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1 Louyse Jerônimo de Morais Referência: aula da prof. Renata Lima Caso clínico Juliana leva a sua filha Aline, 10 anos ao consultório médico. Ela diz que há cerca de 10 dias, a menina vem com uma “coceira” em todo o corpo, além de várias placas vermelhas que aparecem “do nada”. Ela desconfia que seja o chocolate que a criança gosta muito. Inclusive já suspendeu vários alimentos além do chocolate, mas as lesões continuam a aparecer. No momento da consulta, não apresenta nenhuma alteração na pele. Nega outros sintomas. PARTE 1 - Urticária Em grande parte das vezes, ela não tem uma causa definida [idiopática]. Isso gera muita ansiedade e preocupação nos pacientes. Muitos deles já são ansiosos. Sabemos que existe uma relação entre ansiedade e urticária. Quando eles estão passando por um episódio de urticária, a ansiedade aumenta e o quadro clínico piora. O mais importante é o paciente entender o que está acontecendo com ele. Isso torno o manejo mais fácil. As dermatoses alérgicas têm um papel importante nas queixas de pele das crianças. Dentro disso, temos dermatite de contato, dermatite atópica, urticária etc. Epidemiologia Vai acometer cerca de 15 a 20% da população pelo menos uma vez na vida. Isso é importante porque, na urticária aguda [< 6 semanas], não precisa investigar a causa, porque o episódio pode ser único, que vai se resolver e não vai se repetir. Em crianças, a porcentagem é de 3 a 6%. A urticária crônica chega a atingir cerca de 3% da população geral, principalmente mulheres de 20 a 40 anos. Quadro clínico A lesão típica da urticária consiste em pápulas que se confluem e formam uma placa, edematosa e com tendência à palidez no centro. É extremamente pruriginosa. Se não tem prurido, questiona-se se é urticária mesmo. Pode não ter muito prurido se for por estímulo físico ou se o paciente já está em uso de anti-histamínico. Uma característica importante é que a lesão é fugaz, ou seja, desaparece rapidamente sem deixar nenhuma marca. As lesões podem estar em todo o corpo, bastante intensas e pruriginosas, e depois desaparecem totalmente. Não há muitas doenças com uma lesão tão típica. Essa lesão ocorre por conta do extravasamento de plasma na derme superficial e média. O angioedema também pode estar presente [coexiste com as urticas em 50% dos casos] e ocorre quando há acometimento da derme profunda e subcutâneo. Costuma estar presente em pálpebras, lábios, testículos, mãos, pés e outras regiões do corpo. Fisiopatologia O principal mediador é a histamina. Os mastócitos e os basófilos vão se ativar, liberando histamina em grande quantidade. Esta substância circulando vai causar os sintomas de prurido intenso com as placas edematosas. Existem outros mediadores envolvidos, mas o mais importante é a histamina. • Mecanismos imunológicos [autoimune: anticorpo anti-IgE; mediado por IgE] • Mecanismos não imunológicos: não mediados por IgE [agentes liberadores de histamina]. Algumas drogas ativam liberação de histamina, sem envolvimento da imunidade. Por exemplo, opiáceos. Qualquer processo inflamatório pode causar ativação de mastócito com liberação de histamina, como infecções virais, por exemplo. Isso é particularmente muito importante em crianças. Classificação • Aguda: menos de 6 semanas. Não é necessário nenhum tipo de investigação, porque muitos casos não vão se repetir. • Crônica: mais de 6 semanas. Existe indicação de investigação – endocrinopatias, autoimunes etc. – embora a maioria seja idiopática. 2 Louyse Jerônimo de Morais o Crônica espontânea: aparecimento espontâneo de urticas, angioedema ou ambos por período igual ou superior a 6 semanas. o Urticárias induzidas [físicas]: dermografismo, frio, pressão tardia, sol, calor, vibratória, colinérgica, contato, aquagênica. • Urticária comum: lesões duram até 24 horas. • Urticária física: lesões duram até uma hora. 1. Urticárias físicas São responsáveis por 20 a 40% de todas as urticárias, sendo o tipo mais comum em crianças. As lesões se resolvem em até uma hora. 1.1 Dermografismo sintomático São urticas pruriginosas lineares causadas pelo estímulo de fricção. Esse é o tipo físico mais comum em crianças. Por exemplo, uma roupa apertada ou um objeto que faça algum estímulo ou fricção na pele vai ter esse tipo de característica. Todas essas urticárias, não tem como saber quanto tempo vai durar, porque na maioria das vezes o paciente vai entrar em remissão. Quando isso vai acontecer, ninguém sabe. Às vezes, é muito tempo. Nesses casos, alguns pacientes não tem tanto prurido, principalmente depois de muito tempo, com evolução mais longa. 