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1 IPB - Instituto Pedagógico Brasileiro GÊNERO E SEXUALIDADE- DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS Coordenação de Ensino Instituto IPB 2 IPB - Instituto Pedagógico Brasileiro GÊNERO E SEXUALIDADE- DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS GÊNERO E SEXUALIDADE- DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 IPB - Instituto Pedagógico Brasileiro GÊNERO E SEXUALIDADE- DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3 2. GÊNERO NA SEXUALIDADE ADOLESCENTE E HIV/AIDS. ................................. 6 3. SOBRE O CONTEXTO DE ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS E A REFLEXÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA ................................................................................. 15 4. A DIVERSIDADE SEXUAL E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO .............................................................................................................. 19 5. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 27 www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 3 IPB - Instituto Pedagógico Brasileiro GÊNERO E SEXUALIDADE- DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS 1. INTRODUÇÃO Gênero e sexualidade são construídos através de inúmeras aprendizagens e práticas, empreendidas por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais, de modo explícito ou dissimulado, num processo sempre inacabado. Na contemporaneidade, essas instâncias multiplicaram-se e seus ditames são, muitas vezes, distintos. Nesse embate cultural, torna-se necessário observar os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e a posição da diferença, e os significados que lhes são atribuídos. O advento da AIDS e sua íntima relação com os estudos da sexualidade humana apontam para a importância das questões de gênero para o sucesso da prevenção diante da epidemia. O conceito de gênero possibilita identificar os valores atribuídos a homens e mulheres, bem como as regras de comportamento decorrentes desses valores. Com isso, fica mais evidente a interferência desses valores e regras no funcionamento das instituições sociais, como a escola, a influência de todas essas questões na nossa vida cotidiana, a possibilidade de se ter maior clareza dos processos a que estão submetidas às relações individuais e coletivas entre homens e mulheres. Gramaticalmente, gênero designa o meio de classificar fenômenos, fazer diferenças entre masculino e feminino, contudo, numa perspectiva acadêmica, o termo abrange a importância dos grupos humanos e os simbolismos de cada época. A formação histórica da categoria gênero está diretamente relacionada à adoção do termo pelas feministas americanas que almejavam uma forma de qualificar as diferenças presentes no sexo, antes trabalhadas nas academias como “questões de mulher” ou “estudos sobre mulher” e passam a usar a expressão no seu sentido literal “[...] como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos [...]” (SCOTT, 1996, p.1). A discussão em torno de gênero perpassa pela observação que fazemos das relações sociais, no trabalho, no lazer, na política, enfim, convivemos permanentemente com relações de dominação, com relações de poder. www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 4 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos Entende-se então que o gênero é ainda uma das primeiras formas de distribuir e significar o poder, sendo que o que é classificado como masculino tende a ser mais forte superior e poderoso; ao passo que o que é considerado feminino é visto como mais fraco, com menos poder e por isso deve ficar sob a esfera de proteção e de submissão ao masculino. (ALBEERNAZ e LONGHI, 2009) Segundo Louro (1997) e Braga (2007), o termo gênero passou a ser usado com o propósito de marcar as diferenças entre homens e mulheres, que não são apenas de ordem física e biológica. Para as autoras, a diferença sexual anatômica não pode ser pensada de forma isolada das construções sociais e culturais da qual fazem parte. Dessa forma: Uma compreensão mais ampla de gênero exige que pensemos não somente que os sujeitos se fazem homem e mulher num processo continuado, dinâmico [...]; como também nos leva a pensar que gênero é mais do que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a igreja etc. são “genereficadas”, ou seja, expressam as relações sociais de gênero). (LOURO, 1995, p.103) O enfoque fortemente centrado no uso O enfoque fortemente centrado no uso do preservativo masculino evidencia que, além do conhecimento sobre o corpo e a sexualidade, relações de poder entre homens e mulheres precisam ser redimensionadas para que as estratégias que privilegiam o sexo seguro possam ser incorporadas no cotidiano das relações sexuais. Depois da revolução sexual dos anos 1960 e 1970, sem dúvida, o advento da AIDS entre as doenças sexualmente transmissíveis – DSTs —, vem mobilizando novas posturas e diálogos entre as diferentes áreas do conhecimento. Um dos campos mais afetados é o das políticas públicas para a adolescência e a juventude, no que tange à educação, à saúde sexual e reprodutiva, pois, conforme pesquisas publicadas nos últimos anos, a AIDS assume dimensões de uma pandemia. Em 1998, conforme veiculado pela UNAIDS (1999), falava-se que na América Latina e no Caribe, aproximadamente 65 mil indivíduos entre 15 e 24 anos de idade adquiriram o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana). Dados divulgados pela UNESCO (2002) estimavam que aproximadamente um terço da população mundial se encontrava entre os 10 e os 24 anos de idade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, é nessa faixa etária que se concentra metade das infecções pelo HIV em todo o mundo. Esses dados evidenciam a situação crítica que se apresenta, priorizando que a população jovem seja colocada no topo da pauta de www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 5 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos debate público sobre as políticas de saúde e educação, em resposta à epidemia de HIV, no Brasil e no mundo. De acordo com o relatório denominado Situação da População Mundial, do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, 2003), temos mais de 1,2 bilhões de adolescentes com idade entre 10 e 19 anos. Destes, 87% vivem em países em desenvolvimento. O relatório aponta os principais problemas enfrentados por esses/as jovens, como pobreza, dificuldade de acesso à educação e doenças. E, entre as doenças, a AIDS: a cada 14 segundos, um/a jovem é infectado/ a, isto é, todos os dias, seis mil jovens são contaminados pelo vírus da AIDS, o HIV. A AIDS atinge mais as garotas que os rapazes – são 7,3 milhões de jovens mulheres vivendo com o HIV e 4,5 milhões de rapazes. Por características biológicas, o risco de infecção numa relação sexual sem proteção é de duas a quatro vezes mais altas entre as mulheres. Na América Latina e no Caribe estima-se que 560 mil jovens vivam com o HIV. Segundo o site http://www.adolesite.aids.gov.br, criado pelo Ministério da Saúde para ajudar as/os adolescentes com informações sobre questões sexuais, o último Boletim Epidemiológico – AIDS – (Brasil, 2007) ali divulgado, publicação trimestral do Ministério da Saúde, registrou, desde o início da década de 1980 até dezembro de2007, 474.267 casos de AIDS no Brasil. Deste total, 10.337 casos de AIDS estão entre as/os adolescentes na faixa etária dos 13 aos 19 anos. Dados do Ministério da Saúde, até dezembro de 2007, revelam que, na