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BEBIDAS E HARMONIZAÇÕES Luciana Leite de Andrade Lima Arruda Zitogastronomia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir o conceito de zitogastronomia. � Descrever os três tipos de combinações possíveis na zitogastronomia. � Fornecer harmonizações possíveis para diferentes estilos de cerveja. Introdução A cerveja é uma bebida conhecida há séculos pela humanidade. Contudo, sempre foi vista como alimento, em virtude do seu potencial nutritivo, ou como a bebida das massas populares, por ter preço baixo no mercado. Desse modo, as barreiras impostas à cerveja para a entrada no mercado gastronômico são muito fortes. A existência de uma carta de cervejas em um restaurante é uma ideia tão improvável quanto exótica, na maioria dos países. Entretanto, tão versáteis quanto o vinho, as cervejas estão abrindo caminho para exibir todo o seu potencial no mercado gastronômico. A cerveja, com uma grande variedade de estilos, apresenta variações de aromas, gostos, sabores, texturas, carbonatação, corpo e teor alcoólico, variações estas fundamentais para combinações harmônicas com pre- parações gastronômicas. Neste capítulo, você estudará sobre a zitogastronomia. Além disso, conhecerá as técnicas para harmonizações de preparações gastronômicas com cervejas. Por fim, verá exemplos de combinações em função do estilo de cada cerveja. 1 Conceito O conceito de zitogastronomia está ligado à harmonização de preparações gastronômicas com cervejas. O termo em latim zythum significa bebida fermen- tada de cevada germinada. A combinação harmônica de alimentos e bebidas constitui um tema complexo, pelo fato de envolver percepções sensoriais, subjetivas e de difícil consenso, alteradas por questões fisiológicas, psicológicas e sociais. Além disso, os fatores externos, tanto os controlados como os não controlados, poderão interferir na experiência de forma positiva ou negativa. São exemplos desses fatores: temperatura e ruídos do ambiente, atmosfera do local, música, sequência e apresentação das preparações, serviço da bebida e qualidade da bebida e dos ingredientes. As harmonizações entre alimentos e bebidas envolvem todos os sentidos e são experiências que podem variar da indiferença ao inusitado, da frieza ao encantamento (MORADO, 2009). A percepção sensorial é uma experiência individual, de modo que pessoas diferentes sentirão aromas, sabores e texturas diferentes e nem sempre per- ceberão tudo o que a preparação ou bebida tem a oferecer. Nos restaurantes, a zitogastronomia é estudada para ofertar uma experiência gastronômica completa, porém a grande maioria dos clientes perceberá apenas parcialmente essas combinações. Entretanto, alguns conceitos e percepções são universais para especialistas e leigos, ou seja, existem harmonizações com cerveja que trazem sensações marcantes, facilitando a percepção. As cervejas são indicadas para acompanhar preparações com a presença de molho cremoso, preparações com ovos, vinagretes (preparações ácidas), chocolate e bolos com especiarias, grelhados e frituras. As preparações com sabores intensos e com boa persistência necessitarão de uma cerveja também marcante na harmonização (MORADO, 2009). Zitogastronomia2 Em suma, a harmonização pode ser entendida como a percepção pessoal dos elementos que estão sendo harmonizados, do ambiente e das pessoas que estão próximas. É uma percepção subjetiva do gostar e do não gostar, tendo o indivíduo como elemento de trabalho para a criação de novas experiências significativas. A zitogastronomia realiza combinações com cervejas, desde comidinhas rápidas a refeições completas. Muitas vezes, serão encontradas combinações que são maravilhosas, e outras vezes, terríveis, mas aquelas que foram boas trarão desafios na busca por algo melhor e por experiências agradáveis (HERZ; CONLEY, 2015). A zitogastronomia busca uma avaliação sensorial com descrição mais aprofundada da cerveja, bem como das preparações. Como a harmonização de alimentos e bebidas envolve interações complexas de todos os sentidos, alguns termos sensoriais precisam ser entendidos, como os listados a seguir (HERZ; CONLEY, 2015; MORADO, 2009). � Flavor: é a interação entre aromas, gostos básicos e percepções bucais químicas e físicas (HERZ; CONLEY, 2015). � Aroma: é um conjunto de moléculas voláteis que são percebidas pelo bulbo olfatório por meio da retenção durante a inspiração, sendo estas responsáveis por mais de 80% do flavor. O aroma envolve os odores detectados pelo nariz, conhecidos como ortonasais, e os percebidos pela boca, conhecidos como aromas retronasais. Na percepção da harmoni- zação entre alimentos e bebidas, existe uma forte percepção aromática de todo o flavor presente, proporcionada por centenas de moléculas voláteis (aromáticas) (DUTCOSKY, 2013; HERZ; CONLEY, 2015). O aroma é o início do sabor, pois as papilas gustativas só percebem os gostos básicos, ao passo que a cavidade bucal tem as percepções tácteis. 