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HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Krisley Aparecida de Oliveira A questão platina e a Guerra do Paraguai Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever a situação política do Paraguai e a Questão do Prata. � Explicar a formação da Tríplice Aliança e os fatores que desencadearam a Guerra do Paraguai. � Identificar a atuação do governo brasileiro na Guerra do Paraguai. Introdução Pensar a história é sempre pensar o movimento e as mudanças, já que nada é estático ou definitivo: a partir disso, diversas interpretações e maneiras de fazer e pesquisar são reinventadas ao longo dos anos, pos- sibilitando ao(à) historiador(a)/professor(a) de história se (re)orientar no tempo e atualizar seus conhecimentos sobre sua profissão. A Questão Platina e a Guerra do Paraguai são temas extremamente ricos e que já passaram por essas ressignificações históricas, uma vez que compreendem temas norteadores para o entendimento de querelas relacionadas a questões geopolíticas, sociais e econômicas que perpas- sam e devem ser considerados para entender a formação dos projetos de nação dos países envolvidos nesse processo. Neste capítulo, você compreenderá a importância de analisar essas mudanças sociais, políticas e regionais que ocorreram na região da Bacia do Prata, envolvendo o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, desde os seus processos de independência e relações diplomáticas, sendo fatores fundamentais para os acontecimentos marcantes que viriam nos anos seguintes, deixando marcas na América do Sul que suscitam acalorados debates até hoje. 1 Conflitos na Bacia do Prata e o desenvolvimento paraguaio Inicialmente, precisamos contextualizar o momento que estudamos, porque ele está marcado por diversos fatores determinantes para a construção do tema central: os países ainda estavam sendo formados, suas independências eram muito recentes, as relações diplomáticas estavam em processo de constituição e o Brasil permanecia um império quando todos os outros países já eram re- públicas. Naquele período, conhecido como Segundo Reinado, D. Pedro II era o regente do Brasil, o que se deu entre 23 de julho de 1840 e 15 de novembro de 1889, quando da Proclamação da República. Nesse contexto, ocorreram conflitos e disputas territoriais entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai — que formavam o Cone Sul — pelo controle da Bacia do Rio do Prata, composta pelos rios Uruguai, Paraná e Paraguai (Figura 1), essencial por sua extensão hidrográfica. De acordo com Malerba (1999, p. 82): “Essa situação fez da região um verdadeiro barril de pólvora, durante todo o século XIX”. Figura 1. Encontro dos rios Paraguai, Uruguai e Paraná. Fonte: Bacia... (2018, documento on-line). A questão platina e a Guerra do Paraguai2 Conflitos que precederam a Guerra do Paraguai: Guerra contra Oribe e Rosas (1851–1852) e Intervenção no Uruguai (1864) Para ter uma noção do quanto as relações entre esses países eram complicadas e instáveis naquele período, podemos citar como exemplo a Guerra contra Oribe e Rosas (1851–1852), que fez do Brasil e do Paraguai aliados naquele momento, embora ambos, como veremos à frente, tenham se enfrentado na Guerra no Paraguai. O conflito ocorreu em razão de uma aliança feita entre o presidente da Argentina, Juan Manoel Rosas, e o ditador uruguaio, Manuel Oribe, que que- riam formar um país chamado Vice-reinado da Prata, para o qual desejavam anexar o Paraguai e parte do Sul do Brasil. Dessa maneira, o Brasil fez uma aliança com o Paraguai e com outras duas províncias argentinas, Entre Rios e Corrientes, que eram contrárias ao presidente Rosas e seus planos. O embate teve início em 1951, quando as tropas do Uruguai atacaram o Sul do Brasil. D. Pedro II, por sua vez, preparou as tropas brasileiras e as dividiu em duas partes, uma para fazer a defesa do Brasil e outra enviada para inva- dir o Uruguai. Assim que este país foi invadido, Oribe se rendeu e as tropas brasileiras e aliadas foram mandadas à Argentina, no início de 1852. Nesse mesmo ano, ocorreu a Batalha de Monte Caseros, a principal desse conflito, e meses depois as tropas do Brasil e seus aliados venceram a Argentina e depuseram o presidente Rosas, dando fim ao conflito. Naquele contexto, o Uruguai estava passando por anos de guerra civil — no poder, estavam os partidos blanco, aliado do Paraguai (representado pelos fazendeiros que residiam na fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai), e colorado (que tinha como representantes os comerciantes estabelecidos nos centros citadinos urbanos de Montevidéu), mais alinhado com o Brasil. Com a chegada ao poder do Partido Blanco no Uruguai, o Brasil se uniu ao Partido Colorado, ajudando a tirar os blancos do poder, dando fim à guerra civil, mas originando, entre outros, o estopim para a Guerra do Paraguai. Isso se deu pelo fato de que o ditador Solano López, já comandando o Paraguai, havia dito que não queria que o Brasil se envolvesse nas políticas internas do Uruguai, porque acreditava que uma guerra civil não deveria sofrer interferência de outros países. Como o Brasil não respeitou esse pedido, o Paraguai atacou o Brasil em retaliação, dando início à Guerra do Paraguai, embora evidentemente esta não tenha sido sua única motivação: foram inúmeros os conflitos territoriais e diplomáticos ao longo desse período na Bacia do Prata, além das políticas que resultaram, para que eclodisse a maior guerra da América do Sul. 3A questão platina e a Guerra do Paraguai Situação do Paraguai Naquele período, o Paraguai havia criado um modelo autônomo de desenvol- vimento, voltando-se para o mercado interno, que se concretizou a partir de uma série de reformas iniciadas desde a primeira metade do século. Segundo Malerba (1999), o Estado foi o responsável pelas transformações que resultaram no confisco de terras da Igreja e propriedades em situação irregular. Essas terras eram distribuídas aos camponeses, que também eram ajudados com o fornecimento de insumos, ferramentas e sementes. Nesse período, também se monopolizou o comércio. E, apesar de se indispor com a Inglaterra e a Igreja, as duas maiores potências da época, o Paraguai conseguiu emplacar um grande pico de desenvolvimento. Para Malerba (1999, p. 83): Entre 1840 e 1862, o ditador Carlos Antonio Lopez promoveu uma renovação técnica, enviando centenas de jovens para todos os países da Europa, de onde voltavam com conhecimentos técnicos especializados. Incentivou também a imigração de europeus. Quando assumiu a presidência Francisco Solano Lopez, em 1862, o maior obstáculo ao progresso paraguaio era a falta de acesso ao mar. Ao mesmo tempo, o modesto desenvolvimento alcançado sem ingerência externa incomodava não apenas ao imperialismo inglês, mas também aos interesses do Brasil, Uruguai e Argentina. O desfecho foi a guerra, declarada em 1864. Desde a sua independência em 1811, além de procurar se manter longe de conflitos regionais, o Paraguai era um país agrário, e foi apenas após a entrada de Solano López, que se autointitulava presidente interino, assumindo o cargo com a morte de seu pai, que o país passou a desenvolver sua indústria bélica, em virtude dos planos de expansão de Solano, que continuou com a economia nacionalista de seus antecessores, apoiando grupos que coincidiam com seus interesses, como era o caso do apoio ao Partido Blanco do Uruguai. A questão platina e a Guerra do Paraguai4 2 Três países e um oponente em comum: a formação da Tríplice Aliança Como vimos anteriormente, a Bacia Platina, onde convergem os rios Paraguai, Paraná e Uruguai, foi palco de intensas disputas pelos países que banhava. O Império brasileiro, por exemplo, envolveu-se em disputas com a Argentina e o Uruguai, tendo alimentando a antipatia popular e, também, dos políticos desses países. Mas foi o Paraguai, país que enfrentou obstáculos para se desenvolver, que desafiou as regiões com as quais faziafronteira. Conforme aponta Malerba (1999, p. 89): Ao herdar de seu pai a presidência, em 1842, o ditador Francisco Solano Lopes traçou um plano ambicioso. Armou um forte exército de aproximadamente oitenta mil homens para impor-se à política platina e ainda reivindicar supos- tos territórios que teriam sido subtraídos ao Paraguai por seus vizinhos. Sua estratégia era avançar rapidamente por três áreas — invadir o Mato Grosso, a província argentina de Corrientes e, de Uruguaiana, tomar o Rio Grande do Sul e o Uruguai. Contava com que as fortes oposições internas dos países invadidos lhe apoiariam na derrubada dos governos vigentes. O pretexto para deflagrar a guerra foi a intervenção do Brasil na Banda Oriental (Uruguai), para proteger súditos brasileiros que estavam sendo per- seguidos na região pelo Partido Blanco de Atanásio Aguirre. Levando em consideração que o Brasil não respeitou o ultimato de López de não inter- vir nos assuntos internos uruguaios, Solano iniciou as operações militares. Em novembro do ano de 1864, suas forças capturaram o navio brasileiro Marquês de Olinda e aprisionaram o presidente da província de Mato Grosso, o coronel Carneiro de Campos, tendo cortado relações com o Brasil. Depois, avançou-se rumo às províncias do Mato Grosso e de Corrientes. Para contê-lo, Brasil, Argentina e Uruguai assinaram, em 1º de maio de 1865, o Tratado da Tríplice Aliança (Figura 2). Todavia, apesar do poder que represen- tavam três países unidos no início das operações, era evidente a inferioridade dos 27 mil soldados da aliança contra os 80 mil de López. 