1.2 Urticária colinérgica Ocorre por aumento da temperatura corporal, como por exercícios, banho quente e o próprio estresse, principalmente em membros inferiores, mas pode aparecer em outros locais, como tronco. São urticas pequenas com halo eritematoso. 1.3 Urticária ao frio São lesões urticariformes induzidas pelo frio, que podem ser localizadas ou progredir para anafilaxia. 1.4 Urticária solar É mais rara. Urticas localizadas nas áreas de exposição à luz UV. 1.5 Urticária aquagênica Urticas pequenas nas áreas de contato com a água em qualquer temperatura. É uma situação bem desagradável. 1.6 Urticária ao calor localizado É muito rara. Urtica de localização que surge após contato com objeto quente. Etiologia • Urticárias agudas: causa conhecida em 30 a 50% dos casos. • Urticárias crônicas: causa desconhecida, exceto causas físicas. Em relação à causa: • Alimentos: ovo, leite, soja, amendoim, trigo, frutos do mar, corantes. • Medicamentos: AINE e penicilina. • Autoanticorpos: pouco estudada na população infantil. • Infecções virais: seria a principal causa. • Comorbidades: autoimunidade tireoidiana, doenças psicossomáticas [pouco estudada em crianças]. • Contactantes: urticária de contato [látex]. • Fatores de agravamento: calor, pressão e estresse. O paciente já está com um quadro de urticária. Na vigência de um ambiente estressante, quando há alteração emocional, a urticária pode piorar. 3 Louyse Jerônimo de Morais Quadro clínico: pápulas eritemato-edematosas, pruriginosas, que podem confluir. Resolvem-se em até 24 horas e não deixam cicatrizes. • Aguda: mais grave; o angioedema é mais frequente. • Urticárias físicas: desaparecem cerca de uma hora após a cessação do estímulo físico. Qualidade de vida Vários estudos mostram o impacto da doença na qualidade de vida dos pacientes, pois interfere nas atividades diárias, bem como desencadeia prejuízo da autoestima e das relações interpessoais. Os profissionais de saúde tendem a subestimar o impacto da urticária crônica na qualidade de vida dos doentes. Diagnóstico • Anamnese: tempo de duração da doença e da lesão. • Exame físico o Lesões lineares: dermografismo. o Lesões pequenas em tronco, pescoço e MMII: colinérgica. • Exames laboratoriais o Urticária aguda: nenhum exame está indicado. o Urticária crônica: função tireoidiana e anticorpos antitireoidianos. Algumas literaturas indicam sorologia para hepatites, parasitológico de fezes, FON, pesquisa de outras doenças autoimunes, pesquisa de H. pylori. Uma parte que trata HP melhora e outra parte, mesmo tratando, continua tendo urticária. • Testes de provocação o Urticárias físicas: depende do fator desencadeante. Se for de frio, coloca cubo de gelo por 5 minutos sobre a pele. o Urticárias de contato: teste de contato de leitura imediata. O diagnóstico, na verdade, é clínico. Os exames são para tentar estabelecer uma causa. Abaixo, veja como é feito o teste do cubo de gelo. • Biópsia de pele: dúvida quanto ao diagnóstico. É realizada na suspeita de urticária vasculite [que dura mais que 24 horas, com maissintomas de queimor do que prurido]. • Rast ou prick test: faz na suspeita de alergia alimentar. o Cuidado com falso-positivos, quando a causa é dermografismo. Nesse caso, o ideal é fazer rast, o qual consiste na dosagem sérica das IgEs séricas específicas. o O prick test é feito na pele, para observar se tem sensibilização ao alérgeno. Diagnóstico diferencial • Dermatite atópica: tem processo inflamatório associado, recorrente e dura vários dias. • Dermatite de contato: lesão exematosa, que pode ter vesículas e bolhas, pelo contato com produto químico. • Prurigo: alergia a picada de inseto. • Dermatite herpetiforme: relacionada à doença celíaca. Os paciente tem lesões bolhosas 4 Louyse Jerônimo de Morais importantes, principalmente em membros, mas a lesão é diferente. Tratamento • Orientação • Primeira linha o Anti-H1 de segunda geração não sedante. É a primeira escolha. A dose é habitual, mas pode ser duplicada, triplicada e até quadruplicada se não tiver melhora. Ex.: fexofenadina, ebastina, bilastina e desloratadina. o Anti-H1 de primeira geração à noite. Os anti-histamínicos são usados por, pelo menos, 20 a 30 dias, mesmo na