3Zitogastronomia � Gostos básicos: os gostos básicos conhecidos são doce, salgado, ácido, amargo e umami (o quinto sabor descoberto pelos japoneses, a união perfeita de doce, ácido, amargo e salgado). Eles possuem células ner- vosas receptoras na língua (papilas gustativas) e são utilizados na construção da combinação entre alimentos e bebidas. A identificação dos gostos básicos contribui para o estabelecimento de conjuntos de cerveja e preparação mais harmônicos (DUTCOSKY, 2013; HERZ; CONLEY, 2015). � Percepções bucais: são provocadas por alimentos e bebidas e sentidas na língua e na cavidade bucal, por meio de ações químicas e físicas. Em geral, essas sensações apresentam forte impacto na percepção dos aromas e dos gostos básicos, que irão compor todo o flavor, principal- mente o da cerveja. As principais percepções bucais para alimentos e bebidas são: crocante, macio, áspero, liso, pegajoso, cremoso, viscoso, adstringente, oleoso, picante, espinhoso, leve, encorpado, quente, frio, rugoso, alcalino, ácido, aveludado, pulverulento, salino, alcoólico, mastigável, grosso, seco e carbonatado (HERZ; CONLEY, 2015). � Intensidade: para alimentos e cervejas, é um elemento capaz de men- surar percepções básicas, tais como: álcool, amargor, acidez, corpo, gordura, entre outros. Por meio de treinamento e atenção, é possível identificar diferenças de intensidade dos diversos parâmetros. Essa ferramenta é um caminho para perceber a quantidade ou a hierarquia dos aspectos (p. ex., flavor) e das combinações (HERZ; CONLEY, 2015). A percepção sensorial ocorre por meio dos sentidos, e existem vários sensores que possibilitam que o organismo perceba, interprete e responda ao estímulo. Nessa sequência de ações, os órgãos dos sentidos são receptores, as células nervosas são o canal de transmissão e o cérebro, que receberá a informação, processará e responderá ao estímulo. É evidente que o treina- mento sensorial e as condições externas interferem no comportamento desse complexo sistema de informações, mas é dessa forma que as combinações são percebidas (DUTCOSKY, 2013). O gosto pessoal e as experiências gastronômicas individuais geram pos- sibilidades mais ou menos harmônicas. Entretanto, a realização de estudos utilizando conceitos da zitogastronomia é importante para conduzir o cliente a experiências positivas. Além disso, para aprender mais sobre harmonização, é preciso testar fora das convenções preexistentes, ou seja, o desconhecido pode ser uma chave para a inovação (HERZ; CONLEY, 2015). Essas novas Zitogastronomia4 possibilidades devem seguir três princípios básicos (HERZ; CONLEY, 2015) listados a seguir. 1. Para ter maior poder de descrição das percepções harmônicas e desar- mônicas, faz-se necessário ampliar o vocabulário, visto que descrever o que se come e bebe como bom ou ruim não contribui para entender e estabelecer as combinações. 2. A sensibilidade das pessoas aos estímulos sensoriaissofre variações, ou seja, cada indivíduo consegue perceber diferenças nas combinações químicas em níveis diferentes. Dessa forma, não existem erros ou acertos nas avaliações sensoriais, inclusive nas harmonizações, pois todas as percepções e interpretações das combinações, além de subjetivas, são pessoais. 3. As tradições têm espaço nas harmonizações e devem ser consideradas como referências para opções mais criativas e inovadoras. Quando muitas das harmonizações tradicionais foram estabelecidas, existiam limitações de estilos de cervejas e tipos de preparações em cada re- gião, e o intercâmbio de informações com outras regiões era lento ou inexistente. Todavia, a culinária mundial avançou muito em técnicas, equipamentos, utensílios, ingredientes e trocas culturais, e o mesmo vem ocorrendo com as cervejas, possibilitando ir além da aplicação de combinações tradicionais. Quanto mais os clientes são expostos a novas experiências sensoriais, maior é o interesse deles em descobrir novas possibilidades de harmonizações. De acordo com Beek et al. (2005), as propostas de harmonizações em um restaurante devem apresentar possibilidades excepcionais e, em sua maioria, medianas; ou seja, comercialmente, as melhores harmonizações serão perce- bidas nas preparações de maior destaque na casa, ao passo que as outras serão harmonizações satisfatórias. O estudo para determinar o ponto de equilíbrio deve levar em consideração as cervejas que constam no cardápio, a faixa de preço das preparações, o valor do consumo médio e o grau de exigência do público-alvo do estabelecimento. 5Zitogastronomia O conhecimento dos elementos da cerveja que podem ser combinados reforça a zitogastronomia. Dessa forma, se a cerveja for compartimentada em função dos seus ingredientes (malte de cereais, lúpulo, água e levedura), é possível obter esse conhecimento e estabelecer combinações com preparações gastronômicas (HERZ; CONLEY, 2015). Confira, a seguir, quais são esses elementos. Malte de cevada e outros cereais Segundo Herz e Conley (2015), o malte de cereais é, basicamente, a fonte de açúcar para o mosto que será fermentado. O cereal utilizado pode sofrer fortes variações durante esse processo: alguns grãos podem ser maltados e outros não, e o próprio processo de maltagem pode fazer o mesmo cereal ter características diferentes ao fim da maltagem. Na maioria das vezes, o mosto cervejeiro é composto por um malte-base, para fornecer açúcares fermentes- cíveis, e um malte especial, com grãos selecionados, para as características de cor e flavor da cerveja. As diferenças