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– Iatrogenia e Polifarmácia Idosos são os principais consumidores de medicamentos em uma população. Em países em desenvolvimento, a proporção de idosos que utiliza no mínimo 1 medicamento por dia varia de 85 a 90%, e 1/3 dessa população emprega 5 ou mais. A terapêutica medicamentosa em idosos é altamente influenciada pelas alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas próprias do envelhecimento, que alteram a sensibilidade e o efeito de vários fármacos; além disso, a elevada prevalência de multimorbidades nessa população aumenta a chance de eventos adversos, levando à necessidade por parte do geriatra do conhecimento de determinadas particularidades associadas ao uso de medicamentos. É importante considerar que medicamentos têm a propriedade de melhorar extremamente a qualidade de vida e de curar ou aliviar doenças, desde que seu emprego seja adequado, cuidadoso e seguro. Em idosos as prescrições medicamentosas devem ser receitadas com cautela, considerando as alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas próprias do envelhecimento, sob pena de provocar iatrogenias. ➢ FARMACOCINÉTICA Define-se farmacocinética como o conjunto de processos sofridos pelos fármacos no corpo humano a partir de sua administração, ou seja, abrange absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos medicamentos. - ABSORÇÃO Estudos farmacocinéticos sobre o efeito do processo de envelhecimento sobre a absorção de fármacos apresentam resultados conflitantes. Essas disparidades de dados relacionam-se à via e ao tipo de absorção – passiva ou ativa. Atentando-se inicialmente à via oral (VO), forma de administração usual de medicamentos, o envelhecimento influencia a absorção de medicamentos. Processo não uniforme – nem entre idosos, nem entre medicamentos – merece atenção do prescritor particularmente quando o resultado esperado não ocorrer e/ou o paciente apresentar outras peculiaridades passíveis de interferir na absorção do fármaco indicado. A biodisponibilidade medicamentosa pela via oral depende basicamente da absorção pelo trato gastrintestinal e da primeira passagem hepática do fármaco. A absorção oral de medicamentos sofre interferências quando ocorre aumento do pH gástrico, retardo no esvaziamento do estômago, redução na mobilidade e no fluxo sanguíneo do sistema digestório; alterações observadas em percentuais significativos de idosos. Essas alterações interferem mais em substâncias e fármacos que dependem de transporte ativo para absorção intestinal como glicose e vitamina B12. Felizmente, a maioria dos medicamentos é absorvida nessa via por difusão passiva que apresenta baixo grau de evidências quanto a alterações relacionadas com o envelhecimento. Em contrapartida, a primeira passagem hepática – importante em processos de biodisponibilidade farmacológica – encontra-se geralmente reduzida em idosos. Deve-se isto à redução do parênquima e do fluxo sanguíneo hepático durante o envelhecer. Biodisponibilidade de medicamentos que se submetem a extenso metabolismo de primeira passagem – como metoclopramida e opioides – pode aumentar de forma significante, recomendando-se iniciar sua administração em doses menores que as de adultos jovens. Opondo- se a este fato, observa-se também a ativação mais lenta na primeira passagem hepática de vários profármacos como inibidores da enzima de conversão da angiotensina. O uso crônico desses fármacos reduz o impacto dessas alterações hepáticas, tornando-as clinicamente pouco relevantes. – Mesmo com as alterações descritas antes, a absorção medicamentosa em idosos normalmente não apresenta prejuízo de monta, desde que se mantenha a integridade da mucosa gástrica. Há, porém, doenças e/ou circunstâncias comuns nessa faixa etária com potencial de interferir na absorção, como moléstia diverticular, gastrectomia prévia, estenose pilórica, pancreatite e síndromes de má absorção. - DISTRIBUIÇÃO Significativas alterações da composição