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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU TERAPIA OCUPACIONAL E PSICOMOTRICIDADE: POSSIBILIDADES DE CUIDADO NA INTERVENÇÃO AMBULATORIAL A CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO Vanessa de Sousa Guimarães ORIENTADORA: Profa. Me. Fátima Alves Rio de Janeiro 2016 DO CU ME NT O PR OT EG ID O PE LA LE ID E DI RE ITO A UT OR AL 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU Apresentação de monografia à AVM como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicomotricidade. Por: Vanessa de Sousa Guimarães TERAPIA OCUPACIONAL E PSICOMOTRICIDADE: POSSIBILIDADES DE CUIDADO NA INTERVENÇÃO AMBULATORIAL A CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO Rio de Janeiro 2016 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, aos meus pais, ao meu namorado, à professora e orientadora Fátima Alves e a todos que contribuíram para a realização deste trabalho. 4 DEDICATÓRIA Dedico esta Monografia a todos aqueles que se interessarem pelo assunto aqui abordado, e aos meus pais, meu namorado e amigos que sempre acreditaram em mim, me dando todo apoio para chegar até a Pós-Graduação. 5 RESUMO O Transtorno do Espectro do Autismo – TEA apresenta um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação, repertório de interesses e atividades restritas, movimentos estereotipados e repetitivos. Dessa maneira, será necessário a intervenção precoce e o uso de atividades que promovam aquisições das etapas neuropsicomotoras do indivíduo de acordo com a sua idade. O terapeuta ocupacional poderá participar dessa intervenção proporcionando a esse indivíduo, meios para o aprendizado psicomotor, sensorial e cognitivo acontecer usando recursos como atividades e jogos psicomotores e o brincar, visando buscar autonomia nas atividades de vida diária, melhor qualidade de vida e integração ao meio. Portanto, esse presente trabalho tem por objetivo demonstrar e abordar através de uma revisão bibliográfica e discussão de um estudo de caso, as possibilidades e benefícios da intervenção da Terapia Ocupacional baseada na lógica da Psicomotricidade no cuidado a criança com TEA. 6 METODOLOGIA Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, do tipo revisão bibliográfica, com base no tema da Terapia Ocupacional e da Psicomotricidade que perpassam pela vertente do Transtorno do Espectro do Autismo na idade infantil. A revisão bibliográfica será realizada a partir de consulta a artigos científicos publicados em periódicos nacionais, teses, dissertações e capítulos de livros e livros clássicos especializados. Também somará ao corpo deste trabalho as experiências vivenciadas e percepções de uma terapeuta ocupacional durante o acompanhamento e intervenção, no período de seis meses, de uma criança de nove anos com Transtorno do Espectro do Autismo em um ambulatório de Terapia Ocupacional. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I Transtorno do Espectro do Autismo: Histórico, definições e características 11 CAPÍTULO II Terapia Ocupacional e Psicomotricidade: Compreendendo conceitos 24 CAPÍTULO III Estudo de caso: Uma intervenção ambulatorial a uma criança com Transtorno do Espectro do Autismo através da Terapia Ocupacional e da Psicomotricidade 50 CONCLUSÃO 56 BIBLIOGRAFIA 58 ÍNDICE 65 8 INTRODUÇÃO De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - 5ª Edição ou DSM-V lançado em 2013, a nova denominação utilizada para o autismo passou a ser Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), localizado no grupo dos Transtornos do Neurodesenvolvimento, que inclui transtorno autístico (autismo), transtorno de Asperger, transtorno desintegrativo da infância, e transtorno global ou invasivo do desenvolvimento sem outra especificação. Quadro de etiologia ainda não definida, o então TEA se instala geralmente nos primeiros três anos de vida e caracteriza-se pelo comprometimento da interação social e da comunicação e por padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades (BRASIL, 2015). Pesquisas epidemiológicas apontam um aumento de sua prevalência, entretanto a interpretação desse dado ainda é alvo de controvérsias (BLAXILL, 2001; COO et al., 2007; FOMBONNE, 2003). Sendo mais comum no sexo masculino, Mello (2004) acredita que são muitas as hipóteses que cercam a origem do TEA, podendo uma das causas do transtorno estar relacionada com anormalidades em alguma parte do cérebro ainda não definida de forma conclusiva e, provavelmente, de origem genética. A primeira descrição de autismo infantil aconteceu em 1943, quando o médico austríaco Léo Kanner analisou um grupo de onze crianças entre 2 e 8 anos e observou a presença de algumas características em comum. Kanner denominou como “solidão autística extrema” a falta de habilidade do contato afetivo e interpessoal, além de constatar um atraso na aquisição da fala e linguagem anormal, aspectos físicos aparentemente normais, uma excelente função da memória e um desejo obsessivo pela manutenção da rotina, podendo essa ser rompida, em raras ocasiões somente pela própria criança (MATSUKURA. SORAGNI, 2013). 9 Já no que se refere ao tratamento e cuidado de crianças com TEA, Giardinetto (2009) aponta que o trabalho com essas crianças possui uma gama de interpretações e possibilidades de intervenção, contudo, os resultados em estudos de intervenção demonstram que embora as metodologias sejam diferentes, há uma quantidade de resultados positivos, indicando que a educação intensiva precoce leva em consideração o indivíduo e sua família, podendo proporcionar ao mesmo, mudanças significativas em áreas do desenvolvimento, como habilidades comunicativas, cognitivas e sociais. Segundo Matukura (1997) são várias as formas de intervenção utilizadas no cuidado da criança com TEA, sendo que a busca de possibilidades que auxiliem as crianças a participarem de modo consciente em seu meio parecem ser o objetivo principal destas intervenções, embora estas estejam vinculadas a diferentes abordagens teóricas. Algumas formas de intervenção podem ser utilizadas junto a esta população e, dentre elas, destaca a Terapia Ocupacional e a Psicomotricidade. Portanto, durante uma intervenção terapêutica ocupacional usando recursos como atividades psicomotoras e o brincar podem proporcionar uma evolução bastante significativa em uma criança com TEA, principalmente na questão da autonomia nas atividades de vida diária e sociabilidade com outras crianças. Então, este trabalho será construído com o intuito de demonstrar e discutir, através de uma revisão bibliográfica e discussão de um estudo de caso, as possibilidades e benefícios da intervenção da Terapia Ocupacional baseada na lógica da Psicomotricidade no cuidado a criança com TEA. No primeiro capítulo deste trabalho será abordado o conceito histórico, definição e nomenclatura do Transtorno do Espectro do Autismo, além de suas principais características. Já no segundo capítulo, será apresentado o conceito da Terapia Ocupacional e como esta pode intervir no cotidiano de uma criança com atraso no desenvolvimento e o conceito da Psicomotricidade e como essa ciência compreende os aspectos e o desenvolvimento psicomotor infantil. O terceiro capítulo irá trazer um estudo de caso de uma criança com TEA de nove anos, que foi acompanhada por seis meses por uma terapeuta ocupacional em 10 um ambulatório de Terapia Ocupacional, sendo utilizados durante as intervenções recursos psicomotores. Por fim, o último capítulo será a conclusãodo respectivo trabalho onde se refletirá as possibilidades e os benefícios da intervenção da Terapia Ocupacional na interface com a Psicomotricidade no cuidado a criança com TEA em um ambulatório. 11 CAPÍTULO I TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO: HISTÓRICO, DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS Na década de 1940, dois médicos divulgaram os primeiros escritos modernos sobre o que atualmente é chamado de Autismo Infantil ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Leo Kanner, médico nascido no antigo Império Austro-Húngaro, que emigrou para os Estados Unidos em 1924, tornando-se chefe do serviço de psiquiatria infantil do Johns Hopkins Hospital de Baltimore, publicou em 1943 o artigo: “Os distúrbios autísticos do contato afetivo” (BRASIL, 2015, p. 18). Kanner utilizou a noção de autismo, como um dos principais sintomas da esquizofrenia defendida por Eugen Bleuler em 1911, para descrever um grupo de 11 crianças, entre 2 a 8 anos, que apresentavam distúrbio patognomônico de “incapacidade de se relacionarem de maneira normal com pessoas e situações, desde o princípio de suas vidas” (KANNER, 1943, p. 243, grifo do autor). O trabalho de Kanner sobre a observação dos casos, segundo Rutter (1978), evidenciaram características importantes como: a inabilidade em desenvolver relacionamentos com pessoas; o atraso na aquisição da linguagem; o uso não comunicativo da linguagem após o seu desenvolvimento; a tendência à repetição da fala do outro (ecolalia); o uso reverso de pronomes; as brincadeiras repetitivas e estereotipadas; a insistência obsessiva na manutenção das rotinas rígidas e padrão restrito de interesses peculiares; a falta de imaginação; a boa memória mecânica e aparência física normal (BRASIL, 2014, p. 11). Kanner (1943) trouxe em suas descrições que o “isolamento autístico extremo” (p.242) podia estar presente desde os primeiros meses de vida da criança, levando-as a negligenciar o contato com o ambiente, não apresentando mudanças em sua expressão facial ou posição