população entre 13 e 24 anos, o número de casos acumulados de DST/AIDS é de 54.964, dos quais 31.355 adolescentes e jovens do sexo masculino e 23.609 do sexo feminino (Brasil, 2007), indicando nitidamente uma questão de gênero e os fatores de vulnerabilidade e prevenção. Além de as/os adolescentes iniciarem a vida sexual mais cedo, aliam a isso a desinformação, a prática do sexo desprotegido e a escolha imatura do/a parceiro/a. Sobre esse objeto de estudo temos as seguintes premissas: 1. As características individuais concernentes a questões de gênero, a iniciação sexual precoce, a competência verbal, a habilidade em planejar o futuro, a variáveis familiares, a pressões grupais, a autoestima e outras, podem predispor a/o adolescente a comportamentos sexuais que a/o coloquem em maior vulnerabilidade; www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 6 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos 2. As representações de prevenção manifestas pela/o adolescente e que determinam sua conduta preventiva variam em função do gênero (feminino ou masculino): no feminino, estão mais atreladas às questões do envolvimento emocional (não planejamento); e, no masculino, às realizações sexuais (prazer) e desempenho em si. 3. As manifestações do egocentrismo descrito por Piaget (1969; 1976) e retomado por Elkind (1975), o qual estaria relacionado à não-adoção de medidas preventivas em relação às práticas sexuais, pela falta de tomada de consciência sobre o risco são observadas na adolescência; 4. A adoção de conduta preventiva no experiênciar da sexualidade dos/as jovens adolescentes não se efetiva mediante educação sexual que se concentre apenas na transmissão de informações científicas, sem que se promova compreensão emocional da sexualidade e senso de autoconsciência real; 5. A consciência da necessidade de prevenção vai se tornando mais efetiva com o desenvolvimento cognitivo do/a adolescente. Nesse sentido, é mister para os/as educadores/as apreender as percepções que o/a adolescente tem da realidade em que vive. Para mudar o comporta- mento é importante reconhecer o objeto, atribuindo-lhe assim um valor. Tal valor é que facilitará a adoção de novas atitudes e de práticas de prevenção. Em um país de dimensões continentais e clivagens tão desiguais como o Brasil, a resposta à epidemia do HIV/AIDS na adolescência passa, necessariamente, pelo enfoque Inter setorial – saúde e educação –, abrangendo as esferas da estrutura governamental e a sociedade civil organizada. 2. GÊNERO NA SEXUALIDADE ADOLESCENTE E HIV/AIDS. As discussões sobre os novos padrões de comportamento estão trazendo para a esfera da sexualidade e da saúde reprodutiva a figura masculina. Mota (1998) relata que o uso da camisinha aparece relacionado ao poder de controle do homem sobre a reprodução e a fertilidade feminina, desde que o contexto indomável e incontrolável da sua sedução sexual não o leve a relações sexuais sem a devida proteção. www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 7 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos Num tempo de epidemias sexualmente transmissíveis, julgamos que reconhecer mais profundamente os domínios do corpo e do erótico na vida sexual diária de rapazes e moças nos levará a uma melhor compreensão do transgredir normas de prevenção do universo adolescente. Na década de 1980, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) veio integrar a lista das DSTs, agravando os problemas já existentes, na medida em que a forma mais comum de transmissão, na maioria dos países, é a relação sexual com penetração e ejaculação em coito não protegido (Glasel, 1991). Quando comparados/as às/aos jovens (Moreira, 2002), os/as adolescentes apresentam maiores riscos de contrair uma DST por razões associadas à tendência de ter maior número de parceiras/os, sucessivas/os ou simultâneas/os; de envolver- se em relações sexuais não protegidas; e de ser menos/as seletivos/ as na escolha de parceiras/os. Com o processo de ampliação da fase da adolescência (iniciação sexual precoce e casamento tardio), o tempo de exposição aos riscos de contrair uma DST é maior. Como elementos adicionais contributivos para que a taxa de infecção por DST seja mais elevada entre adolescentes do que na população jovem e adulta, Moreira (2002) enumera a ausência de serviços de prevenção; o custo e a aquisição da camisinha; o desconhecimento de como usá-la; o preconceito e a falta de confiança em seu uso; a dificuldade de portá-la; e o desconforto que causa. Não adianta que os adultos reconheçam a importância da prevenção na vida dos jovens e os fatores que os vulnerabilizam. É preciso que os próprios jovens reconheçam o significado e a importância da prevenção em suas vidas, sendo este reconhecimento a mola propulsora para o protagonismo juvenil da epidemia do HIV/AIDS (UNESCO, UNAIDS, 2002, p. 16). Ainda na atualidade vemos uma grande incidência de adolescentes e jovens infectando-se pelo HIV, seja pela baixa prevalência do uso de preservativos, seja pelo uso de diversos tipos de drogas injetáveis ou simplesmente pelo desconhecimento de questões relativas ao comportamento sexual. Esses índices são preocupantes, devido à precocidade e às consequências que esse padrão de comportamento pode causar no indivíduo. Considerando-se que o/a portador/a do HIV pode viver em média durante dez anos sem apresentar os sintomas da doença, provavelmente, o número de pessoas que se tornaram HIV - positivas, na faixa etária de 15 a 24 anos, deve ter-se elevado. www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 8 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos Em outra perspectiva, o risco de o adolescente masculino contrair o HIV tem amplas repercussões sobre sua disseminação, em razão do maior número de parceiras que usualmente tem em suas práticas sexuais, o que o transforma em agente não identificável de transmissão. Portanto, desenvolver ações de prevenção voltadas para essa população adolescente é uma prioridade para o controle da epidemia no País. O Ministério da Saúde percebeu o aumento dos casos de AIDS na população da faixa etária de 13 a 19 anos. Em 2000 verificou-se que a ocorrência de AIDS é mais elevada em garotas que em rapazes, ocorrendo o perigo de aumento da transmissão vertical do vírus (da mãe para o/a filho/a, durante a gestação, parto ou amamentação), aliando essa questão à grande incidência de gravidez na adolescência. De 2000 a 2002 o Ministério da Saúde foi notificado da ocorrência de 531 novos casos de AIDS em meninas de 13 a 19 anos, contra 372 casos em rapazes da mesma faixa etária. Verificou-se uma inversão na relação de 2:1, no início da atividade sexual. Na faixa etária entre 20 e 24 anos, a relação praticamente se igualou, com a notificação de 2.299 casos em mulheres e 2.346 casos em homens, nesse mesmo período (Brasil, 2003). A feminização cada vez mais evidente da AIDS parece envolver além de uma maior vulnerabilidade biológica da mulher ao HIV, uma desigualdade observável na distribuição de poder entre os gêneros, que diz respeito aos diferentes espaços de negociação em relação às questões que envolvem os direitos sexuais e reprodutivos, prazer e autoconhecimento sobre o corpo. Observamos ainda valores e sentimentos diferenciados em relação à parceria quanto às noçõesde fidelidade. Além disso, a mulher também tem sido considerada menos exposta ao risco, talvez pela sua entrada mais tardia na dinâmica da epidemia, não se enquadrando inicialmente denominados, grupos de risco (Brasil/Boletim Epidemiológico – AIDS, 