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FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE ESPORTES INDIVIDUAIS E COLETIVOS João Paulo dos Passos-Santos E d u ca çã o F U N D A M E N T O S T E Ó R IC O S D E E S P O R T E S IN D IV ID U A IS E C O L E T IV O S Jo ão P au lo d os P as so s- S an to s Curitiba 2019 Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos João Paulo dos Passos-Santos Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. P289f Passos-Santos, João Paulo dos Fundamentos teóricos de esportes individuais e coletivos / João Paulo dos Passos-Santos. – Curitiba: Fael, 2019. 352 p.: il. ISBN 978-85-5337-078-8 1. Jogos - Técnicas I. Título CDD 796 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/Eugene Onischenko Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo | 7 2. O que são esportes individuais e coletivos? | 31 3. Modalidades esportivas: especificidades e objetividades | 65 4. Abordagens gerais do ensino esportivo | 99 5. Iniciação esportiva: como iniciar a vida esportiva? | 133 6. Características técnicas, táticas e normatizações no esporte | 163 7. Esporte escolar e a questão da cultura | 201 8. Esportes em âmbitos não escolares: lazer, escolinha de treinamento e profissionalização | 229 9. Populações com necessidades específicas e a prática esportiva | 263 10. Práticas esportivas alternativas: para além do esporte convencional | 295 Gabarito | 325 Referências | 335 Prezado(a) aluno(a), Os esportes estão entre os fenômenos socioculturais mais importantes da humanidade. Por tal motivo, compreendê-los pode ser muito significativo às pessoas, especialmente às que se interessam por estudos relacionados à cultura humana. Nessa obra, você irá descobrir os aspectos históricos e antropológicos dos esportes individuais e coletivos, além do estudo teórico-prático de diversas abordagens pedagógicas para o ensino de esportes em diferentes faixas etárias e para a inicia- ção esportiva da população especial. Carta ao Aluno – 6 – Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos Para facilitar a compreensão, o conteúdo foi dividido em 10 capítu- los que trazem as principais correntes pedagógicas e sua relação com as atividades esportivas nas dimensões escolar, de lazer ou de rendimento, que permitirão ao aluno adquirir a segurança para atuar no mercado de trabalho com a abordagem correta para cada situação. Diante do exposto, espero que você possa saborear dessa obra cons- truída com muito suor e carinho, e que ela consiga contribuir na sua for- mação acadêmica. Bons estudos! 1 Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo Falar a respeito de esportes é muito prazeroso para a maioria das pessoas, tendo em vista que as práticas corporais apresentam inúmeros benefícios em diversos aspectos: biológico, social, cul- tural, psicológico, dentre outros. Por outro lado, aos profissionais de áreas correlatas aos estudos ligados ao movimento humano, como a Educação Física e Esportes, Fisioterapia, ou a quem mais se interessar pela temática e utilizá-la como objeto de estudo ou de trabalho, é fundamental aprender a respeito da origem desse fenômeno, e elaborar saberes que elevem o conhecimento comum ao científico. Nesse sentido, o esporte observado como fenômeno com centralidade humana, necessita de resgates antropológicos e his- tóricos, pois como cita Gebara (2016), dessa forma ele poderá ser interpretado e reinterpretado, possibilitando compreensões que o direcionem aos diversos significados possíveis. Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 8 – 1.1 A origem dos esportes: aspectos históricos e antropológicos dos jogos É comum a existência de simples praticantes e profissionais das diversas modalidades esportivas que dizem que “competir é humano”, como uma forma de ressaltar o prazer dos aspectos lúdicos dessa ativi- dade, priorizando a ação em detrimento de seu resultado. Há quem diga, também, que “não entra em um jogo se não for para ganhar: não gosta de perder nem no par ou ímpar”, enfatizando, assim, sua personalidade carac- terizada como competitiva. Em ambos os casos, geralmente o fazem sem compreensões históricas e sociais de tal sentimento. Nesse contexto, entende-se, com fundamentos de Huizinga (1996), que as questões básicas da competitividade no esporte estão presentes em todo o período da humanidade, e é necessário compreender que: Em algumas dessas formas, as provas de força e velocidade cons- tituem a própria essência da competição, como nas corridas a pé e de patins, de carros e de cavalos, no levantamento de peso, na natação, no mergulho, no tiro ao alvo, etc. Embora os seres huma- nos tenham praticado essas atividades desde o início dos tempos, essas só em pequena medida costumavam assumir a forma de jogos organizados. Mas todo aquele que não esquecer o princípio agonístico que as anima terá forçosamente de considerá-las jogos no sentido pleno da palavra — isto é, atividades que podem ser extremamente sérias. Aliás, há outras formas de competição que se tornaram “esportes” sujeitos a um sistema de regras, como é o caso dos jogos de bola. (HUIZINGA, 1996, p. 118). Compreende-se que, em algumas atividades corporais, é muito difí- cil jogar sem haver competição, em especial as que exigem mais das capacidades físicas humanas1 ou controle/uso de animais ou objetos2 com outras pessoas envolvidas, pois o princípio é, por exemplo, desempe- 1 As capacidades físicas humanas são entendidas como os aspectos biológicos possíveis de desenvolvimento. Os atributos físicos básicos são força, velocidade, resistência e flexibili- dade, responsáveis por sustentar a base biológica humana: aparelho locomotor, circulatório e respiratório. Para mais informações ler: GARCIA C. P. Fundamentos teóricos de las capacidades físicas. Vision Libros: Madrid, 2009. 2 Entende-se por jogos que necessitam de algo a mais para sua realização, como um objeto ou animal controlado por uma pessoa, em que as capacidades físicas são potencializadas para chegar a um objetivo pré-estabelecido. – 9 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo nhar a velocidade e/ou força muscular para saber quem chega primeiro, ou quem é mais preciso ou resistente. Seja qual for a idade, realidade social, cultural e econômica, é de praxe observar a provocação dentre os partici- pantes de jogos, especialmente os que exigem condicionamento físico e/ ou percepções: vamos ver quem chega mais rápido? Quem acerta o alvo? Quem suporta por mais tempo? Estas provocações são originárias de contrariedades dentre os indi- víduos, hoje organizadas e conhecidas como ações esportivas individuais, ou seja, todos os participantes competem entre si, exigindo pouca orga- nização do grupo, tendo em vista que não é necessário coordenar-se com outras pessoas para atingir um objetivo comum. O universo simbólico do jogo necessita de motivação do participante. Nesse sentido, o observa- dor passivo nem sempre consegue identificar se ele é realmente lúdico, pois, para isso, são necessários conhecimentos relacionados aos aspectos socioculturais que iniciaram e deram prosseguimento à atividade. É pos- sível conferir na figura a seguir exemplos de diversas situações que, de acordo com os contextos, podem ser ou não jogos, com aspectos lúdicos. Figura 1.1 – Exemplos de diversos jogos Fonte: Shutterstock.com/ Hibrida Assim, Wittgenstein (2000) discorre que o conceito “jogo” é de difí- cil explicação, pois é múltiplo e ao mesmo tempo indefinido. Funciona, entretanto, como uma família, sendo agrupado de acordo comsuas carac- terísticas (tabuleiro, bola, azar, linguagem etc.), e o que é jogo para um, pode não ser para outra pessoa, ou, em situações diversas, difere para o Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 10 – mesmo sujeito. Kishimoto (2011, p. 28) analisa “[...] o que Wittgenstein ressalta: o termo se explicita no uso, na espécie de jogo a que o usuário está se referindo, no sentido que deu ao termo”. Desse modo, o jogo é definido de acordo com as aprendizagens de quem o conceitua, por exemplo, jogar futebol pode ser lúdico para uma situação em que o objetivo é apenas a ação por afinidade com a prática, porém, em situação de ensino, pode não ser. Direta ou indiretamente, é a experiência que determina a ligação ao ambiente do jogo, pois é possível que alguém “[...] tenha aprendido o jogo sem aprender as regras ou formulá-las. Ele pode ter aprendido ini- cialmente, pela observação [...] e ter progredido pela constante complexi- ficação [...]”