corporal ocorrem durante o envelhecimento. Isto interfere na distribuição de determinados medicamentos. Atenção especial deve ser dedicada quanto ao aumento do tecido adiposo entre 20 e 40% e à redução da água corporal total em até 15%. Assim, fármacos hidrofílicos como gentamicina, lítio e digoxina tendem a apresentar menor volume de distribuição em idosos, com consequente aumento da concentração plasmática. A redução do volume de distribuição de medicamentos hidrossolúveis é contrabalanceada pela significativa perda do clearance renal durante o envelhecimento, redundando em baixo efeito sobre a meia-vida de eliminação desses fármacos. Observa-se situação oposta em fármacos lipofílicos, como benzodiazepínicos, morfina e amiodarona, cujo volume de distribuição eleva-se progressivamente com a idade. Obviamente, se o volume de distribuição aumenta, a meia-vida de eliminação medicamentosa também se prolonga. Essa associação entre volume de distribuição e meia-vida de eliminação maiores em fármacos lipossolúveis provoca em idosos maior tempo de ação medicamentosa e risco de efeitos colaterais mesmo após o encerramento da tomada de fármacos como diazepam e tiopental. Mesmo não havendo alterações de concentração sérica das duas proteínas relacionadas com o envelhecimento normal, a albumina sofre reduções significativas em idosos portadores de quadros de desnutrição e de fragilidade, enquanto a alfa-1 glicoproteína ácida – marcador de doenças inflamatórias – aumenta principalmente em quadros agudos comumente observados nessa faixa etária. O principal fator que determina o(s) efeito(s) medicamentoso(s) é a concentração livre do fármaco. Esta concentração relaciona-se com a capacidade de ligação entre o medicamento e a proteína carreadora dele (albumina ou alfa-1 glicoproteína ácida) e modula as interações medicamentosas e os efeitos fisiológicos dos fármacos. Sendo sua relevância clínica limitada em muitos medicamentos, deve-se, contudo, atentar a exemplos como o da fenitoína que apresenta seus efeitos farmacológicos e colaterais maximizados em pacientes com baixas concentrações de albumina sérica. - METABOLISMO A depuração hepática dos fármacos depende da capacidade do fígado em metabolizar o(s) medicamento(s) e do fluxo sanguíneo hepático. Classificam-se os fármacos quanto ao seu grau de depuração hepática (DH) em três grupos: (1) alto (DH > 0,7) como propranolol, meperidina e lidocaína; (2) intermediário (DH entre 0,3 e 0,70) como ácido acetilsalicílico, codeína, morfina e triazolam; e (3) baixo (DH < 0,3) como carbamazepina, diazepam, fenitoína e varfarina. Quando o grau de DH é alto, sua capacidade de depuração torna-se limitada pelo fluxo sanguíneo existente no fígado. Quando o grau de DH é baixo, mudanças no fluxo sanguíneo hepático provocam pequenas alterações na depuração. Assim sendo, a progressiva redução do fluxo sanguíneo do fígado durante o envelhecimento afeta principalmente medicamentos com alto grau de DH. Outro fato relevante relaciona-se com a redução progressiva do volume hepático em até 30% durante o processo de envelhecimento. Isto resulta em queda de sua depuração em magnitude similar à anteriormente relatada. Cabe como mais uma observação de que no fígado ocorre a conversão de medicamentos em metabólitos, em processo conhecido como biotransformação. Esta, por sua vez, tem duas fases: a fase I, que converte medicamentos em metabólitos ativos ou inativos (oxidação e redução, por exemplo), e a fase II, que estabelece graus de polaridade e hidrossolubilidade para facilitar a excreção dessas substâncias pelas fezes e urina. Com o avançar da idade há comprometimento da fase I, levando ao aumento – da concentração sérica de fármacos como benzodiazepínicos, bloqueadores de canais de cálcio e levodopa. Estima-se que após os 70 anos de idade, o volume e a atividade do complexo enzimático citocromo P-450 encontra-se reduzido emcerca de 30%. Estados de fragilidade, desnutrição, multimorbidades e tabagismo também influenciam