corporal. Segundo Kanner, tudo o que vinha externamente a essas crianças era experimentado pelas mesmas como uma “intrusão assustadora”, por isso a 12 tendência de ignorar os estímulos do ambiente, a recusa de alimentos e o desespero provocado por barulhos fortes ou objetos em movimento. Aliás, Kanner ainda descreve em suas observações o “desejo obsessivo e ansioso pela manutenção da uniformidade” (p.245) dessas crianças que optavam por tudo que se mostrava repetitivo, rotineiro e esquemático. Já a “excelente capacidade de memorização decorada”, Kanner (1943, p. 243) acreditava que a linguagem para essas crianças observadas havia sido “consideravelmente desviada para se tornar um exercício de memória autossuficiente, sem valor conversacional e semântico, ou grosseiramente distorcido”, apresentando então dificuldades em generalizar conceitos (BRASIL, 2015, p. 19). Após um ano dessa divulgação dos escritos de Kanner, um médico psiquiatra e pesquisador de Viena, Hans Asperger escreveu o artigo “Psicopatia Autística na Infância” (BRASIL, 2015, p. 21). Asperger também se utilizou do termo “autismo” de Bleuler para descrever quatro crianças que tinham como característica a dificuldade de se relacionar com o ambiente ao seu redor, compensado, algumas vezes, pelo elevado nível de originalidade no pensamento e nas atitudes. Apesar de apresentar algumas semelhanças com o quadro descrito anteriormente por Kanner, Asperger iniciou outra definição ao quadro clínico do autismo, que posteriormente ficou conhecido como síndrome de Asperger. Nesse artigo, Asperger pôde observar que a partir do segundo ano de vida das crianças as características autistas apareciam e tornavam-se persistentes. As expressões gestuais e faciais eram escassas e quando as crianças eram hiperativas ou agitadas era possível identificar uma movimentação esteriotipada e sem objetivo, havendo repetição de movimentos rítmicos. As falas dessas crianças demonstraram-se artificiais, entretanto Asperger verificou que tais falas apresentaram atitude criativa em relação à linguagem devida a utilização de palavras incomuns e neologismos. Um ponto identificado por Asperger como positivo foi a capacidade dessas crianças avaliadas em enxergar eventos a partir de um ponto de vista original, com campos de interesses diferentes dos apresentados pelas outras crianças 13 de idade semelhante, o que desvelaria uma maturidade surpreendente (BRASIL, 2015, p. 22). Wolff (2004) relata que nos anos 80, o artigo de Asperger recebeu grande enfoque, pois seu foco de investigação, que foram os indivíduos denominados “de alto funcionamento”, acabou impulsionando o campo para o conceito de espectro do autismo, sendo assim fundamental tanto para o campo clínico quanto para o âmbito das pesquisas genéticas. Já Kanner, por sua vez, até o final da década de 1950 enfatizou os fatores de ordem psicológica ou ambiental em detrimento dos orgânicos, retomando essa discussão nos anos 1960. Geralmente incluso no grupo das “psicoses infantis”, o autismo a partir desse momento passou a ser tratado como transtorno das fundações do psiquismo infantil (BRASIL, 2015, p. 23). Entretanto, de acordo com Assumpção (1995), surgiram novos nomes na história com objetivos diversos visando tentar reunir, em uma classificação única, todos os termos empregados, até então, na definição do autista. Muitas discussões e questionamentos apareceram desde então, no entanto as opiniões divergiram- se e as classificações ora visaram à etiologia, ora à descrição clínica. 1.1. CLASSIFICAÇÕES A mais atual classificação que tem como base os aspectos etiológicos e clínicos do autismo é a de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Conforme o Manual de Estatística e Diagnóstico das Desordens Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (APA), em sua 5ª edição (DSM-V), o TEA está localizado no grupo dos “transtornos do neurodesenvolvimento” e inclui o Transtorno Autístico (autismo), Transtorno de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno Global ou Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação. Atualmente, de acordo com DSM-V (2014) e com base na tabela da Associação de Amigos do Autista – AMA, o TEA está dividido em graus e em gravidade: 14 Tabela 1: Graus e gravidade do Transtorno do Espectro do Autismo NÍVEL DE GRAVIDADE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMPORTAMENTOS REPETITIVOS E RESTRITOS Nível 3 “Exigindo apoio muito substancial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal causam prejuízos graves de funcionamento, limitação em iniciar interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais que partem de outros. Inflexibilidade de comportamento, extrema dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos interferem acentuadamente no funcionamento em todas as esferas. Grande sofrimento/dificuldade para mudar o foco ou as ações. Nível 2 “Exigindo apoio substancial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal, prejuízos sociais aparentes mesmo na presença de apoio, limitação em dar inicio a interações sociais e resposta reduzida ou anormal a aberturas sociais que partem dos outros. Inflexibilidade do comportamento, dificuldade de lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos aparecem com frequência suficiente para serem óbvios ao observador casual e interferem no funcionamento em uma variedade de contextos. Sofrimento/dificuldade 15 para mudar o foco ou as ações. Nível 1 “Exigindo apoio” Na ausência de apoio, déficits na comunicação social causam prejuízos notáveis. Dificuldade para iniciar interações sociaise exemplos claros de respostas atípicas ou sem sucesso a aberturas sociais dos outros. Pode aparentar pouco interesse por interações sociais. Inflexibilidade de comportamento causa interferência significativa no funcionamento em um ou mais contextos. Dificuldade em trocar de atividade. Problemas para a organização e planejamento são obstáculos à independência. Já a Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10), utilizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) refere-se ao TEA como: “uma síndrome existente desde o nascimento ou que começa quase sempre durante os 30 primeiros meses, em que as respostas aos estímulos auditivos e, às vezes, aos estímulos visuais são anormais, havendo, habitualmente, graves dificuldades de compreensão da linguagem falada” (MARQUES, 2010, p. 161). Marques (2010) relata que na descrição da CID-10, a fala da criança com TEA apresenta-se de forma atrasada e, quando se desenvolve, é caracterizada pela presença de ecolalia, inversão de pronomes, imaturidade da estrutura gramatical, incapacidade de empregar termos abstratos e a alteração do uso social da linguagem verbal e gestual. Quanto aos problemas de relação com os outros há mais gravidade antes dos cinco anos de idade demonstrando a falta de fixação do olhar, das ligações sociais e da atividade do brincar. Fonte: Associação de Amigos do Autista – AMA. Disponível em: http://www.ama.org.br/site/diagnostico.html 16 A CID-10 também cita, de acordo com Marques (2010), o comportamento ritualizado da criança com TEA, caracterizado geralmente por hábitos anormais, resistência às mudanças, apego a objetos singulares e brincadeiras estereotipadas. Também é observada nessa classificação a diminuição da capacidade de pensamento abstrato ou simbólico e de fazer fantasias, fora o nível de inteligência onde é identificada uma variação entre retardo profundo ao normal ou acima do normal. Quanto ao desempenho, a CID-10 acredita que o autista habitualmente se destaca nas atividades que requerem aptidões mnêmicas ou viso-espaciais automáticas do que aquelas que necessitam de aptidões simbólicas ou linguísticas. Então, a CID-10, conforme Marques (2010) defende que o TEA trata-se de: “um transtorno global do desenvolvimento definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometido que se manifesta antes da idade de três anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo” (p. 162). E em relação ao TEA, o capítulo V (F) da CID-10 trata dos transtornos mentais e comportamentais (BRASIL, 2014, p.55). Os códigos de F80 a F89 são destinados aos transtornos do desenvolvimento psicológico e, no âmbito destes, destacam-se os transtornos globais do desenvolvimento (F-84), sob cujo código se alocam: • O autismo infantil (F84-0); • O autismo atípico (F84-1); • A síndrome de Rett (F84-2); • A síndrome de Aspreger (F84-5); • O transtorno desintegrativo da infância (F84-3); e 17 • O transtorno geral do desenvolvimento não especificado (F84-9). Também há outro sistema classificatório internacional que vem sendo utilizado no Brasil, auxiliando na avaliação diagnóstica e no planejamento da terapêutica adequada ao TEA, que é a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Um sistema de classificação funcional, a CIF traz as dimensões das atividades (execução de tarefas ou ações por um indivíduo) e da participação (ato de se envolver em uma situação vital) de cada pessoa, bem como os qualificadores de desempenho (aquilo que o indivíduo faz no seu ambiente real) e de capacidade (potencialidade ou dificuldade de realização de atividades) nas seguintes áreas (BRASIL, 2014, p.56): • Aprendizagem e aplicação do conhecimento; • Tarefas e demandas gerais; • Comunicação; • Mobilidade; • Cuidado pessoal; • Vida doméstica; • Relações e interações interpessoais; • Áreas principais da vida; • Vida comunitária, social e cívica. A CIF possibilita a identificação de facilitadores e obstáculos entre os fatores ambientais, sejam eles físicos, sociais e/ou de atitudes, singulares a cada pessoa em diferentes momentos da vida, como (BRASIL, 2014, p.57): 18 • Produtos e tecnologia (por exemplo: medicamentos e próteses); • Ambiente natural e mudanças ambientais feitas pelo ser humano (por exemplo: estímulos sonoros); • Apoio e relacionamentos (por exemplo: profissionais de saúde); • Atitudes (por exemplo: de membros da família imediata); • Serviços, sistemas e políticas (por exemplo: sistemas de educação e treinamento). 