aromáticas e de flavor entre os tipos de grãos são muito sutis, porém são intensificadas nas etapas de secagem e torrefação da maltagem. Como base da cerveja, o malte contribui substancialmente para a com- plexidade aromática da cerveja e para o flavor e o sabor. Os maltes claros apresentam notas de crosta de pão torrada, bolacha e biscoito, ao passo que os maltes escuros apresentam nozes assadas, torrada queimada, café torrado, chocolate amargo, carvão e charuto. Os maltes caramelo, por sua vez, estão entre os claros e os escuros, e as notas de aroma e flavor também são interme- diárias — caramelo, caramelizado, açúcar queimado, melaço, castanhas, toffee, pão doce e mel. Por fim, os maltes especiais apresentam características únicas, tais como fumaça, madeira e turfa (HERZ; CONLEY, 2015; OLIVER, 2012). Cevada e trigo são os principais cereais que compõem o malte da maioria das cervejas, e ambos apresentam aromas mais frutados e gosto adocicado; quando maltados, apresentam sabor mais encorpado. A percepção do gosto doce é resultado dos açúcares do malte não fermentados pelas leveduras (OLIVER, 2012). Zitogastronomia6 Para a zitogastronomia, conforme destacam Herz e Conley (2015), é im- portante perceber o amplo espectro das notas aromáticas, os gostos básicos e de flavor do malte e como realizar combinação com os diferentes alimentos. A exemplo dos aromas de caramelo, toffee, amêndoas torradas e chocolate, que são semelhantes aos encontrados em molhos doces (barbecue) e sobremesas (torta de nozes e bolo de banana, maçã e canela), e dos maltes especiais, com aromas de fumaça e carvão, que apresentam ligação com carnes grelhadas. Lúpulo O lúpulo é uma flor rica, principalmente em lupulina, que confere amargor, flavor e aroma à cerveja. Existem espécies de lúpulo com maior intensidade de amargor e outras com maior potencial aromático. A intensidade de amar- gor é mensurada pela International Bitterness Units (IBU), em escala com variação de 0 a 100, ou relacionada à concentração de alfa e beta-ácidos no lúpulo. Os lúpulos de amargor são adicionados ao mosto no início da fervura, e o amargor na cerveja será diretamente proporcional ao tempo de fervura do lúpulo. A intensidade e o tempo de permanência do amargor na cavidade bucal depende do tipo de lúpulo, visto que alguns têm um ataque intenso de amargo e perdem parte da intensidade rapidamente e outros trazem o gosto amargo de forma mais permanente (HERZ; CONLEY, 2015; OLIVER, 2012). Como explicam os autores, a complexidade aromática da cerveja conta com a contribuição dos lúpulos aromáticos, adicionados na etapa final da fervura ou ao término da dry hopping para a preservação de características de aroma e flavor. Além disso, são formados ésteres quando os ácidos carboxílicos reagem com o etanol, proporcionando aromas e sabores frutados, tais como banana e frutas tropicais. Em termos aromáticos, o lúpulo promove aromas frutados (maçã, pera, manga e abacaxi), cítricos (laranja, limão e grapefruit) e vegetais (folhas, gramínea, feno, resina, floral, pinho e madeira) de qualidade à cerveja. Além disso, existem lúpulos com características específicas, tais como groselhas escuras, chá herbáceo, terra e tabaco. O lúpulo contribui com as harmonizações com surpreendente sinergismo com frutas, ervas e especiarias nas preparações. Em combinação com o amar- gor da preparação, as cervejas podem potencializar ou contrastar esse gosto. Além disso, na zitogastronomia, é possível considerar também a utilização de lúpulos especiais, que apresentam aromas e sabores específicos, a exemplo do cogumelo, da fumaça e do defumado (HERZ; CONLEY, 2015). 7Zitogastronomia Leveduras As leveduras são microrganismos simples e essenciais para o processo de fermentação, pois convertem açúcares redutores em etanol, gás carbônico e compostos secundários. O gênero de levedura mais utilizado é a Saccha- romyces — nas cervejas Ale e Lager — e a Brettanomyces — na elaboração de cervejas Lambic —, com características sensoriais diferenciadas entre as cervejas (HERZ; CONLEY, 2015; MORADO, 2009). O etanol e o gás carbônico são responsáveis por sensações tácteis na cavi- dade bucal de aquecimento e efervescência, respectivamente. Os compostos secundários são os principais responsáveis pelos aromas e flavors. Em função da levedura utilizada, podem ser criadas moléculas voláteis, com percepção de banana, maçã, pera, anis, pimenta, chiclete, amendoim caramelizado, limão e frutas tropicais (abacaxi e manga), além de aromas e flavors diferenciados, tais como terra, umidade, pão e amêndoas (HERZ; CONLEY, 2015). Na zitogastronomia, segundo Herz e Conley (2015), o tipo de levedura utilizado na elaboração da cerveja é importante, pois pães e produtos de panificação são produzidos com leveduras, facilitando as combinações. Já as leveduras com notas picantes podem ser utilizadas para contrastar ou com- plementar características da preparação. Por exemplo, cervejas com elevada concentração de ésteres frutados combinam com notas amendoadas de carnes grelhadas. Existem, ainda, as características sensoriais da cerveja, que só são percebidas quando potencializadas por preparações; ou seja, a zitogastronomia consegue explorar percepções inexistentes quando