o metabolismo hepático. No entanto, não há provas de função hepática adequadas na prática clínica para apontar as alterações descritas no paciente idoso. - EXCREÇÃO A redução da taxa de filtração glomerular provocada pelo envelhecimento afeta a depuração de vários medicamentos como, por exemplo, anti-inflamatórios não hormonais, anticoagulantes orais (rivaroxabana e dabigatrana), diuréticos, digoxina, betabloqueadores hidrossolúveis (atenolol e nadolol), antibióticos hidrossolúveis (cefalosporinas e aminoglicosídios) e lítio. A importância clínica dessa redução relaciona-se ao risco potencial de toxicidade do fármaco. Medicamentos com doses terapêuticas estreitas como lítio, aminoglicosídios e digoxina tornam-se altamente suscetíveis a efeitos colaterais graves, mesmo em concentrações séricas minimamente superiores ao ideal em idosos. Recomenda-se o cálculo do clearance de creatinina sérica em todo paciente nessa faixa etária. – ➢ FARMADINÂMICA Define-se farmacodinâmica como o(s) efeito(s) do fármaco no organismo, que, no paciente idoso, depende de alterações em mecanismos homeostáticos e de modificações em receptores e sítios de ação. - ALTERAÇÕES EM MECANISMOS HOMEOSTÁTICOS A maior sensibilidade observada em idosos a várias classes de medicamentos decorre do declínio de certas funções orgânicas. Desse modo, a redução do fluxo sanguíneo cerebral secundária à doença ateromatosa interfere na sensibilidade a fármacos de ação central, como antidepressivos e benzodiazepínicos. Observam-se assim quadros de confusão mental e/ou disfunção cognitiva em usuários desses fármacos, particularmente quando tomados por longos períodos. Outro exemplo, comum na prática clínica, é a hipotensão ortostática desencadeada por anti-hipertensivos. Isto decorre da menor reatividade do reflexo barorreceptor associada ao envelhecimento. Igualmente, a associação das alterações da termorregulação em idosos com medicamentos como psicofármacos apresenta potencial de gerar quadros de hipotermia nessa faixa etária. - MODIFICAÇÕES EM RECEPTORES E SÍTIOS DE AÇÃO O envelhecimento influencia a interação de medicamentos e receptores, alterando consequentemente o padrão de resposta orgânica aos fármacos. Poucos dados são relatados sobre diferenças farmacodinâmicas em idades acima de 80 anos. Mas o que já se encontra estabelecido é que há alterações no número e na afinidade de receptores aos fármacos como também modulações alteradas nas respostas celulares aos medicamentos. ➢ INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Interações medicamentosas correspondem à capacidade de um medicamento modificar a ação de outro administrado sucessivamente ou simultaneamente. Em situações em que há aumento da eficácia dos agentes terapêuticos empregados, as interações são até desejáveis, como, por exemplo, é observado quando se empregam antibióticos ou anti-hipertensivos; por outro lado, interações podem levar a resultados deletérios, como aumento do risco de eventos adversos ou redução da efetividade do tratamento. As interações podem ser farmacocinéticas, quando um medicamento afeta a absorção, distribuição, metabolismo ou excreção de outro, ou farmacodinâmicas, que ocorrem nos órgãos- alvo quando a ação de um fármaco no seu sítio é modificada por outro fármaco, quer porque fármacos agem nos mesmos receptores, quer porque atuam nos mesmos sistemas fisiológicos por meio de receptores diferentes. A prevalência de interações medicamentosas na população idosa é considerável, qualquer que seja a situação estudada, podendo ocorrer em 54 a 80% de todos os idosos da comunidade, e levando a até 4,8% das admissões hospitalares. Até 28% de – todos os pacientes idosos internados apresentam interações medicamentosas, com consequente aumento da duração da internação e de custos. Prejuízo da funcionalidade, piora da qualidade de vida e até eventos adversos potencialmente fatais são outras complicações das interações medicamentosas. Por outro lado, cabe esclarecer que nem todas