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Brasília-DF. Fisiopatologia e Farmacologia dos processos inFlamatório e inFecciosos Elaboração Núbia Mantovan Fardin Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I PROCESSOS INFLAMATÓRIOS ................................................................................................................ 9 CAPÍTULO 1 FISIOPATOLOGIA DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA: CELULAR E VASCULAR ....................................... 9 CAPÍTULO 2 AUTACOIDES E ANTAGONISTAS DE AUTACOIDES ...................................................................... 24 UNIDADE II FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS ............................................................................ 30 CAPÍTULO 1 ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS (AINES) ...................................................................... 30 CAPÍTULO 2 ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS ......................................................................................... 44 UNIDADE III FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS ........................................................................................... 55 CAPÍTULO 1 CLASSIFICAÇÃO E MECANISMOS DE AÇÃO DE ANTIMICROBIANOS ........................................ 55 CAPÍTULO 2 ANTIBACTERIANOS: INIBIDORES DA SÍNTESE DA PAREDE CELULAR E INIBIDORES DA SÍNTESE PROTEICA .............................................................................................................................. 62 CAPÍTULO 3 ANTIFÚNGICOS ...................................................................................................................... 82 UNIDADE IV FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS ........................................................................................................ 89 CAPÍTULO 1 FISIOPATOLOGIA DAS INFECÇÕES VIRAIS ................................................................................ 89 CAPÍTULO 2 MECANISMOS DE AÇÃO DOS PRINCIPAIS ANTIVIRAIS .............................................................. 98 CAPÍTULO 3 RISCO DO SURGIMENTO DE NOVOS VÍRUS E OS DESAFIOS DA DESCOBERTA DE NOVOS ANTIVIRAIS ............................................................................................................................ 106 PARA (NÃO) FINALIZAR ................................................................................................................... 110 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 111 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução A inflamação é uma resposta de defesa a diversos agentes nocivos, como microrganismos, traumas, liberação de hormônios em momentos como o estresse, entre outros agentes. Estão divididos em fatores internos (necrose de tecidos, fratura de ossos) e externos, que podem ser fatores mecânicos (corte), físicos (queimadura), químicos (corrosão), biológicos (infecção por micro-organismos) e imunológicos (reação de hipersensibilidade), o que leva a respostas vasculares – principalmente vasodilatação local, e celulares, principalmente migração de leucócitos e liberação de citocinas no local da inflamação. Os principais sinais e sintomas clínicos da inflamação foram descritos por Celsus no século I d.C. e são: dor, calor, rubor e tumor (inchaço) no local, podendo haver perda de função tecidual. A inflamação está diretamente ligada ao processo de reparo, que começa nas fases iniciais da inflamação, mas geralmente só é finalizado depois que a influência nociva foi neutralizada (ROBBINS; COTRAN, 2005). O objetivo final da inflamação é a eliminação da causa inicial da lesão tecidual e das consequências de tal lesão; entretanto, a inflamação e o reparo podem ser potencialmente prejudiciais, razão pela qual existem vários anti-inflamatórios e antimicrobianos que, na melhor das hipóteses, promovem o controle das sequelas danosas da inflamação, sem interferir em seus efeitos benéficos. Mas lembramos que nenhum fármaco é isento de efeitos colaterais, e discutiremos seus benefícios e malefícios no tratamento das inflamações e infecções nesta apostila. Objetivos » Promover ao farmacêutico o conhecimento sobre os sinais e sintomas de respostas inflamatórias para avaliação e acompanhamento de pacientes. » Compreender os processos de absorção, distribuição, biotransformação e eliminação de medicamentos anti-inflamatórios, antimicrobianos e antivirais aplicados aos cuidados farmacêuticos. 8 9 UNIDADE IPROCESSOS INFLAMATÓRIOS CAPÍTULO 1 Fisiopatologia da resposta inflamatória: celular e vascular Como descrito anteriormente, a inflamação é um processo de defesa do organismo cujo objetivo final é a eliminação dacausa inicial da lesão celular e das consequências de tal lesão. Essas respostas consistem em dois componentes principais: uma reação vascular e uma reação celular, ambas ativadas por mediadores derivados das proteínas plasmáticas e de várias células. As etapas comuns das respostas inflamatórias são (1) o reconhecimento do agente lesivo; (2) o recrutamento dos leucócitos; (3) a remoção do agente; (4) a regulação (controle) da resposta; e (5) a resolução (reparo). A inflamação pode ser dividida em aguda e crônica. A inflamação aguda inicia-se rapidamente e tem uma duração curta, podendo ser de minutos até dias; suas principais características são a exsudação de fluidos e proteínas plasmáticas (edema) e a migração de leucócitos, principalmente neutrófilos, no foco da inflamação – nesse caso, pode evoluir para a cura total com reparo do tecido, cicatrização, ou até mesmo persistir e se tornar crônica. A inflamação crônica tem duração mais longa e está associada à presença de linfócitos e macrófagos, à proliferação de vasos sanguíneos, fibrose e necrose celular e pode ser a evolução de um quadro agudo. Inflamação aguda A inflamação aguda é uma resposta rápida a um agente nocivo, responsável por levar mediadores de defesa ao local da lesão e pode ser desencadeada por vários estímulos, como: infecções (bacterianas, virais e parasitárias) e toxinas microbianas; trauma; agentes físicos e químicos; necrose tissular; corpos estranhos (farpas, terras, suturas); reações imunológicas (reações de hipersensibilidade). Cada um desses estímulos pode induzir reações com características distintas, porém todas as reações imunológicas 10 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS apresentam características comuns (ROBBINS; COTRAN, 2005). Descreveremos a seguir os eventos característicos da inflamação aguda e, em seguida, seus mediadores químicos. Eventos vascular e celular na inflamação aguda Alterações vasculares Os vasos sanguíneos são o meio de transporte de diversas células e hormônios para todo o corpo; e, por isso, durante os processos inflamatórios, eles sofrem diversas alterações com o objetivo de facilitar o movimento de proteínas plasmáticas e células sanguíneas para o local da lesão. Essas alterações iniciam-se logo após a lesão ou infecção, mas desenvolvem-se em velocidade variável, dependendo da natureza e da gravidade do estímulo inflamatório original. Descreveremos a seguir as principais alterações vasculares: » Vasodilatação: principalmente nas arteríolas, que resulta em aumento do fluxo sanguíneo para o local e abertura dos leitos vasculares, responsável por causar o calor e o rubor característicos da inflação. Os principais indutores da vasodilatação são a histamina e o óxido nítrico (NO). » Aumento da permeabilidade vascular: leva à perda de proteínas do plasma para o interstício, levando a diminuição da pressão osmótica intravascular e a aumento da pressão osmótica intersticial, ocorrendo, assim, extravasamento de fluido para o tecido, causando o edema. Esse evento é induzido pela histamina, cininas e outros mediadores que produzem (1) aberturas entre as células endoteliais; (2) lesão endotelial direta ou induzida por leucócitos; (3) aumento da passagem de líquidos através do endotélio. Com o aumento da permeabilidade vascular, ocorre a entrada de leucócitos e proteínas plasmáticas nos locais da infecção ou da lesão do tecido, o que vai iniciar os processos celulares que serão descritos a seguir. » migração e acúmulo de leucócitos no local da lesão: os leucócitos aderem ao endotélio e, a seguir, migram através da parede vascular para o interstício, esse processo será descrito detalhadamente adiante. A Figura 1 demonstra esquematicamente esse processo de alteração vascular. 