2002). No entanto, pesquisa de Paschoalick (2007, p.13) reafirma que o comportamento tradicional masculino pode contribuir para “aumentar a vulnerabilidade dos homens frente à infecção pelo HIV”, com base nos estudos de Guerreiro, Ayres e Hearst (2002), que apontam vários comportamentos relacionados à masculinidade, tais como “sentir-se forte, ser incapaz de recusar uma mulher, considerar que o homem tem mais necessidade de sexo que a mulher, sendo esse desejo incontrolável, não usar o preservativo por medo de perder a ereção”. www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 9 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos No Brasil, da mesma forma, os primeiros casos de AIDS notificados eram relativos a homossexuais masculinos e usuários de drogas injetáveis. No entanto, esse perfil vem sofrendo mudanças no curso da epidemia. Os índices apresentados neste breve resumo histórico demonstram a vital importância da promoção de pesquisas de prevenção e de intervenção para conhecer, caracterizar e compreender a realidade concreta da população adolescente brasileira, suas representações acerca da doença, suas formas mais comuns de infecção e suas atitudes diante da prevenção. Há mais de cinquenta anos, Simone de Beauvoir sacudiu a poeira dos meios intelectuais com a frase Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. A expressão causou impacto e ganhou o mundo. Mulheres das mais diferentes posições, militantes e estudiosas passaram a repeti-la para indicar que seu modo de ser e de estar no mundo não resultava de um ato único, inaugural, mas que, em vez disso, constituía-se numa construção. Fazer-se mulher dependia das marcas, dos gestos, dos comportamentos, das preferências e dos desgostos que lhes eram ensinados e reiterados, cotidianamente, conforme normas e valores de uma dada cultura. Muita coisa mudou desde o final dos anos 1940 (quando Beauvoir publicou o seu Segundo sexo) e o fazer-se mulher transformou-se, pluralizou-se, de um modo tal que talvez nem mesmo a filósofa ousasse imaginar. Mas a frase ficou. De certa forma, pode ser tomada como uma espécie de gatilho provocador de um conjunto de reflexões e teorizações, exuberante e fértil, polêmico e disputado, não só no campo do feminismo e dos estudos de gênero, como também no campo dos estudos da sexualidade. A frase foi alargada, é claro, passando a ser compreendida também no masculino. Sim, decididamente, fazer de alguém um homem requer, de igual modo, investimentos continuados. Nada há de puramente “natural” e “dado” em tudo isso: ser homem e ser mulher constitui-se em processos que acontecem no âmbito da cultura. Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de compreender e atribuir sentido a esses processos, elas e eles costumam concordar que não é o momento do nascimento e da nomeação de um corpo como macho ou como fêmeo que faz deste um sujeito masculino ou feminino. A construção do gênero e da sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente, infindavelmente. Quem tem a primazia nesse processo? Que instâncias e espaços sociais têm o poder de decidir e inscrever em nossos corpos as marcas e as normas que devem www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 0 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos ser seguidas? Qualquer resposta cabal e definitiva a tais questões será ingênua e inadequada. A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens e práticas, insinuam-se nas mais distintas situações, é empreendido de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais. É um processo minucioso, sutil, sempre inacabado. Família, escola, igreja, instituições legais e médicas mantêm-se, por certo, como instâncias importantes nesse processo constitutivo. Por muito tempo, suas orientações e ensinamentos pareceram absolutos, quase soberanos. Mas como esquecer, especialmente na contemporaneidade, a sedução e o impacto da mídia, das novelas e da publicidade, das revistas e da internet, dos sites de relacionamento e dos blogs? Como esquecer o cinema, a televisão, os shopping centers ou a música popular? Como esquecer as pesquisas de opinião e as de consumo? E, ainda, como escapar das câmeras e monitores de vídeo e das inúmeras máquinas que nos vigiam e nos “atendem” nos bancos, nos supermercados e nos postos de gasolina? Vivemos mergulhados em seus conselhos e ordens, somos controlados por seus mecanismos, sofremos suas censuras. As proposições e os contornos delineados por essas múltiplas instâncias nem sempre são coerentes ou igualmente autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por toda a parte e acabam por constituírem-se como potentes pedagogias culturais. “Especialistas” das mais diversas áreas dizem-nos o que vestir como andar, o que comer (como e quando e quanto comer), o que fazer para conquistar (e para manter) um parceiro ou parceira amoroso/a, como se apresentar para conseguir um emprego (ou para ir a uma festa), como “ficar de bem com a vida”, como se mostrar sensual, como aparentar sucesso, como. Ser. Dieta SOS Barriga chapada. Montamos um cardápio para você desfilar no verão com abdômen sequinho. Confira e comece já. Mude o visual e ganhe atitude. Como conquistar a gata dos seus sonhos. Conselhos e palavras de ordem interpelam-nos constantemente, ensinam- nos sobre saúde, comportamento, religião, amor, dizem-nos o que preferir e o que recusar, ajuda-nos a produzir nossos corpos e estilos, nossos modos de ser e de viver. Algumas orientações provêm de campos consagrados e tradicionalmente reconhecidos por sua autoridade, como o da medicina ou da ciência, da família, da justiça ou da religião. Outras parecem “surgir” dos novos espaços ou ali ecoar. Não www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 1 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos há uniformidade em suas diretrizes. Ainda que normas culturais de há muito assentadas sejam reiteradas por várias instâncias, é indispensável observar que, hoje, multiplicaram-se os modos de compreender, de dar sentido e de viver os gêneros e a sexualidade. Transformações são inerentes à história e à cultura, mas, nos últimos tempos, elas parecem ter se tornado mais visíveis ou ter se acelerado. Proliferaram vozes e verdades. Novos saberes, novas técnicas, novos comportamentos, novas formas de relacionamento e novos estilos de vida foram postos em ação e tornaram evidente uma diversidade cultural que não parecia existir. Cada vez mais perturbadoras essas transformações passaram a intervir em setores que haviam sido, por muito tempo, considerados imutáveis, trans-históricos e universais. Em poucos anos, tornaram-se possíveis novas tecnologias reprodutivas, a transgressão de categorias e de fronteiras sexuais e de gênero, além de instigantes articulações corpo-máquina. Desestabilizaram-se antigas e sólidas certezas, subverteram-se as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer. Informações e pessoas até então inatingíveis tornaram-se acessíveis por um simples toque de computador. Relações afetivas e amorosas passaram a ser vividas virtualmente; relações que desprezam dimensões de espaço, de tempo, de gênero, de sexualidade, de classe ou de raça; relações nas quais o anonimato e a troca de identidadesão parte do jogo. Impossível desprezar os efeitos de todas essas transformações: elas constituem novas formas de existência para todos, mesmo para aqueles que, num primeiro momento, não as experimentam de modo direto. Como parte de tudo isso, vem se afirmando uma nova política cultural, a política de