5A questão platina e a Guerra do Paraguai Figura 2. Fotografia de um documento datada de 21 de ou- tubro de 1866, no qual o marquês de Caxias, que comandava as tropas brasileiras, leva ao ministro da Guerra João Lustosa de Paranaguá questões referentes às estratégias de guerras e políticas da Tríplice Aliança. Fonte: Cardia (2017, documento on-line). Durante muitos anos, ao menos ao longo das décadas de 1970 e 1980, sustentou-se a ideia de que a causa que deu origem à Guerra do Paraguai teria sido o imperialismo britânico, visto que o Paraguai, sob o comando de López estaria crescendo e despontando para se tornar a maior potência da América do Sul, o que prejudicaria os interesses da Inglaterra na região, levando-a a atuar nos bastidores e movimentando as peças para que o conflito ocorresse. Autores como Eduardo Galeano (As veias abertas da América Latina), León Pomer (A Guerra do Paraguai: a grande tragédia rio-platense e Paraguai: nossa A questão platina e a Guerra do Paraguai6 guerra contra esse soldado) e Julio José Chiavenatto (Genocídio americano: a Guerra do Paraguai) sustentam em suas teses a ideia de que os motivos da guerras devem ser procurados fora do contexto regional. Já autores mais recentes, como Fernando Doratioto (A guerra do Paraguai e as relações entre o Império do Brasil e a República do Paraguai, 1822-1889) e Moniz Bandeira (O expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na bacia do Prata, da colo- nização ao Império), quando pesquisaram as documentações diplomáticas britânicas, não encontraram provas que apontassem o envolvimento da In- glaterra como fomentadora do conflito. Menezes (1998) endossa essa perspectiva e faz uma análise interessante da tensa e problemática relação política entre os países envolvidos no conflito, partindo da verificação das motivações regionais relacionadas à Bacia Platina. Na década de 1990, Carlos Guilherme Mota, ao se propor reavaliar a questão da guerra, afirmou: Com efeito, uma reavaliação merece lugar passados 130 anos do início da Guerra Grande. […] Revisitá-la sobretudo neste contexto em que novas For- mas de integração e identidade — termos ambíguos e batidos — desta região das Américas parecem querer emergir. Dentre elas, o Mercosul, para cuja implantação não se pode dispensar o conhecimento das historicidades dos quadros mentais e dos padrões civilizatórios dominantes na região. Mas para dobrar esta página da História, torna-se necessário conhecê-la. Revisitá-la (MOTA, 1995, p. 244). Portanto, é preciso se atentar às políticas internas dessas nações à época para extrapolar as fronteiras nacionais, compreendendo o envolvimento dos aspectos regionais e seus respectivos interesses específicos e princípios em determinados contextos políticos, por exemplo, as relações entre federalistas blancos e unitários e colorados, que colocavam paralelamente duas concepções de pensamento que desempenhariam papel importante na trajetória política de toda a região. De acordo com Menezes (1998), a Argentina, principalmente após a dé- cada de 1850, aparece no cenário político paraguaio como um problemático atrito sob a perspectiva internacional. Disputas antigas, como a idealização da reconstrução do Vice-reinado do Prata com a Argentina no comando e o exílio diplomático para inúmeros paraguaios que atacavam abertamente o regime ditatorial de Solano, publicando categóricas críticas em jornais por- tenhos, demonstram a existência de atritos entre os países. Ainda de acordo 7A questão platina e a Guerra do Paraguai com Menezes (1998), as interferências da Argentina na política interna do Uruguai, principalmente durante o governo do presidente Mitre, irritavam Solano López e ajudavam em grande medida a aumentar a sua desconfiança em relação às intenções da Argentina na região. Conforme vimos quanto à Intervenção no Uruguai em 1864, o Brasil teve sua participação nos rumos e nas reações de causalidade que levaram à decisão belicosa de Solano López. Demarcando a importância do Uruguai no quadro regional, Menezes (1998) destaca essa interferência do Brasil favorecendo os colorados e atendendo aos pedidos da Província do Rio Grande do Sul como uma entrada em rota de colisão direta com os interesses definidos por Solano López para as políticas paraguaias, em virtude da aliança entre ele e os blancos, que previa uma proximidade maior entre os dois países, envolvendo um tratado ofensivo e defensivo entre ambos, além da promoção comercial. Assim, quando López decide atacar o Brasil como retaliação e partir para a guerra, havia levado em conta esse tratado com o Uruguai. Estudos mais detalhados e recentes, que promovem novas perguntas e apresentam novos métodos e documentos, dos quais pesquisadores das décadas anteriores ainda não dispunham, chegam a um consenso de que as causas da guerra estão ligadas aos próprios fatores históricos regionais, embora algumas interpretações se concentrem mais nas relações geopolíti- cas e outras nas econômicas. Contudo, vale ressaltar que essas tensões não estão dadas, mas são extremamente complexas e merecem muito cuidado quando de sua análise. Entre no site do Senado e procure no acervo “A guerra da triplice aliança (Imperio do Brazil, Republica Argentina e Republica Oriental do Uruguay) contra o governo da Republica do Paraguay (1864-1870) com cartas e planos”, obra clássica e rara, de documentação e testemunho pessoal sobre as motivações da Tríplice Aliança, que conta com mapas, plantas topográficas e hidrográficas, organização das tropas e cartas de combate. A questão platina e a Guerra do Paraguai8 3 Brasil na maior guerra da América do Sul Muitos historiadores concordam quanto à participação do Brasil na Guerra do Paraguai e às decisões tomadas por D. Pedro II: o ponto fixado é de que a Guerra poderia ter sido menos devastadora ou, no mínimo, ter poupado mais vidas, inclusive da população civil paraguaia, caso D. Pedro II não tivesse insistido em encontrar e matar Solano López. Ao tomar as principais bases militares do Paraguai, era incontestável que o Paraguai havia perdido a guerra. Todavia, quando foi feito o Tratado da Tríplice Aliança, uma das exigências do imperador era de que a guerra só chegaria com a morte de Solano López, condição que, àquela altura, já não era mais importante para o Uruguai e a Argentina, mas, por imposição do Brasil, que tinhainteresse em consolidar sua hegemonia na Bacia do Prata, levou a Tríplice Aliança a continuar avançando Paraguai adentro, dizimando as tropas, já muito pequenas, paraguaias até tomarem Asunción e matar Solano. Houve consequências gravíssimas avindas desse evento, como a quantidade exorbitante de mortes, o recrutamento compulsório de soldados de ambos os lados da disputa, os problemas econômicos na recuperação dos países e a formação de suas identidades como nação. Participação dos negros/escravizados na Guerra do Paraguai De acordo com Toral (1995), não há novidade no fato de que o exército brasi- leiro era formado, em sua maioria, por escravos durante o período da guerra. Segundo o autor, redatores de jornais paraguaios da época menosprezavam o exército brasileiro por isso, argumentando que, em virtude de sua formação majoritariamente negra, teria uma qualidade menor. Ainda, havia debates de que esses negros escravos eram recrutados de modo compulsório. Toral (1995) também afirma que, em 1850, 14 anos antes da guerra, a população brasileira era composta por cerca de 10 milhões de pessoas, das quais um quarto era constituído por pessoas escravizadas. Insuficiente, o exército brasileiro passou a ser reforçado para atuar na guerra pela polícia e pela Guarda Nacional das províncias do império. 9A questão platina e a Guerra do Paraguai Em 1865, foram criados no Rio de Janeiro, por D. Pedro II, sob o Decreto nº. 3.371, os Corpos de Voluntários da Pátria (Figura 3), com o intuito de mobilizar o movimento patriótico, fazendo, em um primeiro momento, muitas pessoas se alistarem para lutar contra a intrusão paraguaia do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso. Todavia, com o anúncio da guerra, o entusiasmo popular se arrefeceu. De acordo com Shulz (1994), ainda em 1865, teve início o recrutamento forçado para formação dos Corpos de Voluntários da Pátria, quando o termo “voluntários” acabou se tornando uma piada. Figura 3. Distintivo dos Voluntários da Pátria, em uma chapa de metal amarelo, para que os soldados colocassem no braço esquerdo. Fonte: Raro distintivo... (2008, documento on-line). A questão platina e a Guerra do Paraguai10 Os cidadãos do império tinham várias formas