11 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I Figura 1. Esquema demonstrativo dos processos de alteração vascular na inflamação (aumento do fluxo sanguíneo; deposição de proteínas plasmáticas no interstício; migração de neutrófilos; aumento da pressão hisdrostática) comparado ao normal. Normal Matriz extracelular Linfócito ou macrófago Residente eventual Arteríola Vênula Inflamado Fluxo sanguíneo aumentado Dilatação da arteríola Expansão do leito capilar Dilatação da vênula Emigração de neutrófilos Extravasamento de proteínas plasmáticas → edema Fonte: adaptado de ROBBINS et al. (2008). Eventos celulares: extravasamento de leucócitos e fagocitose Uma importante função da resposta inflamatória é transportar os leucócitos para o local da lesão e ativá-los. Os leucócitos destroem os agentes ofensivos através de processos de fagocitose, por exemplo, e eliminam os tecidos necróticos e as substâncias estranhas; porém, com isso, podem causar lesão tecidual e prolongar a inflamação, pois os produtos dos leucócitos que destroem micróbios podem também lesar o tecido 12 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS normal do hospedeiro. O recrutamento de leucócitos para o local da inflação pode ser dividido nas seguintes etapas: Marginalização e rolagem: devido à vasodilatação e ao aumento da permeabilidade vascular, que leva a perda de líquido para o interstício e acúmulo de células e proteínas no interior dos vasos, o fluxo sanguíneo fica mais lento; e como as hemácias são menores e tendem a se mover mais rápido, os leucócitos são empurrados para a periferia dos vasos (marginalização). Em seguida, os leucócitos rolam pela superfície endotelial, anexando-se transitoriamente ao longo do caminho às moléculas de adesão (rolagem), que nada mais são que proteínas de membrana dos leucócitos que se ligam a proteínas na superfície endotelial, o que promove esse processo. Adesão e transmigração: após o processo de rolagem dos leucócitos, eles se aderem firmemente a um ponto da superfície endotelial; essa adesão é mediada pelas integrinas expressas nas superfícies celulares dos leucócitos que interagem com seus ligantes nas células endoteliais. As integrinas são glicoproteínas presentes na membrana plasmática dos leucócitos. Em estados normais, essas glicoproteínas possuem baixa afinidade e não aderem a seus ligantes até que os leucócitos sejam ativados pelas quimiocinas liberadas, por exemplo, nos processos inflamatórios. As quimiocinas são citocinas quimioatraentes secretadas por várias células, nos locais da inflamação; possuem a capacidade de promover mudança conformacional e aumento da afinidade das integrinas presentes nos leucócitos. Depois de aderirem à parede vascular, os leucócitos migram pela parede do vaso, espremendo-se entre as células nas junções intercelulares, processo que recebe o nome de diapedese. Essa migração dos leucócitos é orientada pelas quimiocinas produzidas nos tecidos extravasculares, as quais promovem a movimentação dos leucócitos em direção a seus gradientes químicos. Quimiotaxia: após o extravasamento, os leucócitos migram em direção ao local da lesão ou infecção, devido ao gradiente químico gerado por substâncias exógenas e endógenas liberadas no processo inflamatório, que são provenientes de (1) produtos bacterianos; (2) citocinas, particularmente as quimiocinas; (3) componentes do sistema complemento, principalmente a C5a; e (4) produtos da via lipoxigenase do metabolismo do ácido araquidônico, principalmente o leucotrieno B4. A Figura 2 resume todos esses processos de marginalização, rolagem, adesão, transmigração e quimiotaxia dos leucócitos. 13 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I Figura 2. Esquema demonstrativo dos processos de marginalização, rolagem, adesão, transmigração e quimiotaxia dos leucócitos em um processo inflamatório Rolagem Ativação de integrinas por quimiocinas Adesão estável Migração através do endotélio Leucócito Glicoproteína modificada de Sialyl-Lewis X Integrina (estado de baixa afinidade) Integrina (estado de alta afinidade) PECAM-1 (CD31) P-selectina E-selectina Proteoglicano Ligante de integrina (ICAM-1) Quimiocinas Citocinas (TNF,IL-1) Macrófago com micróbios Fibrina e fibronectina (matriz extracelular) Fonte: adaptado de Robbins et al. (2008). Depois de serem recrutados para o local da inflamação, os leucócitos devem ser ativados para exercerem sua função; os estímulos para essa ativação são provenientes de microrganismos, produtos de células necróticas e vários mediadores. A ativação leucocitária resulta em muitas funções: » Fagocitose de partículas: essa é uma etapa inicial na eliminação de substâncias nocivas, realizada principalmente pelos neutrófilos e pelos macrófagos. » Produção de substâncias que destroem os micróbios fagocitados e removem tecidos mortos, sendo eles: enzimas lisossômicas e espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio. » Produção de mediadores que amplificam a reação inflamatória, como as citocinas e os metabólitos do ácido araquidônico. Mediadores químicos Como descrito anteriormente, os mediadores químicos estão presentes nos eventos vasculares e celulares da inflamação. O conhecimento desses mediadores é importante para que sejam desenvolvidas drogas anti-inflamatórias. Os mediadores podem ser produzidos no local da inflamação pelas células ou pelo fígado, os quais ficam circulando no plasma como precursores inativos e são ativados somente no local da inflamação. A maioria dos mediadores promove seus efeitos por meio da ligação a receptores 14 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS específicos presentes nas células-alvo, e suas ações são estreitamente reguladas. A seguir, detalharemos os principais mediadores químicos presentes no processo de inflamação. Aminas vasoativas A histamina e a serotonina são duas aminas importantes, pois são os primeiros mediadores a serem liberados durante a inflamação, e são armazenadas nas células. » Histamina: sua principal fonte são os mastócitos, normalmente presentes no tecido conjuntivo e próximo aos vasos sanguíneos. A histamina pré-formada encontra-se nos grânulos dos mastócitos e é liberada pela degranulação dessas células em resposta a vários estímulos: lesão física (como trauma), frio ou calor; reações imunológicas envolvendo a ligação de anticorpos aos mastócitos; fragmentos do complemento chamados de anafilatoxinas (C3a e C5a); proteínas leucocitárias que liberam histamina; neuropeptídeos (substância P); e citocinas (IL-1, IL18) (ROBBINS; COTRAN, 2005). Ela causa dilatação das arteríolas, aumenta a permeabilidade das vênulas (mas causa constrição das artérias de maior calibre) e age na microcirculação, principalmente por meio da ligação aos receptores H1 nas células endoteliais. » Serotonina (5-hidroxitriptamina): além de ser um importante neurotransmissor, a serotonina é liberada também por células imunes no local da inflamação, e suas ações são semelhantes às da histamina. Está presente nas plaquetas e nas células enterocromafim. Sua liberação das plaquetas é estimulada quando ocorre agregação plaquetária após contato com colágeno, trombina, difosfato de adenosina (ADP) e complexos antígeno-anticorpo. Proteínas plasmáticas As proteínas plasmáticas são mediadoras de vários efeitos da inflamação e pertencem a três sistemas inter-relacionados: o complemento, as cininas e a coagulação. » Sistema do complemento: consiste em 20 proteínas (e os produtos de sua clivagem), presentes em maior concentração no plasma na forma inativa e são numeradas de C1 a C9. Esse sistema atua tanto na imunidade natural quanto na adquirida contra agentes microbianos. Suas funções biológicas se enquadram em duas categorias: lise celular pelo complexo de ataque à membrana (MAC) e os efeitos dos fragmentos proteolíticos do complemento. Seus fragmentos estão presentes em vários fenômenos da inflamação: 15 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I › Fenômenos vasculares: através das proteínas C3a, C5a e em menor quantidade pela C4a (anafilatoxinas), que estimulam a liberação de histamina pelos mastócitos, aumentando, assim, a permeabilidade vascular e causando vasodilatação. O C5a também ativa a via da lipoxigenase do metabolismo do ácido araquidônico nos neutrófilos e monócitos, provocando a liberação de mais mediadores da inflamação. › Adesão, quimiotaxia e ativação dos leucócitos: através da proteína C5a. › Fagocitose: a proteína C3b serve como opsonina quando ligado à parede bacteriana. » Sistema das cininas: a ativação desse sistema resulta na liberação da bradicinina, que aumenta a permeabilidade vascular, a contração do músculo liso, a dilatação de vasos sanguíneos e a dor quando injetada na pele; seus efeitos são semelhantes aos da histamina. Ela é inativada rapidamente pela enzima cinase. » Sistema da coagulação: esse sistema está intimamente relacionado com a inflamação. A trombina é a principal ligação entre o sistema de coagulação e a inflamação; ela é a enzima que cliva o fibrinogênio solúvel circulante para gerar um coágulo insolúvel de fibrina, e é a principal protease da coagulação. Metabólitos do ácido araquidônico: prostaglandinas, leucotrienos e lipoxinas O ácido araquidônico é um ácido graxo poli-insaturado derivado da dieta ou da conversão do ácido graxo essencial (ácido linoleico). Não se encontra livre nas células, somente na forma estratificada nos fosfolipídios da membrana, sendo liberado pela ação das fosfolipases celulares (p. ex. fosfolipase A2), que podem ser ativadas por estímulos mecânicos, químicos e físicos ou por outros mediadores (p. ex. C5a). Os metabólitos do ácido araquidônico (também chamados de eicosanoides) são sintetizados por duas classes de enzimas: as ciclo-oxigenases que produzem as prostaglandinas e tromboxanos e as lipoxigenases que produzem os leucotrienos e lipoxinas. » Via da ciclo-oxigenase: é iniciada principalmente por duas enzimas diferentes, a COX-1 (constitutivamente expressa) e a COX-2 (uma enzima induzida), que leva a geração de prostaglandinas, sendo as mais importantes na inflamação as PGE2, PGD2, PGF2A, PGI2 (prostaciclina) e a TXA2 (tromboxano). Suas ações específicas são descritas a seguir. 