identidades. Muito especialmente a partir dos anos 1960, jovens, estudantes, negros, mulheres, as chamadas “minorias” sexuais e étnicas passaram a falar mais alto, denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando teorias e conceitos, derrubando fórmulas, criando novas linguagens e construindo novas práticas sociais. Uma série de lutas ou uma luta plural, protagonizada por grupos sociais tradicionalmente subordinados, passava a privilegiar a cultura como palco do embate. Seu propósito consistia, pelo menos inicialmente, em tornar visíveis “outros” modos de viver, os seus próprios modos: suas estéticas, suas éticas, suas histórias, suas experiências e suas questões. Desencadeava-se uma luta que, mesmo com distintas caras e expressões, poderia ser sintetizada como a luta pelo direito de falar por si e de falar de si. Esses diferentes grupos, historicamente colocados em segundo www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 2 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos plano pelos grupos dominantes, estavam e estão empenhados, fundamentalmente, em se autorrepresentar. “A cultura”, diz Stuart Hall “é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica do novo milênio”. Daí porque não deve nos surpreender que “as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma ‘política cultural’. (Hall, 1997, p. 20). Esse tipo de luta requer “armas” peculiares. Supõe estratégias mais sutis e engenhosas. Talvez por isso a alguns escapes a força dos embates culturais. Mas os movimentos sociais organizados (dentre eles o movimento feminista e os das “minorias” sexuais) compreenderam, desde logo, que o acesso e o controle dos espaços culturais, como a mídia, o cinema, a televisão, os jornais, os currículos das escolas e universidades, eram fundamentais. A voz que ali se fizera ouvir, até então, havia sido a do homem branco heterossexual. Ao longo da história, essa voz falara de um modo quase incontestável. Construíra representações sociais que tiveram importantes efeitos de verdade sobre todos os demais. Passamos, assim, a tomar como verdade que as mulheres se constituíam no “segundo sexo” ou que gays, lésbicas, bissexuais eram sujeitos de sexualidades “desviantes”. Por tudo isso, colocava-se, como uma meta urgente para os grupos submetidos, apropriar-se dessas instâncias culturais e aí inscrever sua própria representação e sua história, pôr em evidência as questões de seu interesse. A luta no terreno cultural mostrava-se (e se mostra), fundamentalmente, como uma luta em torno da atribuição de significados – significados produzidos em meio a relações de poder. Esse embate, como qualquer outro embate cultural, é complexo exatamente porque está em contínua transformação. No terreno dos gêneros e da sexualidade, o grande desafio, hoje, parece não ser apenas aceitar que as posições se tenham multiplicado, então, que é impossível lidar com elas a partir de esquemas binários (masculino/feminino/ heterossexual/homossexual). O desafio maior talvez seja admitir que as fronteiras sexuais e de gênero venham sendo constantemente atravessadas e – o que é ainda mais complicado – admitir que o lugar social no qual algum sujeito viva é exatamente a fronteira. A posição de ambiguidade entre as identidades de gênero e/ou sexuais é o lugar que alguns escolheram para viver (Louro, 2004). www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 3 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos A visibilidade que todos esses “novos” grupos adquiriram pode ser eventualmente, interpretada como um atestado de sua progressiva aceitação. Contudo, nem mesmo a exuberância das paradas da diversidade sexual, das feiras mix, dos festivais de filmes “alternativos” permite ignorar a longa história de marginalização e de repressão que esses grupos enfrentaram e ainda enfrentam. Não podemos tomar de modo ingênuo essa visibilidade. Se, por um lado, alguns setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos culturais, por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus ataques, realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da família até manifestações de extrema agressão e violência física. Hoje, tal como antes, a sexualidade permanece como alvo privilegiado da vigilância e do controle das sociedades. Ampliam-se e diversificam-se suas for- mas de regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se autorizam a ditar- lhe normas. Foucault certamente diria que proliferam cada vez mais os discursos sobre o sexo e que as sociedades continuam produzindo, avidamente, um “saber sobre o prazer”, ao mesmo tempo em que experimentam o “prazer de saber” (Foucault, 1988). A sutileza do embate cultural requer um olhar igualmente sutil. Há que perceber os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e a posição da diferença, porque, afinal, é disso que se trata. Em outras palavras, é preciso saber quem é reconhecido como sujeito normal, adequado, sadio e quem se diferenciam desses sujeitos. As noções de norma e de diferença tornaram-se particularmente relevantes na contemporaneidade. É preciso refletir sobre seus possíveis significados. A norma ensina-nos Foucault, está inscrita entre as “artes de julgar”, ela é um princípio de comparação. Sabemos que tem relação com o poder, mas sua relação não se dá pelo uso da força, e sim por meio de uma espécie de lógica que se poderia quase dizer que é invisível, insidiosa (Ewald, 1993). A norma não emana de um único lugar, não é enunciada por um soberano, mas, em vez disso, está em toda parte. Se expressa por meio de recomendações repetidas e observadas cotidianamente, que servem de referência a todos. Daí por que a norma se faz penetrante, daí por que ela é capaz de se “naturalizar”. Quanto à diferença, é possível dizer que ela seja um atributo que só faz sentido ou só pode se constituir em uma relação. A diferença não preexiste nos corpos dos www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 4 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos indivíduos para ser simplesmente reconhecida; em vez disso, ela é atribuída a um sujeito (ou a um corpo, uma prática, ou seja, lá o que for) quando relacionamos esse sujeito (ou esse corpo ou essa prática) a outro que é tomado como referência. Portanto, se a posição do homem branco heterossexual de classe média urbana foi construída, historicamente, como a posição de sujeito ou a identidade referência, segue-se que serão “diferentes” todas as identidades que não correspondam a esta ou que desta se afastem. A posição “normal” é de algum modo, onipresente, sempre presumida, e isso a torna, paradoxalmente, invisível. Não é preciso mencioná-la. Marcadas serão as identidades que dela diferirem. Continuamente, as marcas da diferença são inscritas e reinscritas pelas políticas e pelos saberes legitimados, reiteradas por variadas práticas sociais e pedagogias culturais. Se, hoje, as classificações binárias dos gêneros e da sexualidadenão mais dão conta das possibilidades de práticas e de identidades, isso não significa que os sujeitos transitem livremente entre esses territórios, isso não significa que eles e elas sejam igualmente considerados. Portanto, antes de simplesmente assumir noções “dadas” de normalidade e de diferença, parece produtivo refletir sobre os processos de inscrição dessas marcas. Não se trata de negar a materialidade dos corpos, mas sim de assumir que é no interior da cultura e de uma cultura específica que características materiais adquirem significados. Como isso tudo aconteceu e acontece? Através de que