apenas se aprecia a cerveja. Aromas e flavors indesejados de oxidação e redução, tais como maçã- -verde,manteiga queimada, enxofre, solvente e caixa de papelão, quando em baixas concentrações, não são percebidos na degustação da cerveja, nem na harmonização. Dessa forma, só são considerados defeitos quando acidental- mente são potencializados e passam a ser percebidos, o que pode ser evitado com estudos de harmonização (DUTCOSKY, 2013; HERZ; CONLEY, 2015). A Brettanomyces é uma levedura que contribui com notas de terra, algodão-doce, manteiga, fumaça, pelo de cavalo, soro de leite, azedo e pútrido. O pútrido é provocado pelo ácido butírico produzido pela levedura. Zitogastronomia8 Água Segundo Herz e Conley (2015), o elevado percentual de água na cerveja (85–95%) faz a composição química da água ter uma grande contribuição no sabor da cerveja. A presença de minerais (cálcio, magnésio, sódio, zinco e potássio) e íons (sulfatos, cloretos e bicarbonatos) contribuirá para o sabor final da cerveja. A água pode interferir de duas formas nas percepções sensoriais da cerveja, as quais devem ser consideradas nas propostas de harmonização: pelas sensações bucais (preenchimento da cavidade e adstringência) e percepções de gostos básicos (amargor e doçura) e pela amplificação ou supressão dos efeitos do malte e/ou do lúpulo durante a fermentação. Outros ingredientes As cervejarias têm aprimorado a criatividade com o uso de vários ingredien- tes especiais em suas receitas, como fontes não convencionais de açúcares (mel, agave, açúcar, açúcar queimado e melaço), frutas (cereja, pera, pêssego, framboesa, maçã e maçã-verde), ervas e especiarias (cardamomo, gengibre, pimenta, baunilha, casca de frutas cítricas, coentro, sementes de coentro, cacau e lavanda) e vegetais (abóbora, pepino e batata-doce) (HERZ; CONLEY, 2015). Para a zitogastronomia, ainda segundo os autores, quando a cerveja possui ingredientes não convencionais, ela pode ser harmonizada, com segurança, com preparações que contenham o mesmo ingrediente. No entanto, existem combinações que enaltecem demasiadamente um elemento que pode causar desconforto na cavidade bucal. Um bom exemplo disso são as cervejas com gengibre e preparações que contenham gengibre. Nesse caso, as moléculas de gingerol, presentes no gengibre, intensificam o flavor e a sensação de picância, e, após um certo tempo, a percepção do gengibre se sobressai aos demais elementos. Outros ingredientes, quando presentes na cerveja e na preparação, também podem ser comparados, com maior ou menor intensidade, à percepção do gengibre, tais como baunilha, café, pimenta e ervas e especiarias de aroma muito intenso. As cervejas com ingredientes dominantes podem ser combinadas com preparações que tenham um elemento diferente em maior intensidade, como caramelo doce e assado. A zitogastronomia compreende um estudo muito complexo da cerveja, considerando os diferentes estilos de cervejas e preparações, para que as combinações propostas possam ser experiências positivas para os clientes. 9Zitogastronomia 2 Combinações técnicas na zitogastronomia Em virtude de a cerveja apresentar uma variação considerável de aromas e sabores, carbonatação, amargor e teor alcoólico, é possível realizar combi- nações com ingredientes intensos, tais como ovos, pimentas, queijos, carnes defumadas, peixes defumados, gengibre, curry, chocolate, abacate, alho, molho vinagrete, espinafre, alcachofra, aspargos e culinárias diversas — mexicana, tailandesa, indiana, japonesa e chinesa. As cervejas de trigo leves e refrescantes são boas combinações para preparações com ovos ou ovos cozidos. Por exemplo, a Ale belga, condimentada com preparações com pimenta, gengibre, cominho e curry, e a Imperial Stout, com sabores de chocolate e café, harmonizam com sobremesas de chocolates (MORADO, 2009; OLIVER, 2012). Segundo Herz e Conley (2015), a escolha de uma cerveja para acompanhar uma preparação segue alguns princípios básicos: � determinação do sabor dominante da preparação e escolha de uma cerveja que harmonize com ele; � seleção de uma cerveja que equilibre os sabores marcantes da preparação; � escolha de cerveja mais doce do que a preparação, quando esta for adocicada ou doce; � identificação de cervejas complexas, que harmonizem com pratos tão complexos quanto; � busca por combinações regionais entre preparações e cervejas. As características sensoriais da bebida, a ordem de ingestão, o aroma dominante e a experiência do cliente com a construção do sabor e a harmo- nização de alimentos/bebidas influenciam na classificação das combinações positiva ou negativamente. Sendo assim, apesar de existirem harmonizações clássicas bem estabelecidas, esse universo é dinâmico, e novas combinações são propostas para se adequar às preferências e às necessidades do consumidor (SPENCE; WANG; YOUSSEF, 2017). As experiências sensoriais devido a harmonizações entre cervejas e prepa- rações podem ser positivas ou negativas, sendo ideal ter na memória momentos inesquecíveis, por serem agradáveis e possíveis de serem repetidos. Na busca por combinações memoravelmente agradáveis, faz-se necessário conhecer os elementos (cerveja e preparação), para que seja possível alcançar um maior número de acertos