. Mas, para questionar a respeito do conteúdo da atividade, é necessário saber se o jogador de fato conhece algo a respeito dos conceitos empregados, ou ainda está em processo, portanto ainda não foi tomada consciência (WITTGENSTEIN, 2000, p. 28). Para Soares et al. (2012, p. 103), todavia, as instituições sociais, como a escola, devem reconsiderar sua função lúdica em relação aos jogos, tendo em vista que eles vêm funcionando como um “[...] celeiro de talentos espor- tivos, que tem condicionado a avaliação a detectar talentos. Reconsiderar também o princípio do rendimento: ‘mais alto’, ‘mais forte’ e ‘mais veloz’, passando-se a privilegiar os princípios da ludicidade e da criatividade”. Adorno (1995), ao discorrer a respeito da função da educação escolar moderna, marcada pela tendência à barbárie humana, ou a resistir a ela, em conversa com o pesquisador também alemão Hellmut Becker, reflete a respeito da função do jogo na experiência formativa, dizendo que, para a efetivação de tal processo, “isto levaria a um predomínio do aspecto lúdico no esporte frente ao chamado desempenho máximo. Considero essa uma inflexão particularmente humana inclusive neste âmbito dos exercí- cios físicos, a qual, segundo penso, parece ser estritamente contrária às concepções vigentes no mundo”. (ADORNO, 1995, p. 163). É evidente que a questão do exagero no aspecto competitivo, não é um problema apenas da escola. Isto acontece, pois esse ambiente reproduz a lógica da vida contemporânea, em que a individualidade – 11 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo deve prevalecer à coletividade. O sentido de coletividade é pensado neste texto, com a ideia de que para chegar ao êxito, não é necessário massacrar ninguém, e o objetivo do esporte como um jogo que é, tomou esse rumo com os princípios em que se vive atualmente. Para utilizar o lúdico na escola, são necessários muitos esforços por parte de toda a comunidade, retomando os princípios do jogo das sociedades primitivas, que não deixavam de competir, porém, com objetivos direciona- dos às recompensas simbólicas, promovendo a criatividade para alcançar tais ideais relacionados geralmente à honra, à subsistência ou à diversão. Logo, o homem produzia todos os recursos, aprendia e se desenvolvia para chegar a seu objetivo, sem separar o trabalho corporal e mental. As reflexões ligadas à corporeidade, como um fenômeno apenas de corpo biológico, têm como exemplo o esporte contemporâneo, já que muitas vezes visa apenas à prática, sem reflexões em seus aspectos culturais, pois é um jogo pronto que afirma em suas regras o que é e o que não é permitido, produzindo conhecimentos em sua realização, quase que, exclusivamente, no sentido da criação de jogadas para vencer o adversário (técnica e tática), pois quem criou o universo lúdico anteriormente, e o aperfeiçoou, foi um terceiro. Isso possibilita um equívoco de compreensão, porque sobre o corpo, são tecidas culturas diversas. Segundo Daolio (2013, p. 34), [...] homens de nacionalidades diferentes apresentam semelhanças físicas. Para além das semelhanças ou diferenças físicas, entretanto, existe um conjunto de significados que cada sociedade escreve nos corpos dos seus membros ao longo do tempo, significados estes que definem o que é corpo de maneiras variadas. Desse modo, em relação às características do ser humano como ser cul- tural por meio do lúdico, Huizinga (1996) fundamenta que, mesmo antes à civilização, existe originalidade no ambiente do jogo, pois, por sua contrarie- dade, produz cultura ao opor-se a alguém, ou a um grupo. Isso ocorre desde os rituais do homem primitivo até a capacidade humana criadoura de costumes, em que o lúdico favorece em troca a necessidade de honra, dignidade, supe- rioridade e beleza, em detrimento do desenvolvimento quase que de forma inata do ritmo, da harmonia, da mudança, da alternância, do contraste, do clí- max, etc. À medida que a sociedade vai se desenvolvendo e se reorganizando Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 12 – cada vez mais, recobre-se por camadas culturais de ideias, doutrinas e norma- tizações, e o jogo vai perdendo seu caráter cultural, sendo atribuída a caracte- rística de não sérias e secundárias às necessidades de perfeição. Ao indicar a característica de liberdade no jogo, Huizinga o descreve como voluntário à humanidade, e, quando imposto, são descaracterizadas as ideias antropológicas apresentadas pelo autor (KISHIMOTO, 2011). Nesse sentido: O caráter “não sério” apontado por Huizinga não implica que a brincadeira infantil deixe de ser séria. Quando a criança brinca, ela o faz de modo bastante compenetrado. A pouca seriedade a que faz referência está mais relacionada ao cômico, ao riso, que acompa- nha, na maioria das vezes, o ato lúdico e se contrapõe ao trabalho, considerado atividade séria. (KISHIMOTO, 2011, p. 27). Quando Kishimoto descreve as apreensões da leitura de Huizinga, caracteriza a infância como o centro do ambiente lúdico do jogo, pois na contemporaneidade tal atividade é exclusiva do início do desenvolvimento humano, quando a criança vai “[...] conhecendo objetos humanos, atri- buindo significados às coisas, desenvolvendo sua linguagem, pensamento e atenção, motivada pelo mundo do adulto” (SANTOS, 2018, p. 84), do qual ela é separada, ou proibida de adentrar nele. Ao iniciar a atividade principal conhecida como escola, o ambiente lúdico vai desaparecendo cada vez mais, até que, na vida adulta, quando o trabalho “sério” ocupa o centro das ações humanas, ele quase desaparece, acontecendo apenas como um passatempo. Mesmo assim, com fundamentos de Caillois (1990), entende-se que há no jogo uma “existência institucional”. Assim, não existem os jogos sem as regras. E são as regras que o transformam em um elemento cultural, que necessita de intervalo, descanso e fantasia. A liberdade é outra característica fundamental, e é ela que origina as formas mais complexas e organizadas do jogo. A presença de regras é também para Vigotsky (2007) um ponto impor- tante no jogo, tendo em vista que, mesmo na esfera imaginária, organiza/reor- ganiza o comportamento humano, com base nos conhecimentos da pessoa. O autor exemplifica a interação de duas meninas ao fazer de conta que são irmãs. Elas fantasiam de acordo com o que sabem sobre o conceito “irmã”, desenvol- vendo mentalmente as regras a esse respeito. Em seguida, as regulamentações que eram “lúdicas” são externalizadas, entretanto ainda existem. Conforme – 13 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo a pessoa vai se desenvolvendo, o caráter imaginativo ainda permanece, pois com a limitação na possibilidade de ação pelas normas explícitas, é necessário imaginar novos modos para atingir o objetivo da atividade vivenciada. Dessa forma, o lúdico é muito importante, e “a situação imaginária que os jogos proporcionam, segundo Vigotsky, força a criança a encontrarrespostas para aquilo que vivencia. Nesse momento, ela utiliza o jogo não somente como uma representação do que viveu, mas uma vivência única.” (DALLA VALE, 2010, p. 35). Desse modo, é jogando durante os primei- ros anos de vida que as crianças em completo processo de aprendizagem e desenvolvimento conhecem os fenômenos que as cercam no mundo, geralmente motivadas pelas ações dos adultos, que na contemporaneidade não são as mesmas das crianças, motivadas pelas atividades obrigatórias: trabalho, estudo, etc. E é na imitação dos comportamentos dos adultos que elas vivem experiências criadouras inigualáveis. Kishimoto (2011, p. 28) explica que, no jogo com interação de outras pessoas “[...] nunca se sabem os rumos da ação do jogador, que dependerá, sempre, de fatores internos, de motivações pessoais e de estímulos exter- nos, como a conduta de outros parceiros”. Uma dúvida relacionada ao jogo é a similaridade nas situações de jogo e não jogo. Nem sempre se observa um jogo, porque algumas vezes o participante externaliza tais características na ação, mas o elemento interno do lúdico não está presente. Para capturar tal informação, é neces- sário estar conectado ao jogador para compreender em suas intenções os aspectos lúdicos. (KISHIMOTO, 2011). 1.1.1 Os jogos como atividades infantis: aspectos sugeridos na modernidade Uma compreensão a respeito dos aspectos culturais dos jogos está relacionada à participação de crianças e adultos no ambiente simbólico do jogo, sem distinções, tendo em vista que, de acordo com Ariès (2012), até a Idade Medieval não existia diferença no sentido de infância, ou seja, não havia atividades lúdicas diferentes para crianças. Elas eram gradativa- mente inseridas no mundo dos adultos. Assim, o quadro de Pieter Bruegel, denominado Jogos infantis (1560), é de grande relevância à análise ico- Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 14 – nográfica dos jogos, tendo em vista que demonstra ações corporais prati- cadas em meio a toda a comunidade. Logo se pensa que a necessidade de ambiente competitivo ficava em segundo plano. As práticas corporais do século XVI, período em que o quadro Jogos infantis foi elaborado, refletem o modo de vida daquele período, em que a Europa passava por grandes transformações socioeconômicas e culturais, marcando o fim da idade média e início da modernidade. Na contempo- raneidade, existem as características da vida privada, em contrapartida à coletividade humana, avanço do mercantilismo e êxodo do contexto rural ao urbano. Nessa conjuntura, Rosa (2001), Peters e Costa (2006), Darido e Souza Jr. (2007) e Azevedo e Campos (2017), identificaram 84 brinca- deiras e 250 personagens no quadro de Pieter Bruegel. Para refletir... Autores renomados em estudos relacionados à cultura corpo- ral de movimento, como Darido e Souza Jr (2007, p. 158-9) sugerem a realização de análises dos jogos presentes na pintura “Jogos infantis”, associando-os a atividades lúdicas ainda pre- sentes na humanidade. Sendo assim reflita: Por que os jogos são considerados patrimônio cultural da humanidade? Figura 1.2 – Pintura de Pieter Bruegel “Jogos Infantis” – 1560 Fonte: Museu Kunsthistorisches – 15 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo Ao realizar buscas a respeito de análises referentes à obra, encon- tram-se inúmeras interpretações em relação aos motivos do artista para produzi-la, e dentre os objetivos dos saberes estéticos, a compreensão ocorre de acordo com a realidade do observador. Nessa circunstância, quase cinco séculos depois, agora na pós-modernidade para alguns, com o incremento e avanço da tecnologia e flexibilização dos modos de vida, distanciando cada vez mais as pessoas, são identificados alguns jogos pre- sentes em realidades contemporâneas, como a utilização do bambolê, que é um objeto da ginástica rítmica, a parada de cabeça, que é uma ação da ginástica artística, e jogos sem relação com o esporte moderno, como o esconde-esconde, cavalinho, dentre outros. Nos dizeres de Santos (2018, p. 54), o jogo direcionado à criança no período do medievo ocorria: [...] no meio social coletivo, aprendendo no trabalho e na convi- vência com os adultos, da mesma forma ao participar de jogos e, em