16 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS › COX-1: é produzida em condições fisiológicas; tem a função de promover a síntese de prostaglandinas em situações fisiológicas; regula também processos celulares normais, como a citoproteção gástrica, a homeostase vascular, a agregação plaquetária e a função renal. › COX-2: produzidas nas situações de inflamação, é uma enzima induzida, produzida apenas em células inflamatórias. › PGI2 (prostaciclina): é produzida no endotélio vascular; sua função fisiológica é controlar o fluxo sanguíneo, pois, quando produzidas, levam a um quadro de vasodilatação, aumentando o fluxo sanguíneo no local, provocando rubor e calor e, consequentemente, provocando dor. › PGE2: também está presente no endotélio vascular; possui a mesma função fisiológica da prostaciclina; promove o aumento da produção de citocinas, principalmente a interleucina-1 (IL-1), que age no centro do controle da temperatura, localizada no hipotálamo, provendo o aumento da temperatura e produzindo febre. › TXA2 (tromboxano A2): é produzido pelas plaquetas, promove agregação plaquetária (aglutinação) e vasoconstrição. Recentemente foi descoberto mais três isoformas de enzima COX: a ciclo-oxigenase parcial 1a (PCOX-1a), a 1b (PCOX-1b) e a COX- 3, variantes da COX-1 por apresentarem a mesma sequência de aminoácidos, das quais a COX-3 difere apenas por conter 30 aminoácidos extras. As duas primeiras isoformas foram encontradas em cachorros. A COX-3, por sua vez, foi encontrada também em humanos; é uma enzima constitutiva, expressa principalmente no cérebro e no coração. Alguns estudos indicam que a atividade biológica de alguns fármacos para efeito analgésico e antipirético se deve a sua inibição da biossíntese de PGs por meio do bloqueio da COX-3 no sistema nervoso central (SNC) (MONTEIRO, 2008; VESGA, 2004), o que discutiremos no capítulo sobre anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). » Via dalipoxigenase: seus produtos iniciais são gerados por três lipoxigenases diferentes que só estão presentes em alguns tipos de células. 17 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I » Lipoxinas: suas principais ações são a inibição do recrutamento leucocitário e dos componentes celulares da inflamação, inibindo a quimiotaxia dos neutrófilos e sua adesão ao endotélio. A Figura 3 mostra esquematicamente a geração de metabólitos do ácido araquidônico e seus papéis na inflamação. Figura 3. Esquema da geração de metabólitos do ácido araquidônico e seus papéis na inflamação. Fosfolipídios da membrana celular Ácido araquidônico Fosfolipas es Ciclo-oxigenase 5-Lipoxigenase 12-Lipoxigenase Outras lipoxigenases s HPETE s HETE s Prostaglandina G2 (PGG2) Prostaglandina H2 (PGH2) Prostaciclina PGI2 Tromboxano A2 (TXA2) Lipoxina A4 (LXA4) Lipoxina B4 (LXB4) PGD2 PGD2 5- HPETE 5- HETE Leucotrieno A4 (LTA4) Leucotrieno C4 (LTC4) Leucotrieno D4 (LTD4) Leucotrieno E4 (LTE4) Leucotrieno B4 Quimiotaxia Vasoconstrição Broncoespasmo Aumento da permeabilidade vascular Causa vasodilatação, inibe a agregação plaquetária Causa vasoconstrição, promove agregação plaquetária Vasodilatação Aumento da permeabilidade vascular Inibe adesão e quimiotaxia de neutrófilos Fonte: adaptado de Robbins (2008). Fator de ativação plaquetária (PAF) O PAF é outro mediador bioativo derivado dos fosfolipídios. Ele pode desencadear a maioria dos principais acontecimentos da inflamação; é produzido por vários tipos celulares, como plaquetas, basófilos (e mastócitos), neutrófilos, monócitos/macrófagos e células endoteliais. Ele pode promover a estimulação de plaquetas, vasoconstrição e broncoconstrição. Em doses extremamente baixas, estimula a vasodilatação e o aumento da permeabilidade vascular. Pode promover também o aumento da adesão leucocitária ao endotélio, quimiotaxia, desgranulação e surto oxidativo. 18 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Citocinas e quimiocinas As citocinas são proteínas produzidas por vários tipos celulares, principalmente linfócitos e macrófagos. Elas têm a capacidade de modular a função de outros tipos celulares. As duas principais citocinas que participam do processo inflamatório são o fator de necrose tumoral (TNF) e a interleucina-1 (IL-1), produzidas principalmente pelos macrófagos ativados. A secreção dessas citocinas pode ser estimulada por endotoxinas e outros produtos microbianos, complexos imunes, lesão física e vários tipos de estímulos inflamatórios. Elas induzem as respostas sistêmicas da fase aguda associadas a infecções ou traumas. As quimiocinas são uma família de proteínas pequenas que agem, a princípio, como quimiotáticos para tipos específicos de leucócitos; elas estimulam o recrutamento leucocitário na inflamação e controlam a migração normal de células através de vários tecidos. Outros mediadores 1. Óxido nítrico (NO): ele desempenha um papel importante nos componentes vasculares e celulares das respostas inflamatórias. É um potente vasodilatador devido a sua ação no músculo liso vascular; também é capaz de reduzir a agregação e a adesão plaquetária; e funciona como regulador endógeno do recrutamento leucocitário. A produção de NO é mecanismo compensatório endógeno que reduz as respostas inflamatórias, mas também pode ser mediador de defesa do hospedeiro contra infecções, pois, juntamente com seus derivados, tem efeitos microbicidas. 2. Componentes lisossomais dos leucócitos: os neutrófilos e monócitos possuem grânulos lisossomais que, quando liberados, podem contribuir com reações inflamatórias. Essas diversas enzimas granulares têm funções diferentes, por exemplo, as proteases ácidas degradam bactérias e fragmentos dentro dos fagossomos, já as proteases neutras são capazes de degradar vários componentes extracelulares. Devido a seus efeitos destrutivos, o infiltrado leucocitário inicial, se não for controlado, pode aumentar mais ainda a permeabilidade vascular e o dano tecidual. 3. Radicais livres derivados do oxigênio: eles podem ser liberados pelos leucócitos no meio extracelular após a exposição a micro-organismos, quimiocinas e complexos imunes. Eles promovem as seguintes reações: 19 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I lesão à célula endotelial com o consequente aumento da permeabilidade vascular; inativação de antiproteases; lesão a outros tipos de células. 4. Neuropeptídeos: eles participam da deflagração propagação da resposta inflamatória, juntamente com as aminas vasoativas e os eicosanoides. O Quadro 1 resume os principais mediadores químicos da inflamação e sua fonte. Quadro 1. Resumo dos principais mediadores químicos da inflamação. Mediadores Fonte Derivados de células Mediadores pré-formados em grânulos secretores Histamina Mastócitos, basófilos, plaquetas Serotonina Plaquetas Recém-sintetizados Prostaglandinas Todos os leucócitos, mastócitos Leucotrienos Todos os leucócitos, mastócitos Fator ativador plaquetário Todos os leucócitos, células endoteliais Espécies reativas de oxigênio Todos os leucócitos Óxido nítrico Macrófagos, células endoteliais Citocinas Macrófagos, linfócitos, células endoteliais, mastócitos Neuropeptídeos Derivados de proteínas plasmáticas (fígado como principal fonte) Ativação do complemento C3a (anafilatoxina) C5a (anafilatoxina) C3b C5b-9 (complexo de ataque à membrana) Ativação do fator XII (fator de Hageman) Sistema de cininas (bradicinina) Coagulação/sistema de fibrinólise Fonte: adaptado de Robbins (2008). Febre A febre é um mecanismo de defesa contra microrganismos, promovida por substâncias consideradas pirógenas, ou seja, citocinas liberadas pelas células de defesa e por algumas toxinas liberadas principalmente por bactérias, que atuam no hipotálamo, o centro de controle da temperatura, elevando-a no corpo como um todo. A princípio, a febre é desencadeada para ser mais um mecanismo de combate aos microrganismos, entretanto, as altas temperaturas também afetam as células do organismo, desencadeando desnaturações proteicas, o que pode levar a prejuízos sérios. Devido a isso, são utilizados agentes antipiréticos que impedem o aumento da temperatura corporal. A principal interleucina que promove a febre é a interleucina-1 (IL-1), pela indução da formação de prostaglandinas, principalmente a PGE2, ou substância similar, que atua no hipotálamo para desencadear a reação da febre. Sabe-se que o início do estado febril 20 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS é desencadeado pela formação de PGs induzida pelas COX-1 e COX-3, que são enzimas constitutivas; e a segunda fase é desencadeada pela formação de PGs pela COX-2, que é uma enzima induzida. As isoenzimas COX-1 e COX-2 se encontram em baixa concentração em tecidos cerebrais, enquanto que a COX-3 está distribuída em altas concentrações nessas regiões, incluindo o hipotálamo, sendo assim, existem hipóteses de que as isoenzimas COX-1 e COX-2 cumprem a função de disparar a liberação de PGs pela COX-3 presente nesta região (VESGA, 2004). A inibição não seletiva da COX promove a diminuição da temperatura corporal e a diminuição da dor central. Estudos indicam que esse mecanismo aconteça pela ação direta de alguns medicamentos, como o paracetamol, que promovem inibição diretamente na enzima COX-3, com ação antipirética e analgésica (CHANDRASEKHARAN et al., 2002; VESGA, 2004). Discutiremos a seguir esses mecanismos dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) não seletivos. Dor A dor é uma sensação ruim que sentimos quando algo está errado em nosso organismo; é um mecanismo de defesa contra agentes agressores ou situações que possam comprometer nossa saúde. Entretanto, a dor é um estado muito subjetivo, que pode ser sentido por diferentes pessoas de diferentes formas, de acordo com a idade, sexo, raça, hora do dia, privação de sono, estresse, gravidez, depressão, e experiências vividas. Por