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Laísa Dinelli Schiaveto Urinálise INTRODUÇÃO A urina é formada pelos rins e seus principais constituintes são água, ureia, ácido úrico, creatinina, sódio, potássio, cloreto, cálcio, magnésio, fosfatos, sulfatos e amônia. Em 24 horas, o organismo excreta cerca de 60g de materiais dissolvidos, dos quais metade corresponde à ureia. Em determinadas situações patológicas, algumas substâncias são encontradas, como glicose, proteínas, corpos cetônicos, porfirinas e bilirrubinas em grandes quantidades. Ainda, além dessa substâncias, algumas células podem fazer parte de sua composição, como células epiteliais escamosas, uroepiteliais e tubulares renais. As células epiteliais escamosas revestem a uretra dos homens e das mulheres e a vagina, sendo, portanto, as células mais comuns e numerosas na urina. A hidratação do indivíduo está diretamente relacionada com a concentração de urina, a qual varia de acordo com a cor. De 1 a 3, indica hidratação. De 4 a 6, sinal de atenção à hidratação. De 7 a 8, indica desidratação. COLETA DE URINA A padronização da coleta de urina (fase pré- analítica) é muito importante. As amostras são obtidas pela técnica de coleta de jato médio, uso de saco coletos adesivo para crianças, por sonda vesical ou punção suprapúbica quando necessários. O procedimento mais usual para coleta de urina consiste em: 1. Uso de um recipiente limpo, seco e estéril no caso de urocultura. 2. Coleta do jato médio após cuidados de higiene. 3. Antes da coleta, a genitália externa deve ser higienizada com solução antisséptica suave. Se a coleta for realizada em casa, o ideal é a lavagem das genitálias. 4. Durante a coleta, o jato inicial é desprezado; o jato médio é coletado no frasco; e o jato final também é desprezado. 5. O ideal é que a amostra de urina seja examinada imediatamente após a micção, visto que, após 6 horas em temperatura ambiente, pode ocorrer contaminação por bactérias, dissolução de células e cilindros e alteração do equilíbrio ácido-base. Se não for possível examinar imediatamente a amostra, deve-se manter a urina sob refrigeração ou, então, recomenda-se a fixação da amostra com preservante. EXAMES DE URINA Os parâmetros que devem ser avaliados nos exames de urina, incluem: - Exame de características físicas (cor, aspecto, odor e gravidade/densidade). - Exame químico ou bioquímico (pH, proteínas, glicose, cetonas, sangue, bilirrubina, nitrito, esterase leucocitária e urobilinogênio). - Análises de estruturas microscópicas no sedimento. - Urocultura. Urina tipo I O exame de urina tipo I (exame de rotina completo de urina) recebe várias denominações, como: urinálise, uroanálise, exame simples de urina, elementos anormais e sedimento (EAS), Laísa Dinelli Schiaveto 3A+S (albumina, açúcar e acetona mais sedimento), entre outras. Apresenta duas vantagens principais: (1) a amostra de urina pode ser obtida facilmente por métodos não invasivos; (2) é possível obter muita informação sobre o estado de funcionamento do metabolismo do corpo, do fígado e dos rins. Além disso, fornece indícios da presença de doenças ou de infecção do trato urinário por meio de testes simples, confiáveis e baratos. Assim, neste exame são incluídos os exames físico, químico e microscópico da urina. Urina 24 horas O exame de urina 24 horas deve ser solicitado quando é necessário avaliar as concentrações exatas das substâncias urinarias, visto que essas são secretadas em concentrações varadas ao longo do dia e, assim, faz-se necessário a coleta ao longo de 24 horas. Antes de iniciar, o paciente deve esvaziar sua bexiga e essa urina deve ser desprezada. Então, tendo início aproximado às 8 horas da manhã, toda a urina feita a partir do primeiro esvaziamento é coletada até as 24 horas seguintes, incluindo a última urina que deverá ser realizada por volta das 8 horas da manhã. O recipiente, após as coletas, deve ser mantido sob refrigeração durante todo o período de coleta; no entanto, algumas vezes, faz-se necessário a adição de conservantes químicos. Ainda, para que esse teste seja preciso, é de extrema importância que toda a urina feita nesse período seja coletada e cronometrada. Urocultura A urocultura é um procedimento realizado em um meio de cultura com uma amostra da urina do paciente para identificar o crescimento bacteriano. A urina para a urocultura deve ser obtida a partir do jato médio da primeira urina da manhã e colhida com o auxílio de técnicas assépticas, preferencialmente, em período de não vigência de antibioticoterapia. Apesar da primeira urina da manhã conter potencialmente maior população de bactérias devido ao maior tempo de incubação, a sintomatologia exuberante da ITU com elevada frequência urinária dificulta essa medida. Sendo assim, a urina de qualquer micção pode ser valorizada desde que obtida com um intervalo de, no mínimo, duas horas após a micção anterior, que é o período que corresponde ao tempo de latência para o crescimento bacteriano, visando, portanto, evitar falsos-negativos. O meio sólido ou em ágar é o mais econômico e amplamente utilizado. Assim, para a urocultura, o meio usual e o CLED (cistina lactose deficiente em eletrólitos) permite a diferenciação de Gram- positivos de Gram-negativos fermentadores de lactose, portanto há alteração da cor verde do ágar para amarelo, impedindo o crescimento de Proteus e favorecendo o crescimento de colônias anãs. Para o diagnóstico de bacteriúria, deve ser considerado um número superior a 105 colônias/ml de urina, mas esse critério pode variar de acordo com a situação em relação ao paciente, sexo e uso de algum tipo de medicamento, principalmente antibióticos. Por isso, esse diagnóstico é alvo de questionamentos para caracterização de uma ITU. Urocultura Positiva: quando, após 48-72 horas de incubação da urina em meio de cultura, é possível identificar mais que 100.000 colônias de bactérias, as quais são chamadas de unidade formadoras de colônias (UFC). - Quando ocorre crescimento de três ou mais agentes em urina de jato médio, considera-se a possibilidade de contaminação e é indicado nova cultura com outra amostra. No entanto, se a urina é coletada por punção suprapúbica, dois microrganismo podem indicar poli-infecção. Urocultura Negativa: quando, após 48-72 horas de incubação da urina em meio de cultura, não se observa crescimento de colônias de bactérias. Laísa Dinelli Schiaveto Por fim, é importante considerar que valores abaixo de 10.000 UFC são considerados contaminações de coleta. Porém, existem algumas observações a serem feitas: - Se o paciente