as interações cursam obrigatoriamente com tais complicações; de fato, a maioria das interações corresponde a interações medicamentosas potenciais. Uma interação potencial é definida como uma ocorrência na qual são prescritos concomitantemente dois medicamentos que sabidamente podem interagir e ocasionar consequências indesejáveis. Vários estudos têm descrito a polifarmácia como o principal fator de risco para interações medicamentosas. O risco da ocorrência de eventos adversos é de 13% com o uso de dois medicamentos, aumentando para 58% com o uso de cinco medicamentos, e 82% quando são prescritos 7 ou mais medicamentos. Além de aumentar com o número de medicamentos prescritos, a prevalência de interações medicamentosas também se eleva linearmente com o aumento da idade; esses dois fatores de risco estão relacionados, pois o efeito da idade na prevalência de IM potenciais aumenta à medida que progride o número de medicamentos. O número de interações, o alto índice de comorbidades e o tempo de exposição à interação são considerados fatores de risco para a mortalidade associada a interações medicamentosas. Os medicamentos implicados com mais frequência em interações potenciais são justamente aqueles usados de rotina por idosos portadores de doenças crônicas, como os de ação no sistema cardiovascular e no sistema nervoso central; é importante acrescentar que tais medicamentos costumam estar implicados com interações medicamentosas graves, ou seja, aquelas que podem levar a eventos adversos sérios, inclusive risco de morte. A adoção de hábitos, como a escolha de medicamentos com perfil seguro, o conhecimento das principais interações indesejáveis, o monitoramento do nível sérico de medicamentos com índice terapêutico estreito (associados a maior probabilidade de interações) e o cuidado quanto à orientação do paciente para o risco da automedicação podem minimizar a chance de complicações associadas às interações medicamentosas. ➢ ADERÊNCIA MEDICAMENTOSA A Organização Mundial da Saúde define aderência como adequação do indivíduo, como fazer dieta, exercícios e usar medicamentos, à recomendação médica. Já a aderência a medicamentos é entendida como a utilização dos medicamentos prescritos em pelo menos 80% do seu total, observando horários, doses e tempo de tratamento. Pacientes com uso inferior a 80% apresentam risco quatro vezes maior de complicações, como eventos cardiovasculares agudos. Existe também relação entre a má aderência e a mortalidade, como, por exemplo, no caso de pacientes ao longo do primeiro ano após infarto do miocárdio, nos quais houve um risco de óbito seis vezes maior dos não aderentes. Taxas de má aderência são mais altas entre idosos, especialmente em pacientes com múltiplas doenças crônicas, nos quais a prevalência pode chegar a 50%, ou seja, metade dos medicamentos prescritos na prática médica não são utilizados, ou são utilizados de maneira inadequada. A aderência medicamentosa em idosos é assunto complexo e multifacetado, que sofre influência de ampla gama de fatores, como polifarmácia, declínio cognitivo e funcional, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, sintomas depressivos, falta de suporte social e dificuldades financeiras; até mesmo certas doenças têm sido especialmente associadas à má aderência, constituindo o exemplo clássico a hipertensão arterial, devido à sua natureza em geral assintomática. A aderência deve sempre ser considerada uma via de mão dupla, e, desse modo, tanto o médico – quanto o paciente exercem papel fundamental. Cabe ao médico acolher, orientar, informar, explicar sobre os possíveis eventos adversos, ensinar a montar tabelas com horários de administração e de doses, e encaminhar opaciente a programas públicos e privados de disponibilização de medicamentos, quando for o caso. Já aqueles pacientes e seus familiares que procuram esclarecimentos adequados e se conscientizam sobre o perfil de suas doenças e as possíveis complicações de um tratamento inadequado têm