isso é muitodifícil a mensuração da dor no indivíduo, mas uma coisa é certa: essa sensação é desagradável, e cada vez mais buscamos medicamentos para aliviar os sintomas. A percepção da dor se inicia na periferia, através da ativação de nociceptores, que estão espalhados por todo o corpo, e são classificados em três subtipos: » Receptores mecânicos de alto limiar: são receptores que detectam pressão, ações mecânicas. São fibras nervosas mielinizadas do tipo Aδ e Aβ, que são fibras mais calibrosas e, portanto, possuem uma transmissão nervosa mais rápida. » Receptores mecanotermais de baixo limiar: detectam pressão (ação mecânica) e calor. São fibras nervosas mielinizadas do tipo Aδ e Aβ, que como dito anteriormente, são as fibras mais calibrosas com transmissão nervosa mais rápida. » Receptores polimodais: detectam pressão, calor e fatores químicos como as citocinas liberadas por patógenos ou até mesmo pelos leucócitos 21 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I (bradicinina, prostaglandinas, serotonina, histamina, etc.) que migram para o local. Nesse caso, são fibras nervosas do tipo C mais delgadas e sem bainha de mielina e, portanto, possuem a transmissão nervosa mais lenta em comparação com as fibras do tipo A. Essas fibras nervosas caminham em direção a áreas centrais que codificarão a sensação, essa via de condução ocorre da seguinte maneira: os neurônios de primeira ordem, que são os neurônios do tipo Aδ, Aβ e C (nociceptores) fazem sinapse com neurônios de segunda ordem localizados na medula espinhal, que fazem mais uma sinapse com outros neurônios na região encefálica, que chegarão aos núcleos talâmicos e ao córtex somatossensorial. Esse processo é ativado por canais e receptores presentes nas fibras e que podem sofrer influências de diversos agentes, como representado na Figura 4 a seguir. Figura 4. Canais, receptores e mecanismos de transdução de terminações aferentes nociceptivas. Bradicinina Prostaglandina s Opiáceo s Canabinoides Norepinefrina ATP NGF Capsaicina Endovalinoide s Calor nocivo Prótons ASIC Receptor P2X Canal de Na controlado por V Canais de K Aumento da expressão TRPV 1 Receptor B2 Receptor prostanoide Outros GPCRs inibitórios DESPOLARIZAÇÃO EXCITAÇÃO TrkA PK C PK A Fonte: adaptado de Rang e Dale (2007). Existem alguns agentes endógenos que promovem a analgesia naturalmente, são os considerados opioides endógenos, como a endorfina, a encefalina e a dinorfina, todos eles atuam em receptores opioides presentes nas fibras nociceptivas, que, como demonstrado na Figura 4, levam a inibição da despolarização e impedem a transmissão do impulso nervoso. Alguns anti-inflamatórios que serão discutidos ao longo da apostila também se beneficiam desse mecanismo para promover a analgesia. Como discutiremos a seguir, para minimizar a dor, os anti-inflamatórios são amplamente utilizados, principalmente os da classe dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). A Figura 5 mostra de maneira resumida essa transmissão nervosa da dor, e em que 22 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS ponto os AINEs podem atuar para minimizar essa sensação, o que discutiremos detalhadamente a seguir. Figura 5. Resumo dos mecanismos modulatórios da via nociceptiva e atuação dos AINEs. 5-HT, NE ENCEFALINAS, GABA LIBERAÇÃO DE NEUROPEPTÍDEOS (SP, CGRP) LIBERAÇÃO DE MEDIADOR (BK, 5-HT, PGs etc.) PRODUÇÃO DE NGF AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES EXCITAÇÃO DE NEURÔNIO DE TRANSMISSÃO ATIVIDADE DE FIBRAS C ESTÍMULO NOCICEPTIVO DOR Opiáceos Opiáceos AINEs Inflamação Interneurônios locais VIA NOCICEPTIVA VIAS INIBITÓRIAS DESCENDENTE Fonte: adaptado de Rang e Dale 2007). Resultados da inflamação aguda Apesar de a resposta da inflamação aguda ser dependente da natureza e intensidade da lesão, bem como da habilidade do hospedeiro em responder a essa agressão, ela geralmente possui três resultados comuns: » Resolução: quando a lesão é limitada ou breve, quando há pouca destruição tecidual, e quando o tecido tem a capacidade de substituir qualquer célula lesada com restauração e normalidade funcional. Nesse caso, ocorre a restauração do local da inflamação com degradação dos mediadores químicos, retorno da permeabilidade vascular ao normal, término da inflamação leucocitária, morte dos neutrófilos e remoção de líquidos, edemas, leucócitos, agentes estranhos e fragmentos necróticos. » Cicatrização ou fibrose: ocorre após uma grande destruição tecidual ou quando a inflamação atinge tecidos que não são capazes de se regenerar; 23 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I com isso, ocorre a formação de tecido fibroso com substituição do tecido original, o que pode causar perda de função no local. » Progressão para inflamação crônica: ocorre quando não há remoção do agente nocivo, ou devido a alguma interferência no processo normal de cicatrização. Dependendo da extensão da lesão inicial, da sua continuidade e da capacidade de regeneração dos tecidos afetados, a inflamação crônica pode ter como resultado a restauração da estrutura e de funções normais, ou pode resultar em cicatrização. Inflamação crônica A inflamação crônica é uma inflamação com duração prolongada (semanas, meses ou anos), em que inflamação ativa, destruição tecidual e reparação ocorrem simultaneamente. Diferente da inflamação aguda, que é caracterizada por alterações vasculares, edema e infiltrado leucocitário, a inflamação crônica possui outras características: infiltração de células mononucleares, como os macrófagos; destruição tecidual e reparo envolvendo proliferação de novos vasos (angiogênese); e fibrose. Essa inflamação pode originar-se tanto devido a infecções persistentes por micro-organismos difíceis de erradicar – um importante exemplo é a tuberculose –, como também por doenças inflamatórias imunomediadas (distúrbios de hipersensibilidade), ou ainda por exposição prolongada a agentes potencialmente tóxicos. Inicialmente, na inflamação crônica ocorre a liberação dos mesmos mediadores químicos descritos anteriormente na inflamação aguda, porém sua característica principal é a persistência da inflamação, que resulta das interações complexas entre as células que são recrutadas para o local da inflamação e que são ativadas nesse local; ou seja, resumidamente, ocorre grande migração de macrófagos no local da inflamação crônica, com depósito dessas células, grande liberação de citocinas e necrose tecidual. 24 CAPÍTULO 2 Autacoides e antagonistas de autacoides As prostaglandinas, a histamina e a serotonina são denominadas autacoides e são formadas pelos tecidos nos quais agem, funcionando, assim, como hormônios locais; porém diferem dos hormônios circulantes pelo fato de serem produzidos por vários tecidos, e não apenas em glândulas endócrinas específicas. A palavra autacoide deriva do grego autos (próprio) e akos (agente medicinal ou medicamento) (HOWLAND, 2007). Prostaglandinas As prostaglandinas são ácidos graxos insaturados que atuam nos tecidos nos quais são sintetizados, sendo rapidamente metabolizados em produtos inativos no local da ativação. A administração sistêmica de prostaglandinas provoca um conjunto de efeitos, o que limita a utilidade terapêutica dessas substâncias. Um dos usos é no aborto; no tratamento da úlcera péptica, é utilizado para inibir a secreção de ácido gástrico e para aumentar a resistência à mucosa em pacientes que fazem tratamento com AINEs (misoprostol). Histamina A histamina (ver Figura 6) é um mensageiro químico que intermedeia várias respostas celulares, como as reações alérgicas e inflamatórias, a secreção de ácido gástrico e a neurotransmissão em algumas partes do cérebro. Ela não possui aplicação clínica, atua somente como diagnóstica, para avaliar a hiper-reatividade brônquica inespecífica em indivíduos asmáticos, e como controle positivo injetável durante testes cutâneos de alergia, porém os fármacos que interferemem sua ação, os anti-histamínicos, apresentam importantes aplicações terapêuticas – falaremos deles mais adiante. 25 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I Figura 6. Estrutura química da histamina. CH2CH2NH 2 NH N Fonte: adaptado de Goodman e Guilman (2007). O mastócito é o principal local de armazenamento de histamina (em grânulos). A histamina é encontrada na maioria dos tecidos, porém distribuída de forma desigual, sendo encontrada em grande quantidade nos pulmões, na pele e no trato gastrintestinal, que são locais com grande concentração de mastócitos. Ela é formada pela descarboxilação do aminoácido histidina, pela ação da enzima L-histidina descarboxilase. Na maioria das vezes, a histamina é apenas um de vários mediadores químicos liberados. Ela é liberada a partir de estímulos, como a destruição de células por frio intenso, toxinas bacterianas, venenos de ferrão de abelhas ou traumatismos, além das alergias e anafilaxias. Ela exerce seus efeitos ligando-se a um ou mais dos quatro tipos de receptores específicos (H1, H2, H3, e H4), todos eles são receptores acoplados a proteína G, mas somente os receptores H1 e H2 são alvos de fármacos com utilidade clínica; e os receptores H3 e H4 ainda não têm suas ações farmacológicas muito claras. Os receptores H1 são receptores acoplados à proteína Gq/11 e ativam a via PLC- IP3-Ca2+, e muitas das possíveis continuações dessa via, como a ativação da proteinocinase C (PCK), as enzimas dependentes de Ca2+-calmodulina (eNOS e várias proteinocinases) e a PLA2. Os receptores H2 são receptores acoplados a proteínas Gs que ativam a via de proteína A adenililciclase-AMP cíclico-cinase (PKA); e os receptores H3 e H4 são receptores acoplados a proteínas Gi/0 que inibem a adenililciclase. São receptores responsáveis pelos sintomas de doenças alérgicas, como por exemplo o prurido, a rinorreia, o broncoespasmo e a contração da musculatura lisa intestinal. Os receptores H2 são receptores acoplados a proteína Gs, os quais estão presentes em alguns locais como células neurais, músculo cardíaco, músculo liso vascular e vias aéreas, endotélio, condrócitos, células epiteliais, mastócitos, neutrófilos, linfócitos T e B, hepatócitos, entre outros. Promovem secreção gástrica; e respostas de dilatação vascular são mediadas pelo estímulo desses dois receptores (H1 e H2). 