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POLIFARMÁCIA Aula 6 – Internato APS – Profª Denise Motta 19/05/22 Aula Polifarmácia – Geriatria Medcel Caso clínico Dona Margarida, 72 anos, veio á USF hoje renovar receita. É portadora de diversas doenças crônicas, dentre elas DRC com necessidade de terapia renal substitutiva. Tem HAS e DM2 há mais de duas décadas. Frequenta regularmente vários serviços de saúde, além da APS. Tem osteoartrose avançada em ambos os joelhos, que por anos foi motivo de uso quase diário de AINE. Veio ao PSF com uma receita de: Metformina 850 mg (1-1-1) Glibenclamida 5 mg (1-0-1) Losartana 50 mg (1-0-1) Furosemida 40 mg (1-0-0) Sinvastatina 20 mg (0-0-1) Ácido acetilsalicílico 100 mg (0-1-0) Glucosamina+condroitina 1500/1200 mg (1-0-1) Amitriptilina 25 mg (0-0-1) Omeprazol 20 mg (0-0-1) Betaistina 20 mg (0-0-1) Clonazepam 2 mg (0-0-1) Vitamina D 5000 UI (1- 0-0) Paracetamol 500 mg, 1 cp. até de 6/6 horas, sob demanda Porém, não é raro que esses medicamentos sejam substituídos ou que outros medicamentos sejam incluídos nessa relação. Dona Margaria pede a renovação de receita, pois não quer aguardar consulta. A enfermeira verifica que a última consulta com o MFC foi há 6 meses e que os fármacos elencados no “objetivo” do ReSOAP eram: enalapril 10 mg (1-0-1); anlodipino 5 mg (1-0-0); hidroclorotiazida 25 mg (1-0-0); sinvastatina 20 mg (0-0-1); AAS 100 mg (0-1-0) Ao explicar para dona Margarida que a receita que ela apresentou é diferente das medicações que estão no prontuário, a senhora retira da bolsa várias embalagens de medicamentos e as coloca sobre a mesa, uma mistura dos medicamentos da receita nova com a antiga. A enfermeira pede que ela explique como está usando os medicamentos e ela descreve a posologia incorreta, confusão quanto ao uso dos fármacos, esquecimento de alguns e ingesta maior que o recomendado de outros Perguntas que devem ser feitas a dona Margarida: quais as medicações foram alteradas e introduzidas no último mês? A senhora percebeu algum sintoma novo? OBSERVAÇÕES: algum médico especialista focal mandou alguma contra referência? Tem exames recentes? Caso tenha estes apresentam alguma mudança. Houve alguma alteração do status clínico mensurável através dos SSVV? Como checar a POLIFARMÁCIA de dona Margarida? Analisando a prescrição de todos os médicos, fazendo visita domiciliar e checando os remédios que tem em casa, como ela ingere as medicações, se ela tem apoio familiar Questionar remédio por remédio e pedir para ela mostrar como usa, há quanto tempo usa e o motivo de uso Fazer um inventário medicamentoso do que foi prescrito e do que não foi prescrito, das prescrições que ela segue, das que ela não segue, das que a confundem e confrontar com o status clínico atual com os exames atuais A metformina NÃO pode ser usada se ClCr < 30 ml/min/1,73 m2 e a glibenclamida causa muita hipoglicemia (que pode ter efeitos mais deletérios que a hiperglicemia). Como está a HbA1c dela? Será que não é chegada a hora de pensar em insulinoterapia? AAS em idoso que não teve evento cardiovascular primário tem uma prescrição que pode ser repensada, assim como a glucosamina com condroitina para osteoartrose não modifica o curso da doença e pode gerar mais impacto no ClCr A amitriptilina é um ADT que deve ser repensado, assim como ponderada a betaistina que não é medicação de uso contínuo (betaintina é um remédio para tontura) Labirintite x Vertigem paroxística benigna Benzodiazepínicos em idosos também podem causar sonolência excessiva e risco de queda Vitamina D não deve ser medicação de uso contínuo a menos que haja insuficiência crônica (dificilmente presente) Estimular a lidar com as dores como medidas também não farmacológicas DEFINIÇÃO DE POLIFARMÁCIA Ainda não se tem um consenso sobre a definição, podem haver critérios baseados na quantidade e outros na qualidade/adequação dos medicamentos Abordagens mais referidas: uso concomitante de 5 fármacos (alguns autores sugerem > 4 ou até mesmo > 8 drogas) ou administração de um maior número de medicamentos do que os clinicamente indicados, avaliados