mostrado maior aderência, e, portanto, melhor evolução. ➢ SOLUBILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS/OMISSÃO TERAPÊUTICA Muita atenção tem sido direcionada à polifarmácia e à prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos; no entanto, a omissão terapêutica é problema de igual magnitude e bem menos estudado. Omissão terapêutica ou subutilização de medicamentos é definida como a não prescrição de um medicamento indicado para tratamento ou prevenção de uma determinada doença ou condição, indicação esta subsidiada por diretrizes ou consensos, quando não há contraindicações conhecidas. Receio de polifarmácia, de interações medicamentosas, de má aderência e até mesmo etarismo têm sido descritos como fatores associados à omissão terapêutica; no entanto, tal omissão pode levar a consequências sérias, como dobrar o risco de institucionalização, dificultar o controle de doenças crônicas e elevar taxas de mortalidade. A prevalência da subutilização de medicamentos tem sido considerada equivalente à da polifarmácia, acometendo 44 a 57% dos pacientes hospitalizados. Fatores como idade avançada, índice de Charlson elevado e comprometimento cognitivo e funcional têm sido frequentemente associados à omissão terapêutica, sugerindo relutância na introdução de esquemas terapêuticos complexos em idosos frágeis. Omissões mais prevalentes são descritas no tratamento da insuficiência cardíaca com inibidores da enzima conversora, na antiagregação plaquetária nos pacientes portadores de doença arterial coronária, na anticoagulação da fibrilação atrial crônica e, principalmente, no tratamento adequado da osteoporose. Evitar a omissão terapêutica nem sempre é simples, pois depende diretamente do diagnóstico de uma determinada doença e do conhecimento das recomendações mais recentes da literatura e do medicamento indicado. – Medicamentos em apresentações adequadas a idosos com distúrbios de deglutição tornam-se normalmente desafios na prática clínica. A via parenteral – subcutânea, intramuscular ou intravenosa – garante bom grau de absorção, embora em idosos frágeis e/ou altamente dependentes, quadros de sarcopenia e alterações no tecido subcutâneo interfiram no tempo e dosagem de absorção medicamentosa. Merece observação que essa via propicia o risco de complicações, desconforto e alto custo, sendo pouco frequente seu uso a longo prazo. Outras vias – tópica, sublingual, retal, bucal ou transdérmica – embora opções em algumas circunstâncias, tornam-se limitadas pelo número de fármacos em disponibilidade comercialmente. Observa-se, porém, que, mesmo com possibilidades terapêuticas restritas, essas vias contêm potencial de interações medicamentosas e de sobredoses, visto que – com exceção da transdérmica e da tópica parcialmente – o processo de absorção farmacológica nelas encontra-se vinculado a mucosas. Torna-se assim cada vez mais comum – em idosos incapacitados de utilizarem a via oral – a indicação de sondas de alimentação como alternativa para o aporte de nutrientes e administração de medicamentos. Particularmente no idoso, em função das alterações nos processos de farmacocinética (que incluem absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos fármacos) e farmacodinâmica (efeito dos fármacos nos órgãos e tecidos), deve-se sempre ter especial atenção na prescrição de medicamentos, podendo ser necessário o ajuste de doses ou a avaliação da adequação desse medicamento frente às mudanças nos padrões farmacológicos com o envelhecimento. As consequências do amplo uso de medicamentos têm impacto no âmbito clínico e econômico, repercutindo na segurança do paciente. E, a despeito dos efeitos dramáticos que as mudanças orgânicas decorrentes do envelhecimento ocasionam na resposta aos medicamentos, a intervenção farmacológica é, ainda, a mais utilizada para o cuidado à pessoa idosa. De fato, o uso de medicamentos constitui hoje uma epidemia entre idosos, cuja ocorrência tem como cenário o aumento exponencial da prevalência