1.2. EPIDEMIOLOGIA Marques (2010) acredita que o número de incidência do TEA divulgado por diversos autores possuem muitas variações, pois cada autor utiliza critérios diferentes de diagnósticos. Entretanto, os atuais índices mais aceitos e divulgados apostam em uma variação de 5 a 15 casos em cada dez mil indivíduos. Independentemente dos critérios de diagnóstico, é possível afirmar que o TEA atinge principalmente crianças do sexo masculino, porém crianças do sexo feminino com TEA estão mais propensas a apresentar retardo mental mais severo comparado aos meninos (MARQUES, 2010, p.162). Assumpção (1999), baseado no DSM-IV (1994), ressalva que o TEA apresenta os primeiros sinais antes dos três anos de idade, tendo prevalência entre 4 a 5 crianças em cada dez mil. E o seu predomínio é maior em indivíduos do sexo masculino (3:1 ou 4:1), decorrente de inúmeras condições pré-natais, perinatais e pós-natais. 1.3. CARACTERÍSTICAS O TEA tem como principais características o transtorno no reconhecimento social, alterações na comunicação verbal e não verbal, dificuldades na imaginação e na compreensão social, repertório restrito de 19 interesses e alguns comportamentos inadequados associado (MARQUES, 2010, p.162). Quanto ao transtorno do reconhecimento social é possível classifica-lo em quatro níveis que variam do mais grave até o limite com a normalidade. A forma mais grave irá apresentar um extremo isolamento e indiferença às pessoas, enquanto na sua forma mais atenuada, apesar de não haver a procura do contato, Marques (2010) ressalta que a criança com TEA aceita esse contato e responde. Na forma mais leve, já observa-se a procura por contato, mas apresenta dificuldades em como fazer esse contato e de entender a intenção das pessoas. O último nível, que se equivale a Síndrome de Asperger, encontra-se no limite com a normalidade e os indivíduos demonstram dificuldades em se adaptar e entender o meio em que estão. No entanto, conseguem se desenvolver socialmente, realizando atividades da vida diária como o trabalhar e estudar, o que acaba dificultando no diagnóstico do quadro, apesar do individuo apresentar momentos de isolamento. As crianças com TEA, desde o inicio da vida, podem demonstrar distúrbios da interação social, como a alteração no contato olho no olho antes mesmo do primeiro ano de vida. Essas crianças, de acordo com Marques (2010), podem olhar, rapidamente, de canto de olho ou simplesmente não fazer contato algum. Quando ainda bebês, as crianças com TEA não possuem postura antecipatória ao serem pegas pelos pais, apresentando espasticidade ou tônus muito rebaixado, demonstrando aversão ou desinteresse ao toque ou ao abraço (MARQUES, 2010, p.163). E quando são recolocadas no berço, essas crianças dão a impressão de não se importar com tal ação. De acordo com Gauderer, Ritvo e Oenitz (1987), os bebês com TEA entre zero a seis meses não solicitam muito contato e não notam a chegada ou a saída da mãe, além de apresentarem uma demora a responder a sorrisos ou de nem responder os mesmos. Nota-se a falta de iniciativa, de curiosidade e comportamento exploratório comparado a um bebêdito normal e saudável.. Também é comum a essas crianças não revelarem ansiedade ou medo de 20 estranhos e não brincam de “esconder” quando estão na faixa dos oito meses de idade. Com um estilo peculiar de se relacionar, a criança com TEA, conforme Marques (2010), pode utilizar-se dos pais ou de outra pessoa para conseguirem o que deseja, afinal os mesmos transformam o corpo do outro em um instrumento para conseguir realizar alguma ação. Exemplo disso é quando uma criança com TEA pega a mão de sua mãe e a utiliza para abrir uma porta ao invés de utilizar sua própria mão (MARQUES, 2010, p.163). Baron-Cohen (1988, 1990, 1991) e Frith (1988) desenvolveram uma teoria cognitiva denominada Teoria da Mente. Tal teoria afirma que a principal dificuldade da criança com TEA seria “a impossibilidade que possui de compreender estados mentais de outras pessoas, ou seja, não conseguiria diferenciar expressões emotivas dos outros, como alegria e tristeza, amor e ódio, e assim por diante” (MARQUES, 2010, p.163). Desde modo, a criança com TEA identificaria a outra pessoa com a mesma feição sempre, por isso a dificuldade de tais crianças a atribuírem aos outros indivíduos sentimentos e ponto de vistas diferentes dos seus, dificultando assim manter um contato social inicial e sustenta-lo. Na maioria das vezes, o atraso na aquisição da linguagem é um dos motivos que levam aos pais procurarem ajuda médica. Gauderer et al. (1987) ressalta que, aproximadamente, no quinto ano fica-se mais atento a fala da criança. Quando esta possui o TEA observa-se uma fala ausente ou com poucas palavras, usadas de maneira inconsciente ou com ecolalia, onde a criança repete palavras ou frases inteiras sem levar em consideração o contexto social ou o valor comunicativo das palavras. Também é possível verificar que as crianças com TEA usam de forma ilimitada ou até mesmo não utilizam a comunicação não verbal. Ou seja, enquanto os bebês ditos normal usam os sinais não verbais como meio para se comunicarem, demonstrando assim suas emoções por expressão facial, 21 procuram por pessoas e objetos de seu interesse e antecipam-se para se pegos por seus pais objetivando o contato físico, com as crianças com TEA ocorre o contrário. Estas estão, na maioria das vezes, de acordo com Marques (2010), centradas em si, demonstrando pouco ou nenhum interesse pelo mundo e pelas pessoas que estão ao seu redor, Gauderer (et al., 1987, p.117) afirma que “quando a fala comunicativa se desenvolve ela é atonal, arrítimica, sem inflexão, e incapaz de comunicar apropriadamente as emoções”. O atraso ou a ausência no desenvolvimento da linguagem verbal apresentado pelas crianças com TEA, nem sempre, é compensado pelo uso de gestos ou outras formas de comunicação, dificultando ainda mais a interação social. Portanto, tais questões relacionados a linguagem se baseiam, principalmente, devido a ausência de qualquer desejo da criança com TEA em se comunicar com o outro ou quando há a presença de alguma fala, a conversa, geralmente, é fora de contexto, não se envolvendo assim nas conversas. Outra característica de destaque em relação as crianças com TEA, segundo Marques (2010), é que as mesmas são seres extremamente visuais, fazendo com que o seu entendimento esteja na base do concreto, ou seja, seus pensamentos são imagens concretas e visuais. Entretanto, isso dificulta o entendimento dessas crianças sobre a realidade, já que a vida social, com suas regras e manejos, necessita da elaboração, da introspecção e da interpretação. A dificuldade em dar sentido às suas experiências seria, de acordo com Mesibov e Shea (s/d), um dos problemas iniciais que caracteriza o pensamento da criança com TEA, pois essas crianças podem sim aprender habilidades e/ou usar a linguagem, entretanto não conseguem entender o significado de tais atividades, além de apresentarem dificuldades em combinar ou integrar ideias e/ou em generalizar. Quanto aos interesses das crianças com TEA há uma diferenciação se comparado aos interesses das demais crianças de acordo com o foco e intensidade. Ou seja, as crianças com TEA, conforme Marques (2010), se interessam principalmente por determinadas partes de um objeto ao invés do 22 todo, como por exemplo, elas podem passar horas brincando apenas com as rodas de um carrinho de brinquedo. Aliás, uma das características da criança com TEA é a sua fixação por girar objetos ou por objetos que giram sozinhos, como o ventilador de teto, por exemplo. Também é possível observar, de acordo com Marques (2010), que as crianças com TEA possuem facilidade em aprender e memorizar uma grande quantidade de informações sobre um determinado assunto, como comerciais e músicas, além de conversar de forma persistente e estereotipada sobre um assunto selecionado por eles. Em geral, essa tal conversa apresenta uma fala constante, com o mesmo tom de entonação e sem o objetivo de estabelecer diálogo. Apresentando comportamentos inflexíveis com rotinas e rituais não funcionais, as crianças com TEA podem, por exemplo, seguir sempre o mesmo caminho até a escola ou até mesmo separar todos os alimentos na hora de comer, não deixando um encostar-se ao outro, para que assim não se sujem. Então, realizar mudanças no ambiente que a criança com TEA já está acostumada podem gerar um grande transtorno, ocasionando episódios de agitação psicomotora e agressividade. São comuns nas crianças com TEA os movimentos corporais estereotipados, onde pode-se observar, segundo Gauderer (et al., 1987), que o movimento das mãos e dos dedos, que é um fenômeno normal em uma criança de seis meses, passa a ser uma característica frequente e repetitiva. Fora os movimentos de sacudir fortemente as mãos, conhecido com flapping, ou movimentar rapidamente os dedos, como se estivessem digitando no computador. Também estão presentes outros movimentos corporais como andar nas pontas dos pés, balancear a cabeça e/ou o corpo como se estivesse se ninando, além de dar saltos e rodopios e ficar girando sob o eixo do corpo sem ficar tontos. Tais movimentos podem ser mais intensos ou ocorrer simultaneamente quando se apresenta quadro de ansiedade ou quando são contrariados. 