nas revisões clínicas, usando critérios específicos Problema de saúde (associado ao aumento de morbimortalidade) frequente, especialmente em idosos, cada vez mais COMUM com o envelhecimento e aumento da carga de morbidade na população Em polifarmácia considerar 2 aspectos: a compreensão das origens e desencadeantes ao nível da população, das políticas e dos profissionais E desenvolver uma abordagem minimamente disruptiva para os cuidados clínicos da pessoa. A idade avançada é fator de risco para comorbidades, mas uma pessoa jovem com múltiplas doenças também pode sofrer com os efeitos prejudiciais da polifarmácia Pessoas que retornam para a APS após hospitalização também são mais vulneráveis, com frequência tendo alta com mais medicamentos indicados do que usavam antes da internação. O manejo ativo da polifarmácia traz benefícios de saúde globais em populações idosas EPIDEMIOLOGIA Uso inadequado de medicamentos é um grave problema De acordo com a OMS, cerca de 50% dos portadores de doenças crônicas não aderem aos tratamentos farmacológicos, 4% a 5% dos ingressos hospitalares ocorrem por eventos adversos preveníveis e cerca de 30% de consultas de emergência são geradas por problemas relacionados a medicamentos Nos EUA, 57% das mulheres acima de 65 anos fazem uso de 5 medicações e 12% utilizam mais de 10 medicações Mais de 80% dos idosos tomam ao menos uma medicação diariamente DIFERENÇA ENTRE FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA Farmacocinética: ação do organismo sobre os fármacos (o que o corpo faz com as medicações) Farmacodinâmica: como o fármaco atua no nosso corpo FARMACOCINÉTICA Processos que permitem que o fármaco livre fique estável fazendo “efeito” através de 4 processos básicos: absorção, distribuição, metabolização/biotransformação e excreção. É como o corpo atua sore a droga. É o conjunto de ações do organismo sobre o fármaco. ABSORÇÃO Caminho que o remédio faz no corpo, desde a administração, biodistribuição, absorção e a eliminação via oral (mais comum e segura), porém o idoso tem diminuição da secreção de saliva (e muitas medicações começam a absorção pela boca), tem pH gástrico elevado, (menos ácido) maior risco de úlcera paradoxalmente, pela menor ação das prostaglandinas, o esvaziamento gástrico diminuído (↓ mobilidade gastrintestinal), ↓ do fluxo sanguíneo esplênico, assim como o transporte ativo costuma ser menor (algumas vitaminas são menos absorvidas: B12 pode estar deficiente, Fe2+ e Ca2+). Cuidado algumas medicações precisam ser prescritas em jejum como o Prolopa® e o Puran® (risco de má absorção) Vias de administração: intravenosa, intramuscular (administração de vitamina B12 porque o idoso tem menor absorção desta pelo estômago), transdérmica (duração maior da medicação e redução dos efeitos colaterais de metabolização hepática), subcutânea (adequada para insulina e para hidratação por hipodermóclise) e oral (mais segura e mais viável, mas a xerostomia pode gerar dificuldade de deglutição) 1ª passagem hepática: diminuída no idoso (volume hepático menor, fluxo esplâncnico menor) e, com isso, metoclopramida e opioides causam mais efeito adverso nos idosos. DISTRIBUIÇÃO Idosos têm um menor volume de distribuição (aumentando a concentração plasmática da droga), visto apresentarem aumento de 35% da gordura corporal. O aumento de concentração plasmática normalmente também aumentaria a eliminação da droga porque ela está mais presente no plasma, mas como o ClCr do idoso é menor existe um balanceamento Idosos têm queda do volume total de água (< 17%) ATENÇÃO: medicamentos lipofílicos vão durar mais tempo, tendo meia vida maior no idoso, enquanto medicamentos hidrofílicos podem intoxicar, estando mais concentrados. Exemplos: lítio e digoxina. As drogas HIDROSSOLÚVEIS não alteram tanto no idoso, mas quando esse idoso usa diurético sofrerá redução maior ainda do espaço extracelular e isso pode desbalancear esse “equilíbrio”. Então, nesse caso, as drogas hidrossolúveis podem acabar tendo um tempo de eliminação maior: atenção a digoxina, lítio e atenolol que entram nesses casos albumina (proteína