mecanismos? Se em tudo estão implicadas hierarquias e relações de poder, por onde passam tais relações? Como se manifestam? Não, a diferença não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é produzida através de processos discursivos e culturais. A diferença é “ensinada”. Aprendemos a viver o gênero e a sexualidade na cultura, através dos discursos repetidos da mídia, da igreja, da ciência e das leis e também, contemporaneamente, através dos discursos dos movimentos sociais e dos múltiplos dispositivos tecnológicos. As muitas formas de experimentar prazeres e desejos, ”de dar e de receber afeto, de amar e de ser amada/o” são ensaiadas e ensinadas na cultura, são diferentes de uma cultura para outra, de uma época ou de uma geração para outra. E hoje, mais do que nunca, essas formas são múltiplas. As possibilidades de viver os gêneros e as sexualidades ampliaram-se. As certezas acabaram. Tudo isso pode ser fascinante, rico e também desestabilizador. Mas não há como escapar a esse desafio. www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 5 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos O único modo de lidar com a contemporaneidade é, precisamente, não se recusar a vivê-la. 3. SOBRE O CONTEXTO DE ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS E A REFLEXÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA O exame das políticas públicas de educação, a partir da perspectiva das relações sociais de gênero, e o contexto no qual elas são produzidas evidenciam um tenso processo de negociação, que determina a supressão e/ou a concretização de reformas, planos, projetos, programas e ações implementados - separada ou articuladamente - pelo Estado e pelos movimentos sociais que pressionam por novas políticas públicas; pela ocupação de espaços na administração pública; e pelo reconhecimento de novas formas de desigualdade. Tanto o Estado quanto os movimentos, nas suas respectivas pluralidade, articulam-se e/ou disputam acirradamente interesses sociais que se fazem presentes nesse processo. Nessa arena de relações necessariamente conflituosas e, por vezes, contraditórias, a formulação dessas políticas, bem como a produção de conhecimento sobre elas, remete à discussão de complexidades. Os grupos em negociação com o Estado são influenciados por vertentes teóricas e ações coletivas circunscritas, no caso do tema em foco, ao Movimento de Mulheres e ao Movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros (LGBTT). Este último assume papel protagonista na proposição de vários projetos e programas federais e estaduais ligados à inclusão da diversidade sexual no contexto escolar. Também exercem grande influência setores representativos de forças internacionais, com participação decisiva na vida nacional e na confecção de linhas de ação para as políticas públicas de educação. Mais uma significativa presença nesse contexto foi a criação, na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), do Grupo de Trabalho “Gênero, Sexualidade e Educação” (GT 23), no final de 2003, com a contribuição de pesquisadoras(es), docentes e estudantes em torno de questões teóricas e práticas sob essa perspectiva de análise. A discussão sobre a inclusão da sexualidade no currículo escolar é antiga, mas o mesmo não se pode dizer da proposição desta temática enquanto norteadora de políticas públicas federais na área da educação, menos ainda ao relacionar o tema da www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 6 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos sexualidade ao reconhecimento da diversidade sexual. A retomada efetiva dessa questão na área educacional deu-se a partir de 1995, com a pressão de movimentos de mulheres e com o então presidente Fernando Henrique Cardoso aos compromissos internacionais relativos a uma agenda de gênero e sexualidade. Foi nesse contexto de forte influência das agências multilaterais, como o Banco Mundial, a Cepal e a UNESCO, que se instaurou, sob coordenação do então Ministério da Educação e da Cultura (MEC), o processo de elaboração do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental como instrumentos de referência para a construção do currículo, a partir de uma perspectiva de gênero/sexualidade nas políticas públicas de educação escolar no Brasil, em substituição ao antigo currículo mínimo comum. A “relação entre educação, políticas públicas, Estado e desigualdades vai deixando lugar a políticas de inclusão, escola inclusiva, projetos inclusivos, currículos inclusivos” (Arroyo, 2010, p. 1391). Mas, se existe consenso na defesa de políticas inclusivas, o mesmo não se instaura “quando se trata de discutir o que deve ser feito, como deve ser feito, quando deve ser feito, quem está habilitado a fazer” (Seffner, 2009, p. 127). Nesse processo, a própria Constituição Federal de 1988 já afirmava a necessidade e a obrigação de o Estado elaborar parâmetros para orientar as ações educativas. Verificar a essas orientações uma série de documentos, entre eles os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Lançados oficialmente em 1997, os PCN foram distribuídos por todo o território nacional, no início de 1998, pela Secretaria de Educação Fundamental do MEC e receberam, por parte dos educadores (as) em geral, alguns elogios e inúmeras críticas. No âmbito da produção acadêmica sobre a introdução do gênero e da sexualidade nas políticas educacionais, há um grupo expressivo de dissertações de mestrado voltadas especificamente para o exame dos PCN, que destaca seu ineditismo, considerado como um avanço no que diz respeito à “oficialização” do tema da sexualidade e do gênero no currículo e nas escolas (Altmann, 2001; Andrade, 2004; Assunção; Teixeira, 2000; Costa, 2001; Fava, 2004; Freita, 2004; Lira, 2009; Marchi, 2000; Parré, 2001; Ribeiro, 2009; Silva, 2009; Vianna; Unbehaum, 2004, 2006). Como ponto positivo também foi apontado à exigência da inclusão da sexualidade como tema transversal nas demais áreas de conhecimento que compõem o currículo. No entanto, muitas críticas foram observadas nesse processo. Entre www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 7 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos especialistas e pesquisadores (as) da área educacional, lastimava-se, sobretudo, o caráter centralizador e prescritivo dos Parâmetros, sob forte influência dos organismos internacionais, com um currículo oculto altamente hierarquizado e sem ações que pudessem minimizar a formação docente deficitária e a falta de condições estruturais para que educadoras e educadores pudessem lidar com essa abordagem nas escolas. Segundo Teresa Cristina Bruno Andrade (2004), os temas transversais possuem uma metodologia fragmentada. Para ela, o conceito de transversalidade, com base teórica inconsistente, também não é capaz de questionar, de fato, a própria realidade macroestrutural que deveria dar alicerce às discussões e às resoluçõesde problemas sociais. O exame da aplicação das diretrizes curriculares sobre Orientação Sexual contidas nos PCN, a partir de observações do cotidiano escolar e/ou de entrevistas e questionários aplicados aos docentes de uma determinada escola, também destaca as dificuldades de introdução do tema da sexualidade na escola, diante da falta de formação docente inicial e continuada; da precariedade de cursos descentralizados por parte de profissionais que já passaram por tal formação (multiplicadores); e da dificuldade pessoal em abordar o tema no cotidiano escolar (Assunção; Teixeira, 2000; Fava, 2004; Lira, 2009; Marchi, 2000; Ribeiro, 