23 De acordo com Moraes (1999), há outras características clínicas do TEA que não estão incluídos em alguns critérios diagnósticos, entretanto, isso não os desvaloriza. Algumas dessas características são a hiperatividade, o tempo curto de atenção, impulsividade, agressividade com os outros e consigo e agitação psicomotora. Quanto a questão relacionado à atenção, Gauderer (et al., 1987) acredita que esteja relacionado com uma dificuldade de seletividade, devido a incapacidade desses indivíduos modularem ou sintonizar entradas sensoriais. Há algumas crianças com TEA, conforme Marques (2010), que possuem respostas extremas aos estímulos sensoriais como a hipersensibilidade ao toque, som, luz, textura de certos materiais, sensações proprioceptivas ou vestibulares por causa da mudança de posição e/ou fascinação por certos estímulos visuais e auditivos, podendo assim demonstrar falta de interesse por objetos ou reagir de modo exagerado. Marques (2010) ressalta que outra característica presente nas crianças com TEA são os distúrbios de sono e alimentares. É comum algumas crianças com TEA recusarem determinados tipos de alimentos, devido a sua textura, principalmente os sólidos, pelo fato de não quererem mastigar. Também é possível identificar com frequência nas crianças com TEA um medo excessivo em situações corriqueiras e/ou a perda do sentimento do medo em situações de risco. Porém, a maioria dos sintomas aqui já citados, a partir do quarto ou do quinto ano de vida, diminui de intensidade, principalmente em relação às reações exacerbadas por estímulos sensoriais ealterações do movimento. 24 CAPÍTULO II TERAPIA OCUPACIONAL E PSICOMOTRICIDADE: COMPREENDENDO CONCEITOS No tratamento e cuidado da criança com TEA, observa-se uma variedade de interpretações e possibilidades de intervenção visando proporcionar a essas crianças mudanças positivas em suas áreas do desenvolvimento como habilidades comunicativas, cognitivas e sociais. E dentre as diferentes abordagens que podem ser utilizadas junto a esta população, destaca-se a Terapia Ocupacional e a Psicomotricidade. 2.1. TERAPIA OCUPACIONAL De acordo com o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), a Terapia Ocupacional: “É uma área do conhecimento, voltada aos estudos, à prevenção e ao tratamento de indivíduos portadores de alterações cognitivas, afetivas, perceptivas e psicomotoras, decorrentes ou não de distúrbios genéticos, traumáticos e/ou doenças adquiridas, através da sistematização e utilização da atividade humana como base de desenvolvimento de projetos terapêuticos específicos”. A seguir, será apresentado mais profundamente sobre o conceito da Terapia Ocupacional, desde a sua criação até a sua abordagem na criança com atraso no desenvolvimento. 2.1.1. História e definições da Terapia Ocupacional Como profissão, a Terapia Ocupacional, de acordo com Soares (2011), obteve várias denominações; entretanto, prevaleceu em grande parte dos países a nomenclatura proposta no início do século XX por um arquiteto norte- 25 americano chamado George E. Barton, que propôs e organizou uma entidade para a profissão, a Associação Americana de Terapia Ocupacional. E assim, segundo Reed e Sanderson (1980), George E. Barton teria questionado sobre a necessidade da criação de tal profissão, afinal: “Se há uma doença ocupacional, por que não uma terapia ocupacional?” (p.186). Conforme Soares (2011), essa definição possibilitou identificar uma clientela e uma ação profissional para a Terapia Ocupacional, estabelecendo, portanto, de forma mais precisa a profissão a partir de um objetivo, objeto de trabalho, instrumento e clientela. Então, a Terapia Ocupacional passa a ter como objetivo a propor metas ou resultados que se deseja alcançar a partir de sua intervenção, como potencializar o desempenho e ampliar a autonomia do indivíduo, superar suas dificuldades ou traumas, além de garantir a inserção do mesmo na comunidade. Assim, a Terapia Ocupacional terá como objetivo o verbo como essência, ou seja, tratar-se de “uma ação sobre algum aspecto ou alguém” (SOARES, 2011, p.3). E esse aspecto, que pode ser “aquela determinada substância, condição do indivíduo, grupo ou coletividade sobre o qual a ação/verbo se relaciona” (ibidem, p.3), será o objeto de intervenção da Terapia Ocupacional. Portanto, de acordo com Soares (2011), a profissão da Terapia Ocupacional terá como seu objeto a ação, o fazer humano e o cotidiano do indivíduo, que irá incidir sobre uma determinada clientela e em um determinado contexto institucional, caracterizando assim a especificidade do seu público- alvo que irá variar entre bebês a idosos, em espaços de intervenção como a saúde, a educação, programas sociais (hospitais, escolas, centros comunitários), além do ambiente doméstico e no local de trabalho. Periodicamente, a definição profissional da Terapia Ocupacional é atualizada e segundo a Federação Mundial de Terapia Ocupacional (2003) foram colhidas 28 definições sobre a profissão junto aos países membros. Soares (2011) afirma que nessa verificação foi possível também identificar que o nome da profissão, Occupational Therapy, ou seja, Terapia Ocupacional é 26 adotado atualmente em todo continente americano e em países de influência anglo-americana. Enquanto na maioria dos países do continente europeu foi adotado o conceito de ergotherapie, isto é, ergoterapia, “que possui a etimologia na palavra grega ergein, fazer, trabalhar, agir” (p.3). A Federação Mundial de Terapia Ocupacional (2003) traz também em seus estudos a publicação da definição da profissão pela Universidade de São Paulo – USP: “É um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia das pessoas que, por razões ligadas a problemática especifica, físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e/ou sociais, apresentam, temporariamente ou definitivamente, dificuldade na inserção e participação na vida social. As intervenções em Terapia Ocupacional dimensionam-se pelo uso da atividade, elemento centralizador e orientador, na construção complexa e contextualizada do processo terapêutico” (p.70). Tal definição, segundo Soares (2011), é mais completa e específica se comparada a uma das primeiras definições sobre a Terapia Ocupacional estabelecida no ano de 1922 pelo médico H.A. Pattison: “qualquer atividade, mental ou física, claramente prescrita e orientada, com o objetivo especifico de contribuir para o tratamento e acelerar a recuperação de uma doença ou trauma” (REED; SANDERSON, 1989, p.2). A Revolução Francesa, em 1789, e a Primeira Guerra Mundial, em 1914, conforme Soares (2011), foram dois marcos históricos político-econômicos da idade moderna que proporcionaram o surgimento da Terapia Ocupacional. Uma época onde houve uma sequência de revoluções “contra a ordem estabelecida ou, em outros termos, a democracia enquanto projeto político da burguesia em face da queda da aristocracia, o liberalismo econômico enquanto projeto político e o racionalismo enquanto pensamento hegemônico” (SOARES, 2011, p.4). 27 A partir desse contexto, Soares (2011) diz que se criaram novos saberes e instituições como a psiquiatria, que medicalizou a loucura, transformando-a em doença mental, e o manicômio ou asilo para os alienados, espaço de segregação para os mesmo. Tais criações foram respaldas pela filosofia humanista e que preconizavam o tratamento moral e a ergoterapia. Uma das características do manicômio associado a terapia pelo trabalho, de acordo com Nascimento (1991): “O trabalho no asilo não era fator de expiação nem somente educativo; era, sobretudo, terapêutico (...). A ideologia do tratamento moral fornecia a racionalização daquelas práticas, justificando cientificamente tanto o enclausuramento como a obrigação do trabalho. O trabalho, na medida em que representava a aprendizagem da ordem, da regularidade e da disciplina, passou a constituir cada vez mais o eixo do tratamento moral” (p.66) Tal tratamento moral e a terapia pelo trabalho, que também foi nomeada como ergoterapia, praxiterapia e laboterapia, foram trazidos para o Brasil pela família real. Esses conceitos, segundo Soares (2011), possuem semelhança entre si e foram substituídos por Terapia Ocupacional conforme o curso e a profissão foram estabelecidos no país na metade do século XX. Essa transição da terapia pelo trabalho para a Terapia Ocupacional ocorre a partir da Primeira Guerra Mundial, nos Estados Unidos, por causa das “pressões sociais de veteranos da guerra por autonomia financeira e valorização social e, ainda, pela absorção de incapacitados no mercado de trabalho, momento de expansão econômica” (SOARES, 2011, p.6). Então, o fator econômico juntamente com a mudança na indústria moderna da época puderam impulsionar a Terapia Ocupacional, que auxiliou nessa revolução tecnológica na construção de estratégias para a contratação de deficientes físicos e sensoriais para trabalhar nas linhas de montagem, com remuneração superior aos outros operários, pois “o parcelamento das tarefas 28 mostrou que nem sempre era necessário todo potencial humano para o trabalho” (AKASHI; DAKUZAKU, 2011, p.33). Já na Segunda Guerra Mundial, após o oferecimento de cursos de treinamentos em hospitais militares, observa-senovamente a Terapia Ocupacional mediando a inserção de pessoas incapacitadas no