plasmática) é a principal proteína carreadora de substâncias Fármaco carreado pela albumina fará menor efeito. Eu estou desnutrido, tenho pouca albumina, o fármaco em mim tem fração livre maior, tenho mais efeito colateral, reduzam minhas doses. Ex. de fármacos fortemente ligados a albumina: ácido valpróico, sertralina e olanzapina. Em relação às drogas lipossolúveis, vamos ter um aumento de distribuição porque temos mais gordura, diminuindo a concentração plasmática, mas a droga fica “guardada”, aumentando a meia vida da droga. Assim, temos maior tempo de ação dessas drogas e, com isso, mais riscos de efeitos colaterais mesmo quando as drogas forem suspensas Cuidado com diazepam, amiodarona, morfina METABOLIZAÇÃO E BIOTRANSFORMAÇÃO Fígado com perda de 20 a 30% de massa e 20 a 50% do fluxo sanguíneo no idoso. A metabolização de FASE I (hepática e dependente do citocromo CYP440 – responsável por converter a droga em metabólitos ativo ou inativo) é diminuída em geral O metabolismo de FASE II (conjugação) costuma estar mantido (responsável por facilitar a excreção pelas fezes e pela urina) As drogas que dependem do metabolismo do tipo I (benzodiazepínico, levodopa, BCC) no idoso sofrem alteração por conta da metabolização Principais enzimas de metabolização hepática: enzimas microssomais do sistema citocromo P450 (ligadas a fase I da metabolização, dentro dos hepatócitos no REL – aqui temos as principais interações medicamentosas porque o citocromo P450 vai promover oxidação, redução e hidrólise): são mais de 230 isoenzimas o UDTS – uridina difosfato glicuronil-transferase o FMO – flavina monoxigenase Drogas que são indutores enzimáticos: carbamazepina, fenobarbital, nicotina, esteroides (aumentam a ação das enzimas e diminuem o nível sérico de outros fármacos), inibidores enzimáticos: ISRC e IMAO (retarda metabolização de várias drogas), podendo provocar efeitos adversos. Existem ainda polimorfismos genéticos: metabolizadores rápidos e lentos (diferença na ação das enzimas) As fases de metabolização são importantes porque vão ser responsáveis pela quebra e hidrólise das moléculas, para que então que sejam excretadas futuramente O ideal é que todas as medicações só passarem pela FASE II porque assim não iam sofrer interações medicamentosas, mas na realidade a maioria dos medicamentos prescritos passam pela fase I EXCREÇÃO A principal via de excreção é a renal. Idoso sofre diminuição da TFG de 20 a 30% a cada década Diminuição de 10% do fluxo sanguíneo a partir dos 30 a 40 anos o que significa uma perda de taxa de filtração glomerular de 8-10 mL/min/1,73m2 (o medicamento passará mais tempo no organismo) O sistema urinário excreta substâncias tóxicas que precisam estar degradadas, não ligadas a proteínas ionizáveis Qual a melhor maneira de calcular o Clearence de Creatinina (ClCr) no idoso? Não é pela creatinina isolada, pois está é uma proteína muscular e precisamos lembrar que geralmente o idoso tem pouco músculo. Ademais, na região tubular a execração de creatinina continua aumentada, assim a creatinina pode seguir constante, apesar da perda da TFG (usar CKD-EPI ou MDRD) Medicamentos de excreção renal podem durar mais tempo no organismo do idoso porque o fluxo sanguíneo renal vai diminuindo cerca de 1% ao ano com o envelhecimento, a taxa de filtração glomerular diminui 25 a 50% até os 90 anos, assim é sempre importante calcular o ClCr no idoso (CKD-EPI ou MDRD – fórmulas que levam em conta a idade) Atenção para AINE, rivaroxabana, ATB, lítio, digoxina: drogas que dependem da excreção renal ** CKD-EPI é uma das mais utilizadas pelo nefrologistas e uma das melhores para os idosos Usar epocrates ou medscape para checar também interações medicamentosas, fundamentais para manutenção de boas prescrições MEIA-VIDA PLASMÁTICA (T1/2) Tempo para reduzir o nível sérico pela metade (lembrar que medicamentos lipofílicos duram mais tempo no idoso porque eles têm mais gordura), medicamentos de excreção renal também podem durar mais tempo porque o ClCr é menor FARMACODINÂMICA Ação do remédio no corpo (receptores, mecanismos celulares de ação, efeitos