2009; Silva, 2009). Além desses aspectos, os trabalhos realçam a subordinação das temáticas de gênero e sexualidade ao trinômio corpo/saúde/doença na Orientação Sexual, entendida como atividade meramente informadora e reguladora. Helena Altmann (2001) e Sandra Helena Parré (2001), por exemplo, reprovam a concepção de orientação sexual vinculada à visão de sexualidade que perpassa o documento e entendida como de caráter meramente informativo. Para Altman (2001, p. 580), a sexualidade é concebida nos parâmetros como um dado da natureza, como “algo inerente, necessário e fonte de prazer na vida”, como “necessidade básica” ou “impulsos de desejo vividos no corpo”, algo sobre o que os sujeitos, principalmente os jovens, precisariam ser informados. Ressalto, então, a vinculação entre sexualidade, tabus e preconceitos, sem que a Orientação Sexual proporcione, entre as pessoas que frequentam as instituições escolares, discussões valiosas sobre as próprias concepções relacionadas às atitudes de cada um na relação com o outro. A essa crítica alinham-se as reflexões sobre a polarização entre Orientação Sexual e as diferentes vertentes ligadas à Educação Sexual (Furlani, 2009). Porém, mesmo sem a clareza de qual termo ou conceito seria mais apropriado, prevalece à www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 8 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos tônica ressaltada por Cláudia Ribeiro (2010, p. 150): “a Educação Sexual, ao invés de questionar valores, crenças e costumes, tem servido para adaptações e readaptações do que foge à normalidade”. É também objeto de condenação a pouca relevância da temática da diversidade sexual no contexto de elaboração dos PCN. Ela aparece apenas na introdução ao documento, na introdução aos temas transversais, e é citada somente uma vez no volume de Orientação Sexual dos PCN do primeiro ciclo, apenas para enfatizar que esse assunto deverá ser tratado da 5ª série em diante (Daniliauskas, 2011). Já nos PCN dedicados ao segundo ciclo, sua menção se dá em um contexto que chama a atenção para as dificuldades de se tratar de tema tão complexo e controverso. Assim, é possível afirmar, até este momento, a ênfase na redução da sexualidade à heterossexualidade e destacar a restrita menção da homossexualidade nos PCN e o silenciamento da discriminação sofrida pela população LGBTT. O que prevalece é a reiteração compulsória da heterossexualidade (Louro, 1999, 2009) e, fora os esforços de pioneiras (os) na área, são os trabalhos mais recentes os que vão problematizar essa questão, com destaque para a crítica ao processo de invisibilização da população LGBTT no cotidiano e na organização escolar. Saindo do âmbito específico dos PCN, foi possível encontrar trabalhos recentes, já fortemente influenciados por Judith Butler e Michel Foucault, dedicados à reflexão sobre a presença do discurso sobre a sexualidade nas escolas. Sirlene Mota Pereira da Silva, (2009) faz um estudo sobre a sexualidade da “mulher professora” e sua influência na prática educativa, ao analisar as representações de professoras sobre a sexualidade e sobre a educação sexual, destacando como os mecanismos de controle social e os discursos de verdade influenciam o trabalho docente. Dulcilene Pereira Jardim, (2009) e Elaine Beatriz Ferreira Dulac (2009) analisam os discursos sobre sexualidade que preponderam nas falas de professoras de diversas disciplinas da educação básica. Dulac destaca ainda alguns enunciados que compõem os campos discursivos da educação e da sexualidade, apontados nas entrevistas: a homossexualidade é um tema marginal na escola; é preciso educar para a diversidade e para a aceitação da diversidade de gênero e sexual; nem todos os professores (as) podem falar de sexualidade na escola. Na mesma direção, Lindamara da Silva França (2008) e Santina Célia Bordini (2009) problematizam a concepção de sexualidade apresentada por professores (as) que atuam em escolas do Ensino Fundamental da rede pública de Curitiba. Por meio de entrevistas e observações em distintas escolas www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 1 9 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos e disciplinas, ambas as autoras ressaltam que a maioria docente ainda mantém uma visão restrita, coerente com a concepção médico-higienista. Voltado para a identificação não só dos discursos, mas dos principais desafios, convergências e divergências enfrentados por docentes no trabalho com a educação sexual no âmbito escolar, um grande grupo de trabalhos nos remete às questões que essa inserção necessariamente envolve (Lira, 2009; Marsiglia, 2009; Oliveira, 2009; Reis, 2009; Tuckmantel, 2009). As expectativas e os interesses de professores (as) e alunos (as) em relação ao debate sobre sexualidade no contexto escolar são múltiplos e, por vezes, contraditórios. Prevalecem às dificuldades em romper com os padrões tradicionais a respeito das identidades de gênero, mas também ganham espaço, tentativas de ressignificação das concepções docentes para além da heteronormatividade no trabalho pedagógico. Além disso, cabe destacar uma importante dimensão conceitual em todos esses trabalhos mais recentes: a imbricação entre gênero e sexualidade, considerados conceitos distintos, mas não excludentes. Alguns desses estudos já ampliam a análise do processo de democratização da educação e suas demandas para a população LGBTT, destacando seu caráter heteronormativo, aspecto a ser explorado no tópico seguinte. 4. A DIVERSIDADE SEXUAL E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO Ao tratar da introdução do gênero nas políticas públicas de educação, com especial visibilidade para as demandas em torno da diversidade sexual, é preciso lembrar a importância da saúde pública. Foi nesse setor que o debate se fez visível e viável, para depois ser, então, inserido nas demandas realizadas por setores da sociedade civil à área da educação. Nos anos 1990 e no início do século XXI, ocorreram mudanças significativas no panorama dos temas ligados à homossexualidade, ocasionando transformações no quadro de visibilidade da temática, com a multiplicação de iniciativas no campo legislativo, da justiça e de extensão de direitos (Silva, 2010). Entretanto, foi no governo Lula que a diversidade passou a ser reconhecida, a partir da negociação e da representatividade no governo de diversos atores políticos, como integrantes não só de programas e projetos, mas da própria organização administrativa, ocasionando www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 0 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos uma modificação no modelo institucional de algumas secretarias, inexistente nos governos anteriores. Foram criadas várias secretarias especiais, entre elas: a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), a Secretaria Especial de Política para Mulheres (SPM), a Secretaria Especial da Promoçãoda Igualdade Racial (SEPPIR) e a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ). A participação desses atores no próprio governo somou-se às pressões advindas das Conferências Nacionais, locais de produção e negociação de agendas políticas que, muitas vezes, resultavam na criação de novas responsabilidades governamentais e de tentativas de “introdução de diretrizes respeitosas à diversidade sexual”, referência no campo do currículo; da formação docente; e das relações estabelecidas no ambiente escolar, com o intuito de propiciar, como afirma Roger Raup Rios (2009, p.78), a “superação de preconceitos e discriminações já consolidados”. Sob