urticária aguda. É preciso levar em consideração o fenômeno de taquifilaxia – depois de certo tempo, o anti-histamínico passa a não fazer mais efeito, então tem que trocar. • Segunda linha: corticoide. Pode ser utilizado em caso agudo, com angioedema importante e urticária gigante. Não é uma medicação que deve ser usada de rotina, em caso de urticária crônica. Pacientes refratários ao tratamento • Antileucotrienos • Imunossupressores: ciclosporina • Omalizumabe: Anti-IgE, que age diminuindo a degranulação dos mastócitos. O inconveniente é o custo. PARTE 2 - Anafilaxia Adolescente com 14 anos apresenta quadro de placas eritemato-pruriginosas pelo corpo, logo após a ingestão de petisco com crustáceos na praia. Alguns minutos depois, apresentou também estridor e tosse seca. 1. Qual o diagnóstico? Anafilaxia. 2. Em que se baseia esse diagnóstico? Alérgeno provável [crustáceo] + envolvimento de pele e/ou mucosas [placas eritemato-pruriginosas] + sinais e sintomas respiratórios [estridor e tosse seca]. 3. Como proceder nesse caso? Quais seriam as orientações? Aplicar adrenalina intramuscular no terço médio na face lateral da coxa, podendo associar medicações adjuvantes, como corticoide, por exemplo. Lembrar de monitorar sinais vitais [PA, FR, FC, oximetria de pulso e traçado eletrocardiográfico]. Orientar evitar novo contato com o provável alérgeno e portar ampola ou caneta autoinjetável de adrenalina. Introdução A anafilaxia é um evento agudo, rápido e sistêmico, que pode levar ao óbito. Então, tem a sua importância. É fundamental identificar e tratar rapidamente, pois a demora no tratamento pode levar o paciente ao óbito. Trata-se de uma reação de hipersensibilidade sistêmica e potencialmente fatal, caracterizada por instalação rápida e manifestações graves. A anafilaxia ocorre por liberação de mediadores por mastócitos, basófilos e outras células inflamatórias. Pode ter resolução espontânea sem chegar ao evento final, que é o choque, mas ninguém deve esperar para ver. A vasodilatação intensa leva ao choque, por uma liberação exagerada de mediadores. Epidemiologia Não temos estudos de incidência no Brasil. Nos EUA, a taxa de incidência estimada é de 50 casos por 100 mil pessoas ao ano, sendo que, de 0 a 19 anos, seria 70 por 100 mil. Na Europa, há 1,5 a 32 casos por 100 mil pessoas ao ano. Acredita-se que exista subdiagnóstico e subnotificação [intensidade variável dos episódios e possibilidade de resolução espontânea]. Fatores de risco • Asma ou dermatite atópica: predisposição para se sensibilizar a alérgenos. • Doença cardiovascular • Infecção aguda Classificação 1. Quanto à evolução • Unifásicas: cerca de 30 minutos após a exposição e resolvem em uma a duas horas. • Bifásicas: após a resolução dos sintomas iniciais, ocorre uma recrudescência dos sintomas cerca de 8 horas depois [20% dos pacientes podem apresentar]. Esses sintomas após muitas horas podem ser na mesma intensidade que os primeiros, mais leves ou até mais graves. Sabe-se que a não aplicação da adrenalina poderia facilitar essa reação bifásica. Ademais, além da adrenalina, o uso de corticoide também pode evitar essa recrudescência dos sintomas horas depois. 2. Quanto ao mecanismo fisiopatológico 5 Louyse Jerônimo de Morais • Reações imunológicas mediadas por IgE: o paciente foi sensibilizado por uma ou mais exposições prévias ao antígeno e a reação é desencadeada pela produção de IgE específica. • Reações imunológicas não mediadas por IgE: o paciente apresenta liberação de mediadores inflamatórios por mecanismos não IgE mediados [acúmulo de leucotrienos após uso de AAS ou AINEs]. • Reações não imunológicas: não há necessidade de exposição prévia, pois a substância induz a liberação direta de mediadores por mastócitos e basófilos [exercícios, opioides]. • Reações idiopáticas: quando o agente desencadeante não é identificado. Etiologia • Alimentos: leite de vaca, ovo, amendoim, frutos do mar. É o mais frequente em crianças. Os dois primeiros em criança, os dois últimos nos adultos. Nos EUA, amendoim é mais em criança, porque lá se come muita pasta de amendoim, então eles entram muito cedo em contato. • Medicamentos: penicilinas, AAS, AINEs. • Insetos himenópteros: abelhas, vespas, maribondos. • Látex o Contém pelo menos 13 proteínas distintas que podem ser alergênicas. Pacientes que fazem muita cirurgia, usa muita sonda vesical, isso sensibiliza. Profissionais de saúde também. o