de doenças crônicas e das sequelas que acompanham o avançar da idade, o poder da indústria farmacêutica e do marketing dos medicamentos e a medicalização presente na formação de parte expressiva dos profissionais da saúde. Com o aumento da expectativa de vida da população, aumenta o contingente de portadores de doenças crônicas não transmissíveis, que demandam assistência contínua e na qual os medicamentos têm um papel importante. O uso de vários medicamentos pode causar problemas tais como o aumento do risco do uso de medicamentos inadequados (incluindo interações medicamentosas e duplicação de terapia), a não adesão ao tratamento e a ocorrência de efeitos adversos. Apesar de “polifarmácia” ser um termo constantemente utilizado na prática clínica, seu conceito ainda não é consensual, envolvendo várias definições diferentes. Polifarmácia pode ser definida como: “uso de 5 ou mais medicamentos”, “uso de pelo menos um medicamento potencialmente inapropriado” ou ainda “mais medicamentos usados do que clinicamente indicados”. Na maioria dos estudos, o primeiro conceito de “vários medicamentos (5 ou mais) sendo usados de forma concomitante” é o mais utilizado. – Sendo assim, o uso simultâneo de vários medicamentos deve ser sempre avaliado com cautela na população idosa, pois ao mesmo tempo que podem contribuir para a manutenção da capacidade funcional e da qualidade de vida, se utilizados de forma incorreta, podem comprometê-las. Assim, ao prescrever medicamentos a idosos, deve-se estar atento a essa relação risco-benefício. As afecções iatrogênicas são aquelas que decor- rem da intervenção do médico e/ ou de sua equipe – seja ela certa ou errada, justificada ou não – mas da qual resultam consequências prejudiciais para a saúde do paciente. A iatrogenia muitas vezes é inesperada, mas em situações em que a uma in- tervenção específica se faz muito necessária, pode-se até esperar o dano iatrogênico dela consequente, após devida ponderação. A iatrogenia não acarreta a responsabilidade civil do profissional da saúde, uma vez que ela decorre de um agir tecnicamente correto. Nesse caso, além da intenção benéfica do profissional para uma tentativa de cura do paciente, há um proceder preciso e correto, de acordo com as normas e princípios ditados pela ciência de sua área profissional. ➢ TIPOS DE IATROGENIAS Uma iatrogenia pode ocorrer em consequência a uma ação, medida ativa, do profissional ou a uma situação de omissão. Além disso, há casos em que a iatrogenia decorre de questões ligadas à comunicação. Dentro dessas categorias – ação, omissão ou comunicação –, podemos classificar o tipo de iatrogenia de acordo com o momento do processo médico em que ela acontece. Quando é devida a uma ação, a iatrogenia pode ocorrer durante o processo diagnóstico, no tratamento ou na prevenção de uma doença. Por exemplo, quando um paciente tem indicação de realização de uma tomografia computadorizada com contraste para a realização do diagnóstico de alguma doença, caso esse paciente desenvolva reação alérgica ao contraste iodado, esse prejuízo – a reação alérgica – seria categorizado como uma iatrogenia decorrente de uma ação diagnóstica. Da mesma forma, o efeito adverso a algum medi- camento utilizado para o tratamento é considerado uma iatrogenia decorrente do tratamento. Como exemplo de uma iatrogenia devido a medidas preventivas, podemos pensar em um paciente que sofre perfuração intestinal na realização de uma colonoscopia preventiva. É importante ressaltar que, quando o dano ocorre poruma ação de imperícia ou imprudência, é configurado um erro médico. As IATROGENIAS POR OMISSÃO também podem ocorrer no momento do diagnóstico, do tratamento ou da prevenção, destacando novamente que, em situações em que há negligência, fala-se de erro médico. Utilizando o mesmo exemplo da tomografia computadorizada com contraste iodado, caso o médico opte por não a realizar pelo risco de choque anafilático e o paciente sofre as consequências da falta do diagnóstico que