26 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Os receptores H3 são receptores acoplados a proteína Gi/Go e funcionam como autorreceptores em neurônios histaminérgicos de forma muito semelhante aos receptores α2 pré-sinápticos, inibindo a liberação de histamina e modulando a liberação de outros neurotransmissores. Esses receptores estão localizados principalmente no SNC, nos gânglios da base, hipocampo e córtex, e promovem a vigília. Os receptores H4 são receptores acoplados a proteína Gi/Go. Estão presentes em células com atividade imune, como os eosinófilos, e em células do trato gastrintestinal e do SNC. Sua ativação em eosinófilos promove alteração na forma da célula à quimiotaxia e incremento na regulação de moléculas de adesão; ou seja, a histamina liberada pelos mastócitos age nos receptores H4 para recrutar eosinófilos. Os antagonistas H4 podem ser úteis em inibir as respostas alérgicas e inflamatórias. O Quadro 2 resume as características dos quatro tipos de receptores de histamina descritos anteriormente. Quadro 2. Descrição dos diferentes tipos de receptores de histamina. Receptor de histamina Expressão em células/tecidos Sinais intracelulares de ativação Proteína G H1 Células neurais, músculo liso vascular e vias aéreas, endotélio, hepatócitos, células epiteliais, neutrófilos, eosinófilos, dendrócitos, monócitos, LT e LB. Principal sinalizador: aumento de Ca2+. Outros: PhLC, PhLD, GMPc, PhLA, NFκB. Gq/11 H2 Células neurais, músculo liso vascular e vias aéreas, endotélio, hepatócitos, condrócitos, células epiteliais, neutrófilos, eosinófilos, dendrócitos, monócitos, LT e LB. Principal sinalizador: aumento do AMPc. Outros: adenilciclase, c-Fos, c-Jun, PKC, p70S6K. Gs H3 Neurônios histaminérgicos, eosinófilos, dendrócitos, monócitos, baixa expressão nos tecidos periféricos. Inibe a liberação e síntese da histamina. Principal sinalizador: inibição do Gi/o AMPc. Outros: aumento de Ca2+, MAP kinase. Gi/o H4 Alta expressão na medula óssea e células hematopoiéticas periféricas, eosinófilos, neutrófilos, dendrócitos, LT, basófilos, mastócitos; baixa expressão em tecidos periféricos, hepatócitos, baço, timo, pulmões, intestino e coração. Estimula quimiotaxia de eosinófilos e mastócitos. Aumento de Ca2+, inibição de AMPc. Gi/o LB, linfócito B; LT, linfócito T; PKC, proteína cinase C; AMPc, adenosina monofosfato cíclico; PhLC, fosfolipase C; PhLD, fosfolipase D; PhLA, fosfolipase A; NFκB, fator nuclear de transcrição kappa. Fonte: adaptado de Criado et al. (2010). Anti-histamínicos H1 O termo anti-histamínico refere-se somente aos bloqueadores clássicos dos receptores H1; eles não influenciam a formação ou a liberação de histamina, apenas bloqueiam a resposta mediada pelo receptor no tecido-alvo. Eles podem ser divididos em fármacos de primeira e segunda geração. A maioria dos fármacos de primeira geração pode penetrar 27 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I no SNC, causando sedação, podendo também agir em outros receptores, produzindo uma variedade de efeitos adversos, como sonolência e boca seca; os fármacos de segunda geração, por sua vez, são específicos para receptores H1 e não atravessam a barreira hematoencefálica, apresentando, assim, menor toxicidade ao SNC do que os de primeira geração. Esses fármacos são úteis no tratamento de alergias causadas por antígenos que agem nos mastócitos sensibilizados por anticorpos imunoglobulina E (IgE) e são usados principalmente para o controle dos sintomas da rinite alérgica e da urticária, pois a histamina é o principal mediador. O Quadro 3 resume as diferenças existentes entre os anti-histamínicos de primeira e de segunda geração. Quadro 3. Principais diferenças entre os anti-histamínicos de primeira e de segunda geração Anti-histamínicos de primeira geração Anti-histamínicos de segunda geração Geralmente administrados em 3 ou 4 tomadas ao dia. Geralmente administrados em 1 ou 2 tomadas ao dia. Cruzam a barreira hematoencefálica (em decorrência de sua lipofilicidade, do seu baixo peso molecular e do fato de não serem substratos do sistema da bomba de efluxo da glicoproteína P). Não cruzam a barreira hematoencefálica (em decorrência da sua lipofobicidade, do seu alto peso molecular e do fato de serem substrato da bomba de efluxo da glicoproteína P). Causam diversos efeitos adversos como sedação, hiperatividade, insônia e convulsões. Não causam efeitos adversos relevantes na ausência de interações medicamentosas. Relatos de casos de toxicidade regularmente publicados. Virtual ausência de relatos de toxicidade grave. Ausência de estudos clínicos, placebo controlados, randomizados e duplo- cegos. Alguns estudos clínicos, placebo controlados, randomizados e duplo- cegos, inclusive em crianças. Dose letal identificada em lactantes e crianças. Sem relatos de fatalidade em superdosagens. Fonte: adaptado de CRIADO et al. (2010) Antagonistas H1 disponíveis no mercado a. Dibenzoxazepina tricíclicas (doxepina): é comercializado principalmente como um antidepressivo tricíclico, porém é também um potente antagonista H1. Causa sonolência e associa-se a efeitos anticolinérgicos. b. Etanolaminas (protótipo: difenidramina): possuem significativa atividade antimuscarínica e induzem sedação; seus efeitos colaterais no trato gastrintestinal são extremamente baixos neste grupo. c. Etilenodiaminas (protótipo: pirilamina): esta classe inclui alguns dos antagonistas H1 mais específicos; provoca sonolência e os efeitos colaterais do trato gastrintestinal são incomuns. 28 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS d. Alquilaminas (protótipo: clorfeniramina):são os mais potentes antagonistas H1 e menos propensos a produzir sonolência, sendo mais adequados para o uso diurno. Seu efeito colateral mais comum é a estimulação do SNC. e. Piperazinas de primeira geração: um dos membros mais antigos desse grupo, a clorciclizina, tem ação prolongada e baixa sonolência. A hidroxizina é usada para alergias cutâneas. A ciclizina e a meclizina já foram utilizadas para controlar enjoo de movimento. f. Piperazinas de segunda geração (cetirizina): possui efeitos anticolinérgicos mínimos, sua penetração no SNC é mínima, porém tem uma incidência mais alta de sonolência em comparação ao outros antagonistas H1 de segunda geração. g. Fenotizinas (protótipo: prometazina): a maioria dos fármacos dessa classe possui atividade anticolinérgica, além de antagonistas do receptor H1. É utilizada principalmente pelos seus efeitos antieméticos. h. Piperidinas de primeira geração (ciproeptandina, fenindamina): a ciproeptadina tem propriedades anti-histamínicas e antisserotoninérgicas igualmente. Elas causam sonolência e têm efeitos colinérgicos também. i. Piperidinas de segunda geração (protótipo: terfenadina): os fármacos atualmente existentes dessa classe são a loratadina, a desloratadina e a fexofenadina; eles são altamente seletivos para os receptores H1, têm baixa ação anticolinérgica e dificilmente penetram no SNC, possuindo, assim, baixa incidência de efeitos colaterais. j. Loratadina (nomes comerciais diversos entre eles Atinac®, Loratamed®, Loremix®, etc): anti-histamínico de segunda geração, geralmente indicado para rinites alérgicas para melhorar quadros de coriza, espirros, prurido nasal, ardência e pruridos oculares. Bloqueadores dos receptores histamínicos H2 Os bloqueadores dos receptores H2 apresentam baixa ou nenhuma afinidade pelos receptores H1; sua utilização é principalmente como inibidor da secreção de ácido gástrico no tratamento de úlceras. Os fármacos dessa classe existentes 29 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I no mercado são dimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina e não serão discutidos neste capítulo por não ter ações anti-inflamatórias. Bloqueadores dos receptores histamínicos H3 e H4 Já foram desenvolvidos antagonistas específicos dos receptores H3 e H4, porém nenhum foi aprovado para uso clínico. Os antagonistas H3 têm capacidade de melhorar a atenção e o aprendizado, estimulam a vigília e são usados também como agentes antiepilépticos. Já os antagonistas de receptores H4 são promissores candidatos para o tratamento de condições inflamatórias como rinite alérgica, asma e artrite reumatoide, devido à localização e à função inusitada desse receptor nas células de origem hematopoiética. Bradicinina, calidina e seus antagonistas Alguns fatores, como lesões tissulares, reações alérgicas, infecções virais e outros eventos inflamatórios, ativam uma série de reações proteolíticas que geram bradicinina e calidina nos tecidos. Esses peptídeos agem como autacoides, produzindo dor, vasodilatação e maior permeabilidade vascular no local de sua ação. Sua atividade ocorre principalmente devido à liberação de potentes mediadores como prostaglandinas, NO ou fator hiperpolarizante derivado do endotélio. Os antagonistas de bradicinina estão atualmente sendo investigados em diversas áreas, como dor, inflamação, doenças inflamatórias crônicas, sistema cardiovascular e reprodução. Sabe-se que as cininas participam de uma variedade de doenças inflamatórias e causam dor; e a bradicinina excita os neurônios sensoriais primários e provoca a liberação de neuropeptídeos, como substância P, neurotoxina A e peptídeos relacionados com o gene da calcitonina. 