Podem apresentar reações de hipersensibilidade a certos alimentos que contêm proteínas homólogas: abacate, castanha, banana, kiwi, maçã, cenoura, aipo, melão, mamão, batata, damasco, abacaxi, morango. Quadro clínico Vários sistemas podem ser acometidos. Ocorrem manifestações cutâneas na maioria dos casos • Pele: eritema, urticária, prurido, angioedema. • Sistema respiratório: obstrução respiratória por edema da língua, orofaringe ou laringe, rouquidão, tosse, broncoespasmo, sibilos, espirros e coriza. • TGI: dor abdominal, náusea/vômito, diarreia. • Sistema cardiovascular: hipotensão, síncope, choque hipovolêmico, arritmias, dor torácica. • Olhos: edema palpebral, edema conjuntival, prurido, lacrimejamento. • Sistema geniturinário: cólicas uterinas, urgência ou incontinência urinária. • SNC: alteração ou perda de consciência. Diagnóstico O diagnóstico é clinico. Critérios diagnósticos [são 3 critérios] 1. Se um alérgeno for desconhecido, o diagnóstico é provável se uma doença aguda se manifestar em poucos minutos a horas, acometer pele e/ou mucosas e for acompanhada de mais um dos seguintes critérios: • Sinais e sintomas respiratórios [dispneia, estridor, broncoespasmo] • Queda da PA ou sintomas associados dos órgãos- alvo [síncope, incontinência] 2. Se um alérgeno for provável, dois ou mais dos seguintes critérios devem ser satisfeitos: • Envolvimento de pele e/ou mucosas • Sinais e sintomas respiratórios [dispneia estridor, broncoespasmo] • Queda da PA ou sintomas associados dos órgãos- alvo [síncope, incontinência] • Sintomas gastrointestinais 3. Se um alérgeno estiver identificado, um único critério é suficiente • Queda de PA após exposição ao alérgeno conhecido Diagnóstico laboratorial • Dosagem sérica de triptase: reflete a degranulação dos mastócitos • Testes de provocação: são realizados em algumas circunstâncias – crianças pequenas alérgicas ao leite de vaca, mas que depois adquirem a tolerância. Para ratificar que isso aconteceu, faz esses testes. • Dosagem sérica de IgE específicas: no caso de reações a alimentos após o episódio,para confirmação. Diagnóstico diferencial • Síncope vasovagal • Epilepsia • Angioedema hereditário • Crise hipertensiva 6 Louyse Jerônimo de Morais • Arritmias cardíacas • Obstrução respiratória por laringotraqueíte • Reações ao etanol: algumas pessoas tem defeito enzimático da metabolização do etanol, podendo mimetizar anafilaxia. • Transtornos psiquiátricos: crises de ansiedade. Tratamento Trata-se de uma emergência médica, pois tem evolução imprevisível, com ameaça à vida. Estudos mostram que parte dos pacientes chegam à sala de emergência, mas a demora na aplicação da adrenalina pode levar a um desfecho desfavorável. • Adrenalina IM 0,01 mg/kg máximo de 0,5 mg o Pode ser repetida em intervalos de 5 a 15 minutos por 2 a 3 vezes. o Aplica no terço médio na face lateral da coxa • Monitoramento do paciente: PA, oximetria de pulso, frequência cardíaca e respiratória, traçado eletrocardiográfico. Outros fármacos devem ser administrados após a administração da adrenalina: • Anti-H1 • Corticoides • B2 inalatórios • Hidratação venosa Após resolução, o paciente deve permanecer em observação por um período mínimo de 6 a 8 horas [reação bifásica] Prevenção • Orientações: evitar novo contato, portar adrenalina autoinjetável. Existem canetas de adrenalina. • Adrenalina autoinjetável: a desvantagem é o preço, pois tem que ser importada; a validade é curta. Pode orientar ampola de adrenalina com seringa de insulina. Caso aconteça um episódio, fazer imediatamente. Faz via subcutânea, embora o nível sérico não alcance tão rapidamente quanto a via IM, mas pode ser feito em ambiente doméstico. Exercício Anafilaxia é uma reação grave de hipersensibilidade sistêmica com risco de morte. Considerando essa condição clínica na faixa etária pediátrica, analise as seguintes assertivas e assinale V ou F: I. Nas crianças, a etiologia se encontra habitualmente nos medicamentos, alimentos e picadas de inseto. II. A epinefrina é a medicação de escolha, sendo as demais consideradas adjuvantes. III. Os anti-histamínicos são a medicação de escolha, sendo a epinefrina reservada para as situações recorrentes de anafilaxia. IV. O atraso na aplicação da adrenalina é uma das principais causas de óbito. A ordem correta é: a. VVVV b. VVFV c. FFVF d. VFVF e. FFFF GABARITO: LETRA B.
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