estiver tomando antibióticos, estes podem inibir o crescimento das bactérias, e mesmo um resultado com menos de 100.000 UFC deve ser sempre valorizado. - Em homens, o risco de contaminação é menor, portanto, valores maiores que 10.000 UFC já devem ser valorizados. - Quando crescem bactérias da família Pseudomonas, Klebsiella, Enterobacter, Serratia ou Moraxella, o resultado deve ser levado em conta mesmo com contagens menores que 100.000 UFC. UROCULTURA X BACTERIOSCOPIA Urocultura = Método utilizado para pesquisa e isolamento de agente patogênico de infecções do trato urinário. Tem a vantagem de existir diversos meios seletivos para as diferentes bactérias Gram-negativas ou Gram-positivas, do tipo aeróbios ou anaeróbios facultativos, além de fungos e leveduras. Bacterioscopia = Consiste em preparar, a partir da amostra de urina, uma lamina corada pelo método de Gram para identificação da bactéria no microscópio. EXAMES DE CARACTERÍSTICAS FÍSICAS Cor A variação de cor normal é determinada pela concentração da urina, a qual varia de amarelo pálido a amarelo-âmbar escuro, de acordocom a quantidade dos pigmentos urocromo, urobilina e uroeritrina. Existem alguns fatores que podem alterar essa coloração, como a dieta, uso de medicações e produtos químicos presentes em doenças. Cor Pálida ou Incolor = urina diluída decorrente do aumento do consumo de líquidos, medicamentos diuréticos ou diabetes. Cor Vermelha = indica presença de hemácias (hematúria), hemoglobina livre (hemoglobinúria), mioglobina (mioglobinúria), e a cor pode variar de rosa a preta, dependendo da quantidade de hemácias ou pigmentos. Cor Castanho-Escuro ou Preta = consiste em alcaptonúria (distúrbio em que o ácido homogentísico é excretado na urina devido ao distúrbio do catabolismo de tirosina e fenilalanina pela ausência da enzima ácido homogentísico). Cor Castanho-Amarelado ou Verde- Amarelado = indica presença de pigmento biliverdina, que é um produto oxidado da bilirrubina, em pacientes com icterícia obstrutiva que excretam bilirrubina. Aspecto Em geral, o aspecto da urina é transparente, porém pode turva-se em decorrência de precipitação de fosfatos amorfos em urina alcalina ou de uratos amorfos em urina ácida. - Fosfatos amorfos são precipitados brancos que se dissolvem mediante a adição de ácido. - Uratos amorfos apresentam cor rosa dos pigmentos urinários e se dissolvem quando a amostra é aquecida. Ainda, pode-se apresentar turva em decorrência da presença de leucócitos, hemácias, células epiteliais ou bactérias. O muco pode acarretar em um aspecto brumoso, enquanto as gorduras ou linfa acarretam em aspecto leitoso. Odor Apesar de não ser relatado em muitos laudos, o odor pode ter um significado importante. Dessa forma, a presença de cetonas exibe um odor adocicado ou frutoso, enquanto a urina com odor de xarope de bordo é indicativo da doença da urina em xarope de bordo (distúrbio metabólico congênito). Laísa Dinelli Schiaveto Gravidade Específica/Densidade A gravidade específica compara a densidade da urina com a densidade da água, o que pode avaliar se os rins estão diluindo a urina. Densidade Baixa = quando a urina está diluída e hipotônica, que pode indicar hipervolemia, hipertensão arterial, aumento da PIC, volume excessivo de soro endovenoso ou insuficiência renal crônica. Densidade Alta = quando a urina está mais concentrada com cor e odor mais fortes, que pode estar associada a vômitos, diarreias, febre, diabetes mellitus, glomerulonefrite e insuficiência cardíaca congestiva. - A presença de quantidades excessivas de solutos, como glicose, ureia e contraste radiológico também eleva a densidade. VALOR DE REFERÊNCIA = 1005 a 1035. à A turvação da urina juntamente com a presença excessiva de proteínas, sedimentos, cristais e células pode indicar infecção do trato urinário. Já, a urina escura (marrom) ou vermelha e anormal, pode indicar infecção renal devido à presença de sangue ou urobilinogênio na urina. EXAME BIOQUÍMICO O exame bioquímico normalmente é feito com uma tira reagente, a qual é estreita e de plástico com campos de cores diferentes afixados, sendo que cada um contém reagentes para uma reação distinta, realizando, portanto, vários testes simultâneos. - As cores geradas após o contato da urina nos campos são comparadas visualmente a um espectro de cores em quadros coloridos e são específicos para cada marca. A fita deve ser imersa na urina e, após 5 minutos, retirada, limpando o excesso da parte de trás com papel. Depois, deve-se ler no quadro de cores do fabricante (o que pode ser lido em equipamentos semiautomatizados ou automatizados) e anotar os resultados obtidos para os parâmetros analisados de pH, proteínas, glicose, cetonas, sangue, bilirrubina, nitrito, esterase leucocitária e urobilinogênio. Dependendo do fabricante, pode ser expresso na forma de cruzes (negativo, positivo, + até ++++) ou concentrações aproximadas em mg/dL. Para garantia de um resultado fidedigno, a embalagem que armazena as fitas não deve ser mantida em refrigeradores e nem em temperatura superior a 30ºC, assim como exposição solar, calor, substâncias voláteis e umidade. Além disso, a urina deve ser testada em temperatura ambiente e, caso a amostra tenha sido refrigerada, deve-se voltar a temperatura ambiente para a realização. pH Os rins controlam o equilíbrio eletrolítico ácido- base mantendo o pH do sangue. Para manter esse pH em torno de 7,4, o rim varia o pH da urina para compensar a dieta e os produtos do metabolismo, assim, esse é controlado de acordo com a concentração de H+ livre. Portanto, se essa concentração aumenta, o pH da urina diminui e, se essa concentração diminui, o pH da urina aumenta; os valores podem variar de 4,6 a 8,0 (média de 6,0). VALOR DE REFERÊNCIA = 5,5 a 6,5. Obs.: Apesar de existir o valor de normalidade, não há um valor anormal para a urina, podendo essa se manter ácida ou alcalina, cabendo ao médico associar o valor do pH com outro dado para saber se há algum problema. Proteínas As proteínas são indicadores muito sensíveis da função glomerular e tubular renal. Os rins eliminam uma pequena quantidade diária considerada normal de proteínas de baixa massa molecular, visto que uma de suas funções é manter as proteínas plasmáticas em níveis normais. Após a filtração, as proteínas são reabsorvidas nos túbulos, assim os rins excretam Laísa Dinelli Schiaveto menos de 150 mg a cada 24 horas, ou seja, 20 mg/dL, valor esse não detectável no valor exame de urina. Além disso, essas proteínas que são excretadas contêm a mucoproteína Tamm-Horsfall, que forma a matriz