mercado de trabalho norte-americano, pois “frente à escassez de braços e graças à urgência de guerra (...) a indústria absorveu tal números de lesados que parecia que somente os incapacitados severos não teriam trabalho” (MAGALHÃES, 1989, p.97). Devido a esses fatos houve a expansão da profissão pela Europa e pela América do Norte, criando assim no ano de 1951 a Federação Mundial de Terapia Ocupacional. No Brasil, segundo Soares (2011), a Terapia Ocupacional na área da reabilitação física foi introduzida, se diferenciando da Terapia Ocupacional na saúde mental e nomes como Luís Cerqueira, Nise da Silveira, Elso Arruda e Suliano Filho foram de grande importância na construção da profissão no país, produzindo textos relevantes dentre os anos de 1950 a 1986. Soares (2011) afirma que entre os anos de 1948 a 1980, a profissão se institucionalizou no território brasileiro, tendo sua formação iniciada a partir de cursos de treinamento na área da saúde mental no ano de 1948, pela Dra. Nise da Silveira, e posteriormente na área da reabilitação física no de 1951, possibilitando assim, no ano de 1961, a criação de um curso de nível universitário com 3 anos de duração, de acordo com a Lei do Currículo Mínimo, sendo reconhecida e promulgada apenas no ano de 1969. Entretanto, em 2004, houve uma nova adequação do Ministério da Educação – MEC no currículo mínimo para a graduação em Terapia Ocupacional, ampliando para 4 anos de formação com 3.600 horas. Portanto, os diferentes olhares e formas de atuação da Terapia Ocupacional no Brasil, abordando uma variedade de populações, proporcionaram aos profissionais a estarem em um lugar estratégico no cenário mundial, possibilitando que suas tecnologias sejam consumidas e seus saberes 29 consolidados no exterior, sendo alguns deles sofisticados. Entretanto, os fazeres produzidos pelos terapeutas ocupacionais e os seus novos saberes relacionados à capacidade de agir com um suporte técnico e poucos recursos, visará na incrementação de estratégias para a melhoria da qualidade de vida e de saúde das populações. Ou seja, “Embora a clientela da Terapia Ocupacional ainda seja constituída, em sua maioria, por aqueles considerados ‘diferentes’ (as pessoas com deficiência, os doentes crônicos, os loucos etc.), novas populações têm sido atendidas por meio de ações inovadoras dos terapeutas ocupacionais, sejam pacientes com quadros clínicos agudos e de recuperação mais rápida, sejam sujeitos em condição de risco e/ou social” (DE CARLO; BARTALOTTI, 2001, p.37-38). 2.1.2. A Terapia Ocupacional e o atraso no desenvolvimento infantil O desenvolvimento infantil, de acordo com Coelho e Rezende (2011), é um determinante importante de saúde, afinal os primeiros anos de vida de uma criança é um momento marcante onde ocorre o crescimento e desenvolvimento da mesma, e assim possibilita consolidar uma base crítica para a saúde e para o sucesso acadêmico infantil, além de poder ser também um período de vulnerabilidade. Ou seja, conforme Anderson et al. (2003), nessa fase é possível verificar crianças que não conseguem realizar atividades comuns a sua idade cronológica, tendo, portanto, um atraso no desenvolvimento. Podemos observar na literatura que não há um consenso sobre o termo referente ao atraso no desenvolvimento. Alguns autores, segundo Coelho e Rezende (2011), relacionam o atraso no desenvolvimento a um retardo mental, já outros associam-se a algumas disfunções neuromotoras como, por exemplo, a paralisia cerebral, enquanto outros, referem-se ao termo para definir um 30 grupo de crianças prematuras que apresentam escore em testes de desenvolvimento mais baixos. Apesar de não haver uma uniformidade sobre o termo, o atraso no desenvolvimento vem sendo usado frequentemente para “identificar crianças que apresentam algum atraso para atingir marcos desenvolvimentais em uma ou mais áreas do desenvolvimento” (COELHO; REZENDE, 2011, p.299). Rydz et al. (2005), recentemente, descreveram os conceitos sobre os domínios do desenvolvimento em quatro áreas: Tabela 2: Domínios do desenvolvimento ÁREAS DOS DOMÍNIOS DO DESENVOLVIMENTO CONCEITOS Desenvolvimento motor Compreende tanto a habilidade motora grossa (controle de grandes grupos musculares envolvidos na marcha, sentar ou transferência de posição) quanto habilidades motoras finas (a manipulação de objetos com as mãos a fim de comer, desenhar, brincar etc.). Atraso motor é definido como um atraso significativo nas habilidades motoras sem o comprometimento em outras categorias desenvolvimentais. Desempenho de linguagem Consiste em habilidades de articulação, linguagem receptiva e expressiva e no uso de símbolos não- verbais. Qualquer atraso significativo 31 Fonte: Coelho e Rezende (2011) na linguagem ou na habilidade de comunicação sem comprometimento em outras categorias desenvolvimentais é classificado com uma desordem desenvolvimental de linguagem, disfasia desenvolvimental ou deficiência específica da linguagem. Desenvolvimento adaptativo ou cognitivo Medida da habilidade da criança de resolver problemas através da intuição, percepção e raciocínio verbal e não-verbal. Portanto, ela compreende não a habilidade de aprender e entender, mas também de reter essa informação e aplicá-la quando necessário. Desenvolvimento social ou pessoal Compreende as interações da criança, como mostrado pela formação e manutenção das relações e respostas na presença de outros. Desenvolvimento pessoal envolve a formação de habilidades de autocuidado em várias atividades da vida diária, tais como alimentação, vestir e higiene pessoal. O atraso psicossocial apresenta-se como um comportamento atípico pela quantidade, severidade, natureza e duração de suas respostas. 32 A Terapia Ocupacional, segundo Palisiano et al. (2004), irá considerar crianças com atraso no desenvolvimento quando as mesmas não são capazes de realizar uma ocupação ou desempenhar uma atividade com um propósito dentro de um ambiente. E assim com base nas sete Áreas de Abrangência ou de Ocupação da Terapia Ocupacional, como Atividade de Vida Diária (AVD), Atividades Instrumentais da Vida Diária (AVP), Educação, Trabalho, Brincar, Lazer e Participação Social, observará que no desenvolvimento e desempenho infantil é possível levar em conta três dessas áreas, Brincar, AVD e Educação, onde a participação da criança encontra-se inserida nesses contextos. Frequentemente, crianças com atrasos no desenvolvimento apresentarão desafios no desempenho ocupacional que irá afetar diretamente em sua participação social, assim como na sua vida diária, escolar e de brincar, citado anteriormente. Dessa forma, a partir de alguns instrumentos de avaliação, a Terapia Ocupacional em sua intervenção conseguirá identificar causas e fatores de risco mais relevantes, além de verificar o impacto desse atraso sobre o cotidiano da criança. Entretanto, o terapeuta ocupacional deverá considerar as diversas possibilidades de impacto do atraso no desenvolvimento nos papeis ocupacionais da criança quando houver sentido e for relevante para a própria criança ou para a família, o que refletirá na queixa apresentada ao profissional. E então, promover a essa criança com atraso no desenvolvimento oportunidades, experiências e participação na construção de sua identidade, autonomia e cidadania. Alguns terapeutas ocupacionais vem apresentando reflexões importantes sobre a atividade do brincar como forma de intervenção nos atendimentos de crianças com atraso no desenvolvimento e/ou disfunções funcionais. Blanche (2000, p. 202 -217) apresenta três papéis do brincarem relação às crianças com deficiência, associados ou não a limitações cognitivas: • O brincar como uma ocupação importante da infância – em que promove o contexto fundamental para a aprendizagem e a 33 adaptação. É assim considerado devido ao fato de ter uma função na preparação para o desempenho da vida adulta; • O brincar como uma recompensa ou motivação da criança no atendimento de Terapia Ocupacional, que instiga a criança a interagir com o ambiente e, assim, atingir o objetivo do tratamento. Nessa definição estão colocados o uso dos brinquedos, atividades e jogos apropriados para encorajar a participação ativa da criança na sessão terapêutica; • Como meio para a aquisição de atividades funcionais; Portanto, de acordo com Reis e Rezende (2011), há de ressaltar que o brincar e a terapia não são sinônimos. Consequentemente, no atendimento às crianças com atraso no desenvolvimento, observa-se um ambiente terapêutico rico em brinquedos que irão ser utilizados com um direcionamento pelo terapeuta ocupacional. Rast (apud REIS; REZENDE, 2011) aborda a diferença entre o brincar e a atividade de brincar. Segundo a própria autora, o brincar é intrinsecamente motivado, ou seja, realizado de forma voluntária e para o prazer da própria criança. Já a atividade do brincar “é um procedimento terapêutico planejado conforme os objetivos de tratamento previamente definidos com base na avaliação” (REIS; REZENDE, 2011, p. 340). Ao propor um ambiente adequado para o desenvolvimento do brincar das crianças com atraso no desenvolvimento, o terapeuta ocupacional, segundo Reis e Rezende (2011, p. 341), deve observar alguns critérios, como: • As habilidades funcionais, motoras, verbais e de comunicação, além da codificação da linguagem verbal da criança; • O nível de complexidade dessa criança nas suas relações com objetos e sua habilidade na resolução de problemas envolvendo brinquedos e objetos; • A capacidade da criança de imitar uma situação de brincar; 34 • O potencial da criança de alcançar e lidar com a abstração e o simbólico; • O tipo e a qualidade da relação da criança com tecnologias e novos objetos; • Observações de outros profissionais e dos próprios familiares que lidam com a criança no seu dia-a-dia. A partir da atenção a esses fatores, caberá ao terapeuta ocupacional: “variar o contexto do brincar; envolver a criança na escolha, na discussão e no planejamento do brincar; aproveitar as experiências da ‘vida real’ e a experiência da criança do mundo real; compreender que nem sempre a brincadeira acontece com o faz-de-conta; assegurar que, mesmo abastecido com materiais tradicionais, isso pode não garantir o melhor aproveitamento da criança; aceitar que os adultos precisam reconhecer e participar do brincar infantil; ouvir e observar cuidadosamente; e continuar questionando suposições pessoais e profissionais acerca do brincar” (REIS; REZENDE, 2011, p. 343). Assim, o terapeuta ocupacional buscará identificar, em sua especificidade, como poderá atuar com a criança com atraso no desenvolvimento, considerando as características individuais e de seu contexto. 