as injunções desses processos materializa-se a ênfase na inclusão social e também se organizam novas institucionalidades. No âmbito específico do Ministério da Educação, instituíram-se a Secretaria de Inclusão Educacional (Secrie) e a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo (Seea). E, com a fusão destas secretarias, em abril de 2004, origina-se a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad). Iniciou-se, então, a tentativa de articular as ações de inclusão social com a valorização da diversidade e com o destaque às demandas até então invisibilizadas e não atendidas efetivamente pelos sistemas públicos de educação. A partir da criação da Secad, canalizaram-se para a agenda governamental do MEC temas e sujeitos que dela estavam excluídos. Com a presença desses setores nos espaços da administração pública, assistimos à conversão de antigas denúncias em propostas de políticas públicas federais. Essa secretaria que se incumbe de traduzir as propostas de desenvolvimento de ações no âmbito da educação gestadas em outros programas e planos mais gerais. Esse foi o caso, por exemplo, da organização do primeiro Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), em 2004, e de sua segunda versão, em 2008, ambos antecedidos pelas Conferências de Políticas para as Mulheres (2004 e 2007) e do Programa Brasil Sem Homofobia (BSH), precedido pelo Plano Plurianual (PPA 2004-2007). O primeiro PNPM (2004) tinha entre seus objetivos a educação inclusiva e não sexista, visando a promover o acesso à educação básica de mulheres jovens e www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 1 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos adultas. Já o Plano Plurianual (PPA 2004 - 2007), lançado em 2004, definia o Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais. Com vistas a efetivar esse compromisso, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) acolheu demandas do movimento LGBTT apresentadas em encontros nacionais e lançou o Programa Brasil Sem Homofobia (BSH), de combate à violência física, verbal e simbólica, sofrida por pessoas LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros). O referido Programa traz um capítulo dedicado à educação, com o objetivo de promover valores de respeito à paz e a não discriminação por orientação sexual. A tarefa de implementação dessas políticas de inclusão é coordenada pela Secad, na perspectiva de educação para a diversidade. Para tal intento, a Secretaria considera fundamental incluir a interlocução da diversidade sexual com a discussão da temática de gênero. Contudo, ainda que sob forte tensão, são assumidas, no plano federal, diferentes demandas para a constituição de políticas públicas voltadas à diversidade, apresentadas principalmente pelos movimentos sociais. O fato de as Organizações Não Governamentais receberem mais incentivos para a produção de pesquisas voltadas para a diversidade sexual e para as desigualdades de gênero também foi um marco no primeiro mandato do presidente Lula. Amplia-se a adoção de mecanismos de participação de movimentos sociais organizados, por meio de fóruns, seminários, conferências e outros espaços organizados para mobilizar atores e temas considerados relevantes para o desenvolvimento de políticas para a inclusão e a diversidade. Reúnem-se, assim, gestores dos sistemas de ensino, autoridades locais, representantes de movimentos e organizações sociais e dos segmentos diretamente interessados no avanço dessa agenda. Na mesma direção, Nina Madsen (2008) ressalta o apoio do MEC às inúmeras iniciativas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) na área da educação, destacando um importante movimento na formulação das políticas a partir de 2003. O mesmo aconteceu com as ações educacionais propostas pelo Programa Brasil Sem Homofobia. Parte das principais políticas públicas que visam a superar a desigualdade relacionada às pessoas LGBTT, por meio da educação no âmbito do referido Programa, é expressão das respostas dadas pelo Estado a pressões, sugestões, participações e interferências do movimento LGBTT (Rossi, 2010). www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 2 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos Nesse processo, posso assegurar que a diversidade está presente em programas e projetos do MEC. Entre eles, destacam-se os relacionados às temáticas de gênero, sexualidade e diversidade sexual na formação continuada docente. Alguns trabalhos acadêmicos mais recentes já refletem sobre as características e os efeitos das atuais políticas públicas acerca da diversidade sexual propostas para a educação em diferentes instituições de ensino, considerando alguns dos programas do governo, como: Brasil Sem Homofobia (Daniliauskas, 2011; Dulac, 2009; Quartieiro, 2009; Rossi, 2010); Gênero e Diversidade na Escola (Caldas, 2007; Ferrari, 2004; Grösz, 2008; Koerich, 2007; Mostafa, 2009); Capacitação de Multiplicadores (as) em Gênero e Políticas Públicas (Esperança, 2009; Santos, 2008; Santos, 2009). Essas reflexões também se desdobram nos debates e nas deliberações da VI Conferência Nacional de Educação (Conae/2010), inserindo questões da inclusão e da diversidade na pauta das políticas educacionais do Brasil. Na proposição das metas para elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), é relevante o eixo que teve como título Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade. O projeto de lei do Plano Nacional de Educação para o decênio 2011- 2020, encaminhado ao Congresso Nacional em dezembro de 2010 e ainda em discussão, propõe uma série de diretrizes para planejar e organizar a educação. Três conceitos fundamentam a sua décima diretriz: a equidade, o respeito à diversidade e a gestão democrática da educação. Ainda no referido documento, consta a meta que propõe universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%, nesta faixa etária. Uma das estratégias para tal finalidade é prevenir a evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero. O exame da produção acadêmica sobre o tema específico desta apostila permite uma análise comparativa de dois governos, com dois períodos cada um: 1994/1998 - 1999/2002 e 2003/2005 - 2006/2010. E, a partir da reflexão histórica aqui construída, posso afirmar duas das principais características contraditórias dessas políticas. Sofrem a pressão de agências multilaterais em favor de uma concepção de educação ora compensatória, ora parcialmente inclusiva e necessariamente precária, tanto no acesso quanto em sua qualidade. Ao mesmo tempo, com maior ênfase no governo Lula, assistiu-se à porosidade do governo federal às demandas de www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 3 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneosmovimentos sociais organizados e ao crescimento destes enquanto sujeitos coletivos formuladores de políticas públicas. Assim, arrisco dizer que a presença de novos sujeitos coletivos – propositores e formuladores de políticas públicas na educação – provocaram tensões e confrontos entre projetos políticos divergentes; alterou o que era rotulado como conhecimento, valores e condutas aceitáveis; redefiniu a própria dinâmica de confecção dessas políticas e, consequentemente, o papel do Estado, com efeitos importantes para a realidade educacional brasileira. Aos menos no campo específico da introdução das questões de sexualidade, diversidade sexual e gênero aqui observado, os movimentos traduziram algumas das questões teóricas para o plano da prática social. Também merece realce o reconhecimento