da maioria dos cilindros urinários. VALOR DE REFERÊNCIA = 10 a 140 mg/dL. Glicose Os açúcares não são componentes normais encontrados na urina. Eles são filtrados no glomérulo e reabsorvidos nos túbulos proximais para evitar a perda de carboidrato – mecanismo eficiente. No entanto, quando a glicose plasmática ultrapassa 180 mg/dL, a capacidade de reabsorção é excedida e os açúcares passam para a urina. Portanto, quando há a presença de glicose na urina (glicosúria), esta relaciona-se com os casos de hiperglicemia, ou seja, diabetes. Cetonas Em condições normais, os compostos acetoacetato, hidroxibutirato e acetona (corpos cetônicos) não são encontrados na urina. Estes são formados excessivamente em decorrência de distúrbios do metabolismo de carboidratos e lipídeos, como em indivíduos diabético em que há intenso catabolismo de ácidos graxos. As cetonas são encontradas na urina quando há um excesso na corrente sanguínea. Então, essa produção excessiva de cetonas na urina (cetonuria) está relacionada ao diabetes mal controlado, alcoolismo, jejum, desnutrição e dietas com elevados níveis de proteínas. Sangue O sangue pode surgir na urina após passagem pelo filtro glomerular através das células tubulares ou entre elas, ou devido à inflamação ou trauma na mucosa do trato urinário inferior. Assim, a hematúria pode ser classificada em glomerular e não glomerular, de acordo com a origem do sangramento. - Hematúria Glomerular = presença de hemácias dismórficas, proteinúria intensa e cilindros hemáticos. Além da presença de sangue, pode ocorrer a presença de hemoglobina livre (hemoglobinúria) decorrente da hemólise e, ainda, a mioglobinúria decorrente da proteína heme de músculos estriados. A hemoglobinúria é identificada quando o plasma se encontra vermelho e a urina com coloração vermelha; já, a mioglobinúria é identificada quando o plasma se encontra límpido e a urina com coloração vermelha. Bilirrubina A bilirrubina é um produto da degradação da hemoglobina e seu transporte do sangue ao fígado depende da albumina. Assim, a bilirrubina livre ou não conjugada não é filtrada pelos glomérulos. Porém, a bilirrubina conjugada,que não está ligada à proteína, é excretada pelo fígado, sendo encontrada em quantidades muito pequenas na corrente sanguínea. Por ser facilmente filtrada pelo glomérulo, quando os níveis plasmáticos estão elevados, ela é excretada pela urina. Urobilinogênio O urobilinogênio é um produto da bilirrubina excretada no intestinos pelos ductos biliares, formado pela ação de bactérias intestinais, que tem uma menor parte excretada na urina e uma maior parte do fígado para o intestino. Assim, sua concentração está relacionada ao aumento de bilirrubina, sendo útil no diagnostico de doenças hepáticas, obstrução intestinal e alteração da flora bacteriana. Nitrito O nitrito é muito útil na detecção precoce de bacteriúrias significantes e assintomáticas, pois as bactérias capazes de causar infecções do trato urinário (ex.: E. coli, Enterobacter, Citrobacter, Klebsiella e Proteus) produzem enzimas que faze a redução de nitrato a nitrito. Laísa Dinelli Schiaveto Para a avaliação adequada, a urina deve permanecer na bexiga pelo menos 4 horas e, assim, a primeira urina da manhã é ideal para esse teste. Esterase Leucocitária A esterase leucocitária é uma enzima útil para detecção de leucócitos na urina. O leucócito mais comum encontrado é o neutrófilo, que, normalmente, aparece em pequenas quantidades. Assim, em geral, o número aumentado de neutrófilos indica infecção do trato urinário (incluindo a análise do pH, proteínas e nitrito). ALTERAÇÕES NOS EXAMES BIOQUÍMICOS As alterações no exame bioquímico podem estar relacionadas com o desenvolvimento de doenças: • pH = útil na relação com outros parâmetros; valores maiores que 6,5 podem indicar presença de bactérias ou fatores não patogênicos que alcalinizam a urina, enquanto valores menores do que 5,5 indicam acidose ou doença dos túbulos renais e perda de potássio na urina. • Proteínas = doenças do trato urinário; valores maiores que 100 mg/dL podem ser produzidos por infecção urinária, lúpus, glomerulonefrite, pielonefrite, nefropatia diabética e rim policístico. • Glicose = detecção e monitoramento de diabetes; glicosúria ocorre quando a glicemia está acima de 180 mg/dL e geralmente é sinal de diabetes mellitus; já, a glicosúria na ausência de diabetes é sinal de doença nos túbulos renais. • Corpos Cetônicos = anomalias metabólicas, intenso catabolismo de ácidos graxos e indica cetoacidose; cetonúria é um sinal de diabetes mellitus descompensado, estado de desnutrição e inanição. • Sangue = infecções graves do trato urinário; hematúria pode ocorrer em infecções renais ou pedras no rim. • Bilirrubina = dano hepático, icterícia obstrutiva ou obstruções biliares. • Urobilinogênio = dano hepático, icterícia hemolítica ou alterações na microbiota intestinal. • Nitrito = infecção bacteriana dos rins ou trato urinário; indica presença de bactérias que transformam nitrato em nitrito na urina. • Leucócito = doenças do trato urinário, inflamação renal e das vias urinárias. • Ácido Ascórbico = importante como controle porque a sua presença pode alterar resultados de hemoglobina, glicose, nitritos, bilirrubina e cetonas. ANÁLISES DE ESTRUTURAS MICROSCÓPICAS NO SEDIMENTO O exame microscópico do sedimento urinário é de extrema importância no exame de urina, principalmente quando os achados físicos e bioquímicos estão anormais. Essas análises identificam células como os eritrócitos, leucócitos, células epiteliais, cilindros, cristas e microrganismos. Além disso, é possível ver a presença de muco, que é uma proteína fibrilar produzida tanto pelo epitélio tubular renal quanto pelo epitélio vaginal, não tendo significado clínico, mas, quando em excesso, pode estar associado à contaminação vaginal. Destaca-se que as alterações físicas e químicas na urina podem afetar a morfologia do sedimento urinário. Assim, uma urina concentrada apresenta células crenadas, enquanto uma urina diluída causa lise das células e, ainda, uma urina muito alcalina pode causar lise em eritrócitos, leucócitos e cilindros. Células Células Epiteliais Escamosas: indica contaminação. Células Epiteliais de Transição: são normais, exceto quando se apresentam em grandes quantidades. Laísa Dinelli Schiaveto Hemácias e Leucócitos A presença de hemácias e leucócitos em pequenas quantidades por campo de leitura é considerada normal. Já, quando em grandes quantidades, pode estar associada à alguma patologia. Cristais A presença de cristais é comum, visto que