geral, sofrendo a influência da religião Cristã. A visão biológica estava começando a ser ultrapassada, pois as crianças passaram a ser tratadas com suas particularidades, compreendidas como seres singulares”. (SANTOS, 2018, p. 54). Nota-se uma ambiguidade, pois aprender o jogo em meio à comuni- dade enfatiza os aspectos culturais das interações humanas, promovendo a tradição e consequentemente o desenvolvimento de forma geral, pois ele não é ligado apenas ao caráter de disputa, mesmo que tal sentimento de contrariedade exista. Questões relacionadas às singularidades infantis, como o “cui- dado”, porém, são de extrema importância para a convivência e manutenção dos estados de saúde da criança, que conforme vai cres- cendo e se desenvolvendo torna-se mais autônoma, tomando cons- ciência dos possíveis riscos físicos. Mas nem sempre foi assim, e os objetivos para separação entre criança e adultos no ambiente do jogo estiveram ligados a questões moralistas. Para melhor compreensão histórica da localização da criança no ambiente social, também como o personagem central das características lúdicas no jogo atual, observe-se o quadro a seguir, fundamentado em Ariès (2012): Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 16 – Quadro 1.1 – Características sociais relacionadas ao sentido de infância, de acordo com o período Período Características sociais relacionadas às crianças Século XIII A criança é alvo de paparicação no meio familiar, e na companhia de criancinhas pequenas. Século XVI Fonte exterior à família no relacionamento com as crianças: dos escolásticos ou dos homens da lei, raros até o momento. Século XVII Um número maior de moralistas preocupados com a disciplina e racionalidade dos costumes, com a sensibi- lidade à infância, antes ignorada, recusavam-se a con- siderar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas criaturas de Deus. Século XVII O cuidado com o corpo era apenas com os doentes, a não ser com o objetivo moral: um corpo mal enrijecido inclinava à moleza, à preguiça, à concupiscência, a todos os vícios. Século XVIII Encontram-se na família os dois elementos – papari- cação e disciplina para racionalidade dos costumes – associados a um novo: a preocupação com a higiene e a saúde física. Fonte: adaptado de Ariès (2012, p. 105). Após a Idade Média e com o início da Modernidade, o período mar- cado pelo pensamento Renascentista trouxe uma nova compreensão às ações infantis, associando preocupações relacionadas à inteligência da criança ao brincar, tendo em vista que antes disso o jogo era observado como uma mera distração. Como os precursores desse pensamento é pos- sível indicar, por exemplo, Comênio (Jan Amós Komensky, 1592-1670) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que citaram em suas obras relacio- nadas ao âmbito educacional, a importância do jogo nesse contexto. Logo, “foi durante o Renascimento que o jogo serviu para divulgar princípios de moral, ética e conteúdo de áreas como história e geografia, com a premissa de que o lúdico era uma conduta livre que favorecia o desenvolvimento da inteligência, facilitando o estudo”. (DALLA VALE, 2010, p. 16). – 17 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo Em relação à gênese do lúdico, Caillois (2017) fundamenta que, dife- rentemente dos jogos competitivos (agon), no “ludus”, o jogador luta con- tra o obstáculo e sem oposição a diversos participantes. Como exemplo, o autor cita o “ioiô”, o “bilboquê” e o “diabolô”. Figura 1.3 – Jogos lúdicos exemplificados por Caillois Fonte: Shutterstock.com/vvoe/burnel1/Elena Yakusheva Esses elementos simples necessitam de habilidades manuais, e de elementosnaturais como a gravidade e a rotação, com as exigências de mudança de direção. Outra atividade lúdica que o autor cita é a pipa, cons- tituída em uma situação atmosférica concreta, projetando-a além de seu corpo a uma distância aproximada que vai em direção ao céu. A cabra- -cega possibilita ao jogador desenvolver recursos relacionados às percep- ções, tendo em vista que não se enxerga (CAILLOIS, 2017). As ideias de Caillois vão a uma infinidade de possibilidades de ações que envolvem os aspectos lúdicos, em oposição aos competitivos modernos. Como já fun- damentado anteriormente, é difícil saber quando o jogo é lúdico ou não, ou seja, quando existem objetivos não competitivos e competitivos dentro da mesma ação. Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 18 – Uma outra alternativa de atividade lúdica com características menos competitivas, são os jogos cooperativos, que, em vez de um jogar contra o outro, é possível participar com a outra pessoa junto. Darido e Souza Jr. (2007, p. 163) fundamentam que “[...] dependendo do jogo, podemos diminuir ou aumentar a distância entre cada jogador. No caso cooperativo, há um movimento de aproximação em que a distância é diminuída, cau- sando uma maior associação entre os jogadores”. Os jogos competitivos caracterizam-se pela rivalidade como ponto central. Neles “[...] há um distanciamento chamado de ‘processo dissocia- tivo’ (o contrário da associação entre jogadores), que pode gerar conflito. Mas, na maioria dos jogos, estão presentes tanto a cooperação quanto a competição [...]” (DARIDO, SOUZA JR., 2007, p. 163). O que se pre- tende aqui é causar uma reflexão a respeito do impacto das objetividades em diversos contextos em jogo. Logo, a sociedade na atualidade privilegia os aspectos competitivos, porque eles garantem o princípio do “mais forte sobrevive”, ideais funda- dores das desigualdades entre as pessoas, que cada dia mais é preconizado no pensamento egocêntrico humano. Assim, as interações entre as pessoas são muitas vezes desinteressantes, caso não haja alguém superior ao outro. Figura 1.4 – Futebol (competitivo) e Quebra-cabeça em grupo (cooperativo) Fonte: Shutterstock.com/Vasyl Shulga/fizkes Ao observar a Figura 1.4, notam-se os princípios de superar um adver- sário, ou seja, competir, quando geralmente alguém deverá ser melhor do que o outro – “agon” de acordo com Caillois. Ao cooperar para jogar todos juntos, atingindo um objetivo comum, em que ninguém será perdedor, o aspecto lúdico é preservado – “ludus”, para o mesmo autor. É possível – 19 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo cooperar em jogos competitivos, e competir ao cooperar, como já citado anteriormente. A situação de jogo depende do jogador, e quem analisa precisa estar em simbiose com quem joga. O quadro a seguir analisa situações em ações cooperativas e compe- titivas, conceituando percepções acerca do jogador no ambiente lúdico. Em suma, sabe-se que competir é uma atitude normal, porém é possível cooperar enquanto se compete e vice-versa. A busca aqui não é defender uma postura no jogo superior à outra, mas pontuar características das duas situações. Quadro 1.2 – Ações cooperativas e competitivas Situação Cooperativa Situação Competitiva Percebem que o atingimento de seus objetivos é, em parte, consequ- ência da ação dos outros membros. Percebem que o atingimento de seus objetivos é incompatível com a obtenção dos objetivos dos demais. São mais sensíveis às solicitações dos outros. São menos sensíveis às solicita- ções dos outros. Ajudam-se mutuamente com fre- quência. Ajudam-se mutuamente com menor frequência. Há maior homogeneidade na quanti- dade de contribuições e participações. Há menor homogeneidade na quanti- dade de contribuições e participações. A produtividade em termos quali- tativos é maior. A produtividade em termos quali- tativos é menor. A especialização de atividades é maior. A especialização de atividade é menor. Fonte: Brotto (1999, p. 36) Ao considerar as capacidades de comportamentos das pessoas, nota- -se, tanto na esfera individual, quanto na coletiva, uma possibilidade de postura violenta, “[...] ou contra os outros ou contra si mesmo (rivali- dade competitiva). Do mesmo modo, porém em direção oposta, somos, extraordinariamente, aptos para doar-nos, incondicionalmente, aos outros, mesmo que ao fazê-lo, aparentemente, nos prejudiquemos (auxílio coope- rativo)” (BROTTO, 1999, p. 38). Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 20 – Não se pretende incitar uma postura de jogador mediador de confli- tos, pois a questão de convivência igualitária não cabe apenas no jogo, mas sim em todas as situações de vida, em especial às socioeconômicas, que dificilmente sofrem discussões relacionadas às desigualdades e egoís- mos do homem, naturalizando por meio de meritocracia a pobreza como uma “escolha”. Ser pobre no sentido cultural e material, em que a cultura não vem das pessoas, mas é vendida a elas, como por exemplo, os jogos com regras prontas e sem a condição de alterá-las: o esporte. Com fundamentos de Adorno (1995) a respeito da competitividade no esporte institucionalizado, percebe-se uma tendência cética nos ideais formativos ingleses de fair play, ou jogo justo: Isto é, desacostumar as pessoas de se darem cotoveladas. Cotove- ladas constituem sem dúvida uma expressão da barbárie. No sis- tema educacional inglês — por menos que nos agrade o momento de conformismo que ele encerra, o objetivo de se tornar brilhante, o que de fato não é uma boa máxima, e que no fundo é hostil ao espírito — encontra-se na ideia de fair play momentos de uma con- sideração segundo a qual a motivação desregrada da competitivi- dade encerra-se em algo de desumano, e nesta medida há muito sentido em se aproveitar do ideal formativo inglês o ceticismo frente ao saudável desejo do sucesso. (ADORNO, 1995, p. 162). Fica evidente que ser justo em qualquer ação é o que se espera das pessoas, e no jogo não seria diferente. Orientar-se para o sucesso na competição, que era um ideal lúdico nas sociedades primitivas, como fundamentou Huizinga, todavia, não possui o mesmo sentido nas experiências contemporâneas, pois o momento em que os jogados se cumprimentam, ou realizam um gesto “justo” ao final das partidas esportivas, não reduz os excessos desumanos enquanto houve competição exacerbada, tanto no campo, quanto fora dele. O significado de lúdico dificilmente se aplica aos exageros dos esportes modernos. Nesse contexto, ao pensar em períodos anteriores à idade medieval, partiu-se de uma estruturação social em que os jogos eram os mesmos para todas as pessoas, não importando idade e/ou nível socioeconômico (ARIÈS, 2012). O fenômeno que se deve sublinhar é o abandono desses jogos pelos adultos das classes sociais superiores e, simultaneamente, sua sobre- vivência entre o povo e as crianças dessas classes dominantes. É – 21 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo verdade que, na Inglaterra, os fidalgos não abandonaram, como na França, os velhos jogos, mas transformaram-nos, e foi sob formas modernas e irreconhecíveis que esses jogos foram adotados pela burguesia e pelo “esporte” do século XIX. (ARIÈS, 2012, p. 74). A abstração que é possível fazer com Ariès (2012) está relacionada à origem dos esportes modernos mais conhecidos. A maioria deles tem como marco histórico de normatização a Inglaterra, ou países colonizados pelos ingleses. Percebe-se que os precursores da virada do jogo em seu aspecto lúdico estão ligados à Europa, mais especificamente à Inglaterra, que o descaracterizou em formato de esporte, como se conhece atualmente. 