de se esquivar dessas con- vocações compulsórias. Aqueles com maiores condições financeiras faziam doações de recursos, empregados, equipamentos e escravos para a Guarda Nacional e os Corpos de Voluntários para que lutassem em seu lugar. Àqueles que não dispunham de bens, só restava fugir para o mato para se livrar do alistamento. De acordo com Toral (1995, p. 292): A compra de substitutos, ou seja, a compra de escravos para lutarem em nome de seus proprietários, tornou-se prática corrente. Sociedades patrióticas, con- ventos e o governo encarregavam-se, além disso, da compra de escravos para lutarem na guerra. O império prometia alforria para os que se apresentassem para a guerra, fazendo vista grossa para os fugidos. Trecho corroborado em seguida: Os mais aquinhoados têm mais condições de escaparem; os mais pobres recorrem ao exílio dos matos. O que menos dispõe de meios de resistência é exatamente o escravo, que troca a enxada pelo mosquetão, deixa de obedecer ao capataz e entrega sua vida ao senhor oficial (TORAL, 1995, p. 293). Ainda de acordo com Toral (1995), a Guarda Nacional, apesar de se inspirar no modelo liberal francês, terminou sob o serviço de oligarquias, alistando compulsoriamente qualquer pessoa desde que fosse pobre ou adversária po- lítica. E, no caso do escravizado, além da convocação compulsória, ele sofria discriminação racial dentro do exército. Paralelamente a esses episódios de recrutamento forçado, outro aspecto que merece destaque, e de suma importância para pensarmos atos que ocorreram após o fim do Império brasileiro, refere-se ao aprimoramento do exército brasileiro. Como dito anteriormente, no início da guerra, o exército paraguaio sob o comando de Solano López era extremamente maior e mais preparado que os três países da Tríplice Aliança juntos, aspecto decisivo para que o governo brasileiro repensasse a estrutura do exército e investisse em seu fortalecimento como instituição nacional, dotado de poder político, porque somente dessa maneira haveria a possibilidade de enfrentar o bem treinado e forte exército de López. 11A questão platina e a Guerra do Paraguai Após a campanha vitoriosa na guerra e a morte de López, o exército bra- sileiro lançou-se como uma importante força política no fim do Segundo Reinado, o que contribuiu de maneira fundamental com os pensamentos e posicionamentos republicanos, que culminaram, dessa maneira, no golpe de Estado que inaugurou o período da República no Brasil, em 1889. A importância e a aclamação do exército brasileiro podem ser notadas não apenas no que foi exposto, mas também na maneira como se deu a construção de figuras comumente lembradas como heróis nacionais, como Duque de Caxias, que recebeu o título de “Patrono do Exército” durante a guerra e teve seu nome ligado a questões como a união nacional e a ordem. Outro nome importante ligado ao exército desse período, o Marechal Deodoro da Fonseca, foi líder do movimento antiescravista do exército e o primeiro presidente do país no período republicano. Interferências da guerra na política interna brasileira Em 1864, Solano López já iniciava suas aventuras e provocava tensões polí- ticas fortes no Brasil. Francisco José Furtado, então ministro, era adepto da tentativa de resolver os problemas de modo pacífico, seguindo as orientações de Silva Paranhos, que era diplomata e cuidava das negociações políticas na região do Prata. Todavia, a simpatia da opinião pública, dos parlamentares e do próprio D. Pedro II se voltavam ao Almirante Tamandaré, defensor da luta armada para a resolução dos conflitos. De acordo com Malerba (1999), a guerra absorveu quase toda a riqueza do Brasil, que foi obrigado a fazer muitos empréstimos no exterior, tendo ficado extremamente endividado, a partir de uma crise comercial que ocorreu às vésperas da invasão do Mato Grosso: Os custos já astronômicos da atividade bélica eram aumentados devido aos abusos e extorsões de funcionários corruptos e intermediários envolvidos nos contratos de compra de material. Além de sua própria falência, o Brasil era obrigado a financiar seus dois aliados, cuja queda colocaria em risco a própria Aliança. Assim, o Erário brasileiro atolou-se em dívidas contraídas de credores europeus. Entre 1866 e 1868, a guerra consumiu aproximada- mente 60% da receita do país, forçando o governo a emitir grande quantia de títulos da dívida pública e papel moeda, detonando o processo inflacionário (MALERBA, 1999, p. 93). A questão platina e a Guerra do Paraguai12 Outro aspecto que merece