se trata de uma formação decorrente da precipitação de sais da urina submetidos a variações de pH, temperatura ou concentração. No entanto, a presença possui significado clínico limitado. Normalmente, os cristais que se formam na urina são constituídos de oxalato ou fosfato de cálcio e uratos amorfos (urina ácida) ou carbonato de cálcio, biurato de amônio e fosfato amorfo (urina alcalina). Os cristais considerados anormais, incluem: - Cristais de Cistina: indicam risco de cálculos renais. - Cristais de Estruvita (magnésio-amônio- fosfato ou fosfato triplo): gerados por bactérias como Proteus ou Klebisella. - Cristais de Tirosina: indicam leucocinose. - Cristais de Urato ou Ácido Úrico: indicam gota ou neoplasias como leucemia. - Cristais de Colesterol e de Bilirrubina: indicam doença hepática. Cilindros Os cilindros são formados nos túbulos distais e nos ductos coletores e não são detectados no sedimento normal e, por isso, a sua presença geralmente indica doença renal. Quando presentes, os cilindros apresentam significado clínico: - Hialinos: têm origem na secreção tubular, estando relacionados com a glomerulonefrite, pielonefrite, doença renal crônica, estresse e exercícios físicos. - Hemáticos: são hemácias ligadas à matriz proteica, estando relacionados com a glomerulonefrite e exercícios físicos intensos. - Leucocitários: são leucócitos ligados à matriz proteica, estando relacionados com a pielonefrite e nefrite intersticial aguda. - Bacterianos: são bactérias presas à matriz, estando relacionados com a pielonefrite. - Células Epiteliais: são células ligadas à matriz, estando relacionados com lesão do túbulo renal. - Granulares: são decorrentes da desintegração de cilindros leucocitários, estando relacionados com a glomerulonefrite, pielonefrite, estresse e exercícios físicos. - Céreos: são cilindros hialinos e granulares, estando relacionados com a estase do fluxo urinário. URINA NORMAL 1. Exame Físico • Cor = amarelo citrino • Aspecto = límpido • Odor = sui generis • Densidade = entre 1005 a 1035 2. Exame Bioquímico • pH = 5,5 a 6,5 • Proteínas = negativo • Glicose = negativo • Cetonas = negativo • Hemoglobina = negativo • Bilirrubina = negativo • Urobilinogênio = negativo • Nitrito = negativo • Esterase Leucocitária = negativo 3. Exame Microscópico • Células = raras • Hemácias = < 2 por campo ou 5.000/ml • Leucócitos = < 5 por campo ou 10.000/ml • Flora Bacteriana = escassa • Cilindros = hialinos < 1 por campo ou 1.000/ml • Células Renais = < 1 por campo ou 1.000/ml • Cristais = ausentes Laísa Dinelli Schiaveto LEUCINOSE Definição: A leucinose, também conhecida como doença da urina do xarope de bordo, acomete mais recém-nascidos, sendo caracterizada pela deficiência dos componentes responsáveis pelo processamento dos aminoácidos leucina, isoleucina e valina. Quando não processados, esses aminoácidos, que, entre as funções, equilibram a glicose no sangue, acabam se acumulando no fígado. Incidência: 1 a cada 185.000 nascimentos. Sintomas: Tem reações inespecíficas que variam conforme a fase da vida em que a doença se manifesta. • Fase Clássica – No período neonatal, o odor do xarope de bordo surge após 12 horasde vida, mas fica mais evidente quando seco na roupa ou na fralda. É a fase mais forte e apresenta quadros como hipoglicemia, recusa alimentar, crises convulsivas, apneia, retardo mental, convulsões, encefalopatia e coma. • Fase Intermediária – É normalmente identificada dos 5 meses ao 7 anos de idade. O paciente tolera o consumo normal dos aminoácidos, mas, quando há infecções ou perturbação fisiológica apresenta as mesmas características da fase neonatal. • Fase Intermitente – Engloba as outras etapas da vida e é caracterizada pelo quadro de descompensação metabólica. Pode levar a crises convulsivas e ao coma. Diagnóstico: Pode ser feito em qualquer idade por meio de exames de sangue ou de urina. Em crianças, pode ser descoberto durante o pré- natal ou no teste do pezinho. A doença hereditária, quanto antes descoberta, costuma ser combatida de forma mais adequada, evitando sequelas, como severo retardo de desenvolvimento psicomotor, posturas distônicas e convulsões. Tratamento: Em crianças com até três dias de vida e diagnóstico fechado antes de uma crise metabólica, somente a terapia nutricional agressiva é suficiente. Contudo, qualquer interrupção do tratamento, mesmo que de curta duração, pode provocar uma descompensação aguda, por vezes fatal. O tratamento de urgência na forma aguda se baseia na depuração exógena, com diálise ou hemofiltração; e/ou endógena, focada na adoção de uma dieta hipercalórica com restrição de aminoácidos e suplementação de minerais e vitaminas. Por fim, em casos extremos, é feito o transplante de fígado. INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO (ITU) A infecção do trato urinário (ITU) é uma das mais frequentes infecções bacterianas que pode acometer o ser humano, sendo mais predominante entre os adultos e mais frequentes no sexo feminino. - Nas crianças, a ocorrência de infecção urinaria é muito comum no primeiro ano de vida, verificando-se com maior frequência no sexo feminino. - Na vida adulta, a incidência de ITU se eleva e o predomínio no sexo feminino se mantém, com picos de maior acometimento em idades relacionadas à atividade sexual, durante a gestação ou na menopausa. As ITUs podem ser classificadas de acordo com o local em que se instala, bem como sua gravidade. - Infecção Urinária Baixa (cistite): a infecção urinária compromete somente o trato urinário baixo, podendo ser sintomática ou não, sendo que, geralmente, são infecções não complicadas. - Infecção Urinária Alta (pielonefrite): a infecção urinária compromete o trato urinário inferior e superior, sendo mais complexas, estando frequentemente associadas com a presença de cálculos renais. Laísa Dinelli Schiaveto Obs.: Tanto a infecção urinária baixa como a alta podem ser agudas ou crônicas, e sua origem pode ser comunitária ou hospitalar. A ITU recorrente é caracterizada pela presença de dois ou mais episódios de ITU em 6 meses ou três ou mais episódios ao ano após a cura da primeira infecção. Ocorre em aproximadamente 30-50% das mulheres que desenvolvem o quadro de cistite aguda. Ainda, os fatores que influenciam, incluem: - Fatores de Risco Comportamentais: frequência de relação sexual, coito anal seguido de coito vaginal e uso de espermicida (em especial quando na utilização conjunta ao diafragma). - Anormalidades Anatômicas: pequena distância entre a uretra e ânus, presença de cistocele, prolapso uterino, retocele e pós- menopausa. O