1.1.2 Jogo e esporte Hoje, muitas vezes, o universo do jogo é limitado às crianças, enquanto permanecem assim. Ao passo que se desenvolvem e crescem, vão lhes sendo impostas as racionalidades da contemporaneidade, na qual o lúdico se opõeàs atividades sérias, como o estudo e o trabalho. Nesse ínterim, o jogo com sentido lúdico, que foi sendo abandonado no desen- rolar da sociedade, hoje ocorre no tempo em que as exigências atuais per- mitem, muitas vezes com o objetivo de ser realizado no intervalo da rotina árdua diária, em que as pessoas estão submetidas e separadas de acordo com suas características socioeconômicas e culturais. Caillois (2017) descreve que a sociedade moderna – industrial, deu origem a uma nova forma de lúdico: o hobby. Na tradução do inglês para o português, passatempo é uma ação que visa ao prazer quando não se está realizando uma atividade obrigatória, seja ela secundária ou gratuita. Com a mutilação do trabalhador, condenado a realizar gestos automáticos e limitados durante grande parte de sua rotina diária, o hobby deve obriga- toriamente aparecer como uma compensação aos sofrimentos de colaborar com a máquina ou processo, que também não lhe exige muita inteligência, isso no sentido em que a criatividade do lúdico, em seu significado mais amplo oferece, com o máximo de resposta que o jogo em seu instinto mais primitivo pode oferecer. Como exemplos de passatempo, Caillois descreve a coleção, o desenho, a música, a dança, a bricolagem, pequenas invenções, ou qualquer atividade que situe o trabalhador em outra reali- dade além das ações laborais. Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 22 – Quando se pensa em ati- vidades como esportes em clu- bes ou academias, que ocor- rem no período além das ações laborais, elas podem adquirir um caráter de passatempo no contexto social atual, se a pes- soa não as objetivar como obri- gatórias. Quando, porém, há algum objetivo de resultado fisiológico, ou como comércio e trabalho, o caráter lúdico do jogo não é atingido, pois a essência de tal prática está na necessidade de interações sem mecanismos reguladores de ordem biológica, financeira ou competitiva, contraditoriamente às questões culturais, transmitidas dentre os membros locais em suas ações necessárias às relações sociais. Na reunião de um grupo de amigos em um parque público, para jogar a famosa “pelada”, que nada mais é do que o clássico jogo com bola, o futebol, em que a preocupação não é o resultado daquela ação, encontra-se o sentido de lúdico na prática, pois as tensões dentre os participantes ocorrem com objetivos intrínsecos, tendo em vista que o participante está motivado a jogar, e extrínsecos nas necessidades de antecipações com demais pessoas, pausas e colaborações para a intera- ção com os demais membros do grupo. Porém, toda vez que a motivação é a vitória, o sentimento é alterado em relação ao jogo em seu caráter lúdico, pois o objetivo é vencer o opositor, mesmo que ocorra como uma atividade de lazer. Nesse sentido, não existe uma origem no esporte sem o jogo, estando uma história vinculada à outra. A definição do próprio conceito “esporte” passa pelo “jogo”. Considerando que o jogo faz o vínculo entre a cultura e esporte, a literatura chega “[...] a definir o esporte como antítese ao jogo, enquanto outros defendem que o esporte é o jogo institucionalizado, o jogo regulado por códigos e regras comandado por entidades dirigentes, como as federações” (TUBINO, 2017, [s.p]). Fonte: Shutterstock.com/ anatoliy_gleb Figura 1.5 – Atividades lúdicas, segundo Caillois – 23 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo O esporte como fenômeno oriundo do jogo tem em seus pilares os fundamentos lúdicos, e muitas vezes, os participantes podem se encontrar em tal estado. Para tanto, é interessante diferenciar as informações basi- lares dos aspectos pertinentes a essas manifestações, para conseguir atuar dentro de cada uma dessas vertentes, com suas necessidades simbólicas, sociais e materiais. Para tanto, na Figura 1.6 apresentam-se os conceitos de brinquedo, brincadeira, jogo e esporte. Saiba mais O livro organizado pela professora Tizuko Morchida Kishimoto, livre- -docente na USP, intitulado “Jogo, brinquedo, brincadeira e a educa- ção” é uma obra muito conhecida a quem se interessa pela temática “Jogo”. Possui mais de 15 edições e é citado por mais de 2020 pesquisas, com base no site “google acadêmico”. Com certeza é uma leitura forma- tiva de grande relevância. Fonte: Editora Cortez. Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 24 – Destarte, a professora Tizuko Morchida Kishimoto da Universidade de São Paulo é reconhecida como uma das principais referências nos estu- dos relacionados a jogo, brinquedo, brincadeira e educação. Portanto, suas análises fundamentam a compreensão a respeito desses conceitos, como é possível verificar na Figura 1.6. Compreende-se que brinquedo é o suporte material no qual a brincadeira ganha vida. Nesse sentido, brinquedo e brincadeira são intimamente interligados, e geralmente relacionam-se à criança moderna; é o ato lúdico, a criatividade acionada. Em relação ao jogo, o uso de regras é o diferencial, sejam elas implícitas ou explícitas, mas sempre existem, pois utilizam um modelo já existente para acontecer. Figura 1.6 – Brinquedo, brincadeira, jogo e esporte. BRINQUEDO i BRINCADEIRA i JOGO i ESPORTE i n Referência ao tempo de infância do adulto com representações vei- culadas pela memória e imaginação. Não pode ser reduzido à pluralidade de sentidos do jogo, pois conota criança e tem uma dimensão material, cultural e técnica. Enquanto objeto é sempre suporte de brin- cadeira. É o estimulante material para fazer fluir o imaginário infantil. É a ação que a criança desempenha ao con- cretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação. Desta forma, brinquedo e brinca- deira relacionam-se diretamente com a criança e não se con- fundem com o jogo. A existência de regras em todos os jogos é uma característica marcante. Há regras explícitas, como no xadrez ou amarelinha, regras implícitas como na brincadeira de faz de conta, em que a menina se faz passar pela mãe que cuida da filha. São regras internas, ocultas, que ordenam e condu- zem a brincadeira. Os jogos possuem regras rígidas no esporte, passa por um processo hierárquico regido por entidades como federações e confederações. Os jogadores profissionais “atletas” sobrevivem dessas práticas, ou bus- cam viver (amadores). Os aspectos lúdicos são secundarizados. Fonte: adaptado de Kishimoto (2011). Shutterstock.com/irin-k/SeventyFour/godbamn/ Eugene Onischenko – 25 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo Para analisar as diferenças entre esporte profissional e de várzea e jogos, Kishimoto (2011) explana a respeito: Na partida de xadrez, há regras externas que orientam as ações de cada jogador. Tais ações dependem, também, da estratégia do adversário. Entretanto, nunca se tem a certeza do lance que será dado em cada passo do jogo. Esse tipo de jogo serve para entreter amigos em momento de lazer, situação na qual predomina o prazer, a vontade de cada um participar livremente da partida. Em disputa entre profissionais, os dois parceiros não jogam pelo prazer ou pela vontade de o fazer, mas são obrigados por circunstâncias como o trabalho ou a competição esportiva. Neste caso, pode-se chamar de jogo? (KISHIMOTO, 2011, p. 16-7). A reflexão a que a autora se refere faz alusões à obrigatoriedade no esporte, no caso da profissionalização, e ao sentimento de prazer nas situ- ações de tempo livre. Ela explica que, no lazer, caso haja uma situação de jogo – que Caillois reconhece como hobby – ele ocorre como uma das poucas formas de diversão do trabalhador contemporâneo. Mas no primeiro caso – profissionalização – fica a indagação de Kishimoto, a que se subentende que o conceito de jogo, no aspecto lúdico, pouco se aplica. Os jogos como o “pai” dos esportes, nas comunidades primitivas, possu- íam unicamente o caráter utilitarista,logo eram utilizados para subsistência, relacionados à alimentação e aos embates com outras pessoas e animais. Com o desenvolvimento da humanidade, ele também foi se caracterizando com fins de combate em guerras para conquistas de territórios. Desse modo, desde o início das organizações das civilizações antigas, houve quatro momentos importantes à transformação e modernização do jogo em esporte, de acordo com Tubino (2010, p. 20-4). São os períodos denominados de pré-esportivos, esportivo, crise do movimento esportivo e o esporte moderno. 