2.2. PSICOMOTRICIDADE A Associação Brasileira de Psicomotricidade – ABP define a Psicomotricidade como: “a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das 35 aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas e é sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto”. Portanto, a Psicomotricidade será compreendida como uma concepção de movimentos integrados e organizados a partir de experiências vivenciadas pelo sujeito, onde a sua ação é resposta de sua singularidade, sua linguagem e sua socialização. A seguir, será abordado a história do conceito da Psicomotricidade e como ocorre as etapas psicomotoras de uma criança típica. 2.2.1. História e definições da Psicomotricidade O termo Psicomotricidade, de acordo com a ABP (2016), surge em meio ao discurso médico neurológico, no início do século XIX, visando classificar as zonas situadas no córtex cerebral e das regiões motoras. Devido as constatações e a evolução da neurofisiologia, inicia-se então as descobertas de que um cérebro mesmo que não esteja lesionado ou não aparente claramente uma lesão localizada, poderia apresentar diferentes disfunções graves. Portanto, começa-se a descobrir distúrbios da atividade gestual e da atividade práxica, além de concluir que o “esquema anátomo-clínico”, utilizado na época, com o objetivo de determinar para cada sintoma uma lesão focal correspondente não conseguia explicar alguns fenômenos patológicos. Por causa dessa necessidade médica em encontrar uma área que pudesse explicar determinados fenômenos clínicos, segundo ABP (2016), nomeiam-se pela primeira vez o termo Psicomotricidade, no ano de 1870 e as primeiras pesquisas referentes ao campo psicomotor seguiram uma linha restritamente neurológico. No Brasil, a ABP (2016) afirma que a Psicomotricidade foi norteada pela escola francesa, escola essa que desde o início do século XX, período da primeira guerra mundial e quando as mulheres conseguiram reconhecimento no trabalho formal deixando assim seus filhos em creches, também influenciou mundialmente a psiquiatria infantil, a psicologia e a pedagogia. 36 Em 1909, conforme Oliveira (2001), Dupré, neuropsiquiatria, foi uma figura de extrema importância para a Psicomotricidade, pois o mesmo defendia a relação entre o movimento e o pensamento, além de dar destaque ao desequilíbrio motor, denominando tal quadro de debilidade motriz. Dupré observou uma correlação entre as anomalias tanto psicológicas quanto motrizes, reformulando assim o termo Psicomotricidade. Em paralelo a esse período, André Thomas e Saint-Anné Dargassie iniciava os estudos sobre o tônus axial e assim, os conceitos e as descobertas sobre a maturação e os reflexos tônicos arcaicos do nascimento dos primeiros anos de vida ajudaram a produzir as primeiras concepções da Psicomotricidade. Além de Dupré, André Thomas e Saint-Anné Dargassie há muitos escritos sobre o significado e a importância da Psicomotricidade. De acordo com a ABP (2016), Henry Wallon, médico psicólogo, em 1925, defendia a teoria de que o movimento humano era um instrumento fundamental na construção do psiquismo, ou seja, “sempre a ação motriz que regula o aparecimento das formações mentais” (WALLON, 1979, p.17). Assim, Wallon relacionou o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo, afirmando que ”movimento (ação), pensamento e linguagem são uma unidade inesperável. O movimento é o pensamento em ato, e o pensamento é o movimento sem ato” (WALLON apud FONSECA, 1987, p.30) e também abordou em seus discursos estudos sobre o tônus e o relaxamento. Segundo ABP (2016), já em 1947, Julian de Ajuriaguerra, psiquiatra, redefiniu o conceito de debilidade motora, afirmando que a mesma seria uma síndrome com suas próprias particularidades, além de acreditar que seria um erro estudar a Psicomotricidade apenas pelo viés motor. Ajuriaguerra também delimitou de forma mais clara os transtornos psicomotores, que, conforme o próprio psiquiatra, oscilaria entre o neurológico e o psiquiátrico. E assim, o psiquiatra aproveitou o arcabouço teórico de Wallon sobre o tônus para estudar o diálogo tônico, que também serviu de base teórica para a prática de relaxação psicomotora de Gisele Soubiran. 37 Com essas e outras contribuições, segundo Lussac (2008), a Psicomotricidade passou a adquirir sua especificidade e autonomia, se diferenciando de outras disciplinas. A partir da década de 1970, alguns autores passam a definir a Psicomotricidade como uma motricidadede relação. Nesse mesmo período, alguns profissionais estrangeiros vieram ao Brasil para iniciar as primeiras formações de profissionais brasileiros, possibilitando anos depois a organização do 1º Encontro Nacional de Psicomotricidade e a criação no país do Grupo de Atividades Especializadas (GAE), que promoveu, a partir da década de 1980, encontros nacionais e latino-americanos. O GAE, que ficou responsável pela parte clínica, e o Instituto Superior de Psicomotricidade e Educação (ISPE), de acordo com Lussac (2008), se dedicaram à formação de profissionais em Psicomotricidade no país, fazendo vínculos científico-cultural com a Escola Francesa, por meio da delegação brasileira da Organisation Internationale de Psychomotricité et de Relaxation – OIPR. Em 19 de abril de 1980, afirma Lussac (2008), foi fundada a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP), uma entidade de caráter científico- cultural sem fins lucrativos, com o objetivo de buscar a regulamentação da profissão, aproximar os profissionais da Psicomotricidade e contribuir para o progresso desta ciência, através de congressos, encontros científicos, cursos, dentre outros. A partir de então, conforme também Lussac (2008) a Psicomotricidade começa a delimitar uma diferenciação entre a postura reeducativa e terapêutica, apresentando diferenças na sua intervenção, deixando de se preocupar com a técnica instrumentalista e passando a ocupar-se do corpo em sua integralidade. Essa nova intervenção, progressivamente, irá dar importância também à relação, à afetividade e ao emocional. Portanto “a psicomotricidade não é a soma da psicologia com a motricidade, ela tem valor em si. Para o psicomotricista, o conceito de unidade ultrapassa a 38 ligação entre psico e soma. O indivíduo é visto dentro de uma globalidade, e não num conjunto de suas inclinações” SBP (apud Lussac, 2008). De acordo com as palavras de Defrontaine “La psychomotricité est le désir de faire, du vouloir faire; le savoir faire et le pouvoir faire” (DEFRONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p.28), ou seja, “a psicomotricidade é um caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer; o saber fazer e o poder fazer” (ibidem, 2001, p.34). O autor também afirma que a psicomotricidade pode ser entendida por meio de uma triangulação: corpo, espaço e tempo, juntamente com a definição dos dois componentes da palavra: “psico” dando o significado aos elementos do espírito sensitivo, e a “motricidade” relacionando ao movimento, a mudança no espaço em detrimento do tempo e em relação a um sistema de referência (ibidem, 2001, p.35). Entretanto, Fonseca (1988, p.332) ressalta para um possível erro de tentar analisar e observar os dois componentes de forma distinta: o psíquico e o motor, porque “ambos são a mesma coisa”. Por isso, o mesmo declara: “Defendemos, através da nossa concepção psicopedagógica, a inseparabilidade do movimento e da vida mental (do ato ao pensamento), estruturas que representam o resultado das experiências adquiridas, traduzidas numa evolução progressiva da inteligência, só possível por uma motricidade cada vez mais organizada e conscientizada” (p.332). Assim, Fonseca (1988) acredita que o movimento é o resultado de uma realização intencional, que envolve a expressão da personalidade do indivíduo, por isso necessita ser analisado não por aquilo que se vê e se executa, mas sim por aquilo que representa e origina tal movimento. E Fonseca (1988) assim como Le Boulche (1984) identificaram que a Psicomotricidade deve ter sua própria identidade, não sendo exclusividade nem de um novo método ou nem de uma escola ou de uma corrente de pensamento e nem ser apenas uma técnica ou processo, mas tendo um objetivo educativo através do emprego do movimento humano. 