diagnóstico se dá pela análise clínica juntamente com a anamnese do paciente, quando este, normalmente, encontra um quadro de disúria, urgência miccional, polaciúria, nictúria e dor suprapúbica. A infecção do trato urinário alto, que normalmente se inicia como um quadro de cistite, é acompanhada de febre, calafrios e dor lombar uni ou bilateral – tríade presente na maioria dos casos de pielonefrite. Os casos de ITU são confirmados através da realização de urocultura para a identificação e isolamento do microrganismo patogênico, sendo muitas vezes acompanhado do antibiograma para testas a sensibilidade ou resistência do microrganismo aos antibióticos, o qual é útil para orientar o tratamento mais adequado. Obs.: Não é possível fechar o diagnóstico com o exame de rotina, servindo este apenas para o rastreio e para apoiar indícios de ITU e algumas doenças metabólicas. INTERPRETAÇÃO DAS DOENÇAS RENAIS As doenças renais podem ser diagnosticadas por meio das dosagens bioquímicas de eletrólitos, do pH e de diversos produtos do metabolismo, como a ureia e a creatinina. Existem, também, métodos de avaliação do Índice de Filtração Glomerular e da eficiência dos rins para livrar nosso organismo de certas substâncias, processo chamado de depuração ou clearance renal. Quando os rins não funcionam bem, diversas substâncias se acumulam no sangue, tais como a ureia e a creatinina, e que, dependendo do grau da lesão e de sua localização (glomérulos ou túbulos), pode haver perda de proteínas, albumina, hemácias, sódio, além de falhas na produção de urina e de sua função excretora. Ressalta-se que, nesse momento, entra em ação a bioquímica, pois a maioria dos exames para a avaliação da função renal são realizados por meio de dosagens, no sangue ou na urina de diversos elementos químicos. Métodos Laboratoriais Em algumas clínicas e hospitais, o exame de perfil bioquímico de rotina para a avaliação da função renal inclui, além da dosagem dos eletrólitos, a dosagem de creatinina, de glicose e de BUN (nitrogênio ureico sanguíneo = ureia). Quando os rins não funcionam adequadamente, os compostos nitrogenados, que deveriam ser eliminados pela urina, acumulam-se no sangue e pode haver perda de glicose ela urina na ausência de diabetes mellitus, o que torna essas dosagens muito úteis para o diagnóstico de doenças renais. Ureia A ureia é formada no fígado como resultado do metabolismo de proteínas. Tem sua excreção afetada pela dieta, uso de esteroides anabolizantes e desnutrição. Laísa Dinelli Schiaveto O excesso de aminoácidos é convertido em ureia, a qual fica no sangue, podendo, assim, ter a sua concentração medida. A medida de ureia na urina deve ser feita em urina de 24 horas, havendo uma série de recomendações a serem seguidas para evitar que as bactérias causem a sua degradação na amostra. VALOR DE REFERÊNCIA NA URINA 24H = 10 a 35 g. Creatinina A creatinina é produto de excreção do fosfato de creatinina, que é uma substância armazenada nos músculos como fonte de energia para a concentração muscular. Assim, a sua quantidade no sangue varia de acordo com a massa muscular, havendo valores de referência diferentes para crianças, jovens, adultos, idosos, homens ou mulheres. É livremente filtrada nos rins e sua concentração no sangue aumenta em casos de distúrbios renais, desequilíbrio hídrico e choque circulatório. Diferentemente da ureia, não tem a sua excreção afetada. É considerado o melhor marcador da função renal e é um teste sensível que pode detectar o mal funcionamento dos rins na ausência de qualquer sintoma. Quando se detecta níveis elevados de creatinina, quase 50% da função dos rins pode estar comprometida. Sua dosagem está incluída nos testes de medicina preventiva, sendo a dosagem simultânea de creatinina e ureia importante para diferenciar quando uma azotemia (acúmulo de compostos nitrogenados no sangue) é de origem pré-renal (ex.: dieta rica em proteínas ou excesso de massa muscular) ou renal (ex.: problema de excreção na urina). Clearance de Creatinina para Avaliação do Índice de Filtração Glomerular Os rins filtram em média 180 litros de sangue por dia, ou, aproximadamente, de 90-125 ml por minuto, sendo essa a taxa de filtração glomerular (TFG)normal. Esse parâmetro pode ser avaliado em um indivíduo por meio de um teste chamado teste de depuração ou clearance, que, no método mais exato, usa como indicador uma substância exógena denomina inulina, que é livremente filtrada, não sendo reabsorvida e nem secretada nos túbulos, de forma que tudo o que aparece na urina foi proveniente da filtração. No entanto, trata-se de um método invasivo por conta da necessidade de injetar na circulação essa substância. Assim, pode-se substituir por um método menos invasivo através da depuração da creatina endógena. Uma vez que a creatinina produzida endogenamente é liberada nos líquidos corporais a uma taxa constante e os valores plasmáticos são mantidos dentro de limites estreitos, e uma vez que os rins filtram a creatinina livremente, existe quase um equilíbrio entre quantidade filtrada e a quantidade que aparece na urina. A única imprecisão nesse método é gerada pela secreção tubular de creatinina, que faz com que os valores do volume de sangue livre (depurado) da creatinina, em um determinado período de tempo, seja superestimado em cerca de 25%. Destaca-se que, essa imprecisão será maior quanto menor for a TGF. Para calcular a depuração de creatinina, basta colher toda a urina produzida preferencialmente em 24 horas, colher uma amostra de sangue preferencialmente na metade do período de tempo e calcular a depuração, utilizando a seguinte fórmula: 𝐷𝑒𝑝𝑢𝑟𝑎çã𝑜 = 𝑈 𝑃 𝑥 𝑉 1440 • U = creatinina na urina (mg/dl). • P = creatinina no plasma (mg/dL). • V = volume de urina em 24 horas. • 1440 = fator de correção 24h x 60min. Esse valor deverá ser corrigido através da utilização de um nomograma para determinação da superfície corporal do paciente Laísa Dinelli Schiaveto m2, no qual se mede peso x altura. Depois, basta fazer os cálculos para corrigir o valor de depuração encontrado para o padrão de 1,73 m2. - Para maior exatidão, introduziram na fórmula, conhecida como padronização/ calibração pelo estudo MDRD (Modification of Diet in Renal Disease), fatores de correção para idade e gênero feminino. - Essa dispensa a medida de creatinina na urina de 24 horas e fornece valores da TGF em ml/1,73m2. Constantemente, vão surgindo novos conhecimentos, como: - Novos biomarcadores, como a cistina, que são melhores do que a creatinina para monitorar doença renal aguda ou