harmônicos. A zitogastronomia apresenta três formas de perceber e classificar a experiência gastronômica proporcionada pelas com- binações, listadas a seguir, conforme Herz e Conley (2015). Zitogastronomia10 � Extraordinária: nessa categoria da zitogastronomia, tanto a cerveja como a preparação são melhoradas, ou seja, a combinação desses dois elementos produz efeitos sensoriais muito melhores do que quando estão separados. Apesar da dificuldade de serem estabelecidas, essas combinações agregam mutilo valor ao serviço de cervejas e trazem experiências diferenciadas. Exemplos clássicos são: Dubbel belga e molho barbecue e Stout chocolate e bolo de chocolate. � Meio-termo: nesse caso, as combinações são intermediárias em termos de percepção sensorial. Na zitogastronomia, essas são as harmonizações comuns, utilizadas diariamente sem grandes pretensões de sensações. Ou seja, a cerveja não realça nem diminui as percepções sensoriais da preparação. Os elementos — cerveja e preparação — possuem seus espaços sensoriais quando estão juntos, mas não serão lembrados ou mencionados como uma experiência sensorial diferenciada; ou seja, representam o cotidiano: comer e beber. � Desastre: nesse tipo de harmonização, existe um choque entre os ele- mentos da preparação e da cerveja quando estão juntos na cavidade bucal. Nessa classificação, a zitogastronomia identifica o que não proporciona experiências sensoriais agradáveis, já que a junção dos elementos da cerveja e da preparação apresenta sabores menos desejáveis do que quando estão separados. Essas percepções são semelhantes ao que sentimos quando misturamos limão com leite ou queijo Brie com cerveja ácida, pois produzem sabores desagradáveis para a maioria dos consumidores, que, às vezes, não conseguem dizer por que não gostam. Essas observações devem ser utilizadas para construir harmonizações positivas na zitogastronomia. A baunilha não é doce, porém está associada à doçura, pelo fato de ser utilizada constantemente como ingrediente em preparações com essa característica. 11Zitogastronomia Os principais modelos de interação são similaridade, contraste e comple- mento, porém existem outros modelos que dão suporte à zitogastronomia. Seguir esses modelos facilita criar uma combinação adequada entre a cerveja e a preparação, os quais podem ser adotados para interpretar o que acontece e descrever, corretamente, as percepções da experiência zitogastronômica. Similaridade É a identificação de afinidades e ligações entre o sabor dos ingredientes de cada cerveja e da preparação; ou seja, os ingredientes não possuem o mesmo sabor, mas, ao se juntarem, estabelecem ligações de afinidade entre eles. Apesar de apresentarem uma grande variação, esses elementos individuais fazem parte da percepção total, ea similaridade estabelecida entre os ingredientes da cerveja e da preparação pode ser harmônica (HERZ; CONLEY, 2015; SPENCE; WANG; YOUSSEF, 2017). Conforme Herz e Conley (2015), alguns grupos de sabores semelhantes são utilizados como ponto de partida na busca por afinidades, como os listados a seguir. � Fumaça: bacon, madeira nobre, lenha queimada e molho barbecue. � Tubérculos: beterraba, inhame, cenoura e batata. � Herbáceas: grama, feno e folhas de chá. � Frutas tropicais: goiaba, maracujá, manga e mamão. � Frutas com caroço: pêssego, nectarina e damasco. � Ervas pungentes: gengibre, mostarda e canela. � Pimentas: pimenta-da-Jamaica, pimenta-do-reino e pimenta-serrana. � Amêndoas: avelã, pistache, castanha e pinhão. As notas de frutas tropicais da American IPA apresentam harmonização complementar com o molho de salsa e abacaxi, utilizado em uma carne grelhada. Zitogastronomia12 Contraste Esse modelo de harmonização ocorre quando elementos da cerveja e da pre- paração possuem atributos de flavor opostos, que, juntos, proporcionam novas sensações. A diferença entre eles pode ressaltar ou suprimir a intensidade de cada um. Esse modelo é mais comum em elementos de gosto básico do que na predominância dos elementos aromáticos (HERZ; CONLEY, 2015; SPENCE; WANG; YOUSSEF, 2017). O amargor da American IPA contrasta com a doçura de um cheesecake, porém, nesse caso, existe uma diminuição de intensidade dos dois elementos. Já a combinação de uma cerveja amarga com uma preparação picante enfatiza o amargor e a picância, de modo que as percepções são intensificadas. Complemento Ocorre quando a cerveja e a preparação apresentam elementos de flavor se- melhantes, sendo um complementar ao outro. Em geral, essas harmonizações intensificam as ligações entre os elementos e a percepção destes, ajudando a criar uma experiência completa (HERZ; CONLEY, 2015). Balanceado Nesse modelo, segundo Herz e Conley (2015), ocorre uma potencialização de alguns elementos de flavor da cerveja e da preparação, porém sempre mantendo um equilíbrio entre eles. Ou seja, dois elementos de flavor podem se complementar ou contrastar, porém com uma intensidade de percepção similar entre eles. 13Zitogastronomia Eliminação e atenuação Esse modelo de combinação ocorre quando uma característica diminui a outra; ou seja, a união dos elementos promove a diminuição de sensações e percepções sensoriais, tornando mais difícil identificar a característica original da cerveja ou da