de direitos relativos às sexualidades menosprezadas e que têm impacto nas relações escolares, como, por exemplo, a construção do currículo pautado pelo respeito aos direitos humanos relacionados à diversidade sexual (Rios, 2009; Silva, 2010). Nesse processo evidencia-se a inclusão da sexualidade e do gênero no currículo e na formação continuada docente, já com indícios de ressignificação das concepções sobre sexualidade no trabalho pedagógico (Andrade, 2008; Lira, 2009; Reis, 2009). Todavia, esse contexto está necessariamente permeado por retrocessos e resistências que impõem novos desafios teóricos e práticos para a própria elaboração das políticas públicas e para a reflexão acadêmica sobre esse processo. Esse é o caso, por exemplo, da pouca importância dada ainda hoje para a relação entre nacionalidade e sexualidade e para o caráter sexuado do Estado e de suas políticas nacionais e locais, que interpretam e regulam várias das concepções de família, reprodução, educação, estilo de vida, muitas delas entrelaçadas com a construção das relações de gênero. Dessa analogia depende a regulamentação do aborto e da reprodução, o estabelecimento de uma idade consentida para relações sexuais e para o casamento, bem como a criminalização das práticas que não se adéquem a essas regras (Epstein; Johnson, 2000). O reconhecimento de consensos construídos e negociados em torno da relevância das políticas da diversidade permite considerar que a disputa em torno das concepções e da articulação dos espaços de diálogo ainda se constitui em amplo www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 4 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos desafio para consolidar, de fato, essa trajetória institucional em política pública de Estado. Na mesma linha, novos conceitos – como gênero, sexualidade, homofobia, heteronormatividade – não são assumidos como definidores das políticas públicas para a educação, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Um dos percalços a ser enfrentado é a própria fragmentação do uso do conceito de diversidade, o que “expressa, no limite, as disputas internas e externas ao governo pela definição de projetos educacionais, propondo modos distintos e responder às demandas de movimentos sociais no reconhecimento de suas múltiplas diversidades” (Moehlecke, 2009, p. 484). Somam-se a esse obstáculo a própria resistência interna ao MEC (Junqueira, 2009; Madsen, 2008) e a enorme dificuldade em romper com os padrões tradicionais a respeito das identidades de gênero. Os mecanismos de controle social ainda têm peso na construção de novos sentidos sobre a sexualidade e influenciam as políticas e as práticas educativas. A proibição de falar sobre sexualidade é uma constante. Mesmo quando aberta a possibilidade de diálogo sobre o tema, este fica restrito à concepção médico-higienista da sexualidade e aos professores de ciências e biologia (Bordini, 2009; Dulac, 2009; França, 2008), registrando-se um verdadeiro pânico moral, ao mencionar-se a possibilidade de seu tratamento para além da visão heteronormativa (Borges; Meyer, 2008). Nessa mesma linha, as garotas homossexuais fazem parte de um campo de disputa que permanece silenciado. Não excluído, pois “o silêncio e a invisibilidade forçada não devem ser confundidos com sinal de ausência” (Cavaleiro, 2010, p.177- 178), mas ainda inferiorizado e não reconhecido. Além disso, a própria inserção das demandas advindas dos movimentos de mulheres e da população LGBTT não garante a superação das relações de poder que definem parâmetros tradicionais que sustentam as relações de gênero em nossa sociedade. Além dos enfrentamentos já elencados, a tentativa até aqui desenvolvida de articulação dos resultados das pesquisas aponta-nos também desafios acadêmicos para a produção de novos conhecimentos sobre essa realidade em construção. Menciono apenas três possíveis urgências. Uma delas diz respeito à retomada da reflexão sobre os conceitos de desigualdade e diversidade. A meu ver, não se trata de tarefa individual. Será necessária, novamente, a articulação de muitos debates para sair desta noção enquanto mera diversificação e situar a diversidade no contexto de produção de desigualdades sociais e de enfrentamento de necessidades radicais. www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 5 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos Outra pauta urgente para investigações futuras se dirige à constituição da formação docente voltada para o trabalho com a diversidade e para o combate à sua transformação em desigualdade. Até o momento, muitos programas de formação continuada são formulados e postos em ação, mas ainda não temos a exata dimensão de como estruturar essa agenda na formação inicial docente e de introduzir essa temática para além da mera informação. A discussão da sexualidade e do gênero está impregnada de valores e significados constitutivos da socialização de homens e mulheres. A compreensão do sexo que nos constitui, reduzindo-o às características físicas e naturais coladas à concepção biológica, ao cuidado do corpo e à prevenção de doenças ainda é vista como universal e histórica. Esses valores configuram a própria identidade docente, bem como as identidades de gênero chanceladas nas normas e relações escolares. Não será, portanto, por meio de uma formação breve e/ou a distância que conseguiremos garantir a desconstrução dessas desigualdades de gênero. Aliás, não será sequer apenas na formação docente que essa tarefa poderá ser plenamente enfrentada. A formação docente é uma das múltiplas searas nas quais poderemos adquirir mecanismos de superação de algumas ideias preconcebidas e construir novos conhecimentos e práticas. Todavia, uma revisão curricular deve envolver todos, sobretudo as universidades públicas e privadas; e não deve, no entanto, incluir apenas a perspectiva de gênero, mas também a de raça/etnia, orientação sexual, classe, geração e todas as dimensões que perpassam a construção das desigualdades e atentam para as possibilidades de ruptura e de construção de novas definições do que é socialmente concebido. Uma terceira e última urgência dirige-se ao caráter federativo do Estado brasileiro, em particular à leitura que os governos estaduais e municipais fazem das políticas federais e à forma como essa discussão é apropriada por docentes e demais funcionários das escolas públicas, para não entrar no mérito específico das escolas privadas. Essas propostas ainda são muito centralizadas na sua elaboração e necessitariam envolver todos os responsáveis pela educação. Essa é uma tarefa difícil e requer luta em todas as esferas, dentro e fora da escola: na conscientização e na formação do corpo docente; na discussão de propostas e atividades realizadas na escola; na análise crítica dos livros didáticos; na denúncia das revelaçõesditas científicas que perpetuam preconceitos; e, sobretudo, nas inúmeras reivindicações por direitos à diferença. Assim, as proposições políticas, www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 6 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos articuladas à produção de conhecimento acadêmico sobre elas, poderão produzir outras e múltiplas alternativas aos desafios e às urgências aqui apontados. www.institutoipb.com.br | atendimento@institutoipb.com.br | +55 (31) 2555-5006 2 7 IPB - Inst i t u to Pedagógico B r a s i l e i r o Gênero e Sexualidade – Diálogo s Contemporâneos 5. REFERÊNCIAS BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. 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