crônica. - Proteinúria, microalbuminúria e dismorfismo eritrocitário podem ser usados para diagnóstico e prognóstico das doenças renais. VALORES DE REFERÊNCIA CLEARANCE DE CREATININA = 70 a 140 ml/1,73m2 (crianças); 85 a 125 ml/1,73m2 (homens); 75 a 115 ml/1,73m2 (mulheres). Marcadores de Lesão Renal Os principais marcadores de lesão renal são proteinúria, albuminúria ou microalbuminúria e hematúria. Esses parâmetros podem ser detectados em exames de triagem, como o exame de rotina de urina, sendo necessário posteriormente uma avaliação confirmatória ou mais detalhada. A albuminúria e microalbuminúria são definidas como a presença de 30 a 300 mg de albumina em amostra de urina de 24 horas = sinal de lesão renal diabética ou hipertensão arterial. A hematúria deve ser avaliada por meio de análise microscópica para pesquisa de dismorfismo eritrocitário (hemácias deformadas de diversos tipos), tornando possível discriminar entre a causa glomerular e não glomerular da hematúria = diagnóstico de hematúria glomerular, quando achado de 80% de hemácias dismórficas. Insuficiência Renal Crônica Quando os valores obtidos do clearance da creatinina estão abaixo de 60 ml/1,73m2, o diagnóstico é de insuficiência renal crônica. Dessa forma, os estágios da insuficiência renal são classificadas de acordo com os valores de clearance de creatinina (em ml/min/1,73m2) da seguinte forma: - Estágio I: clearance maior do que 90, porém com alguma doença de risco, como diabetes, hipertensão ou rins policísticos, existe risco de desenvolver insuficiência renal. - Estágio II: clearance entre 60 e 89 é considerado uma fase pré-insuficiência renal. - Estágio III: clearance entre 30 e 59, indica a fase de insuficiência renal crônica confirmada, com sintomas diagnosticáveis e início do aparecimento das complicações; os rins não produzem a eritropoietina em quantidade suficiente e começa a haver anemia progressiva por falta de produção de glóbulos vermelhos pela medula óssea, ocorre desmineralização e lesões ósseas por elevação do hormônio paratireoidiano e queda da produção de vitamina D (hormônios que controlam a quantidade cálcio nos ossos), além de distúrbios hidroeletrolíticos. - Estágio IV: clearance entre 15 e 29, indica a fase de pré-diálise com acidose, elevação do potássio, anemia estabelecida, aumento do risco de doenças cardíacas e fraqueza. - Estágio V: clearance menor do que 15, indica fase de insuficiência renal terminal, em que os sintomas da uremia e a progressão do quadro podem levar o paciente a óbito por edema pulmonar, além de poder ocorrer arritmias cardíacas, crise convulsiva e coma. Desequilíbrio Ácido-Base da Insuficiência Renal Os rins desempenham uma função importante para a manutenção do equilíbrio ácido-base. Eles são capazes de eliminar ácidos orgânicos Laísa Dinelli Schiaveto metabolizáveis originados de proteínas, carboidratos e lipídeos da dieta que o fígado metaboliza, gerando grande quantidade de íons hidrogênio (da oxidação dos aminoácidos sulfurados) e alcalis (da oxidação de ânions orgânicos). Ainda, os rins removem os ácidos orgânicos não metabolizáveis, como o ácido glicurônico e hipúrico, assim como ácidos inorgânicos. A capacidade dos rins removerem os ácidos do sangue depende do mecanismo tubular de secreção de íons hidrogênio, que é também o mecanismo regenerativo de bicarbonato, pois, no processo, para cada íon hidrogênio eliminado na urina, um íon bicarbonato é recuperado para o sangue. O mecanismo de reabsorção do bicarbonato e de eliminação de ácidos fica prejudicado na doença renal crônica, resultando em acidose metabólica. Outras condições que causam acidose, como uremia ou cetoacidose diabética, sobrecarregam o rim, piorando o quadro. Existem duas formas principais de desequilíbrio ácido-base causado por doença renal: (1) insuficiência renal estágio V e (2) acidose tubular renal por perda de bicarbonato. O diagnóstico da acidose é feito por gasometria arterial. O sangue é coletado de uma artéria (braquial ou femoral e, eventualmente, ulnar) oi de uma veia, em certas condições. Em recém- nascidos, pode-se optar por artérias do couro cabeludo ou artéria umbilical. A coleta é feita de acordo com as recomendações do CLSI, com seringa plástica própria para gasometria preparada com heparina de lítio jateada na parede, sendo que a medida é feita imediatamente com a própria seringa, no aparelho analisador de gases. O analisador de gases e eletrólitos usa tecnologia de eletrodos íon seletivos para medir diversos eletrólitos e o pH, além de O2 e CO2, cujas concentrações são expressas em pressão parcial de gases pO2 e pCO2. A interpretação do resultado da gasometria é feita considerando as complexas interrelações metabólicas (geração de ácidos e falha renal na recuperação de bicarbonato) e respiratórias (aumento de pCO2 por deficiência de ventilação pulmonar). Deve-se ter como referência a seguinte equação: CO2 + H2O « H2CO3 « HCO3- + H+ Assim, é possível concluir que a doença renal crônica e os distúrbio de absorção tubular de bicarbonato causam a acidose metabólica, com pH menor do que 7,30 e pCO2 baixa (mostrando compensação respiratória) e é confirmado pela detecção de níveis baixos de bicarbonato (HCO3). Essa combinação de alterações permite concluirque houve desequilíbrio ácido-base e que este não foi causado pelo sistema respiratório e sim pelos rins. CASOS CLÍNICOS CASO 1 Amostra de uma mulher de 25 anos, sexualmente ativa, a qual revelou dor durante a micção e a cor da urina levemente rosada. O exame físico da urina relatou cor rosada, aspecto normal, odor normal e densidade de 1020. O exame químico evidenciou pH de 6,0, proteínas positivas, hemácias positivas, leucócitos positivos e nitrito positivo. A análise de sedimento urinário mostrou a presença de 6 hemácias por campo, flora Laísa Dinelli Schiaveto bacteriana presente, muito muco e leucócitos incontáveis. Dentro do contexto da análise urinária, qual o provável diagnostico da paciente e quais os dados laboratoriais que o levaram a esse diagnóstico? O provável diagnóstico da paciente é de infecção bacteriana e os dados que fazem com que se chega a esse diagnóstico são: (1) sintomatologia da paciente, a qual relata dor ao urinar e coloração rosada na urina; (2) cor rosada da amostra; (3) hemácias positivas, dado que explica a cor da urina; (4) leucócitos positivos, que é indicativo de infecção; (5) nitrito positivo, que é um teste muito útil na detecção precoce de bacteriúrias significantes e assintomática, as quais são bactérias que convertem nitrato em nitrito; (6) presença de 6 hemácias por