da droga) “Como as drogas atuam sobre o corpo” A distribuição é diferente no idoso pelo aumento do tecido adiposo, alterando a absorção de drogas lipossolúveis (exemplo: diazepam – benzodiazepínico de ação longa – pode ficar circulando 7 dias), a água corporal do idoso diminuída (especialmente a intracelular), afetando drogas hidrossolúveis como a digoxina (volume de distribuição é menor e o nível sérico tende a aumentar) Pacientes frágeis e desnutridos vão ter menos albumina (proteína carreadora de algumas drogas), influenciando a competição para algumas drogas (se você tem menos albumina, as drogas que se ligam a albumina tendem a aumentar): levotiroxina, fenitoína e varfarina DIMINUIÇÃO DO APORTE COLINÉRGICO Alterações dos receptores/neurotransmissores devido ao envelhecimento levam a alterações em número, afinidade e disponibilidade (principalmente ACETILCOLINA: o idoso tem diminuição do aporte colinérgico, sensível a efeitos anticolinérgicos), fazendo algumas pessoas mais sensíveis a alguns remédios e outras menos sensíveis (é imprevisível na maior parte das vezes, por isso começar com doses baixas e ir tateando aos poucos, porque não sabemos como nosso paciente em concreto vai reagir aquela droga) Ex.: escopolamina (buscopam), antidepressivos tricíclicos Risco de queda, constipação intestinal, confusão mental, retenção urinária Maior interação com fármacos e podem evoluir mais sedados a benzo/opioides (receptores gabaérgicos, podem ter efeito paradoxal) MAIS SENSÍVEIS A AÇÃO ANTICOLINÉRGICA Idoso pode ter maior sensibilidade à ação anticolinérgica (ficar mais confuso, ter prejuízo de memória, boca seca, hipotensão ortostática) Idoso é mais sensível ao bloqueio dopaminérgico, logo os antipsicóticos e BCC causam alterações parkinsonianas Idoso tem menor sensibilidade a BB e betaadrenérgicos Nem sempre a polifarmácia indica que a prescrição está errada, pode haver polifarmácia e o paciente de fato naquele momento precisar daqueles fármacos, MAS quanto MAIS remédios, MAIS riscos de efeitos adversos. Riscos que estarão relacionados com o número de drogas e com os tipos de remédios Injetáveis, remédios tópicos, aerossóis, remédios naturais, fitoterápicos e vitaminas são medicamentos Perguntar ativamente sobre automedicação de forma continua, insistindo: dipirona? Ibuprofeno? Lactopurga®? Antigripal? Ômega-3? Xarope? Magnésio? Polaramine®? Pomadinha de alergia? CONDIÇÕES QUE AUMENTAM O RISCO DE REAÇÕES ADVERSAS AOS MEDICAMENTOS Demência Insuficiência cardíaca DPOC Diabetes DRC Hepatopatia Câncer Abuso de álcool CRITÉRIOS DE BEERS (remédios potencialmente inadequados – não são PROIBIDOS, mas é recomendado saber porque está utilizando tal fármaco e estar ciente dos riscos) CRITÉRIOS STOPP/START (ferramenta irlandesa que ajuda a suspender remédios e que remédios deveríamos introduzir – como tratamento para dor, anticoagulante em FA crônica) CRITÉRIOS DE BEERS 2019 Medicamentos ou classes farmacológicas que: devem ser evitados em idosos de forma geral, devem ser usados com cautela em idosos e devem ser evitados em pacientes com doenças específicas Exemplos: AAS como profilaxia de doença primária em idosos maiores que 70 anos é duvidoso e em maiores de 80 anos é proscrito, diversas drogas estão associadas a SIHAD e deve haver cautela com certos ATB (até colírio de ciprofloxacinopode causar delirium em idoso) Evite a maioria dos antipsicóticos em pacientes com doença de Parkinson complicada por psicose, embora quetiapina e clozapina possam ser usadas com cautela Evite usar rivaroxabana e dabigatrna em idosos devido ao risco de sangramento mais alto do que a varfarina e outros anticoagulantes orais diretos Evite o uso de tramadol (associado p. ex. a antidepressivos ISRS) devido ao risco de hiponatremia por síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético Evite prescrever opioides com benzodiazepínicos ou gabapentinoides porque as combinações aumentam o risco de depressão respiratória grave Os antidepressivos IRSN foram adicionados à nova lista de uso com cautela para pacietes com histórico de quedas ou fraturas Os sedativos-hipnóticos