atenção quanto ao modo como a guerra atingiu a política interna brasileira foi a questão da administração da opinião pública tanto dos inimigos quanto do governo brasileiro, o que acabou se tornando uma guerra de representações. Ambos os lados manipulavam dados e informações para benefício próprio, como perdas ou ganhos, baixas de tropas. Mesmo com o clima de instabilidade das finanças públicas, determinados setores da economia, como algumas empresas estrangeiras e associações mercantis nacionais, se beneficiaram da baixa do câmbio e conseguiram prosperar. No entanto, a situação inflacionária era insustentável, e esses grupos econômicos adensaram as fileiras dos descontentes com o governo imperial. Como afirma Malerba (1999), o sistema representativo inteiramente viciado, aliado a práticas fraudulentas de protecionismo e clientelismo tão comuns ao longo da história administrativa do Império, começou a ser publicamente criticado. O patronato, que denominava tais práticas, baseava-se no aliciamento dos eleitores em troca de cargos e favores públicos. Nesse meio corrupto, grandes comissões e benefícios a funcionários de ofício, que planejavam os negócios da guerra nas antessalase nos corredores, eram praticamente normais para o cotidiano do favoritismo que se espalhava pela administração pública. Fazendo um balanço geral, a importância da Guerra do Paraguai para o Brasil pode perfeitamente demarcar dois momentos da monarquia: antes da guerra, o regime estava no ápice e, com muita força, recebia críticas, mas nenhuma delas contestava a legitimidade da Coroa; após a guerra, as con- tradições que a sociedade apresentava ganharam proporções incontroláveis, caminhando-se para o desfecho conhecido de 1889. Vale a pena conferir o livro Iaiá Garcia, de Machado de Assis, publicado originalmente em 1878 e escrito no contexto da Guerra do Paraguai, cuja narrativa traz muitos pontos que se cruzam com esse momento histórico. Aliás, o tema da guerra é recorrente em toda a obra machadiana! 13A questão platina e a Guerra do Paraguai BACIA do Prata: Conheça detalhes de umas das mais importantes regiões do planeta do ponto de vista da diversidade biológica. Ecoa, Campo Grande, 16 jul. 2018. Disponível em: https://ecoa.org.br/bacia-do-prata/. Acesso em: 29 jul. 2020. CARDIA, M. L. Guerra do Paraguai ou da Tríplice Aliança. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro; Brasília, 15 dez. 2017. Disponível em: http://arquivonacional.gov.br/br/difusao/arquivo- -na-historia/848-guerra-do-paraguai-ou-da-triplice-alianca. Acesso em: 29 jul. 2020. MALERBA, J. O Brasil imperial, 1808-1889: panorama da história do Brasil no século XIX. Maringá: Eduem, 1999. 192 p. MENEZES, A. M. Guerra do Paraguai: como construímos o conflito. São Paulo: Contexto; Cuiabá: UFMT, 1998. 174 p. MOTA, C. G. História de um silêncio: a guerra contra o Paraguai (1864-1870) 130 anos de- pois. Estudos Avançados, São Paulo, v. 9, n. 24, p. 243–254, maio/ago. 1995. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000200012&ln g=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 29 jul. 2020. RARO Distintivo de “Voluntário da Pátria” – Guerra do Paraguai. MP Militaria, São Paulo, 2008. SCHULZ, J. O exército na política: origens da intervenção militar, 1850-1894. São Paulo, Edusp, 1994. 224 p. TORAL, A. A. A participação dos negros escravos na guerra do Paraguai. Estudos Avan- çados, São Paulo, v. 9, n. 24, p. 287–296, maio/ago. 1995. Disponível em: https://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000200015&lng=pt&nrm =iso&tlng=pt. Acesso em: 29 jul. 2020. Leituras recomendadas DORATIOTO, F. Maldita guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. PENNA FILHO, P. Guerra do Paraguai: como construímos o conflito. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 41, n. 1, p. 209–211, jul. 1998. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73291998000100012&lng=p t&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 29 jul. 2020. SCHNEIDER, L. A guerra da triplice alliança (Imperio do Brazil, Republica Argentina e Republica Oriental do Uruguay) contra o governo da Republica do Paraguay (1864-1870) com cartas e planos. Rio de Janeiro: Typographia Americana, 1875–1876. 2 v. Disponível em: https:// www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242552. Acesso em: 29 jul. 2020. A questão platina e a Guerra do Paraguai14 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 15A questão platina e a Guerra do Paraguai
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