preparação. A eliminação ocorre frequentemente com carbonatação e acidez da cerveja. Por exemplo, uma cerveja muito carbonatada (Triple Belgian) pode eliminar muito as notas aromáticas lácteas de um creme de queijos, deixando que os flavors de amêndoas e terrosos sejam percebidos; ou, ainda, a eliminação da acidez de picles por uma cerveja ácida, como a Belgian Weisse. No caso da atenuação, a intensidade pode variar, podendo ter apenas um efeito amenizador, como quando uma cerveja doce suaviza a ardência da capsaicina em uma preparação com pimenta (HERZ; CONLEY, 2015). Quebra da percepção O modelo de harmonização por quebra da percepção ocorre quando a cerveja ou a preparação promovem uma interrupção nas sensações. Essa interrupção pode ocorrer no meio da refeição, para descanso do palato, e pode incluir, por exemplo, o serviço de cervejas leves e refrescantes entre preparações (HERZ; CONLEY, 2015). 3 Harmonizações com diversos estilos de cervejas A multiplicidade de preparações culinárias, a diversidade de sabores dos ali- mentos e a extrema variedade de estilos de cervejas fazem a zitogastronomia (i.e., a combinação de cervejas e preparações) ser um assunto complexo e controverso. Apesar de existirem algumas combinações que são consagradas pelo simples motivo de agradarem à maioria das pessoas que as experimentam, a compatibilização cerveja–preparação é, antes de tudo, uma questão de gosto pessoal. A harmonização está consolidada com componentes de percepção sensorial do paladar (gostos básicos e percepções gustativas) e do olfato (aromas e sabores), e deve considerar uma regra básica da harmonização, seguida muitas vezes empiricamente: peso do prato igual ao peso da cerveja, conferindo sempre equilíbrio entre preparação e cerveja (HERZ; CONLEY, 2015; OLIVER, 2012; SPENCE; WANG; YOUSSEF, 2017). Zitogastronomia14 Para Herz e Conley (2015), uma das melhores bases para se estabelecer harmonizações é provando, ou seja, testando cervejas e preparações e buscando descrever as principais características sensoriais percebidas. É importante ressaltar que as percepções sensoriais são individuais e estão relacionadas com as capacidades fisiológicas humanas de perceber e sentir. As percepções sensoriais descritas a seguir estão relacionadas com as características das cervejas (OLIVER, 2012). � Aroma: as possibilidades aromáticas de uma boa cerveja são respon- sáveis pela versatilidade da bebida em relação às combinações com preparações. Essas possibilidades incluem, por exemplo, aromas florais (Pilsen), frutado (Pale Ale inglesa), cítrico (Pale Ale americana e de trigo belga), lupulado (India Pale Ale — IPA), herbáceo (Triple belga), toffee (Block) e café (Stout). Um prato finalizado com uma redução de acetato balsâmico (ácido e aromático) pode ser harmonizado com uma Dubbel belga, que apresenta acidez e aroma de uvas-passas. � Carbonatação: os estilos de cervejas apresentam variações de tipo e nível de carbonatação. Ao degustar uma cerveja, o gás carbônico presente, responsável pela carbonatação, oferece uma sensação de refrescância, concentra aromas, amargor e acidez (base da combinação com as preparações) e limpa o palato, pela remoção de sabores fortes. O efeito de limpeza do palato favorece a harmonização de preparações com ovos, queijos e chocolates, que são capazes de interferir e ser retidos nas papilas gustativas. As cervejas menos carbonatadas são as Ale inglesas tradicionais com segunda fermentação em barris para a retenção do gás carbônico. � Sabor: está diretamente relacionado com a complexidade aromática da cerveja, visto que o sabor é uma junção de gostos básicos, aromas e sensações bucais. Acidez, amargor e doçura são os gostos básicos mais importantes da zitogastronomia. 15Zitogastronomia Cervejas secas, refrescantes (toque ácido), com sabores de frutas cítricas e amargor estimulante são importantes para harmonizações com preparações untuosas, ácidas e picantes, a exemplo da culinária tailandesa. As cervejas com menos acidez, baixo amargor e com sabores empireumáticos (café, chocolate, caramelo e toffee) e de frutas negras (ameixa e uva-passa) harmonizam com preparações mais pungentes e terrosas, como cogumelos, trufas e peixes de água doce. Além destas, pode-se considerar as cervejas que apresentam sabores herbáceos, derivados do lúpulo, que harmonizam com preparações com alho, vegetais folhosos e ervas frescas e fortes, a exemplo do molho pesto. A doçura, uma característica natural da maltagem perceptível na cerveja, é combinada com a caramelização obtida em processos de cocção com grelhar e assar. Cervejas moderadamente doces podem combinar com sobremesas, principalmente quando a doçura está associada a sabores empireumáticos. O estilo da cerveja fornece toda a informação inicial com relação às suas características, tais como aroma, sabor, teor alcoólico, corpo e carbonatação, apesar de existirem variações dentro de um mesmo estilo de cerveja. O co- nhecimento das características da cerveja contribuirá para a harmonização com as preparações, promovendo o equilíbrio entre a bebida e a preparação (HERZ; CONLEY, 2015; OLIVER, 2012). Ale As cervejas Ale são divididas conforme a seguir (HERZ; CONLEY, 2015; OLIVER, 2012). � Weissbier: cerveja