39 Trazendo uma conceituação mais atual sobre a Psicomotricidade, Nicola (2004) afirma que o indivíduo em suas relações com o corpo em movimento será o objeto de estudo dessa ciência e suas formas de atuação, conforme a aplicação prática, se configurará uma nova especialidade, onde estudará, portanto, o homem em sua unidade como pessoa. Nicola (2004) também traz outro conceito baseado na junção do termo “motricidade” e do prefixo “psico”: “Motricidade: por definição conceitual é a propriedade que têm certas células nervosas de determinar a contração muscular. Psico (Gr Psyquê): vem representar a alma, espírito, intelecto. Psicomotricidade: condição de um estado de coisas corpo/ mente. Visão global de um indivíduo, onde a base de atuação está no conhecimento desta fusão” (2004, p.5). Outro autor, Jacques Chazaud (apud ALVES, 2012, p.17) afirma que “a Psicomotricidade consiste na unidade dinâmica das atividades, dos gestos, das atitudes e postura, enquanto sistema expressivo, realizador e representativo do ‘ser-em-ação’ e da ‘coexistência com outrem”. Então, segundo Alves (2011), a Psicomotricidade irá trabalhar o individuo de forma integral, isto é, englobará toda a história de vida do mesmo, desde a parte social, política e econômica, afinal “essa história se retrata no seu corpo” (ALVES, 2011, p. 20). Já o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2011, p.2326), define o conceito de Psicomotricidade como “integração das funções motoras e psíquicas em consequência da maturidade do sistema nervoso”. Já a Sociedade de Psicomotricidade Brasileira – SPB (apud Alves, 2012, p.17) entende a Psicomotricidade como “uma ciência que tem por objeto o estudo do homem através do seu corpo em movimento nas suas relações com seu mundo interno e externo”. Conforme Alves (2012), a função psicomotora contará com a integração tanto da motricidade, como resposta do sistema nervoso a uma ação sobre a cadeia muscular e da estimulação sensorial, quanto com o psiquismo que 40 reúne as diversas sensações, percepções, imagens, pensamentos, afetos, dentre outros. Assim, tal função psicomotora não poderá ser vista de modo desmembrado, pelo contrário, cada elemento deverá ser compreendido integralmente, ou seja, “como unidade onde se integram a incitação, a preparação, a organização temporal, a memória, a motivação, a atenção etc” (ALVES, 2012, p.18), considerando o conjunto, a história e a significação do sujeito. Portanto, a Psicomotricidade é o corpo em movimento, ou seja, é essa integração do psiquismo e da motricidade juntamente com as ações do indivíduo, que possibilitará que o mesmo consiga expressar suas necessidades e construa sua relação com as outras pessoas. A psicomotricidade consiste então, segundo Alves (2016), na forma de expressar os gestos, no ato de realizar ações e no pensar das atitudes, na forma de representar e apresentar o corpo em movimento, quanto a sua postura, equilíbrio, ritmo e tonicidade na busca de habilidades. 2.2.2. Etapas do desenvolvimento psicomotor da criança O período dos primeiros anos de vida de uma criança é um momento de extrema importância para o seu desenvolvimento que se dá de forma contínua desde o seu primeiro dia de vida, ou seja, “é um processo ordenado, regular e contínuo que envolve todas as áreas do organismo e da personalidade” (ALVES, 2012, p.99). Então, tanto a altura e o peso, quanto a cognição e a afetividade ocorrerá de acordo com influências comuns. Entretanto, segundo Alves (2012), a criança é um ser singular e apesar das fases do desenvolvimento infantil serem iguais entre as crianças, há de se observar suas diferenças quanto a sua personalidade, o meio e o ambiente familiar que vivem, que irão interferir diretamente no comportamento de crianças com idades semelhantes, diferenciando-as entre si. Ou seja, para a criança alcançar cada etapa do desenvolvimento, Alves (2016) acredita que será necessário a interação entre a composição biológica, que promoverá a aquisição de habilidades motoras na criança, influenciada 41pelo relacionamento de sua maturação e dos processos de aprendizagem juntamente com o desenvolvimento cognitivo e das circunstâncias do meio. No período do desenvolvimento infantil, Alves (2016, p.184) baseada nos estudos de Jean Piaget, afirma que didaticamente, há estruturas que permitem descrever as etapas sociocognitivo-afetivo-motor no qual as criança irão passar, como, segundo Martins et al. (2012): • Fase sensório-motora: Etapa que compreende desde o nascimento até os dois anos de idade e onde predomina o desenvolvimento das percepções e dos movimentos. Neste momento, a criança não consegue se distinguir dos objetos que as rodeiam e nem compreende as relações entre os objetos independentemente dela. Então, a criança irá se organizar por meio das percepções e dos movimentos organizados em esquema de ação, gerindo assim os seus reflexos inatos, transformando-os em ações de prazer ou interesse. Também passa a ser um momento em que a criança começa a iniciar a consciência de si, como uma entidade física separada, além de ocorrer uma série de ajustamentos que o organismo tem de fazer, em função das exigências do meio. O que acontecer com esse indivíduo nessa fase será crucial na importância para todo o processo do desenvolvimento. Nessa fase, observa-se que o bebê adquire o conhecimento por meio das suas próprias ações, que serão controladas por informações sensoriais imediatas. Ou seja, ao nível da ação, a criança irá construir noções fundamentais para o desenvolvimento ulterior, como a noção de objeto permanente e a de causalidade, até porque ao desaparecer do campo perceptivo do bebê, o objeto deixou se existir para ele. Assim, ao chegar aos 18 meses, a criança já apresentará capacidade de estabelecer relações objetivas de causalidade, na medida em que se serve meios apropriados para alcançar os seus fins. Portanto, irá tratar de uma causalidade egocêntrica, que estará ligada à própria ação da criança, caracterizada pela ausência de relações objetivas entre o meio e o fim a atingir. 42 Nessa fase também é possível destacar alguns aspectos importantes do desenvolvimento psicossocial como: a aquisição da linguagem articulada; o desenvolvimento emocional através do qual o indivíduo deixa de funcionar a nível puramente biológico e passa ao processo de socialização dos seus próprios atributos fisiológicos; a aquisição do sentido de moral, que permite ao indivíduo a formação de um sistema de valores no qual as necessidades secundárias se tornam mais salientes e decisivas do que as próprias necessidades psicológicas. Essa etapa subdivide-se em 6 subetapas: • Uso do reflexo: Compreende desde o nascimento da criança até o primeiro mês de vida e consegue-se observar nessa fase a presença dos elementos básicos dos padrões motores e perceptivos, tanto do ponto de percepção propriamente dita, como no ponto de vista do comportamento expressivo. • Reações circulares primárias: Etapa que inicia no primeiro mês de vida até o terceiro mês, a criança apresenta um tipo de comportamento que providencia o seu estímulo ou para a própria repetição ou para a continuação do comportamento iniciado. Também verifica- se a substituição de alguns esquemas inatos por movimentos voluntários, ou seja, a criança já começa a “olhar” para as coisas ao seu redor, perdendo assim algo do seu egocentrismo e iniciando a tomar conhecimento do mundo ao seu redor. • Reações circulares secundárias: Fase que acontece entre o quarto ao oitavo mês de vida, a criança se relaciona mais com o meio externo do que com o próprio corpo, revelando assim em seus movimentos uma intenção, desejo ou propósito. Portanto, a criança 43 começará a tomar consciência do mundo ao seu redor, mesmo que não seja capaz ainda de se interessar por determinados objetos que se encontram no seu meio físico. Entretanto, já começa a reconhecer objetos e pessoas que são familiares, além de adquirir a ideia de um mundo externo estável, apesar de não ter ainda a noção de permanência dos objetos. Ou seja, uma evidência da percepção da criança sobre os objetos ao seu redor é que, quando o objeto desaparece de sua visão, a mesma procura-o. • Aplicação da esquematização secundária a novas situações ou Reações circulares coordenadas: Etapa que percorre dos 8 aos 12 meses, exibe uma criança que já inicia um comportamento antecipatório, ou seja, já utiliza sinais para prever ou antecipar futuros eventos. Então, a criança conseguirá a usar novos esquemas em diferentes situações para resolver determinados problemas, além de adquirir a noção elementar de permanência dos objetos e a noção de espaço. • Reações circulares terciária: Compreende dos 12 meses até os 18 meses e caracteriza-se pelo comportamento repetitivo da criança. Também existe uma tentativa dessa criança no sentido de variar a sua ação sobre os objetos, a fim de conseguir diferentes resultados e o início da experimentação por tentativa e erro como método de solucionar problemas ou de aprender algo novo, sendo uma das características fundamentais do comportamento inteligente. • Invenção de novos meios pelas combinações mentais: Período entre os 12 aos 24 meses, onde aprimora-se a capacidade de resolver problemas sem a necessidade de 44 explorar fisicamente suas possibilidades, ou seja, nessa etapa a criança é capaz de inventar soluções internas por meio da imaginação visual ou simbólica. • Fase de pensamento pré-operatório: Dos dois anos de idade até os sete anos, é um período onde há a preparação e a organização da inteligência operatória concreta, ou seja, a criança já consegue manipular o seu ambiente simbólico através de suas representações ou pensamentos sobre o mundo externo. E assim, a criança aprende a representar os objetos por