campo, que confirma a cor encontrada e evidencia que a urina não está normal; (7) flora bacteriana presente; (8) muco excessivo; (9) leucócitos incontáveis que confirma a infecção e deduz-se que a infecção é grave. CASO 2 Paciente de 65 anos relatou ao médico emagrecimento e sede excessiva. O médico então solicitou exames de sangue e urina tipo 1. Após a coleta de amostras, essas foram encaminhadas para análise. A amostra de urina apresentou odor adocicado ou frutoso, além de positividade para glicose e cetonas. Dentro desse contexto, qual a provável alteração que esteja ocorrendo no paciente? De acordo com os sintomas apresentado e com as alterações laboratoriais, pensa-se que o paciente esteja com diabetes. Isso porque a urina apresenta odor adocicado devido ao aumento de cetonas, as quais são formadas excessivamente em decorrência de distúrbios do metabolismo de carboidratos e lipídeos, em que há intenso catabolismo de ácidos graxos. Além disso, a presença de glicose na urina se dá quando os valores plasmáticos estão acima de 180 mg/dL, fazendo com que a capacidade de reabsorção seja excedida e, consequentemente, ocorra a passagem de açúcares para a urina. No entanto, o diagnóstico só será confirmado pelo exame de sangue e outros exames específicos. CASO 3 Certo dia, Julia, de 62 anos, chegou ao hospital reclamando de dores e queimação na hora de urinar. Fazia menos de dois meses que ela tinha encerrado um tratamento com antibióticos para uma infecção urinária, a qual a deixou muito abatida. Julia começou a pensar que o tratamento talvez não tivesse sido adequado, mas como havia melhorado bastante talvez fosse uma nova infecção. Realizando a consulta médica, constatou-se temperatura axilar de 38ºC, pulso com 130 bpm, pressão arterial de 76x32 mmHg, frequência respiratória de 24 mpm, além de apresentar certa letargia, mas agitação quando abordada. Foi administrado soro fisiológico e os exames laboratoriais mostraram contagem de leucócitos de 17.000/mm3 com 67% de neutrófilos, 3% de bastonetes e 24% de linfócitos. O exame de urina apresente ++/+4 de esterase leucocitária, nitrito negativo e traços de sangue, com microscopia de 50 leucócitos por campo ou 100.000 leucócitos por ml e 3.000 hemácias por ml, além de abundante flora bacterina. Observamos um caso muito sugestivo de infecção do trato urinário, porém com uma gravidade maior devido a hipotensão e letargia. A paciente poderia estar em choque devido a infecção? Estaria mais grave dessa vez por ser uma recorrência da infecção urinária? Nesse caso, quais os cuidados que a paciente deveria tomar? Como deve ser feito o diagnóstico e tratamento de uma infecção de repetição do trato urinário dessa gravidade? Devido a situação da paciente, fica evidente o estado de choque, o qual pode ter sido causado por uma sepse de foco urinário. Assim, trata-se de uma urosepse gerando um quadro de síndrome da resposta inflamatória sistêmica Laísa Dinelli Schiaveto (SIRS), isto é, uma hipotensão que causou perfusão tecidual inadequada. É essencial tentar determinar a causa subjacente e, assim, fazer o tratamento apropriado. A paciente não tem história de hemorragia ou de perda de grande volume de sangue de modo que o choque hipovolêmico é inapropriado. Além disso, o choque hipovolêmico e o choque cardiogênico causam intensa vasoconstrição periférica, resultando em extremidades frias e pegajosas. Apesar da hipotensão, nesse caso, a paciente apresenta extremidades quentes e bem perfundidas, embora de modo inapropriado, o que sugere forma distributiva de choque. Como a contagem de leucócitos está alta com formas imaturas e com os achados na urina é mais provável choque séptico como consequência de ITU. As ITUs são comuns em idosos, acontecendo tanto em adultos debilitados como adultos sadios. De fato, entre as infecções mais comuns em pacientes com mais de 65 anos, as ITUs são superadas apenas pelas infecções respiratórias. Os fatores de risco que contribuem para a alta incidência de ITU em idosos e nos pacientes institucionalizados incluem incontinência, história de ITU prévia, déficit neurológico, imunossupressão, desnutrição e doenças associadas. Esses fatores podem causar anormalidades funcionais no trato urinário ou alterar as defesas contra infecções. Além disso, a hospitalização frequente expõe esses pacientes a patógenos nosocomiais e à instrumentação invasiva, como sondas de demora. Em casos de pacientes que apresentam ITU recorrente, o acompanhamento ambulatorial se faz necessário devido ao risco aumentado que esse paciente pode ter, e quando esse acompanhamento não for possível, deve-se tomar medidas que possam amenizar a infecção recorrente. Assim, pudemos ver que um quadro de ITU recorrente associado a uma urosepse levou a paciente ao hospital para tratamento. O diagnóstico de ITU foi confirmado devido à diversos fatores em conjunto, como os achados laboratoriais, leucocitose e alterações na urina, além do quadro clínico sugestivo. CASO 4 Paciente do sexo masculino refere que, sem sentir coisa alguma antes, há cerca de 5 dias começou a experimentar fortes dores na forma de cólica na região lateral esquerda, irradiando para a virilha. O paciente ainda diz que a dor não melhora com repouso e em nenhuma posição, apresentando uma piora progressiva no quadro. Nos últimos dois dias, começou a apresentar calafrios, com febre de 39,5ºC. Relata que havia ocorrido essa mesma dor na forma de cólica duas vezes antes, e que a urina tinha saído avermelhada, parecida com sangue. No exame físico, o paciente apresenta um regular estado geral devido a dor, porém corado e hidratado. O pulso estava em 120 bpm e a pressão arterial em 120x60 mmHg, frequência respiratória normal e temperatura corpórea em 38,3ºC. Os membros superiores e inferiores apresentavam boa perfusão periférica, com pulsos simetricamente palpáveis e sem edemas. O paciente apresentou os seguintes resultados de exames laboratoriais: hemoglobina 13g/dL, hematócrito 38%, leucócitos totais 15.000 e plaquetas 250.000 mm3. Exames bioquímicos: ureia 50 mg/dL, creatinina 1,3 mg/dL, sódio 138 mEq/L e potássio 5,0 mEq/L. Exame de urina I: pH 6,0, número de hemácias 500.000 mm3 e leucócitos 300.000 mm3. Urocultura: 100.000 colônias com identificação positiva para E. coli. Urografia excretora: deformidade caliciala direita; moderada dilatação pielocalicial e uretral a esquerda, correspondendo a uma imagem circular radiopaca; presença de falha de enchimento em grupo calicial superior esquerdo. Laísa Dinelli Schiaveto UROGRAFIA EXCRETORA Função: É um exame que serve para a