2 período pré-esportivo – a maioria utilitarista e/ou de prepa- ração à guerra, como exemplo, as artes marciais nas culturas orientais, lutas, natação, arco e flecha, equitação, dentre outros, alguns desses evidenciados nas civilizações antigas: chinesa, egípcia, etrusca, hitita e japonesa. 2 início do esporte – iniciado com o caráter humanístico relacionado à formação cultural e autonomia do cidadão na população grega, tendo como marco a criação dos Jogos Olímpicos na Antiguidade. Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 26 – 2 crise do movimento esportivo – diminuição das práticas espor- tivas na Civilização Romana, Idade Média e Renascença. Tal descaracterização estava marcada por práticas ligadas a outros fins, com ações relacionadas à higiene corporal ou aos jogos cir- censes. As poucas competições eram extremamente violentas. 2 criação do esporte moderno – a partir de 1820, o inglês e dire- tor do Rugby College, Thomas Arnold, foi o responsável por iniciar a regulamentação de normas para as competições espor- tivas. Logo, foram iniciadas as associações e clubes esportivos, fundamentando a crença da Ética esportiva e mais à frente à res- tauração das Olimpíadas em Atenas em 1896, com a iniciativa do barão francês Pierre de Coubertin. Desta maneira, os jogos permanecem muitas vezes com caráter uti- litário, ao prevalecer-se como objetos a se chegar a um fim – hoje pouco relacionados à alimentação ou à defesa pessoal, tendo em vista que essas ações são terceirizadas ao comércio ou serviço público, na maioria das vezes. Nas atividades voltadas à guerra também se usam os esportes, geralmente ligadas aos interesses socioeconômicos, que preparam fisica- mente seus “soldados” ao combate. Os esportes modernos buscaram, nas Olímpiadas da Grécia Antiga, o caráter autônomo daquele momento, ao preparar – na escola ou em clubes – as crianças e adolescentes à autonomia. Essa liberdade contemporânea, entretanto, confunde-se muitas vezes com o individualismo e a competi- tividade necessários à vida na modernidade capitalista, em que cada um é responsável por si, sem as devidas contextualizações, mantendo as dife- renças socioeconômicas como elas são. Há, dessa maneira, pouca discus- são a respeito da minoria que se profissionaliza, e o excedente que não chega ao auge na carreira esportiva. Diante do exposto, nota-se, com fundamentos de Tubino (2017, [s.p]), que a origem do termo “esporte”, é do “[...] século XIX, quando os marinheiros usavam a expressão ‘fazer esporte’, ‘desportar-se’ ou ‘sair do porto’, para explicar seus passatempos que envolviam habilidades físicas”. O autor também explica que, atualmente, são utilizados diversos termos em vários países como, por exemplo: esporte; educação física; educação – 27 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo física e esportes; educação física, esportes e recreação; desporto; cultura física (que é mais geral em relação às atividades físicas). No Brasil, podem ser utilizados os termos esportes ou desportos. A pala- vra “desporto”, entretanto, é influenciada pelos portugueses, que utilizam tal denominação. A primeira vez que os “desportos” foram citados de forma oficial em documentos nacionais, aconteceu no Decreto 3.199, em 1941, com a legislação que institucionalizou o esporte nacional, por influência de João Lyra Filho, que consultou o estudioso da língua portuguesa Antenor Nascentes para tal inserção. Atualmente, em caráter oficial, utiliza-se “des- portos”. Inclusive na Constituição Federal, em seu artigo 217, os esportes aparecem pela primeira vez como matéria constitucional (TUBINO, 2017). Síntese O esporte é um fenômeno do mundo contemporâneo, com raízes no jogo, tendo em vista que possuí algumas características desse. No jogo sempre existem regras, sejam internas ou externas. Geralmente, as internas estão relacionadas às características infantis, nas ações em que a criança precisa compreender o que sabe e não sabe a respeito do que imita, ou seja, brinca e copia a respeito da realidade que conhece. À medida que as crianças crescem, as regras infantis vão sendo exteriorizadas e, ao jogar, os jogadores combinam o que fazer no ambiente simbólico do jogo, sendo essas as regras externas. A liberdade no jogo é outro fator preponderante para essa atividade, uma vez que o jogador se movimenta dentro dele de acordo com a intera- ção com os demais participantes, havendo possibilidades de flexibilidade nas regras. Logo, o jogo é um patrimônio cultural da humanidade, porque nele são transmitidas culturas de muitas gerações, que dentro das con- dições possíveis, permanecerão por inúmeros tempos. Constituem uma ameaça aos jogos tradicionais: o exagero na tecnologia e a falta de segu- rança e espaço, que limitam as possibilidades de trocas de experiências promovidas pela cultura. Com a separação da criança e do adulto no mundo do trabalho na Idade Média, o jogar de forma lúdica foi sendo considerado exclusi- Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 28 – vamente uma atividade referente à infância. Com os avanços ingleses burgueses do século XIX, houve a oficialização das normas rígidas no esporte, descaracterizando-o completamente de seus princípios essencial- mente culturais do jogo. Mesmo que atualmente o esporte possua pouca mobilidade no espaço simbólico, depende da postura e das necessidades do jogador para que haja esporte com aspectos de jogo. Atividades 1. O quadro de Pieter Bruegel “Jogos infantis”, de 1560, demons- tra mais de 84 atividades retratadas dentre os personagens pin- tados na tela. Observe a Figura 1.2 e perceba que alguns desses jogos ainda estão presentes nas culturas atuais, geralmente rela- cionadas às ações de crianças. Por que várias dessas brincadeiras ainda existem depois de tanto tempo? 2. Os esportes são atividades humanas dotadas de significados, e são ressignificados de acordo com cada praticante, tendo em vista suas experiências. Sendo assim, qual a origem dos esportes? 3. Leia o excerto. Em algumas dessas formas, as provas de força e velocidade cons- tituem a própria essência da competição, como nas corridas a pé e de patins, de carros e de cavalos, no levantamento de peso, na natação, no mergulho, no tiro ao alvo etc. Embora os seres huma- nos tenham praticado essas atividades desde o início dos tem- pos, essas só em pequena medida costumam assumir a forma de jogos organizados. Mas todo aquele que não esquecer o princípio agonístico que as anima terá forçosamente de considerá-las jogos no sentido pleno da palavra — isto é, atividades que podem ser extremamente sérias. Aliás, há outras formas de competição que se tornaram «esportes» sujeitos a um sistema de regras, como é o caso dos jogos de bola. (HUIZINGA, 1996, p. 118). De acordo com a leitura acima explique: os esportes possuem quais características, quando compreendidos como jogos que são/eram? – 29 – Fundamentos históricos e antropológicos dos esportes: antes de tudo o jogo 4. CESGRANRIO – 2010 – Prefeitura de Salvador – BA. Huizinga, ao definir o homem como homo ludens, mostra que o jogo acompanha os humanos desde o surgimento da cultura. Quando o autor se refere às características formais do jogo, ele não apresenta somente uma possibilidade de conceituar-se o jogo, mas também tenta demarcar e diferenciar a noção de ludicidade do exercício forçado e do trabalho.Nesse contexto, o jogo, do ponto de vista formal, se define como um(a): a) exercício de embate, com regras imperativas, visando à satisfação do jogador. b) atividade frívola, incerta, de natureza competitiva e vertiginosa. c) atividade voluntária, sujeita a regras, que se realiza em um espaço e tempo próprios e que promove a evasão da realidade. d) prática visando à superação do acaso, com regras, cuja fina- lidade última é obter algum tipo de reconhecimento externo. e) representação de um papel social, uma imitação forçada e um exercício de sobrevivência. 2 O que são esportes individuais e coletivos? Como conceituado no capítulo 1, os esportes são jogos, ou seja, atividades humanas conscientes e dotadas, nesse caso, de regras explícitas, que, a partir do século XIX na Inglaterra, foram remodelados para fins que geralmente transcendem os aspectos lúdicos, organizados por uma federação ou confederação, objeti- vando ações competitivas dentre os participantes, em que alguma pessoa ou equipe tende a superar seus oponentes. Os jogadores federados ou não, na maioria das vezes, competem como forma de trabalho, se profissionais, ou como busca disso, quando amadores. Logo, para a devida compreensão da estruturação básica de esportes em dois grupos distintos (individuais e coletivos), com base no Dicionário Michaelis (2019), individual significa “feito por uma só pessoa; definido pela singularidade”, e tem como antônimo a palavra coletivo, que em sua busca é conceituada em: “relativo ou pertencente a muitas coisas ou pessoas; que é intrínseco à natureza de um grupo; que é inerente ou pertence a um povo, uma classe, etc.; treino em conjunto, com o objetivo de estabelecer a formação ideal de uma equipe”. Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 32 – Nesse sentido, pensando de forma cartesiana, os esportes individuais são jogos competitivos e com regras rígidas, realizados por apenas uma pessoa, que se contrapõem às demais, ao mesmo tempo ou com uma de cada vez. Já os coletivos, de forma contrária, visa competir em grupo com um objetivo comum: vencer a equipe adversária. 