de trigo alemã com acidez equilibrada, suavidade, doçura, boa carbonatação, complexidade de aromas frutados e amargor leve. Além disso, as leveduras produzem, com intensidades diferen-tes, aromas e sabores de cravo-da-índia, banana, goma de mascar, fumaça, maçã-verde e baunilha durante a fermentação, e aromas e sabores terrosos e de frutas secas quando permanecem na garrafa. Essas características proporcionam uma versatilidade nas harmoniza- ções. Por exemplo, como as preparações mexicanas limpam o palato da untuosidade do abacate e do queijo pela acidez e a carbonatação, elas têm complexidade para os amidos do feijão e do arroz, ao passo que a doçura do malte, a acidez e a complexidade de sabores e aromas equilibram temperos (cominho, coentro e urucum) e pimentas fortes. Zitogastronomia16 As preparações tailandesas, cuja essência está no frescor e no equilíbrio entre acidez, doçura, salgado e pungência, e as indianas, baseadas em lácteos e pungência, harmonizam bem com a refrescância, a doçura, a acidez e a complexidade de aromas e sabores da cerveja. Outra boa combinação é com a vivacidade, a riqueza de sabores e a leveza da culinária mediterrânea. Nesse caso, as Weissbier conseguem realçar cada sabor com a sua acidez e complementar percepções com a sua complexidade. Frutos do mar e crustáceos harmonizam bem com a doçura residual da cereja, que realça os sabores característicos. Para as carnes vermelhas, a cerveja pede molhos e temperos mais suaves e frutados. A fritura desenvolve sabores caramelizados, que combinam com a proposta aromática da cerveja, e a untuosidade dessa forma de cocção é quebrada pela acidez. � Witbier: cerveja de trigo no estilo belga, com malte de cevada e trigo e condimentada com sementes de coentro e casca de laranja, apresenta alta carbonatação, notas aromáticas cítricas e condimentadas, amargor, acidez, doçura e sabores cítricos e frutados. Com saladas e molho vina- grete, tem uma harmonização que realça os ingredientes da preparação. Bacon e embutidos também são excelentes opções de combinação, devido à acidez marcante da cerveja. Peixes untuosos temperados com limão, como o salmão, são opções que combinam por similaridade com aromas e sabores cítricos da cerveja. Preparações mexicanas e indianas também são boas opções, em virtude da similaridade entre aromas e sabores — cítricos e coentro, este último também tem boa interação com outros temperos, como cominho e urucum. � British Pale Ale e Indian Pale Ale: cervejas carbonatadas, com aromas terrosos e frutados, amargor extremamente pronunciado, ambos do lúpulo, maltes robustos e teor alcoólico mínimo de 6% v/v (volume por volume). A carbonatação e o teor alcoólico são as principais referências para harmonizações. As British Pale Ale apresentam combinação com a suculência das carnes grelhadas — bovina, suína e ovina —, e o exsudato proteico e a caramelização são os elementos que trazem a combinação com a cerveja. A carbonatação presente nessas cervejas possibilita a interação com preparações condimentadas e picantes, e os sabores lupulados são complementados pelos temperos (coentro, cardamomo e curry). Também apresentam harmonização por carbonatação, amargor e potencial aromático com sanduíches (rosbife, presunto, frios italianos e hambúrguer), salsichas e linguiças com mostarda picante. 17Zitogastronomia � Porter: cerveja Ale escura e encorpada, com características torradas mais suaves, notas de achocolatados e bolo assado, com equilíbrio entre o amargor do lúpulo e a doçura do malte e aromas frutados das leveduras. A doçura dos sabores de caramelo e torrado (empireumáticos) é suficiente para harmonizar com carnes grelhadas (filé e hambúrguer bovino e suíno). Vegetais grelhados também combinam bem, devido à doçura defumada. Sobremesas, principalmente as que contêm chocolate e/ou café (cookies, mousse e bolo), apresentam boa harmonização, em virtude da combinação das características. Os sabores empireumáticos estão relacionados com a torra e o aquecimento e com reações de escurecimento não enzimático. Em suma, são sabores de café e cacau torrado, caramelo, toffee e chocolate amargo. � Stout: são cervejas adocicadas e de baixo teor alcoólico (menos de 5% de álcool). Os aromas de lúpulo são adicionados aos do malte torrado, e a cerveja apresenta café expresso e chocolate amargo como características marcantes de aroma e sabor. Essas características conferem versatilidade à cerveja, sendo bastante utilizadas em harmonizações por contraste, como a combinação com ostras (salgadas), ou por similaridade, com a doçura de mexilhões, lagostas, caranguejo, vieiras e lulas. O sabor de chocolate harmoniza por similaridade com pequenas aves silvestres (pombos) e sobremesas à base de chocolate. Lager As cervejas Lager são divididas conforme a seguir (HERZ; CONLEY, 2015; OLIVER, 2012). � Pilsen: cervejas encorpadas, refrescantes, com carbonatação, doçura do malte, amargor e pouca complexidade de aromas e sabores (pão, biscoitos, frutas e flores). Essa redução de características de aroma e Zitogastronomia18 sabor muitas vezes contribui na harmonização. A Pilsen tem amargor que complementa preparações picantes, condimentadas e agridoces (culinárias tailandesa, chinesa e japonesa), e a doçura