avalição dos rins e das vias urinárias. Preparo: Deve incluir jejum de 8 horas e limpeza intestinal com laxantes orais ou enemas de acordo com a indicação do médico. Realização: É feita com o indivíduo deitado de barriga para cima e sem anestesia, sendo que é feito um raio-x abdominal antes do início do exame. Depois, é injetado um contraste iodado na veia que é rapidamente eliminado pela urina, permitindo observar todo o trato urinário desde os rins até à uretra. Para isso, são feitos outros raio-x, sendo um logo após a injeção do contraste, outro 5 minutos depois e outros dois, 10 e 15 minutos mais tarde. Além disso, o médico dependendo do problema que está a ser estudado, pode pedir um raio-x antes e depois de esvaziar a bexiga. Durante o exame, o paciente pode sentir calor no corpo, sabor metálico na boca, náuseas, vômitos ou alergia devido ao uso do contraste. Para a investigação desse caso um tanto complicado, algumas questões são levantadas: Qual será a hipótese diagnóstica para ele? Quais os sinais ou sintomas que levam ao diagnóstico? Qual a conduta e o tratamento a ser adotada? Quais orientações podem ser dadas para esse paciente? Podemos ver que se trata de uma infecção urinária pela rápida progressão que houve nos últimos dois dias e pela presença de febre, o que pode agravar um pouco mais a situação: uma cistite não tem como característica comum provocar febre no paciente, mas uma pielonefrite sim. Na cistite, o paciente normalmente apresenta ardência e urgência ao urinar, dificuldade de segurar a urina, vontade de urinar mesmo com a bexiga vazia, sensação de peso na barriga e presença de sangue na urina. Quando o paciente começa a apresentar febre baixa e dor lombar pode ser cistite, mas sempre que esses sintomas surgirem deve-se pensar também em pielonefrite, principalmente se a febre for alta e vier acompanhada de vômitos, perda de apetite e mal estado geral. O paciente também apresenta uma leucocitose, e com os resultados do exame de urina I e da urocultura, fica claro que ele tem uma infecção urinária e que a situação pode ser complicada, pois há risco de uma pielonefrite. Em relação à imagem radiopaca na uretra com falha de enchimento em cálice esquerdo, é bem provável que se trate de uma situação de litíase (cálculo renal), o que explica as fortes dores sentidas pelo paciente 5 dias atrás. Algumas pessoas podem apresentar excesso de sais minerais na urina, e mesmo com a grande ingestão de volume de água, a formação de pedra continua ocorrendo principalmente pela presença de íons cálcio, que, quando produzidos ou excretados em grande quantidade, podem se precipitar. Normalmente, a ingestão de líquidos de volumes normais ou quantidade maior pode diluir os íons precipitantes na urina e, com isso, evitar a formação de cálculos renais. A cólica renal, sintoma de litíase, ocorre quando um cálculo renal de cerca de 4 mm se aloja na região do ureter, causando obstrução e dilatação do sistema urinário, produzindo uma dor muito intensa na região lombar. Ao contrário das dores de coluna, que melhoram com repouso e pioram com a movimentação, a cólica renal dói intensamente, independentemente da posição do paciente, podendo vir acompanhada de náuseas e vômitos. Além disso, sangue na urina é Laísa Dinelli Schiaveto frequente e ocorre por lesão direta do cálculo no ureter. Para o tratamento, deve-se pensar nos dois problemas que foram apresentados. Como há uma sugestão de pielonefrite, será necessária internação hospitalar para administração de antimicrobianos de amplo espectro juntamente com medicação analgésica para aliviar a dor da cólica renal, além de observar se ocorre a saída espontânea do cálculo ou se será necessário algum outro tipo de intervenção (ex.: litotripsia). CASO 5 Dona Maria tem 68 anos, é aposentada e faz uso de insulina e metformina porque sofre de diabetes há 12 anos. Ela também segue dieta adequada com restrição de sal, carboidratos e gordura, mas não realiza atividades físicas. Teve um IAM há 4 anos, quando descobriu que era hipertensa, e passou a tomar atenolol 50mg/dia. Desde o infarto, a paciente faz acompanhamento médico para monitorar o seu quadro metabólico. No entanto, não se sentiu bem nos últimos dias, quase desmaiou, sentiu fraqueza e cansaço, muita sede e passou a urinar muito. A avaliação clínica e laboratorial indicou os seguintes resultados: • Paciente 68 anos, feminino, em uso de: insulina 2U subcutânea diária, metformina 850 mg/dia, e atenolol 50 mg/dia. • PA = 100x60 mmHg. • Índice de Filtração Glomerular (clearance de creatinina) = 40 ml/min/1,73m2 (VR = 75 a 115 ml/min/1,73m2). Dosagem no sangue: • Creatinina = 5,2 mg/dL (VR = 0,5 a 1,0mg/dL). • Ácido Úrico = 8,0 mg/dL (VR = 2,5 a 6,0 mg/dL). • Ureia = 70 mg/dL (VR = 14 a 40 mg/dL). • Bicarbonato = 21 mmol/L (VR = 22 a 29mmol/L). • Sódio = 130 mmol/L (VR = 135 a 145 mmol/L). • Potássio = 6,1 mmol/L (VR = 3,5 a 5,3mmol/L). • Glicose Jejum = 50 mg/dL (VR = 60 a 99mg/dL) Analise esses resultados laboratoriais e aponte o significado deles. As alterações observadas indicam uma insuficiência renal crônica que ocorreu como complicação do diabetes mellitus associado a hipertensão. Para chegar a essa conclusão, utiliza-se os conceitos expostos sobre os exames de avaliação da função renal: (1) eletrólitos, (2) importância da creatinina no diagnóstico de doenças renais, (3) depuração ou clearance de creatinina para avaliação do Índice de Filtração Glomerular, e (4) desequilíbrio ácido-base da insuficiência renal. Em relação aos resultados dos eletrólitos e o clearance de creatinina, observa-se elevação do potássio e da creatinina e o clearance da creatinina está abaixo de 60 ml/1,73m2. Esse valor do clearance de creatinina já indica a doença renal crônica. Em relação à ureia e ácido úrico, que são produtos nitrogenados para a excreção, observa-se um acúmulo de ureia e ácido úrico, que indica a piora da função excretora renal. Aliado a isso, o bicarbonato esta tendendo a diminuir. Se essa condição piorar, ocorrerá acidose. Já, em relação à glicemia, esta encontra-se abaixo do valor de referência, uma vez que a paciente usa insulina e hipoglicemiante devido a existência de diabetes crônica e ao alto risco cardiovascular. Porém, sendo idosa, possivelmente as doses precisam ser ajustadas. Considerando a medicação em uso e a idade da paciente, é necessário avaliar o possível efeito colateral nefrotóxico de doses elevadas dos medicamentos. Assim, ela precisa receber tratamento e acompanhamento da doença renal crônica.
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