30 UNIDADE II FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS CAPÍTULO 1 Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) Os AINEs são um grupo de diferentes agentes químicos que possuem atividade antipirética, analgésica e anti-inflamatória; atuam principalmente inibindo as enzimas ciclo-oxigenases (responsáveis por catalisar a biossíntese de prostanoides), levando à redução da síntese de prostaglandinas, com efeitos benéficos e indesejáveis. Todos os AINEs, exceto a nabumetona, são ácidos orgânicos fracos. Esses anti-inflamatórios geralmente são altamente metabolizados, alguns por meio de mecanismos de fase I seguidos de fase II, e outros por mecanismos de fase II apenas. Seu metabolismo ocorre, geralmente, mediante famílias CYP3A ou CYP2C das enzimas P450 do fígado. Atualmente, existem mais de 50 AINEs no mercado e, como não é necessária a apresentação de prescrição médica aqui no Brasil, esses fármacos são utilizados extensamente e muitas vezes indevidamente. Estão disponíveis como comprimidos, injeções e géis. Aliviam os sintomas de dor e edema, como artrite reumatoide; dores agudas, como trauma, dor pós-parto e pós-operatória, além de dor dental, menstrual e cefaleia. A escolha de um AINE requer consideração de sua eficácia, seu custo, sua segurança e de numerosos fatores pessoais, por exemplo, se o paciente está utilizando outros fármacos – desse modo, não existe um AINE melhor para todos os pacientes, mas pode haver um ou dois AINEs mais apropriados para um determinado indivíduo. A seguir, descreveremos detalhadamente os principais AINEs encontrados no mercado, bem como seus mecanismos de ação e efeitos colaterais. Ácido acetilsalicílico e outros salicilatos O ácido acetilsalicílico (AAS) foi o precursor dos AINEs tradicionais, é o fármaco com o qual os outros anti-inflamatórios são comparados, sendo o mais comumente utilizado, sobretudo pelo baixo custo. Porém, sua longa história e disponibilidade sem prescrição médica diminuem seu apelo em comparação com o dos AINEs mais novos. Hoje ele é 31 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II raramente utilizado como anti-inflamatório, tendo sido substituído pelo ibuprofeno e pelo naproxeno. Os salicilatos não acetilados, por sua vez, são fármacos anti-inflamatórios efetivos, mas analgésicos menos efetivos que o ácido acetilsalicílico. Esses fármacos incluem o salicilato de colina magnésio, o salicilato de sódio e o salicilsalicilato (KATZUNG, 2010). Como são menos eficazes em inibir a COX, seu uso pode ser preferível quando não se deseja essa inibição, como no caso de pacientes com asma, pacientes com tendências hemorrágicas e pacientes com disfunção renal. Mecanismos de ação O ácido acetilsalicílico é um ácido orgânico fraco e o único AINE capaz de acetilar irreversivelmente a ciclo-oxigenase, além de inibir a agregação plaquetária. Já os salicilatos são inibidores reversíveis das duas isoformas da COX apenas. Ação anti-inflamatória Devido a sua inibição da atividade da COX, ocorre a diminuição da formação de prostaglandinas, modulando, assim, os aspectos da inflamação nos quais ela age como mediadora, que foram descritos na Unidade I desta apostila. Ação analgésica A PGE2 é capaz de sensibilizar as terminações nervosas à ação da bradicinina, da histamina e de outros mediadores químicos liberados localmente pelo processo inflamatório; portanto, o ácido acetilsalicílico, ao inibir a atividade da COX, diminui a síntese de PGE2, diminuindo, assim, a sensação de dor. Ação antipirética A febre ocorre quando o “ponto de referência” do centro termorregulador hipotalâmico anterior é elevado, sendo causado principalmente pela síntese de PGE2 estimulada, por exemplo, pela citocina. Portanto, o efeito antipirético do ácido acetilsalicílico é possivelmente mediado pela inibição da COX no SNC, provavelmente a isoforma COX- 3, mais abundante nesse tecido, com diminuição da produção de PGE2, e ainda pela inibição da IL-1 que é liberada pelos macrófagos durante episódios de inflamação. Essa ação do ácido acetilsalicílico sobre o controle da temperatura ocorre somente em indivíduos febris, não havendo efeitos sobre a temperatura normal do organismo. 32 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Usos clínicos O ácido acetilsalicílico e os salicilatossão utilizados como antipiréticos e analgésicos no tratamento de gota, febre reumática e artrite reumatoide, e em condições comumente tratadas como cefaleia, artralgia e mialgia. Eles têm sido associados a opioides para o tratamento da dor de câncer, na qual os efeitos anti-inflamatórios atuam de modo sinérgico com os opioides, intensificando a analgesia. Pode ser utilizado também topicamente no tratamento de calosidades, calos ósseos e epidermofitose (erupção causada por fungos), além de serem utilizados para inibir a aglutinação plaquetária, reduzir a incidência de ataques isquêmicos transitórios e angina instável em homens, como, também, para tratar de trombose da artéria coronária, ou seja, no dito popular, pode ser utilizado para “afinar o sangue”, por ser um importante inibidor da agregação plaquetária. Efeitos adversos a. Gastrintestinais: normalmente a prostaciclina (PGI2) promove a inibição de ácido gástrico, enquanto a PGE2 e a PGF2a estimulam a síntese de muco protetor no estômago e no intestino delgado, devido à ação do ácido acetilsalicílico inibindo a COX de maneira não específica e, consequentemente, diminuindo a formação desses prostanoides; ocorre portanto um aumento da secreção gástrica e diminuição da proteção da mucosa, causando, assim, irritação epigástrica, náuseas e vômitos. Com isso, o ácido acetilsalicílico deve ser administrado acompanhado de alimentos e grande volume de líquido para reduzir os distúrbios gastrintestinais, além de ser administrado juntamente como o misoprostol, por exemplo, um análogo sintético da PGE1 que auxilia na produção de muco gástrico, prevenindo os efeitos adversos dos salicilatos. b. Sangue: o TXA2 é responsável por aumentar a aglutinação plaquetária, já a PGE2 provoca sua redução. O ácido acetilsalicílico inibe irreversivelmente a produção de tromboxano nas plaquetas, resultando na inibição da agregação plaquetária e no prolongamento do tempo de sangramento. Como as plaquetas não possuem núcleo, não podendo sintetizar enzimas, e a acetilação da ciclo-oxigenase é irreversível, essa falta de tromboxano persiste durante toda a vida da plaqueta (3 a 7 dias); porém, nas células endoteliais, não ocorre o mesmo, pois elas possuem núcleo e podem produzir novas ciclo-oxigenases. Assim, o ácido acetilsalicílico não deve ser administrado por, no mínimo, 33 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II uma semana antes de alguma cirurgia. Fato interessante: quando há suspeita de dengue, esse é um dos medicamentos contra indicados, pela incerteza de poder ser uma dengue do tipo hemorrágica; a utilização de qualquer salicilato, ou um AINE não seletivo (falaremos mais adiante), pode levar ao agravamento do quadro do paciente devido a inibição direta da agregação plaquetária. c. Respiração: em doses terapêuticas, eles podem aumentar a ventilação alveolar; em doses mais elevadas, podem agir diretamente sobre o centro respiratório no bulbo, resultando em hiperventilação e alcalose respiratória; em doses tóxicas, podem causar depressão respiratória, com acidose respiratória e metabólica não compensada. d. Ação nos rins: eles impedem a síntese de PGE2 e PGI2, que são prostaglandinas responsáveis pela manutenção do fluxo sanguíneo renal na presença de vasoconstritores circulantes. Essa diminuição da síntese de prostaglandinas pode resultar na retenção de sódio e água, causando edema e hiperpotassemia em alguns pacientes, podendo ocorrer, também, nefrite intersticial. Interações farmacológicas Existem alguns fármacos que podem interagir com os salicilatos, causando alguns efeitos indesejados: » Antiácidos: provocam a redução da velocidade de absorção do ácido acetilsalicílico, devido a alteração do pH, e ionização da molécula. » Heparina ou anticoagulantes orais: provocam hemorragia, como discutido anteriormente, devido a sua ação direta sobre a inibição da agregação plaquetária juntamente com a ação da heparina de interagir com a antitrombina, e inativar várias enzimas da cascata de coagulação. » Probenecida sulfinpirazona: provoca a diminuição da excreção de urato (contraindicado em pacientes com gota). » Bilirrubina, fenitoína, naproxeno, sulfinpirazona, tiopental, tiroxina e tri- idotironina: provocam o aumento da concentração plasmática, fazendo com que a meia-vida seja mais longa, com maiores efeitos terapêuticos e maior toxicidade também. 