não benzodiazepínicos (zolpidem, eszopiclona, zaleplona) e os benzodiazepínicos devem ser evitados Bloqueadores dos canais de cálcio não diidropiridinicos e o cilostazol devem ser evitados na ICFER Os AINEs, inibidores da COX-2, glitazonas devem ser usados com cautela em pacientes na ICC bem controlada (aumento do risco de edema e descompensação) As reações adversas aos tratamentos são a 4ª causa mais comum de morte nos EUA Cerca de 1/5 das internações são decorrentes de uso inapropriado de medicamentos 2/3 das internações por uso inapropriado de medicamentos estão ligadas a interações entre fármacos Mudanças nos critérios de Beers DEVEM SER EVITADOS CLASSES DE FÁRMACOS COM MAIOR RISCO DE REAÇÕES ADVERSAS EM IDOSOS Sedativos-hipnóticos Antidepressivos Amitriptilina (antcolinérgico, HO, sedação, xerostomia, constipação intestinal) AINES (lesões de mucosa gástrica, piora do ClCr) Anticoagulantes Opioides (constipação, náuseas) Esteroides Quimioterápicos Anti-hipertensivos Medicações com muita interação medicamentosa FERRAMENTAS DE ABORDAGEM DA POLIFARMÁCIA Listas (critérios de Beers, STOPP/START), embora tenham certo sentido, tendem a ser limitadas e pouco efetivas na prática clínica por serem muito centradas nos fármacos e não nas pessoas, desconsiderando o contexto e as particularidades Pode ser que um medicamento que não faça parte dessas listas de fármacos potencialmente inadequados seja completamente contraindicado em um paciente específico por uma característica individual POLIFARMÁCIA É UMA IATROGENIA? Iatrogenia é um dos 7 gigantes da geriatria (insuficiência cognitiva, imobilidade, instabilidade postural, iatrogenia, insuficiência familiar, incapacidade comunicativa e incontinências) Iatrogenia (iatros – médico + genia – origem): qualquer prejuízo ao paciente não decorrente da doença, mas a intervenção da equipe de saúde (pode ser causada pelo enfermeiro, pelo fisioterapeuta etc), pode estar certa ou errada, justificada ou não, esperada ou inesperada (paciente precisa de acesso central, mas durante o procedimento sofre um pneumotórax) POLIFARMÁCIA É UMA IATROGENIA? Iatrogenia é diferente de erro médico: quase todos os erros médicos levam a uma iatrogenia, há alguns erros médicos que passam desapercebidos e nada acontece, não levam a iatrogenia (paciente deveria receber simeticona, mas recebe dipirona e não aconteceu nada, sofreu um erro médico, mas não sofreu uma iatrogenia) Se o paciente que recebeu dipirona sofresse um choque anafilático, então seria um paciente que sofreu um erro médico e uma iatrogenia IATROGENIA Iatrogenias podem ser devidas a medidas ativas (métodos diagnósticos, tratamentos, prevenções), exemplo: paciente com alteração abdominal que precisa ser investigada e solicitamos uma TC com contraste, o paciente sofre choque anafilático pelo contraste iodado (iatrogenia por médica diagnóstica por um exame bem indicado). Quando causada ativamente por um erro médico denominamos imperícia ou imprudência. Medidas de omissão (suspeito de TEP, mas fico com medo de TC com contraste e deixamos de fazer o diagnóstico de TEP). TIPOS DE IATROGENIA Por ação (medidas ativas dos médicos): diagnóstico, tratamento (pct com dor de barriga recebe bromoprida, fica sonolento, cai e quebra o fêmur), prevenção (colono de rastreio CCR e perfura o intestino) e quando é causada ativamente por erro médico é causada por imperícia/imprudência Por omissão: diagnóstico, tratamento (demora de prescrição de ATB e pct entre em sepse), prevenção e negligência (omissão por erro médico) Por comunicação: deficiências do paciente (cognitivas ou culturais), o conteúdo e o modo como foi dito (paciente recebeu diagnóstico de câncer de próstata, ficou tão assustado e se suicidou), grafia (letra ilegível do médico) É POSSÍVEL EVITAR AS IATROGENIAS? Melhorando nossas atitudes profissionais: tom de voz, ritmo de fala, postura, olho no olho/face a face, ambiente. Perceber a reação emocional do paciente para que possamos nos adiantar aos problemas, explicando melhor, consolar, melhorando a comunicação, falar com os familiares. Checar compreensão (pedir para repetir o que explicamos) Checklist e double check (confira se é o paciente certo recebendo a medida correta). Cuidado com sua letra ou receita digitada, e com a posologia da droga: um 0 a mais muda tudo. COMO? Para evitar iatrogenias por ação e omissão: diagnosticar os problemas e enfrentar cada um deles – dor, incontinências (diurético?), congestão (falta diurético?) Star slow, go slow, but GO, ou seja, introduza os remédios lentamente, mas adequadamente e sempre revise e reajuste esses remédios. Na medida do possível, suspenda remédios (será que ele ainda precisa desse IBP? Será que ele ainda precisa desse TTO para osteoporose? Será que ainda precisa usar esse anticolinesterásico? (usou o tempo adequado? Tem expectativa de vida que justifique o uso dessa droga?) Nas iatrogenias por prevenção não levar em consideração apenas a idade do paciente, mas considerar o conjunto Se o paciente tem expectativa de vida de 10 anos, ele precisa ser tratado como qualquer outra pessoa, continue rastreios pertinentes Metas de HbA1c, se o paciente está com demência avançada não temos que procurar um controle estrito, podemos ser mais tolerantes, assim como metas de pressão e níveis de colesterol, precisam ser individualizadas Atenção especial com os pacientes mais frágeis e mais longevos (os mais suscetíveis) EPIDEMIOLOGIA DA IATROGENIA É muito frequente em pacientes internados e geralmente são causadas por medidas terapêuticas, mas em menor porcentagem, são causadas por procedimentos diagnósticos Os idosos são os que mais frequentemente sofrem iatrogenia, após 65 anos tem 2 vezes mais risco e nessa população os efeitos são mais graves A reação adversa a medicamento é a iatrogenia mais frequente (principal causa em todas as faixas etárias), nos idosos que estão internados a reação adversa a medicamentos é 3 a 7 vezes mais frequente e 2 a 10% das mortes em hospitais estão relacionadas com reações adversas a medicamentos (é muito importante, por isso é uma síndrome geriátrica) CONSEQUÊNCIAS DA IATROGENIA Complicações e incapacidade Aumento de tempo de internação e de terapêuticas Gerenciamento de saúde (aumenta custos) PACIENTES DE MAIOR RISCO DE SOFRER IATROGENIA Aqueles com doenças crônicas e reserva funcional diminuída demais Idosos que têm múltiplos médicos, múltiplos profissionais de saúde e polifarmácia, ou seja, cada profissional prescreve uma coisa, pacientes que passam por muitas avaliações diagnósticas Pacientes com pouco acesso aos serviços de saúde também podem sofrer iatrogenia por omissão, pacientes hospitalizados ou que vão ser submetidos a procedimentos médicos/cirúrgicos, pacientes com sintomas atípicos de doença (demora no diagnóstico) e ocultos e pacientes com dificuldade de comunicação (não entendem a prescrição, não conseguem expressar o que sentem) CONSEQUÊNCIAS Em países desenvolvidos, o uso excessivo de medicamentos é a maior ameaça à saúde das populações maisidosas com morbidade crescente – provavelmente mais ameaçador do que as doenças para as quais os fármacos são prescritos A polifarmácia também está associada a uma pior qualidade de vida, além de efeitos negativos específicos sobre a função, incluindo piora da mobilidade, cognição e nutrição, além de quedas e fadiga ORIGENS DA POLIFARMÁCIA Nas políticas de saúde: quando os pagamentos se dão por resultados, exemplo: controle da PA e glicemias Nos modelos de evidência: recomendações baseadas em estudos de pouca validade externa, em diretrizes que não levam em consideração o efeito da multimorbidade no tratamento e nos efeitos adversos nas recomendações Nos modelos de cuidado: imperativo do diagnosticar e tratar com excessos de medicações sob a égide de prevenção de benefícios duvidosos (AAS, estatina, bisfosfonatos) Nos fatores ligados à população: transição demográfica e aumento de morbidade com o envelhecimento CONVÉM PENSAR A POLIFARMÁCIA EM DOIS NÍVEIS Macro: buscando compreender suas origens na população, nas políticas de saúde e no campo profissional/científico Clínico: a partir de uma abordagem centrada na pessoa, da coordenação de cuidados e de uma