2.1 Esportes individuais: fundamentos e exemplificações Compreende-se esporte individual como uma ação individual em situ- ação de disputa dentre outras pessoas, sendo com vários participantes ao mesmo tempo, ou apenas de lados opostos. Assim, ao inserir mais um joga- dor, além do que já se opõe, ou modificar o sistema de organização, como por pontuação total das participações individuais, tal generalização é inválida para caracterização de esporte individual, pois a responsabilidade é grupal. A modalidade esportiva individual mais antiga, quando não combi- nada com outros participantes do mesmo grupo ou clube, também como natural às ações humanas, é o atletismo. O ser humano já praticava algumas modalidades do atletismo como forma de sobrevivência na Pré-história. A caminhada, por exemplo, era utilizada para se locomover de um lugar para outro; a corrida e os saltos, para escapar das presas dos animais carnívoros. O arremesso e lançamento eram usados para se defender e matar animais, que serviam de alimento. Dessa forma, os homens e as mulheres foram adquirindo habilidades que, mais tarde, foram aprimoradas e adaptadas às competições de atletismo. (DARIDO; SOUZA JR., 2007, p. 115). Sendo o atletismo o esporte individual mais antigo ainda existente na contemporaneidade, por estar atrelado à natureza da motricidade humana – andar, lançar, arremessar e pular, por exemplo –, e ao identificar a rela- ção entre os jogos competitivos atuais e os princípios do homem, tanto individual quanto coletivamente, esses movimentos fundamentais ocor- riam na luta pela subsistência biológica e social. Darido e Souza Jr (2007) esclarecem que, de acordo com relatos his- tóricos, as primeiras competições de atletismo aconteceram aproximada- – 33 – O que são esportes individuais e coletivos? mente em 1.200 a.C., na Grécia Antiga, no monte Olimpo, e próximo a tal lugar, a população grega construiu um palco para que ocorressem os jogos olímpicos. Nesse local [...] os homens exibiam sua força, suas habilidades físicas e o controle psicológico, tudo em homenagem a Zeus, o rei dos deuses da mitologia grega. As mulheres, por sua vez, não tinham permissão para participar dos jogos e nem para assistir às competições masculinas. Em contrapartida, a cada quatro anos era realizado um evento esportivo só para elas, em home- nagem a Hera, esposa de Zeus. (DARIDO; SOUZA JR., 2007, p. 116). Os jogos gregos marcam o início do conceito de esporte, pela rigidez na organização e realização das provas competitivas, especificamente as individuais. Neles aconteciam homenagens aos líderes locais com tribu- tos, rituais religiosos e fúnebres em que participavam as cidades gregas. As olimpíadas da Antiguidade aconteceram 293 vezes, em doze séculos, em que Tubino (2017) cita o período inicial de 796 a.C. e final de 394 d.C., quando o imperador romano Teodósio proíbe sua realização. O período indicado por Tubino difere da ideia citada por Darido e Souza Jr., pois estes últimos consideram os primeiros relatos sobre os jogos gregos. Já o primeiro autor descreve que o período aproximado do início das competições dos jogos olímpicos ocorreu após a construção de espaços específicos para os jogos, em Olímpia. Do mesmo modo, como observado na Figura 2.1, o que se sabe é que as corridas na Antiguidade aconteciam com os corpos dos corredores desnudos, havendo culto ao corpo atlético. Como nessa representação, a maioria dos esportes, que eram individuais, ocorria sem roupas, e exibiam corpos magros e musculosos. Assim, nota-se que o tipo de corpo atlético ideal nas olimpíadas da Antiguidade é o mesmo que o da atualidade. As ações e as intenções de Figura 2.1 – Corridas na Grécia Antiga Fonte: Shutterstock.com/Malysh Falko Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 34 – cada povo, ou dos seus comandantes sobre ele, é que se modificam. Daolio (2013, p. 34) afirma que, sobre a corporeidade humana, aspectos biológi- cos e culturais caminham juntos, indiferente da nacionalidade ou tempo- ralidade, sendo o corpo um patrimônio universal que “[...] para além das semelhanças ou diferenças físicas, existe um conjunto de significados que cada sociedade escreve nos corpos dos seus membros ao longo do tempo, significados esses que definem o que é corpo de maneiras variadas”. Saiba mais Os jogos olímpicos da Antiguidade eram realizados em 13 provas, todas elas individuais, e algumas com a utilização de objetos e animais. Confira as modalidades acessando o link https://www.bol.uol.com.br/ listas/13-modalidades-esportivas-das-olimpiadas-na-grecia-antiga.htm Para ampliar discussões teóricas a respeito dos esportes na Grécia Antiga, sugere-se a leitura do artigo científico: LESSA, Fábio S. Esporte na Grécia Antiga: um balanço conceitual e historiográfico. Recorde: Revista de História de Esporte Artigo, v. 1, n. 2, dez. 2008. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/Recorde/article/view/774/715>, Acesso em: 21 jun. 2019. Na era moderna das olímpiadas, o francês Pierre de Coubertin, no final do século XIX, acreditando no poder do esporte para promover a paz mundial em meio a conflitos de ordem internacional, inicia um processo de restauração dos jogos olímpicos em 1892, e termina quatro anos depois em 1896. A primeira edição da era moderna das olimpíadas ocorreu na cidade de Atenas, com a participação de 285 atletas, com rituais modifi- cados em relação aos da Antiguidade (TUBINO, 2017). Como exemplo, a cerimônia de premiação que, na modernidade, ocorre com entrega de medalhas aos três primeiros colocados: ouro, prata e bronze, respectiva- mente, sobre uma plataforma com três alturas diferentes, sendo a mais alta o lugar do campeão. Na Antiguidade, a premiação ao vencedor era uma coroa de ramos de oliveira, a confecção de uma estátua ouum poema. Os jogos olímpicos na modernidade iniciam com ideais moralistas e burgueses, porém, com incentivos da mídia com interesses comerciais, – 35 – O que são esportes individuais e coletivos? acabou sendo desenvolvido também um caráter formativo na escolha de esportes a serem praticados em todo o mundo, em especial os com maior cobertura televisiva. A partir de então, nota-se a necessidade de relevante representatividade mundial em participação nos esportes que compõem o quadro de modalidades olímpicas, as quais tendem a apre- sentar um grande número de pré-requisitos para serem inseridas no pro- grama do evento. Hoje, com uma gama de modalidades esportivas, a cada dia que passa novos jogos são criados, por conta da ampliação da tecnologia, que acelera a divulgação de informações, promovendo novas práticas e gostos. Para tanto, Tubino (2017) explica que os implementos tec- nológicos conseguem ampliar para fora do estádio o contexto espor- tivo, “[...] evidenciando detalhes de grande interesse para o público, como as emoções, os fatos paralelos, os bastidores e tudo que possa causar sensações”. A cada quatro anos tem-se a realização de jogos olímpicos em países diferentes, que devem dispor de enormes estruturas para os megaeventos, sendo essa uma necessidade para a aprovação da sede das competições. Tal fato se assemelha a um dos objetivos das olimpíadas da Antiguidade, que era a exibição do corpo e do poderio de um povo sobre os demais, por intermédio das competições. Para que as modalidades sejam inseridas e retiradas da programação olímpica, o que se sabe é que, geralmente, a relação para inclusão está atrelada a um número suficiente de atletas federados em todo o mundo, de acordo com o sexo, estando a cargo do Comitê Olímpico Internacional (COI), avaliar quais esportes entram, e quais saem do quadro. Provavel- mente tal fato esteja ligado à necessidade de espectadores para acompa- nhar as transmissões e, assim, patrocinadores também se sentem satisfei- tos com objetivos mercadológicos. Quadro 2.1 – Modalidades esportivas nas olimpíadas do Rio de Janeiro – 2016 Modalidade Individual Atletismo X Badminton X Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 36 – Modalidade Individual Basquetebol O Boxe X Canoagem (slalom e velocidade) X Ciclismo (estrada, pista, BMX e Mountain-Bike) X Esgrima X Futebol O Ginástica (artística, rítmica e trampolim) X Golfe X Halterofilismo X Handebol O Hipismo X Hóquei sobre a grama O Judô X Luta Greco-Romana X Nado sincronizado O Natação X Pentatlo moderno X Polo aquático O Remo X Rugby O Saltos ornamentais X Taekwondo X Tênis X Tênis de mesa X Tiro X Tiro com arco X Triatlo X Vela X – 37 – O que são esportes individuais e coletivos? Modalidade Individual Voleibol O Voleibol de praia O Legenda: X= há provas individuais; O= não há provas individuais. Fonte: elaborado pelo autor. Observando o quadro 2.1, nota-se que são poucas as modalidades que não ofereciam ações individuais em suas provas: basquetebol, handebol, futebol, hóquei sobre a grama, nado sincronizado, polo aquático, rugby, volei- bol e voleibol de praia. Nesses esportes, há interação com algum participante em sua equipe, ou seja, o atleta, além de suas ações individuais, necessita de harmonia com outro jogador de seu grupo para atingir os objetivos do jogo. Na maioria das modalidades que estiveram presentes no programa dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, existiu alguma forma de disputa em que a interação do atleta é apenas com seus oponentes, alme- jando vencê-los: atletismo, badminton, boxe, canoagem (slalom e velo- cidade), ciclismo (estrada, pista, BMX e montain-bike), esgrima, ginás- tica (artística, rítmica e trampolim), golfe, halterofilismo, hipismo, judô, luta greco-romana, natação, pentatlo moderno, remo, saltos ornamentais, taekwondo, tênis, tênis de mesa, tiro, tiro com arco, triatlo e vela. Para as olimpíadas de Tóquio, em 2020, serão inclusas as modali- dades: caratê, basquetebol 3x3, surfe, escalada, skate, beisebol e softbol. Destes esportes, o caratê, surfe, skate e escalada acontecem em participa- ção individual. Já o basquetebol 3x3, o beisebol e o softbol, com compe- tição