34 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Inibidores seletivos da COX-2 (coxibes) O local de ligação do substrato nas duas formas de COX (1 e 2) são estruturalmente diferentes: a COX-2 apresenta um canal de substrato maior e mais flexível do que o da COX-1 e um maior espaço disponível no sítio onde se ligam os inibidores, sendo a principal diferença a presença do aminoácido valina na COX-2 e do aminoácido isoleucina na COX-1 conforme demonstrado na Figura 7. Essa diferença em sua estrutura permitiu a produção de fármacos específicos para a COX-2, com o intuito de inibir a síntese de prostaglandinas por essa isoenzima sem, no entanto, afetar a isoenzima COX-1 “de manutenção”, encontrada no trato gastrintestinal, nos rins e nas plaquetas, sendo esta uma tentativa de minimizar os efeitos colaterais gastrintestinais e de coagulação. Figura 7. Diferenças estruturais dos sítios ativos de COX-1 e COX-2. A COX-2 possui um canal maior e mais flexível do que a COX-1, apresentando maior espaço no local de ligação dos inibidores, isso devido à presença do aminoácido valina na COX-2 e do aminoácido isoleucina na COX-1. COX-1 COX-2 Phe Isso 523 Val 523 Leu More flexible roof Side-pocket Wider Fonte: adaptado de Mengle-Gaw e Schwartz (2002). Os inibidores seletivos da COX-2 exercem efeitos analgésicos, antipiréticos e anti- inflamatórios semelhantes aos dos AINEs não seletivos, mas com a metade dos efeitos adversos gastrintestinais; porém não apresenta efeitos cardioprotetores, o que levou alguns pacientes a utilizarem o ácido acetilsalicílico em pequenas doses para manter esses efeitos. Celecoxibe O celecoxibe (Figura 8), de nome comercial Celebra®, é um inibidor seletivo da COX-2, cerca de 10 a 20 vezes mais seletivo para COX-2 do que para COX- 35 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II 1, com meia-vida de 11 horas, é um dos AINEs seletivos mais conhecidos e utilizados atualmente. Sua principal vantagem é possuir menos efeitos colaterais gastrintestinais, mas financeiramente, ele costuma ser mais caro que os não seletivos e, portanto, menos utilizado de forma indiscriminada que outros AINEs descritos a seguir. Figura 8. Estrutura química do celecoxibe. Fonte: Katzung (2010). Ele também é efetivo no tratamento da artrite reumatoide e da osteoartrite, provocando menos úlceras endoscópicas do que a maioria dos outros AINEs, e não afeta a agregação plaquetária nas doses habituais. Pode interagir com a varfarina (conforme esperado de um fármaco metabolizado através da CYP2C9). Seus efeitos adversos podem ser dor abdominal, diarreia e dispepsia. Como ocorre com outros AINEs, pode ocorrer toxicidade hepática. Embora o celecoxibe possa ser utilizado em conjunto com o ácido acetilsalicílico (AAS), como comentado anteriormente, sua combinação com esse fármaco pode aumentar o risco de sangramento gastrointestinal, pois, apesar do celecoxibe ser específico para a COX-2, em altas doses e de uso contínuo, ele pode causar inibição também da COX-1, que, em conjunto com o AAS (que é um inibidor não seletivo), gera esse efeito colateral exagerado. Etoricoxibe O etoricoxibe (nomes comerciais: Arcoxia®, Hetori®) é um derivado bipiridínico, inibidor seletivo da COX-2 de segunda geração, sendo sua seletividade à COX-2 superior a qualquer outro coxibe. Sofre extenso metabolismo pelas enzimas P450 hepáticas, com excreção renal e meia-vida de eliminação de 22 horas. Possui eficácia semelhante aos AINEs tradicionais para o tratamento da osteoartrite, artrite gotosa aguda edismenorreia primária. 36 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Meloxicam O meloxicam (nomes comerciais: Bioflac®, Cicloxx®, Loxam®, Melocox®, Movacox®, Movatec®, Movamox®) é uma enolcarboxamida relacionada com o piroxicam que inibe preferencialmente a COX-2, pois não é tão seletivo quanto os outros coxibes. Ele possui menos complicações gastrintestinais do que o piroxicam, o diclofenaco e o naproxeno. Da mesma forma que os outros AINEs, o meloxicam inibe o TXA2, porém sabe-se que, mesmo em doses supraterapêuticas, essa inibição não atinge níveis que resultam em diminuição da função plaquetária in vivo; entretanto, é contra indicado seu uso em conjunto com anticoagulantes, especialmente a varfarina, devido ao risco de sangramentos. Sua utilização pode levar a alterações nos exames laboratoriais de provas da função hepática. Valdecoxibe O valdecoxibe (Figura 9) é um isoxazol com substituição diaril e um novo inibidor altamente seletivo da COX-2, com meia-vida de 8 a 11 horas. Sua dose analgésica é de 20mg, 2 vezes ao dia. Não possui nenhum efeito sobre a agregação plaquetária e o tempo de sangramento. Figura 9. Estrutura química do valdecoxibe. Fonte: Katzung (2010). Inibidores não seletivos da COX Os inibidores não seletivos da COX são a classe de AINEs mais utilizada, principalmente porque boa parte deles não necessita de receita médica para serem adquiridos – são considerados medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs), de acordo com o Ministério da Saúde, utilizados para tratar males menores com segurança e eficácia, desde que ingeridos de maneira adequada. Entretanto, são os medicamentos mais consumidos de forma indiscriminada, por serem baratos e de fácil acesso à população, e, como sabemos, qualquer medicamento por mais 37 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II seguro e eficaz que seja, pode promover efeitos adversos, além de interações medicamentosas. Um dos principais efeitos adversos encontrados nessa classe de medicamentos é o desconforto gastrintestinal, como gastrites e até sangramentos. Isso se deve à inibição da isoenzima COX-1, que, como descrito anteriormente, é a enzima responsável pela produção de prostaglandinas produtoras de muco protetor gástrico, além do aumento da produção de suco gástrico, o que leva a agressão da região. A seguir, discutiremos os principais mecanismos de ações e indicações para os principais AINEs não seletivos disponíveis no mercado. Diclofenaco O diclofenaco (nomes comerciais: Cataflam®, Diclonil®, Lisopan®, Reumadil®, Voltrix®) é um derivado do ácido fenilacético, relativamente não seletivo como inibidor da COX; possui meia-vida de aproximadamente 1 hora. Cerca de 20% dos pacientes apresentam efeitos adversos, como desconforto gastrintestinal, sangramento gastrintestinal oculto e ulceração gástrica. Devido a isso, o diclofenaco é geralmente administrado juntamente com o omeprazol ou misoprostol, evitando, assim, o sangramento e o desconforto gastrintestinal. Ele pode comprometer o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular, além de promover a elevação dos níveis séricos das aminotransferases. Pode promover alterações cardiovasculares, como palpitações, dor toráxica, insuficiência cardíaca congestiva, taquicardia e hipertensão arterial. Diflunisal O diflunisal é um derivado do ácido salicílico, porém não é metabolizado em ácido salicílico nem em salicilato. Ele sofre um ciclo êntero-hepático, com reabsorção de seu metabólito glicuronídio, seguida de clivagem do glicuronídio, liberando novamente o componente ativo. Sua meia-vida é de 13 horas. Ele é efetivo para o alívio da dor do câncer com metástases ósseas e para o controle da dor na cirurgia dentária (terceiro molar). Etodolaco O etodolaco (nome comercial Flancox®) é um derivado racêmico do ácido acético, com meia-vida intermediária de 6,5 horas. Ele é ligeiramente mais seletivo para COX-2. Produz alívio satisfatório da dor pós-operatória após cirurgia de derivação da artéria coronária; é indicado também para o uso agudo ou prolongado no controle dos sinais e 38 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS sintomas da osteoartrite e artrite reumática. Pode causar reações adversas no sistema nervoso central como tontura, sonolência, insônia, cansaço, fadiga, zumbido nos ouvidos e visão embaçada. Pode ocorrer diminuição da eficácia de anti-hipertensivos se combinados com o etodolaco. Fenoprofeno O fenoprofeno (nome comercial Nalfon®) é um derivado do ácido propiônico, porém é pouco utilizado devido a seu efeito colateral mais comum, o desenvolvimento de nefrite intersticial, além dos efeitos tóxicos comuns de todos os AINEs. Flurbiprofeno O flurbiprofeno (nomes comerciais: Ocufen®, Tarfus Lat®) é um derivado do ácido propiônico, porém seu mecanismo de ação é mais complexo do que o de outros AINEs. Ele inibe a COX de modo não seletivo; e estudos experimentais comprovaram que ele pode afetar também a síntese de TNF-α e de óxido nítrico. Não apresenta circulação êntero-hepática, e seus enantiômeros são metabolizados de forma diferente, não sofrendo conversão quiral. Sua eficácia é comparável à do ácido acetilsalicílico e à de outros AINEs em estudos clínicos de pacientes com artrite reumatoide, espondilite ancilosante, gota e osteoartrite. Suas apresentações são na forma de soluções oftálmicas e adesivos transdérmicos, sendo indicado para o tratamento local de diversas condições que requeiram atividade anti-inflamatória e/ou analgésica. Ibuprofeno O ibuprofeno é um derivado simples do ácido fenilpropiônico, com meia-vida de 2 horas. Ele é adquirido como fármaco de venda livre em baixas doses com vários nomes comerciais (Advil®, Alivium®, Artril®, Capsfen®, Dalsy®, Ibuprofan®, Motrin®, Uniprofen®). Provoca irritação e sangramento gastrintestinal, porém com menos frequência do que com o ácido acetilsalicílico. É contraindicado para indivíduos com pólipos nasais, angioedema e reatividade broncoespástica ao ácido acetilsalicílico. Pode provocar insuficiência renal aguda, nefrite intersticial, síndrome nefrótica e desenvolvimento de hepatite. Indometacina A indometacina (nomes comerciais: Indocin®, Indocid®) é um potente inibidor não seletivo da COX, além de poder inibir a fosfolipase A e C, reduzir a migração dos 39 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II