avaliação crítica das prescrições PRINCÍPIOS GERAIS NA ABORDAGEM Evitar 5 ou mais fármacos para uma mesma pessoa (manter como objetivo) Em pessoas que usam 5 ou mais medicamentos, verificar de forma sistemática e regular se é possível suspender ou reduzir a dose Considerar a expectativa de vida e, a partir de certa idade, reconsiderar o uso de todos os medicamentos utilizados como prevenção Dar preferência a medicações que podem ser úteis no tratamento e mais de um problema de saúde do paciente (calculose renal e HAS: tiazídicos) e evitar medicações que possam piorar os quadros de adoecimento que possam ter (paciente com gota e HAS: não usar tiazídicos) Sempre perguntar aos pacientes sobre efeitos colaterais que percebem e sobre medicamentos que gostariam de parar de usar Utilizar lembretes no prontuário para não deixar de suspender o medicamento no prazo estabelecido inicialmente Sempre utilizar a dose mínima necessária para controlar a condição de saúde em questão Lembrar de avaliar se o medicamento potencialmente “adequado” é de fato adequado à condição e ao contexto particular do paciente RISCO AUMENTADO PARA EFEITO ADVERSO Idade > 85 anos Reação adversa prévia Múltiplas comorbidades ClCr < 45 mL/min/1,73m2 Baixo índice de massa corpórea Número de medicações > 5 ANTES DE PRESCREVER UM REMÉDIO SE PERGUNTE... Qual a expectativa de vida para essa pessoa? Em quanto tempo espera-se que o medicamento traga benefícios? Quais os objetivos dos cuidados a essa pessoa? Qual seria um objetivo de tratamento apropriado a essa condição? (paliativo, sintomático, preventivo...) DICAS Diagnosticar corretamente Utilizar o menor número possível de medicamentos Empregar a menor dosagem possível Rever periodicamente a prescrição e suspender fármacos desnecessários Observar efeitos adversos devido a polifarmácia: fadiga, perda de memória, alterações no sono, confusão, incontinência urinária (bexigoma), instabilidade de marcha e parkinsonismo MOTIVOS PELOS QUAIS UMA MEDICAÇÃO PODE SER CONSIDERADA INADEQUADA PARA O IDOSO Dosagem inapropriada Propriedades farmacocinéticas ou farmacodinâmicas impróprias Perfil inaceitável de efeitos colaterais (alta carga anticolinérgica ou sedativa) Alto potencial de interação medicamentosa (medicamentos que podem inibir ou estimular as enzimas do citocromo p450) Prescrição duplicada ou redundante Duração do tratamento inadequado CASCATA DE PRESCRIÇÃO/IATROGÊNICA NO IDOSO Situação em que o efeito adverso de uma droga é interpretado como uma nova condição médica que exige nova prescrição Coloca-se, assim, o paciente em risco de desenvolver efeitos prejudiciais adicionais relacionados a tratamento potencialmente desnecessário que tende a se agravar com a adição progressiva de novas medicações desnecessárias Essa “cascata de prescrição” provoca a polifarmácia e aumenta o risco de eventos adversos às medicações, devendo sempre ser evitada Dor crônica anti-inflamatório (são inadequados pois aumentam o risco de sangramento gastrointestinal, de retenção de líquido, eventos cardiovasculares e lesão renal) hipertensão inibidores de cálcio edema de MMII diurético de alça (furosemida) tonteira/ hipotensão ortostática, diagnóstico equivocado de labirintite cinarizina/ flunarizina parkisonismo pramipexol/ levodopa (agonista dopaminérgico) psicose antipsicótico queda Exemplo: Idoso com insônia, dor crônica e ansiedade Uma medicação: PREGABALINA SITUAÇÕES CLÍNICAS COMUMENTE SUBDIAGNOSTICADAS Diabetes e adiamento do uso de insulina Osteoporose e uso de bifosfonatos Depressão e falta de progressão da dose de antidepressivos ICC e falta de IECA e betabloqueador Proteinúria e falta de uso de IECA ou BRA Fibrilação atrial e falta do uso de anticoagulação Dor crônica e falta de analgesia regular adequada CONCLUINDO A polifarmácia é um fenômeno muito comum, muitas vezes inerente ao envelhecimento e adoecimento, mas que frequentemente pode ser evitado A adoção de uma abordagem centrada na pessoa e uma prática atenta e reflexiva é essencial para se buscar reduzir o problema da polifarmácia
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