que abre espaço para a valorização de falas, produções, conquistas e interesses infantis e faz da sala de aula um espaço de socialização de saberes e confronto de diferentes pontos de vista — das crianças, do professor, dos livros e de outras fontes — fazendo o trabalho se abrir ao novo, inédito, imprevisível e surpreendente (CORSINO, 2007, p. 62). 7A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental São muitos os desafios que se apresentam para a construção de uma escola da/para a infância que escape da lógica da aceleração das aprendizagens e da mensuração da educação. A educação infantil e o ensino fundamental devem ser espaços nos quais as crianças sintam vontade de permanecer, em que se sintam acolhidas, estimuladas e valorizadas. A qualidade da educação ofertada a elas deve estar relacionada a uma concepção de sociedade na qual o ensino e o cuidado articulam-se à perspectiva cidadã da participação na produção de uma sociedade mais justa e de qualidade para todos. Articulação das práticas pedagógicas entre docentes A antecipação da idade obrigatória da criança para o ingresso no ensino fundamental, a partir dos 4 anos de idade, exige arranjos e adequações físicas. Além disso, há exigências de caráter conceitual e metodológico que precisam ser ressignifi cadas e intensifi cadas. Se do ponto de vista organizacional a educação infantil e o ensino fundamental são etapas distintas, do ponto de vista pedagógico elas são indissociáveis. Isso porque os objetivos educa- cionais devem continuar sendo trabalhados de forma gradativa, integrada e articulada com as características do desenvolvimento e com a trajetória de cada criança. Infelizmente, na medida em que a criança avança nos anos escolares ou nas séries do ensino fundamental, vê reduzidas as suas possibilidades de expressão, de leitura e produção de diferentes linguagens, como desenho, pintura, dança, canto, teatro, modelagem, literatura (prosa e poesia). Nesse nível, frequentemente privilegia-se certo tipo de linguagem vinculada aos usos escolares, ou seja, a que serve à reprodução dos conteúdos dos livros didáticos mediante a transmissão, a repetição e a avaliação. Neves e Baptista (2016) apontam que as crianças que são atendidas nas instituições de educação infantil são as mesmas que frequentam ou que vão frequentar o ensino fundamental, mas infelizmente a trajetória educacional da criança nem sempre é compreendida como um contínuo. Para as pesqui- sadoras, é necessário reconhecer as especificidades de cada etapa, mas, ao mesmo tempo, levar em consideração as semelhanças que fazem com que a educação infantil e o ensino fundamental constituam um mesmo nível de ensino. Para que isso seja possível, se faz necessária a cultura do diálogo, por muito tempo ausente na organização do sistema educacional brasileiro em relação às duas primeiras etapas da educação básica. Esse fato se refletiu e A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental8 ainda se reflete no processo de desencontros vivenciados pelas crianças na passagem da educação infantil para o ensino fundamental. Para Neves e Baptista (2016), urge a consolidação da identidade da educação infantil. Isso deve ser feito com base nas especificidades da faixa etária das crianças e na construção de práticas pedagógicas que integrem o educar e o cuidar, centradas nas interações e nas brincadeiras, e que considerem a relação com as famílias. A ideia é que essa identidade dialogue com a continuidade do processo de escolarização da infância, tendo em vista que o foco principal das práticas educativas, tanto na educação infantil quanto nos anos iniciais do ensino fundamental, é o sujeito e a sua relação com a cultura. Tal assertiva é considerada na Base Nacional Comum Curricular, que esclarece sobre a necessária continuidade das aprendizagens e do acolhimento afetivo. Desse modo, a nova etapa (ensino fundamental) deve se construir com base no que os educandos sabem e são capazes de fazer, evitando a fragmentação e a descontinuidade do trabalho pedagógico. Veja: A transição entre essas duas etapas da Educação Básica requer muita atenção, para que haja equilíbrio entre as mudanças introduzidas, garantindo integração e continuidade dos processos de aprendizagens das crianças, respeitando suas singularidades e as diferentes relações que elas estabelecem com os conhecimentos, assim como a natureza das mediações de cada etapa. Torna- -se necessário estabelecer estratégias de acolhimento e adaptação tanto para as crianças quanto para os docentes, de modo que a nova etapa se construa com base no que a criança sabe e é capaz de fazer, em uma perspectiva de continuidade de seu percurso educativo (BRASIL, 2017, documentoon-line, grifo do autor). Para Borba e Goulart (2007), se as diversas linguagens artístico-culturais constituem modos de conhecer e de explicar a realidade tão válidos quanto os saberes organizados pelos diversos ramos da ciência, é preciso rever as práticas educativas. A apropriação pelas crianças dos conhecimentos produzidos se faz pela ação. Elas interpretam, reinterpretam, criam e transformam o mundo ao seu redor. As autoras questionam o seguinte: se é possível ampliar as ex- periências das crianças pequenas por meio de diferentes linguagens, fazendo circularem diferentes manifestações artístico-culturais, base fundamental para o processo de criação, por que isso não é feito com as crianças maiores? Não há como alguém se constituir como autor, crítico e criativo, se não tiver acesso à pluralidade de linguagens. Portanto, é preciso permitir às crianças que sejam livres para opinar, criar e construir sentidos e conheci- mentos. A ampliação da experiência é uma forma de fazer circular diferentes 9A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental saberes. Além disso, é a base fundamental para o processo de criação, pois alarga o acervo de referências relativas às características e ao funcionamento de cada tipo de expressão, bem como amplia a rede de significados e modos diferenciados de comunicabilidade e compreensão. Você deve considerar que o desenvolvimento dos conceitos científicos não é fruto de memorização ou de imitação, mas de criação. No link a seguir, você pode conferir um vídeo em que se discute a transição da pré- -escola ao ensino fundamental. https://goo.gl/sQsozv BORBA, A. M.; GOULART, C. As diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola. In: BRASIL. Ministério da Educação. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: MEC, 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 2 jan. 2019. BRASIL. Emenda constitucional nº. 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm>. Acesso em: 2 jan. 2019. BRASIL. Lei nº. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 2 jan. 2019. A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental10 BRASIL. Lei nº. 11.114, de 16 de maio de 2005. Altera os arts. 6o, 30, 32 e 87 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11114.htm>. Acesso em: 2 jan. 2019. BRASIL. Lei nº. 11.274, 06 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. 2006. Disponível em: <http:// www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2006/lei-11274-6-fevereiro-2006-540875-publica- caooriginal-42341-pl.html>. Acesso em: 2 jan. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. 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A continuidade da educação infantil para o ensino fundamental12 Conteúdo: DICA DO PROFESSOR Ao falar em ludicidade, lembre-se de brincadeiras, jogos, faz de conta, cantigas de roda, alegria. Isso porque, por meio dessas atividades, se pode agir, comunicar conosco e com o mundo, aceitar e acolher a existência dos outros, estabelecer relações sociais, construir conhecimentos e desenvolver-se integralmente. Trabalhar com o lúdico na educação infantil e no ensino fundamental é uma forma de garantir que a criança terá um leque de possibilidades de aprendizagem. Na dica do professor, você verá a importância em considerar o lúdico na continuidade da educação infantil para o ensino fundamental. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Segundo o art. 11 da Resolução CNE/CEB 5/2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais, na transição para o ensino fundamental, a proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade no processo de aprendizageme desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no ensino fundamental. Sabendo disso, assinale a alternativa correta. A) A educação infantil e o ensino fundamental são etapas independentes e, ao mesmo tempo, indissociáveis. B) Com relação ao ensino de nove anos, não há necessidade em se organizar a estrutura espacial para as crianças do 1º e 2º anos. C) O tempo a ser considerado no ensino fundamental restringe-se, unicamente, ao tempo da leitura e da escrita. D) A fragmentação entre a educação infantil e o ensino fundamental é uma ação necessária para a nova fase que a criança enfrentará. E) Articular experiências e culturas próprias da criança são ações a serem consideradas apenas na educação infantil. 2) Com relação às características da infância e à necessidade de considerá-la na educação infantil e no ensino fundamental, é correto afirmar: A) A infância, enquanto um simples estágio no desenvolvimento da criança, não precisa ser considerada na educação infantil. B) As características próprias da infância, tais como imaginação, fantasia, criação e brincadeira, devem ser consideradas apenas na educação infantil. C) Não há como considerar a infância a partir do ponto de vista da criança. D) Toda criança cria cultura, e nisso reside sua singularidade. E) Toda criança deve ser considerada enquanto infan. 3) A criança tem a capacidade de se relacionar com o mundo ao seu redor e dele construir aquilo que é de seu interesse, e não o que é dito, mandado, estipulado e esperado pelo adulto. Desse modo, a cultura infantil é produção e criação. Com relação à singularidade da criança, assinale a alternativa correta. A) O ato de criar e recriar, fazer e refazer é algo próprio da criança apenas na educação infantil. B) A brincadeira, mesmo entendida como experiência da cultura, deve ser desconsiderada nos anos iniciais ensino fundamental, que tem por objetivo a alfabetização. C) Por meio do seu olhar crítico, a criança fala do seu mundo, do mundo do adulto e da sociedade. D) A documentação pedagógica, ação necessária para compreendermos o desenvolvimento da criança, é uma prática restrita à educação infantil. E) A criança não deve subverter a ordem e tampouco estabelecer uma relação crítica com a tradição. 4) As crianças têm direito a estar em uma instituição educacional estruturada de forma a favorecer sua inserção crítica na cultura, propiciando, com isso, mais que uma escola digna, mas uma vida digna para elas. Sabendo disso, assinale a alternativa correta. A) Educação infantil e ensino fundamental não guardam particularidades, são etapas distintas e dissociáveis, fato que desprende o professor de estabelecer qualquer relação entre elas. B) Afetos, saberes e valores, cuidados e atenção, seriedade e riso devem ser considerados apenas na educação infantil, onde a preocupação é apenas com o cuidado da criança. C) Os desafios que se apresentam nos dois espaços são distintos, por isso da necessidade de dissociá-los. D) O planejamento e o acompanhamento pelos adultos que atuam na educação infantil e no ensino fundamental devem levar em conta a singularidade das ações infantis e o direito à brincadeira e à produção cultural. E) As crianças no ensino fundamental são meramente alunos. 5) O ensino fundamental com duração de 9 (nove) anos, com matrícula a partir dos 6 (seis) anos de idade, tornou-se obrigatório a partir de qual lei? A) Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. B) Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009. C) Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. D) Resolução nº 2, de 22 de dezembro de 2017. E) Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. NA PRÁTICA As crianças estão a todo o momento passando por transformações, sejam elas físicas, cognitivas, afetivo-emocionais e sociais, de acordo com sua faixa etária. Na escola não é diferente, somam- se as transformações de caráter educacional com as de desenvolvimento humano, e isso constitui a subjetividade de cada criança. Na prática, você acompanhará um projeto de trabalho elaborado para auxiliar as crianças no momento de transição da educação infantil para o ensino fundamental. SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: A articulação entre a educação infantil e os anos iniciais Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A infância no ensino fundamental de 9 anos: O que dizem os professores do primeiro ano? Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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