neutrófilos e diminuir a proliferação das células T e B. Suas indicações e seus efeitos colaterais são ligeiramente diferentes dos outros AINEs. Suas principais indicações são para afecções reumáticas, em casos de gota e espondilite ancilosante. O uso de doses mais altas de indometacina promove o aparecimento de reações adversas exigindo a interrupção do tratamento, sendo seus efeitos adversos mais comuns dor abdominal, diarreia, hemorragia gastrintestinal e pancreatite. Pode provocar diminuição do efeito anti-hipertensivo dos fármacos bloqueadores beta-adrenérgicos, captopril e enalapril. Cetoprofeno O cetoprofeno (nomes comerciais: Profenid®, Artrinid®, B-Profenid®, Cetoprofeno®) é um derivado do ácido propiônico, que inibe tanto a COX (de modo não seletivo) quanto a lipoxigenase. Sua meia-vida é de 1,8 horas. É utilizado frequentemente no tratamento da artrite reumatoide, osteoartrite, gota, dismenorreia e outras afecções dolorosas. Seus principais efeitos colaterais afetam o trato gastrintestinal, promovendo constipação, diarreia, dispepsia, náusea, vômito, desconforto abdominal e flatulência, além de afetar também o SNC, promovendo anorexia, cefaleia e tonturas. Cetorolaco O cetorolaco (nomes comerciais: Acular®, Cetrolac®, Softalm®, Neocular®, Optilar®, Terolac®, Toragesic®, Toradol®) é um AINE indicado principalmente como analgésico, e não como fármaco anti-inflamatório, mesmo tendo as propriedades típicas dos AINEs. Sua meia-vida é de 4 a 10 horas. Ele é um analgésico efetivo, utilizado para substituir a morfina em algumas situações que envolvem dorpós-cirúrgica leve ou moderada. Seus efeitos tóxicos são semelhantes aos de outros AINEs, embora a toxicidade renal seja mais comum com seu uso crônico e em associação a outros AINEs. Nabumetona A nabumetona é o único AINE não ácido de uso corrente, convertida no derivado do ácido acético ativo no corpo. Sua meia-vida é de mais de 24 horas, o que permite sua administração na forma de dose única ao dia. Seus efeitos adversos assemelham-se aos dos outros AINEs, porém, muitas vezes, são necessárias doses mais altas. Seu custo é muito alto, devido a isso não é utilizado com frequência. 40 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Naproxeno O naproxeno (nomes comerciais: Flanax®, Naprox®, Naprosyn®) é um derivado do ácido naftilpropiônico. Sua meia-vida é de 14 horas. É indicado principalmente para casos de reumatismo. Além de seus efeitos adversos comuns a todos os outros AINEs, foram observados casos raros de pneumonite alérgica, vasculite leucocitoclástica e pseudoporfiria. Quando administrado em conjunto com o lítio, pode aumentar os níveis sanguíneos desse fármaco e aumentar a toxicidade também. Oxaprozina A oxaprozina (nome comercial Daypro®) é derivada do ácido propiônico, sua principal diferença em relação aos outros membros desse subgrupo reside na sua meia-vida muito longa, de 50 a 60 horas, e por não sofrer circulação êntero-hepática. Ela apresenta os mesmos benefícios e riscos associados a outros AINEs. É potencialmente mais útil no tratamento da gota. Piroxicam O piroxicam (nomes comerciais: Feldene®, Farmoxicam®, Anartrit®, Feldox®, Flamadene®, Inflamene®, Inflanan®, Inflax®, Lisedema®, Piroxene®, Piroxil®) é um inibidor não seletivo da COX e, em altas concentrações, também inibe a migração dos leucócitos polimorfonucleares, diminui a produção de radicais de oxigênio e inibe a função dos linfócitos. Sua meia-vida longa, de 57 horas, permite a administração 1 vez/dia. É utilizado para as indicações reumáticas habituais. Seus principais efeitos colaterais são sintomas gastrintestinais, tontura, zumbido, cefaleia e exantema cutâneo. Quando utilizados em conjunto com betabloqueadores, pode causar diminuição dos efeitos anti-hipertensivos; e, em combinação ao lítio, induz o aumento dos níveis séricos e maior risco de toxicidade por essa droga. Sulindaco O sulindaco é um pró-fármaco sulfóxido. Além de suas indicações semelhantes aos outros AINEs, ele pode suprimir a polipose intestinal familiar, pode inibir o desenvolvimento de câncer de cólon, mama e próstata. Suas reações adversas mais graves são a ocorrência de síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica, trombocitopenia, agranulocitose e síndrome nefrótica. 41 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II Tiaprofeno O tiaprofeno é um derivado do ácido propiônico racêmico que não sofre estereoconversão. Possui uma meia-vida curta de 1 a 2 horas, que pode ser aumentada em indivíduos idosos para 2 a 4 horas. Esse fármaco diminui ligeiramente os níveis séricos de ácido úrico por inibir sua reabsorção renal. Sua eficácia e seus efeitos adversos assemelham- se aos de outros AINEs. Paracetamol O paracetamol (nomes comerciais: Dôrico®, Fervex®, Termol®, Trifen®, Tylenol®, Unigrip®; e disponível em associações como Tandrilax® e Mioflex A®) é um medicamento considerado AINE, entretanto ele possui baixo poder anti-inflamatório, mas alto poder analgésico e antipirético, além disso, possui menos efeitos colaterais gastrintestinais que os demais AINEs listados anteriormente, isso se deve a sua ação preferencial sobre a isoenzima COX-3 em relação às demais isoformas, lembrando que essa isoforma está presente em tecidos cerebrais e coração, e não se encontra no trato gastrintestinal como as demais. Estudos indicam que a isoenzima COX-3, presente principalmente no hipotálamo, centro regulador térmico, é muito sensível a analgésicos e antitérmicos que tenham baixa atividade anti-inflamatória, que é o caso do paracetamol, além disso, seus efeitos analgésicos ocorrem com doses mais baixas do que as necessárias para inibir uma inflamação (CHANDRASEKHARAN et al., 2002). Além de sua inibição preferencial pela isoenzima COX-3, seus efeitos analgésicos e antipiréticos se devem principalmente aos metabólitos obtidos após metabolização do paracetamol no fígado. Em sua metabolização inicial, é convertido em para-aminofenol, que, por sua vez, sofre conjugação intracelular com o ácido araquidônico pela ação da amino-hidrolase do ácido graxo no sistema nervoso central, gerando o N-araquidonoil- fenolamina, mais conhecido como N-acilfenolamina ou AM404. Esse último metabólito promove o aumento da concentração do endocanabinoide anandamida, e potencializa seus efeitos fisiológicos analgésicos (como explicado na sessão de dor anteriormente). Além de suas ações analgésicas, a anandamida também tem ações antipiréticas por ação em receptores canabinoides tipo 1, que são receptores acoplados a proteínas Gi presentes no hipotálamo (MÜHLBAUER, 2016). Dipirona A [(2,3-dihdro-1,5-dimetil-3-oxo-2-fenil-1H-pirazol-4-il) metilamino] metanosulfonato, ou dipirona, cuja fórmula química está apresentada na Figura 10, é um analgésico, antipirético e anti-inflamatório sintético, utilizado em larga escala em diversas composições farmacêuticas, 42 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS recebendo diversos nomes comerciais (Anador®, Baralgin M®, Conmel®, Magnopyrol®, Maxiliv®, Novalgina®). Seus efeitos ocorrem em função da dosagem empregada: » baixa dosagem (10 mg/Kg): grande efeito antipirético; » mediana dosagem (15 a 30 mg/Kg): grande efeito analgésico; » alta dosagem (>50 mg/Kg): efeito antiespasmódico e anti-inflamatório. Figura 10. Fórmula química da dipirona. ([(2,3-dihdro-1,5-dimetil-3-oxo-2-fenil-1H-pirazol-4-il)metilamino] metanosulfanato) ou dipirona Fonte: Vale (2011). Em ratos, foi verificado que doses muito elevadas (200 mg/Kg) apresenta também efeito anticonvulsivante. Estudos indicam que a dipirona controla a hiperalgesia decorrente da lesão tecidual, por ativação dos canais de potássio sensíveis a ATP e por inibição da ativação da adenilciclase por substâncias hiperalgésicas como por bloqueio direto do influxo de cálcio no nociceptor, também contribui a interferência de uma via arginina- óxido nítrico/GMPc/proteino cinase G/canais de K+ ATP sensíveis ao ATP (bloqueio da enzima NO-sintase). Como anti-inflamatório, por ser um AINE não seletivo, ela bloqueia as isoenzimas COX-1 e COX-2, levando à redução da síntese de PGs (VALE, 2011). Existem ainda indícios de que a dipirona cause analgesia central através da inibição da COX-3, principalmente no hipotálamo, devido a seus dois metabólitos: a 4-metil- amino-antipirina (4-MAA) e a 4-amino-antipirina (4-AA). Alguns estudos atribuem à dipirona ação sobre áreas talâmicas, sobre o núcleo magno da rafe no bulbo, sobre a substância periaquedutal cinzenta e no corpo dorsal espinhal, por meio da ativação de circuitos opioidérgicos, pois foi verificada uma ação reversível pela naloxona, um antagonista de receptores opioides (VALE, 2011). A maioria dos países do hemisfério norte como a Suécia, os Estados Unidos, a Austrália e o Japão não utilizam mais esse medicamento devido à toxicidade associada à agranulocitose (suspensão da formação de glóbulos brancos, principalmente os granulócitos) que pode ocorrer com seu uso. Entretanto, aqui no Brasil, ele é utilizado 43 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II em larga escala, pois o que se alega é que esse efeito tóxico não é intenso, mesmo em comparação com outros fármacos. A partir de 1980, foi realizado o International Study on Agranulocytosis and Aplastic Anemia (IAAAS), no qual se verificou a real incidência da agranulocitose na população. O estudo demonstrou que é uma doença extremamente rara, com uma incidência de 3,4 novos casos por milhão de habitantes por ano, independentemente da utilização ou não da