seria feito, temos uma situação de iatrogenia por omissão diagnóstica. Quando há demora na prescrição de algum medicamento e o quadro clínico do paciente piora em consequência disso, tem-se uma iatrogenia por omissão de tratamento. Por fim, há iatrogenia por omissão de medidas preventivas quando o paciente desenvolve uma doença por falha na sua prevenção, por exemplo. As IATROGENIAS DE COMUNICAÇÃO podem resultar de deficiências comunicativas por parte do paciente e do profissional, do conteúdo e da forma de se comunicar más notícias e até mesmo da grafia do profissional. Os problemas de comunicação ocorrem especialmente com os pacientes que possuem deficiências de compre- Iatrogenia X Erro médico É de suma importância diferenciarmos dois conceitos: iatrogenia e erro médico. Muitas vezes esses termos são usados como sinônimos, porém dizem respeito a situações distintas. A diferenciação se faz clara ao pensarmos que, apesar de na maioria das vezes os erros médicos levarem à iatrogenia, em algumas situações um erro médico pode não gerar prejuízo algum ao paciente, não ocasionando, nesse caso, iatrogenias. Da mesma forma, é importante notar que nem todas as iatrogenias são decorrentes de erros médicos, na verdade, a maioria das iatrogenias decorre de situações indicadas, e não por erro médico. – ensão, como baixa escolaridade ou deficiência auditiva por exemplo, contudo, pode ocorrer também quando o profissional não consegue explicar o conteúdo desejado da forma mais apropriada. Isso é visto principalmente nos momentos de comunicação de más notícias, em que o profissional passa uma impressão de que o problema é menor ou maior do que é de fato. Por fim, iatrogenias também acontecem, com certa frequência, por questões de grafia não compreensível. Quando a caligrafia do médico em uma prescrição, por exemplo, não é compreendida pelo farmacêutico ou mesmo pelo próprio paciente, pode ocorrer trocas de medicamentos e/ou erro de dosagem e frequência. Consideram-se como afecções iatrogênicas aquelas decorrentes da intervenção do médico e/ou de seus auxiliares, seja ela certa ou errada, justificada ou não, mas da qual resultam consequências prejudiciais para a saúde do paciente. No Brasil, o processo conhecido como cascata iatrogênica é utilizado para descrever a situação em que o efeito adverso de um fármaco é interpretado incorretamente como nova condição médica que exige nova prescrição, sendo o paciente exposto ao risco de desenvolver efeitos prejudiciais adicionais relacionados ao tratamento potencialmente desnecessário. A tomada de medicamentos envolve sequência de etapas – prescrição, comunicação, dispensação, administração e acompanhamento clínico – o que a torna um ato complexo e vulnerável às iatrogenias, particularmente em idosos. Este processo pode ser prevenido já na etapa inicial da prescrição. O número de medicamentos é o principal fator de risco para iatrogenia e reações adversas, havendo relação exponencial entre a polifarmácia e a probabilidade de reação adversa, interações medicamentosas e medicamentos inapropriados para idosos. Os pacientes idosos estão especialmente sujeitos à ocorrência de eventos iatrogênicos. Muitas vezes são tratados como qualquer outro paciente adulto, sem que se leve em consideração a singularidade do processo de senescência e senilidade. Desta forma, a prevalência dos eventos iatrogênicos na população idosa pode ser elevada, posto que estas pessoas não estão recebendo um tratamento caracterizado para sua idade e assim ficam mais suscetíveis aos erros dos profissionais da saúde. Diante do exposto, é possível constatar que a ocorrência de eventos iatrogênicos adquire maior importância nos idosos, uma vez que tanto a incidência quanto a intensidade das manifestações e complicações provocadas são maiores nessa população. Polifarmácia em alguns estudos brasileiros conduzidos em diferentes regiões: – A Organização Mundial da Saúde (OMS) define “reação adversa a medicamento” (RAM) como “qualquer