e a carbonatação suavizam a percepção de picância pelo contraste e a limpeza do palato, respectivamente. Presuntos em geral, inclusive os condimentados (cho- rizo), proporcionam boas harmonizações, acidez e carbonatação, bem como diminuem a untuosidade, a picância e o gosto salgado. � American Amber Larger: cerveja seca, com amargor (leve a médio) do lúpulo, doçura e sabores do malte (caramelo e tostado) e corpo médio. Apresenta versatilidade nas harmonizações, podendo combinar com hambúrguer, carne bovina e de aves com molho barbecue, picância da culinária mexicana (nachos) e queijos, como o Gouda. Nessa cerveja, o sabor refrescante do lúpulo complementa os sabores da preparação, como o herbáceo. � Dark Lager: os sabores são produzidos pelos ingredientes, e os maltes torrados conferem notas de caramelo, toffee, café e chocolate, além de paladar adocicado de frutas secas. O lúpulo é percebido pelo amargor, sendo suficiente para equilibrar a doçura do malte. A doçura das cervejas combina bem com preparações suínas com molho frutado e ácidas, como picles e chucrute. Ou seja, a doçura da cerveja é suficiente para não ser alterada pelas frutas e para abrandar a acidez das conservas. Também harmoniza com peixes de sabor forte, como o tamboril, cogumelos cozidos e pratos da culinária chinesa. � Bock e Doppelbock: cervejas fortes, maltadas, com amargor moderado, levemente adocicadas, corpo médio e sabores caramelizados e torrados de pão. Contudo, o malte de cevada é a principal referência de sabor, pois a pureza e a concentração do sabor de malte de cevada possibilita uma boa fusão com as preparações. O amargor realça os diferentes sabores da preparação, ao passo que a doçura combina com molhos também adocicados. As proteínas bovina, suína e de caça, assadas ou grelhadas, geram boas combinações de sabores complementares e realçados pelo amargor. O presunto proporciona harmonização por contraste entre o salgado e o doce. Essa mesma doçura harmoniza por similaridade com preparações doces (sobremesas como flan de caramelo e creme bruillè — forte e doce) ou com elementos doces (salada com figos frescos e nozes). 19Zitogastronomia Lambic Oliver (2012) divide as cervejas Lambic da seguinte forma. � Gueuze: cerveja belga que, quando maturada, apresenta acidez, leveza, intensidade e carbonatação vigorosa, podendo ou não ser condimentada. As sugestões de harmonização são diversas, principalmente em função da acidez, e combina com preparações mais untuosas de frutos do mar (mexilhões fritos, bolinho de caranguejo), com a acidez equilibrando a untuosidade e sabores mais adocicados; ostras com limão, com harmoni- zação por similaridade com a acidez e corte com a untuosidade; queijos de cabra picantes e embutidos, em que a acidez diminui a untuosidade e a picância, e a complexidade aromática realça os saboresda preparação. � Lambic Frutada: cerveja belga adicionada de frutas vermelhas, dei- xando a bebida mais seca, ácida, amarga e adstringente, com maior equilíbrio entre aroma, sabor e acidez. Preparações com pato e queijos de cabra com sabor intenso harmonizam bem com esse estilo de cerveja, sendo a acidez responsável por diminuir a untuosidade, ao passo que os aromas e sabores frutados fornecem um contraponto de complexidade com a preparação ou o queijo. Nos molhos mexicanos à base de chocolate amargo (picantes, condimentados e com notas de frutas secas), a acidez equilibra a picância, ao passo que a complexidade aromática dos dois elementos proporciona efeito sinergético. Apesar da complexidade química, física e hedônica (gosto pessoal), as harmonizações são importantes para a fidelização e o aumento de vendas em bares e restaurantes. As tentativas empíricas (i.e., sem estudos prévios e baseadas em tentativa e erro) são opções menos eficientes e mais caras, e muitas poderiam ser eliminadas na contextualização teórica. A zitogastro- nomia promove um estudo consolidado das combinações entre preparações e cervejas e, quando seguida, contribui para que sugestões mais assertivas de harmonização sejam repassadas aos clientes (BEEK et al., 2005; SPENCE; WANG; YOUSSEF, 2017). As cervejarias, sejam elas grandes, micros ou artesanais, estão cada vez mais atentas às diversas possibilidades de suas cervejas harmonizarem com preparações. Nesse sentido, essas empresas vêm lançando rótulos no mercado com estudos de zitogastronomia e propostas de boas harmonizações (HERZ; CONLEY, 2015; OLIVER, 2012). Zitogastronomia20 BEEK, H. et al. Arte e ciência do serviço. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2005. DUTCOSKY, S. D. Análise sensorial de alimentos. 4. ed. Rev. e ampl. Curitiba: PUCPRESS, 2013. HERZ, J.; CONLEY, G. Beer pairing: the essential guide from the pairing pros. Minneapolis: Voyageur Press, 2015. MORADO, R. Larousse da cerveja. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009. OLIVER, G. A mesa do mestre-cervejeiro: descobrindo os prazeres das cervejas e das comidas verdadeiras. São Paulo: Senac, 2012. SPENCE, C.; WANG, Q. J.; YOUSSEF, J. Pairing flavours and the temporal order of tasting. Flavour, [s. l.], v. 6, n. 4, 2017. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 21Zitogastronomia
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