coletiva. Nesse contexto, as inserções no próximo quadro olímpico estão divididas quase que igualmente dentre necessidade de participação com parceiro ou não. Uma forma de somar as individualidades nesses esportes é a competição por equipe, que acontece com a soma de pontuação dos atletas de acordo com suas classificações singulares, ou seja, quanto mais próximos do primeiro lugar, mais pontuam, e no todo também são avaliados e premiados. A participação em dupla ou em trio fica como outra maneira de divi- são de responsabilidades, pois é necessária harmonia entre os dois ou três Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 38 – componentes da equipe. Exige, porém, menos do que uma organização coletiva no futebol, voleibol, handebol, na qual, em campeonatos de alto nível, todos os jogadores, tanto reservas, como titulares, precisam apresentar relevante desempe- nho, fato que vai sendo minimizado ao compor equipes com menos atletas, e mais ainda nas participações individuais, nas quais o participante é o único respon- sabilizado por seus atos. É de extrema relevância, porém, indiferentemente se o esporte for indivi- dual ou coletivo, uma análise a respeito da cultura presente na comunidade em que o jogo está inserido, para que não haja banalização que conduza a única motivação esportiva orientada à vitória. Segundo a importância do esporte, culturalmente é refletida em prestí- gio nacional e na identidade do atleta a necessidade de sucesso esportivo. Na Grécia Antiga, por exemplo, o esporte era visto como parte valiosa da cultura, relacionado à alma e espírito do povo. O desporto era componente integral da educação do jovem, e os atletas de sucesso recebiam honrarias como líderes (BRANDÃO, 2007). A comunidade grega representa um berço do esporte como atividade cultu- ral, pois ele era utilizado no processo educativo com o fim de elevar espiri- tualmente o praticante, algo parecido com os processos educativos das artes Fonte: Adaptado de CC BY 3.0/ brasil2016.gov.br com elementos de Shuttertock.com/Artem Kovalenco. Figura 2.2 – Provas do pentatlo moderno – 39 – O que são esportes individuais e coletivos? marciais orientais. Hoje, os atletas com grandes conquistas no currículo, geralmente pertencentes aos esportes coletivos de maior prestígio social e de finanças, também são condecorados em meio à comunidade, porém, existe grande influência da utilização das vitórias no marketing pessoal e no dos patrocinadores. Nota-se, também, que alguns esportes individuais, mesmo modifica- dos, fizeram parte das olímpiadas na Grécia Antiga: atletismo, boxe, luta greco-romana e pentatlo. Sabe-se que, na Antiguidade, as provas eram bem diferentes em relação às normas, por exemplo: o pentatlo, que ante- riormente ocorria com a participação em cinco provas (luta, corrida, lan- çamento do disco e dardo, salto) podendo ser alteradas por outras, desde que a quantidade de provas fosse respeitada, difere bastante da versão olímpica moderna (esgrima, natação, hipismo, tiro e corrida). Destarte, percebe-se que o pentatlo, na Antiguidade, tinha como objetivo a preparação para as batalhas entre as nações. Nesse sentido, os atletas desempenhavam esportes que tinham ligação com força muscular dinâmica, capacidade necessária para vencer os oponentes nas guerrilhas, e o campeão era considerado o atleta mais versátil den- tre todos. No pentatlo atual, as atividades também são associadas às ações de preparação para o combate, porém hoje a modalidade olímpica é pouco conhecida, contrariamente à Grécia Antiga, onde o esporte tinha um fim cultural, ligado às questões da comunidade. Uma prova individual que se tornou tradicional e ainda é presente no quadro olímpico é a maratona do atletismo.Ela está relacionada às bata- lhas históricas da Antiguidade, na cidade de Maratona, como é possível conferir na história de Pheidippides, um mensageiro grego que teve uma intensa empreitada em 490 a.C. Na verdade, Pheidippides foi encarregado de uma tarefa mais árdua e importante. Quando os persas estavam chegando à Grécia para destruir Atenas, coube a Pheidippides ir até Esparta, a 240 km de distância, pedir reforços. Correndo! [...] Na verdade, não era só Pheidippides que corria, já que a preparação física era fundamental no exército ateniense. E foi graças à corrida que eles derrotaram os persas em Maratona (DARIDO; SOUZA JR., 2007, p. 116). Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 40 – Os atenienses estavam em número menor em relação aos persas, e com a má notícia trazida pelo mensageiro, o exército de gregos correu até a planície de Maratona e surpreendeu os oponentes, obrigando-os a voltar aos barcos. Em seguida, os persas foram navegando por cerca de oito a dez horas, até o sul da Grécia na praia de Phaleron, onde também foram rece- bidos pelos atenienses, que correram cerca de 40 km e chegaram antes, impedindo o desembarque dos oponentes (DARIDO; SOUZA JR, 2007). Nas regras atuais do atletismo, a maratona é composta por uma cor- rida de extrema resistência física, e, com base na história grega, a prova tem uma distância de 42.195 metros a serem percorridos pelas ruas de cidades que sediam as competições. Uma prova individual que também se mostra ainda presente, e com relação com as batalhas históricas da Antiguidade, é a maratona, com a história de Pheidippides, um mensa- geiro grego que teve uma intensa empreitada em 490 a.C. Quadro 2.2 – Exemplos de maratonas contemporâneas Principais maratonas do mundo Boston (EUA) Nova York (EUA) Chicago (EUA) Berlim (Alemanha) Londres (Inglaterra) Fonte: http://globoesporte.globo.com/eu-atleta/noticia/2012/04/5-principais-maratonas- do-mundo.html De acordo com o site Globo Esporte (2012), as atuais maratonas de Boston, Nova York, Chicago, Berlim e Londres são as principais provas dessa modalidade no mundo, pois os participantes pontuam para o circuito World Marathon Majors (VMN), e o campeão masculino e feminino recebe um milhão de dólares. A maratona atual, como um esporte com o caráter pro- fissional, conduz os atletas por todo o mundo em busca das boas premiações. – 41 – O que são esportes individuais e coletivos? Dentre os principais vencedores estão os africanos (quenianos e etíopes), que possuem, segundo Vancini et al. (2013, p. 1), alguns fatores que a literatura científica explica que corroboram para tais fatos “[...] (o estilo de vida na infância, a motivação psicológica para o sucesso econômico e social, o tipo de dieta, o tipo de treinamento físico, o biotipo, o perfil fisiológico e bioquímico e o background genético) da intrigante e complexa interação entre o genótipo e fenótipo”. Saiba mais O artigo científico de revisão de literatura de Vancini et al. (2013) “O que explicaria o fantástico fenômeno de rendimento esportivo dos cor- redores africanos?”, publicado na revista Brazilian Journal of Biomotri- city, fundamenta, com alicerce na ciência atual, o fenômeno dos etío- pes e quenianos nas maratonas pelo mundo. Vale a pena aprofundar a leitura, compreendendo melhor como organizar um treinamento de corrida longa, com base nos melhores atletas do mundo nessa modali- dade atual! Nos esportes individuais atuais, a maratona é considerada um dos mais lucrativos, pois possui a característica importante de não necessitar de muitos recursos financeiros para sua preparação, o que teoricamente coloca os atletas em nível inicial de igualdade, tanto que o continente mais pobre do mundo é o mais vitorioso. Também é evidente que, para o alto nível, é necessário maior investimento que garanta a manutenção dos resultados depois de algum tempo. Muitas pessoas, porém, também estão buscando as corridas como uma atividade recreativa, aproximando-a do aspecto lúdico, procurando com isso a melhoria do condicionamento físico e a manutenção da saúde. Muitos esportes individuais contemporâneos estão associados a fatos ocorridos há muito tempo, tais como as ações relacionadas à sobrevivência de uma nação em determinados períodos históricos. De tal modo, produ- zia-se cultura com as relações agonísticas1, atendendo aos preceitos lúdi- 1 No capítulo anterior há mais informações a respeito de fundamentos básicos do jogo por um princípio lúdico e como produtor de cultura. Para situar o leitor, porém, pensa-se no Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 42 – cos dos jogos que Huizinga e Caillois defendem, tendo em vista que as histórias estão presentes até hoje, sendo repassadas de geração a geração. Figura 2.3 – Representação do esporte individual x esporte coletivo Individual Coletivo X Fonte: Shutterstock.com/Rocksweeper/Vasyl Shulga Também é notório que, atualmente, o esporte individual tem pouca representatividade social. Em suma, apenas reproduz fatos históricos, pro- duz pouco do que se espera do jogo em seu sentido humano. Um exem- plo disso é que a maioria das modalidades individuais do quadro 2.1 são pouco conhecidas, e a maior parte de seus competidores sofre em seus países, para sobreviver no mundo do profissionalismo esportivo, e acabam desistindo do esporte, logo distanciam-se também da essência lúdica. Constituindo os jogos olímpicos como o principal megaevento espor- tivo mundial da atualidade, em se tratando de disputas com relevantes adaptações aos competidores com necessidades especiais para participa- ção, torna-se interessante mapear as modalidades individuais e coletivas dos Jogos Paraolímpicos, que são exclusivos às pessoas com deficiência. Quadro 2.3 – Modalidades nas paraolimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 Modalidade Individual Atletismo X sentido de atividade agonista a que Huizinga e Caillois referem-se como ações de contra- riedade dentre jogadores, que, para alcançar seus objetivos na disputa, agem com criativi- dade para superar seu opositor, havendo, assim, produção