efeito prejudicial ou indesejado que se manifeste após a administração do medicamento, em doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma enfermidade”. As RAM em pessoas idosas são um grave problema de saúde pública, uma vez que os idosos são mais propensos a RAM por causa de mudanças fisiológicas próprias do envelhecimento que alteram a farmacocinética e a farmacodinâmica dos fármacos. Em função disso, há uma preocupação na literatura em relação a medicamentos considerados inadequados para os idosos, eventos adversos, polifarmácia, redundância terapêutica e potenciais interações – medicamentosas. Esses fatores, quando combinados com a automedicação e prescrição inadequada, contribuem para o fracasso terapêutico e geram custos desnecessários. Os eventos adversos relacionados ao medicamento podem ser considerados como um dos principais fatores associados à morbidade e à mortalidade nos serviços de saúde. Nesse contexto, ressalta-se a possibilidade de se experimentarem problemas com medicamentos mesmo quando estes são corretamente utilizados. De modo geral, as RAM são associadas a desfechos negativos da terapia. Elas podem influenciar a relação médico-paciente, uma vez que a confiança no profissional pode ser abalada; retardar o tratamento, pois muitas podem assemelhar-se a manifestações clínicas típicas de doenças, demorando para serem identificadas; limitar a autonomia do idoso e afetar a qualidade de vida. Em muitos casos o tratamento da RAM abrange a inclusão de novos medicamentos na terapêutica, elevando o risco da cascata iatrogênica. O ideal, quando possível, é realizar a suspensão ou redução da dose do medicamento. ➢ CONSEQUÊNCIAS DA IATROGENIA As consequências das iatrogenias costumam ser sérias em idosos. Elas levam a complicações clínicas e podem até mesmo gerar incapacidades e lesões permanentes. Em geral, as iatrogenias aumentam o tempo de internação, além de aumentarem a necessidade de medidas diagnósticas e terapêuticas. Isso faz com que, em adição aos efeitos negativos causados ao paciente, a iatrogenia aumente os custos médicos, gerando impacto também no gerenciamento dos recursos de saúde. ➢ FATORES DE RISCO DA IATROGENIA Como já foi muito discutido, ser idoso por si só já é um fator de risco para iatrogenias, tanto em função das alterações farmacocinéticas e far- macodinâmicas fisiológicas, quanto pelo despreparo de muitos profissionais na assistência a esses pacientes. Contudo, mesmo dentre a população idosa, alguns indivíduos possuem maior risco de serem vítimas de iatrogenias do que outros. Idosos com múltiplas comorbidades estão no grupo de maior risco, dado que seus órgãos e sistemas já possuem algum grau de comprome- timento de suas funções. Idosos que passam por múltiplos médicos e que são acompanhados por diversos profissionais de saúde também estão mais expostos ao risco da iatrogenia, uma vez que se submetem a muitas avaliações diagnósticas, recebem múltiplos tratamentos e fazem uso de polifarmácia. Em contrapartida, aqueles pacientes que possuem pouco acesso aos recursos de saúde também estão mais sujeitos a iatrogenias, principalmente àquelas por omissão. Também dentro do grupo de maior risco estão os pacientes hospitalizados e os pacientes que serão submetidos a procedimentos médicos e/ou cirúrgicos.Os pacientes que apresentam sintomas atípicos de alguma doença também estão mais expostos ao risco, dado que nessas situações faz- se uso de mais medidas diagnósticas, além do fato de que o diagnóstico costuma ser mais demorado. Por fim, os pacientes que possuem dificuldades de comunicação também possuem mais risco de sofrerem iatrogenias. Isso ocorre porque o pa- ciente, muitas vezes, não consegue expressar corretamente o que sente, não compreende corretamente as orientações médicas e pode não entender a prescrição. Geralmente, essa situação está associada a um baixo nível socioeconômico desses pacientes. REFERÊNCIAS: TRATADO DE GERIATRIA
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