meio de palavras e de as manipular mentalmente. É um período também em que os fundamentos da personalidade do indivíduo, lançados anteriormente, começam a tomar formas mais claras e definidas. Observa-se consideráveis mudanças físicas e a maturação neurofisiológica se completa, apresentando a função semiótica ou simbólica, que irá assinalar o início do pensamento, isto é, a capacidade de criar símbolos para substituir ou representar os objetos, lidando mentalmente com eles. Nesse período a criança nutre um respeito aos indivíduos que julga superiores a ela. • Fase de operações concretas: Fase entre os sete aos onze anos, verifica-se que o crescimento físico da criança é mais lento se comparado às etapas anteriores, onde as diferenças resultantes do fator sexo começam a acentuar mais nitidamente. Também a criança adquire uma autonomia crescente em relação ao adulto, passando a organizar os seus próprios valores morais, passando a enfrentar as opiniões e ideias dos mesmos. A grupalização com o sexo oposto diminui e deixam de confundir o real com a fantasia, além de passar a ter uma representação mental das pessoas e dos objetos, passando a classificar tais objetos a partir de suas similaridades e diferenças. Nessa fase, as crianças ganham uma linguagem oral e começam a realizar operações matemáticas, a ter noções de tempo e de número. • Fase de operações formais: Entre 11 anos em diante, essa etapa é caracterizado pela generalização do pensamento e por um apuro da 45 lógica, ou seja, a criança aprende a manipular ideias abstratas, a formular hipóteses e a avaliar as implicações do seu pensamento e dos outros. Também adquire a capacidade de se envolver no raciocínio proposicional, possuindo um pensamento de natureza auto-reflexiva, além de começar a definir conceitos e valores. Portanto, segundo Alves (2016), o desenvolvimento infantil deve ocorrer de forma equilibrada, através da “exploração dos objetos, nas condutas sensório-motoras, nas possibilidades do meio, no conhecimento dooutro, na consciência de si mesma e do mundo exterior” (p.172), pois somente assim a criança conseguirá construir suas noções básicas para se desenvolver. 2.2.3. Aspectos do desenvolvimento psicomotor A Psicomotricidade, de acordo com Alves (2016), possibilita o indivíduo a se conscientizar de seus movimentos corporais juntamente com suas emoções e se expressando através dele. Como observamos no subcapítulo anterior, desde o nascimento até os oito anos de idade é um momento de extrema importância para trabalhar alguns aspectos, do desenvolvimento, como o motor, o intelectual e o socioemocional, onde ocorre também a instalação das principais dificuldades da criança. Integrando assim as condutas psicomotoras, Alves (2016) afirma que, didaticamente, a Psicomotricidade será subdividida em conceitos funcionais e relacionais. Os conceitos funcionais são: “aqueles que referem-se à ação, qualidade e mensuração quando percebidos em uma integração motora em um tempo e em um espaço, abrangendo a coordenação motora, a postura, o tônus, o equilíbrio, a respiração, o esquema corporal, a lateralidade, o relaxamento, a organização e estruturação espaço- temporal, o ritmo e as percepções” (ALVES, 2016, p. 127). 46 A seguir, verifiquemos cada conceito funcional e o seu significado: Tabela 3: Conceitos funcionais, de acordo com Alves (2016, p. 127-129): CONCEITOS FUNCIONAIS SIGNIFICADO Coordenação Psicomotora Dividida em coordenação dinâmica global ou geral, que controla os movimentos amplos do nosso corpo, permitindo a contração de grupos musculares diferentes, independentemente de movimentos de vários segmentos corporais; Coordenação motora fina, que controla os pequenos músculos e envolve a coordenação visório- motora, que coordena os movimentos em relação ao alvo visual. Postura Ligada ao tônus, constituindo a unidade tônico-postural, facilitando a realização de gestos, e assim prolonga uma ação para levar o corpo a uma posição determinada. Tônus Está presente na firmeza dos músculos, tanto em repouso como em movimento, e dá condição básica para a aquisição de movimentos manuais coordenados que é a coordenação visório-manual. Existem três tipos de tônus: muscular, afetivo e mental. Equilíbrio Dá base a toda coordenação dinâmica global ou geral e está relacionado ao eixo de gravidade, ao sistema labiríntico e ao sistema plantar, necessita do esquema corporal e dos 47 mecanismos neuropsicomotores. Ele pode ser estático e dinâmico. Respiração É ativa quando inspira e passiva quando expira e se faz presente em todas as ações psicomotoras. Esquema corporal É indispensável para a formação da personalidade do indivíduo. É a conscientização do próprio corpo, suas partes e atitudes, bem como suas funções, formando sua imagem corporal e criando a impressão de si mesma. Lateralidade Ligando ao esquema corporal, dá a capacidade de perceber os dois lados do corpo, a noção de direita e esquerda. Primeiro, a criança tem a noção dos dois lados do corpo para dominar e definir um dos lados. A lateralidade pode ser cruzada quando o indivíduo é destro da mão e do olho e canhota de pés e ouvidos, ou vice- versa; contrariada, quando o indivíduo é obrigado a utilizar o seu lado não dominante; e homogênea, quando se é destro ou canhoto. A predominância de um dos lados do corpo se faz em função do hemisfério cerebral. Relaxamento Reduz a tensão muscular, psíquica, proporcionando o conhecimento corporal, uma melhor organização e estruturação espaço-temporal e equilíbrio, ocasionando a função 48 respiratória e circulatória mais adequada e pertinente e só é possível a partir do nível mental em que se encontra o indivíduo. Organização e estruturação espaço- temporal É a capacidade de avaliar o tempo e o espaço, permitindo ao indivíduo se movimentar e se reconhecer no tempo e no espaço, localizando-se e situando-se. Facilita a organização e ordenação dos gestos. Ritmo O ritmo é percebido quando explora o espaço ao redor do corpo. O ritmo opõe-se à ansiedade, inibição, debilidade motora e à rigidez de atitudes. É importante que exista a conscientização do ritmo para se apoiar nele. Existe educação do exercício rítmico quando se tem atenção. Percepções Os estímulos são reconhecidos e compreendidos por meio das percepções. A percepção acontece pelos sentidos: tato, visão, audição, paladar e olfato. A percepção tem de ser estimulada para permitir a criança aprender. A criança chega à ação por meio da percepção, automatiza, se conscientiza daquilo que vê, ouve e sente, chega à memorização, raciocina e age, dando chance e oportunidade para começar a vivenciar e finalizar algo que precisa sequenciar para aprender ou aprender (sequência lógica). A percepção faz com que a 49 criança pense antes de realizar. Portanto, “Enquanto campo de uma prática, a Psicomotricidade não se define por um conjunto de recitas bem organizado, mas pelo dinamismo de um conjunto de exercícios, onde as regras não passam de suportes para uma inventividade renovada a serviço da ‘promoção’ (projeto motor)” (CHAZAUD apud ALVES, 2016, p.127). E assim, conforme Alves (2016), a Psicomotricidade terá como objetivo principal auxiliar na educação e reeducação do indivíduo que possui alguma defasagem e que irá refletir através de uma desorganização psicomotora, deficiência motora, falta de habilidade e atrasos psicomotores, instabilidade e inibição psicomotora, além da diminuição, hipercontrole e retenção. 50 CAPÍTULO III ESTUDO DE CASO: UMA INTERVENÇÃO AMBULATORIAL A UMA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO ATRAVÉS DA TERAPIA OCUPACIONAL E DA PSICOMOTRICIDADE O relato de caso será do paciente Daniel1, que encontrava-se na faixa etária dos 9 anos e esteve em atendimento no ano de 2014 no Ambulatório de Terapia Ocupacional de um instituto de pediatria de uma universidade do município do Rio de Janeiro, devido seu diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo - TEA. O paciente Daniel morava na cidade de Duque de Caxias – RJ e residia em uma casa com os seus pais e com sua irmã mais nova. Na época, encontrava-se estudando na Escola Ursinho Feliz¹, no 1º ano do ensino fundamental, no período da tarde. A criança já tinha realizado anteriormente atendimentos de Terapia Ocupacional em um hospital estadual de sua cidade, porém o mesmo foi interrompido sem justificativa dos pais. A mãe de Daniel trouxe a queixa de que o mesmo era uma criança dependente nas Atividades de Vida Diária - AVDs2, como comer, escovar os dentes, vestir-se, amarrar o cadarço, abotoar a camisa, dentre outros, além de ser uma criança desatenta e dispersa. Tomava o remédio Respiridona, 0,25 mg no período da manhã e da tarde. E a mãe alegava que Daniel já tinha usado Ritalina durante 2 meses, “porém ele ficou mais agitado” (sic). Daniel nasceu de 37 semanas, de parto cesárea, e a mãe do paciente relata ter realizado pré-natal na maternidade de uma universidade federal, no bairro de Laranjeiras – RJ. Não houve intercorrências durante a gravidez, tendo o seu APAGAR 8/9 e sendo amamentado até 1 ano e 4 meses de idade. 1 Nome fictício. 2 As Atividades de Vida Diária (AVDs) são aquelas atividades relacionadas ao cuidado do indivíduo para com seu próprio corpo (LEITE; CORREIA, 2013, p.20). 51 A mãe do Daniel relata que quando a criança tinha 2 anos de idade, começou a observar que a mesma tinha dificuldades de ir a locais não familiares, agarrando o pescoço da mesma e ficando com medo, além de apresentar dificuldades para entrar na escola e não apresentar muito “chamego” (sic). Então, Daniel iniciou