cultural que pode ser repassada no grupo por meio da tradição, principalmente em comunidades primitivas. – 43 – O que são esportes individuais e coletivos? Modalidade Individual Basquete em cadeira de rodas O Bocha X Canoagem X Ciclismo de estrada X Ciclismo de pista X Esgrima em cadeira de rodas X Futebol de cinco O Futebol de sete O Goalball O Halterofilismo X Hipismo X Judô X Natação X Remo X Rugby em cadeira de rodas O Tênis de mesa X Tênis em cadeira de rodas X Tiro com arco X Tiro esportivo X Triatlo X Vôlei sentado O Legenda: X= há provas individuais; O= não há provas individuais. Fonte: elaborado pelo autor. Nas paraolimpíadas do Rio de Janeiro em 2016, o grande evento que aconteceu um mês depois de terminadas as olímpiadas, as modalida- des individuais foram: atletismo, bocha, canoagem, ciclismo de estrada, ciclismo de pista, esgrima em cadeira de rodas, halterofilismo, hipismo, judô, natação, remo, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, tiro com arco, tiro esportivo e triatlo. Já as que ocorreram apenas de maneira cole- Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 44 – tiva foram: basquete em cadeira de rodas, futebol de cinco, futebol de sete, goalball, rugby em cadeira de rodas e vôlei sentado, permanecendo como maioria as modalidades em disputas individuais. Já sobre os Jogos Olímpicos de Inverno, que acontecem em regi- ões frias por conta da necessidade de solo congelado ou com neve, o último evento ocorreu em 2018, na cidade de PyeongChang, Coreia do Sul. Nesse acontecimento, dentre as quatorze modalidades disputadas, onze foram especialmente individuais: salto de esqui, snowboard, biatlo, combinado nórdico, esqui alpino, esqui cross-country, esqui estilo livre, luge, patinação artística, patinação de velocidade e skeleton. Apenas três modalidades foram coletivas: bobsled, curling ehóquei. Na versão para- olímpica de inverno, o evento teve seis provas, sendo quatro individuais (biatlo, esqui alpino, esqui cross-country e snowboard) e duas coletivas (curling em cadeira de rodas e hóquei sobre trenó). Da mesma maneira que nos jogos olímpicos, nos paraolímpicos e nos paraolímpicos de inverno, algumas modalidades singulares também funcionam com sistemas de pontuação que somam as participações indi- viduais, resultando em premiações coletivas. Em sites de busca, ou nos sites dos eventos, é possível pesquisar a respeito dos esportes contidos no quadro 2.4, tendo em vista que a maioria deles não é de conhecimento dos brasileiros, pois há remotas regiões no sul do país nas quais há ocorrência de neve. Explicar cada uma delas não faz parte do objetivo desta obra. Quadro 2.4 – Modalidades nas olimpíadas e paraolimpíadas de inverno Modalidade Olimpíada de inverno Parolimpíada de inverno Modalidade individual Biatlo X X X Bobsled X - - Combinado nórdico X - X Curling X - - Curling em cadeira de rodas - X - Esqui alpino X X X Esqui cross-country X X X – 45 – O que são esportes individuais e coletivos? Modalidade Olimpíada de inverno Parolimpíada de inverno Modalidade individual Esqui estilo livre X - X Hóquei X - - Hóquei sobre trenó - X - Luge X - X Patinação artística X - X Patinação de velocidade X - X Salto de esqui X - X Skeleton X - X Snowboard X X X Legenda: OI= Olimpíadas de Inverno; PI= Paraolimpíadas de Inverno; X= há provas individuais; O= não há provas individuais. Fonte: elaborado pelo autor. As modalidades das paraolimpíadas, olímpiadas e paraolimpíadas de inverno também foram citadas para a comparação da quantidade de jogos coletivos e, de forma geral, representam em todos os programas a mino- ria, em detrimento às participações individuais, mesmo fato analisado nos últimos jogos olímpicos de verão. Não é intuito deste texto estimar a indi- vidualidade, mas sim, problematizar a supervalorização dos esportes cole- tivos na mídia: Por que ocorre tal valorização? Por que os atletas de provas individuais, geralmente, recebem menos incentivo, quando comparados aos que compõem grandes equipes coletivas? Tubino (2017) explica que no momento em que o esporte de desem- penho obteve um caráter comercial, houve uma reorganização da sua importância. Isso ocorreu devido à atuação da televisão, que começou a centralizar os interesses da população mundial por meio dos eventos esportivos. Assim: A busca permanente pelo espetáculo esportivo e o abandono gra- dual das competições que não despertassem o interesse do público Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 46 – foram as principais causas da reacomodação dos esportes olímpi- cos. Assim, os esportes coletivos ganharam importância e os indi- viduais perderam espaços na mídia. Entretanto, mesmo perdendo espaço, os esportes individuais per- manecem no cenário esportivo internacional, fato que pode ser explicado pela vocação cultural de cada nação. No caso espe- cífico do Brasil, além, é claro, do futebol, as grandes vocações específicas são os esportes coletivos. (TUBINO, 2017, [s.p.], grifos do autor). Nos jogos olímpicos da Antiguidade, existiam apenas modalidades individuais, e elas apresentavam objetivos que iam muito além do compe- tir. Seu objetivo eram as características culturais de um povo, e algumas claro que exageradamente violentas para os jogadores, nas quais o intuito dos organizadores era o lazer, especialmente dos mais abastados, ou a pre- paração para a guerra. Nos megaeventos esportivos da modernidade, em especial os de cará- ter olímpico, os princípios que o barão Pierre de Coubertin buscou, ao retomá-los no século XIX, estão bem distantes do romantismo que aquele momento buscava, como a paz mundial. Outra questão está atrelada às mudanças que a maioria dos jogos passava na Inglaterra, na busca pela manutenção do imperialismo, pensando-os para utilização com normati- zações para a burguesia. Hoje, a maioria dos jogos busca mercantilismo, em que as modali- dades individuais geralmente são pouco atrativas. Para que atletas desses esportes consigam alguma representatividade midiática em seus contratos e suas respectivas modalidades, necessitam quebrar recordes e mais recor- des, funcionando como espécies de máquinas programadas para vencer seus limites. Um exemplo é o jamaicano Usain Bolt, que atingiu o auge da história esportiva nos últimos anos, sendo o homem mais rápido do mundo, aparecendo em inúmeras propagandas. Atletas que não conse- guem chegar tão longe em seus resultados estão fadados a muitas penúrias no caminho, até alcançar um espaço sólido no mundo esportivo atual, ou desistir de fato. Ao concordar com Tubino em suas indagações, pois realmente há pouca divulgação na mídia para os esportes individuais, na maioria das vezes, apenas os resultados mais expressivos dos atletas são amplamente – 47 – O que são esportes individuais e coletivos? divulgados por ela. Prova disso, mas em um sistema de busca diferente (sites de pesquisas acadêmicas: Google Acadêmico, Scielo e portal capes periódicos), foi feita uma investigação para a organização deste texto, e com o termo “esportes individuais”, pouquíssimos estudos foram encon- trados para contribuir com tal fundamentação teórica, o que não ocorreu para “esportes coletivos”, em que várias análises foram localizadas. Alguns desses resultados serão apresentados a seguir, com o intuito de esclarecer conceitos basilares presentes nos esportes coletivos e, em seguida, comparar características básicas desses tipos de jogos competitivos. 2.2 Esportes coletivos: fundamentos e exemplificações Os esportes coletivos, em suma, são jogos realizados por diversas pessoas que compõem uma equipe, contrapondo-se à outra e, como ações humanas, possuem características materiais e simbólicas. A simbologia está marcada pelos sistemas de regras externalizadas, ou seja, são com- binadas entre seus participantes, que, por tal sentido, tornaram-se signos psicológicos, tendo em vista que não sofrem variações e passaram por um sistema de convenções sociais. Os esportes estão além de ser apenas jogos, pois trazem uma seriedade diferente dos princípios lúdicos, por não possibilitar alterações em sua forma. A questão não é que outras maneiras de jogar não sejam sérias, mas é possibilitado aos jogadores criarem suas regras e obedecerem a elas em seguida. No caso dos esportes, as regras são pré-estabelecidas por outras pessoas, no regulamento específico à moda- lidade ou competição. O aspecto material está balizado pelos objetos e implementos neces- sários aos jogadores, como: espaço geográfico, rede, bastão, taco, gol, cesto, luvas, uniformes, dentre outros. No caso dos esportes coletivos, a maioria conta com uma bola que deverá ser conduzida até o espaço da equipe adversária, para que o ponto seja marcado. Nos jogos esportivos do tipo coletivo, desenvolvem-se importantes aspectos em seus jogadores, além das capacidades motoras, mesmo que as regras não sejam fundadas anteriormente por eles, pois, para atuar em tal Fundamentos Teóricos de Esportes Individuais e Coletivos – 48 – espaço físico e simbólico bem delimitado, são necessárias diversas ativi- dades cognitivas. Nos jogos esportivos coletivos é muito importante o uso do conhe- cimento, da captação da informação e tomada de decisão, porque é preciso agir de modo contrário à previsibilidade ou se adaptar à imprevisibilidade do jogo. É necessário que o atleta tenha o saber da sua modalidade esportiva para solucionar, por meio dos proces- sos cognitivos, os problemas presentes no contexto do jogo, reso- lução que será efetivada via execução de uma habilidade motora [...] (MATIAS; GRECO, 2010, p. 252). Os jogos esportivos coletivos acontecem tanto individual quanto coletivamente, porque são necessárias tomadas de decisão que resul- tam em habilidades motoras do participante enquanto indivíduo naquele espaço, que,
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