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Afecções da vesícula e vias biliares

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Med Brasil
AFECÇÕES DA VESÍCULA E VIAS BILIARES
A ultrassonografia mostrou uma alteração
na vesícula que não é cálculo. E agora?
INTRODUÇÃO
Apesar da colelitíase e suas diversas complicações mais comuns serem os assuntos
mais abordados entre as doenças da vesícula biliar, há afecções mais raras que também são importantes, como a vesícula em porcelana, os pólipos e tumores da vesícula e os cistos de colédoco.
VESÍCULA EM PORCELANA
A chamada vesícula em porcelana é o resultado da calcificação das paredes vesiculares, que pode corresponder ao aspecto final de um processo infeccioso crônico. A sua importância clínica é a associação com o câncer de vesícula. Calcificações pontuais elevam mais o risco que a calcificação homogênea. 
Dados iniciais indicavam a associação de câncer em até 20% dos casos, mas esses números têm se mostrado menor, de até sete nas séries mais recentes. De qualquer forma, o tratamento indicado é a colecistectomia, independente da presença ou não de sintomas. Deve ser realizada uma tomografia para a avaliação mais pormenorizada da presença de câncer.
PÓLIPO DA VESÍCULA BILIAR
Os pólipos da vesícula biliar são crescimentos da parede mucosa da vesícula, geralmente achados incidentalmente à ultrassonografia ou após a colecistectomia. A maioria é não neoplásica, representando hiperplasia ou depósito de lipídios (colesterolose); no entanto, têm potencial maligno quando representados por adenoma. Ocorrem em 1,5 a 4,5% das ultrassonografias e parece não haver associação com idade, sexo ou fatores de risco para litíase biliar.
A lesão neoplásica benigna mais comum é o adenoma, sendo raros os leiomiomas e lipomas. No que tange às lesões benignas não neoplásicas, a mais comum é a colesterolose (depósito anormal de triglicérides, precursores de colesterol e ésteres de colesterol na mucosa da vesícula; geralmente associada a litíase e mais comum em mulheres), seguida por adenomiomas (crescimento anormal da mucosa, espessamento da parede da vesícula e divertículos intramurais; associa-se a litíase biliar, é mais comum em mulheres e não é considerada lesão pré-maligna) e pólipos inflamatórios. Já a lesão maligna mais comum é o adenocarcinoma.
A maioria é assintomática, mas dor biliar é possível (o mecanismo poderia ser o prolapso do pólipo na bolsa de Hartmann ou obstrução do ducto cístico pelo pólipo).
À ultrassonografia, os pólipos não são móveis e não têm sombra acústica posterior (Figura 22.1). Os de colesterol costumam ser múltiplos, homogêneos, pediculados, mais ecogênicos do que o fígado e menores do que 1 cm. Já os adenomas costumam ser homogêneos, isoecoicos e sem pedículo. Os adenocarcinomas podem ser homogêneos ou heterogêneos, isoecoicos e uma superfície como de “amora”.
TRATAMENTO
Colecistectomia costuma ser indicada aos sintomáticos e como profilaxia para prevenir transformação maligna nos pacientes de risco: pólipos maiores que 1 cm, associados a cálculos ou que apresentem crescimento acelerado e nos associados à colangite esclerosante.
Legenda: (A) pólipo adenomatoso (seta roxa) sem sombra acústica posterior; (B) litíase biliar (seta magenta) com sombra acústica posterior (seta azul).
Na adenomiomatose assintomática, não há recomendação de colecistectomia. Pólipos maiores que 2 cm costumam ser malignos, e deve ser realizada colecistectomia. Como há risco de câncer avançado, deve ser realizado estadiamento com tomografia e ultrassonografia endoscópica. 
Indica-se colecistectomia estendida com dissecção linfonodal e hepatectomia parcial no leito da vesícula quando a colecistectomia é feita por malignidade. Pólipos entre 1 e 2 cm devem ser considerados possivelmente malignos, mas, como costumam ser em um estádio precoce, pode-se realizar colecistectomia laparoscópica com dissecção de toda a espessura da vesícula.
Pólipos entre 0,6 e 0,9 cm devem ser seguidos com ultrassonografia para avaliação da sua estabilidade a cada três meses, seis meses e então anualmente, se estáveis. Colecistectomia é indicada em caso de crescimento. Pólipos iguais ou menores que 0,5 cm são usualmente benignos, e ultrassonografia deve ser repetida em 12 meses. Se estável, não há necessidade de seguimento.
CÂNCER DA VESÍCULA BILIAR
A maioria dos cânceres da vesícula biliar é de achados incidentais de colecistectomia por colelitíase (tumor em 1 a 2% dos casos). As maiores taxas de incidência são encontradas na América do Sul (Chile, Bolívia, Equador) e em algumas áreas da Índia, do Paquistão, do Japão e da Coreia. É mais comum em mulheres (de 2 a 6 vezes mais do que nos homens), em caucasianos, e aumenta com a idade.
São considerados fatores de risco a presença de litíase (70 a 90% dos casos), vesícula “em porcelana”, pólipos de vesícula, colangite esclerosante primária, infecção crônica por Salmonella, cistos biliares congênitos, junção anormal do ducto pancreatobiliar, medicamentos (metildopa, contraceptivos orais e isoniazida), exposição a carcinógenos (trabalhadores das indústrias de óleo, papel, sapatos, química, têxtil e celulose), obesidade e tabagismo.
Parece que o adenocarcinoma da vesícula também progride de uma displasia para carcinoma in situ e tumor invasivo; mutação KRAS tem sido identificada naqueles com junção pancreatobiliar anômala. Noventa por cento dos casos de câncer de vesícula acontecem por adenocarcinomas.
QUADRO CLÍNICO
A maioria daqueles com lesão precoce é assintomática ou com sintomas inespecíficos de colelitíase. Entre os sintomáticos, o sintoma mais comum é dor, seguida de anorexia, náusea e vômito. Icterícia obstrutiva e obstrução duodenal podem ocorrer. O exame físico pode detectar vesícula palpável e indolor (sinal de Courvoisier) e icterícia.
DIAGNÓSTICO
O teste inicial costuma ser a ultrassonografia, que pode evidenciar espessamento ou calcificação mural, massa que protrui no lúmen ou fixa e perda da interface entre a vesícula e o fígado ou infiltração hepática direta.
A acurácia para estadiamento local e a distância é de apenas 38%. A ultrassonografia endoscópica pode ser útil na avaliação da profundidade da invasão tumoral e no envolvimento dos linfonodos da porta hepática e região peripancreática. 
A tomografia pode identificar massa na vesícula e visualizar o envolvimento linfonodal e metástases a distância. Já a ressonância é mais útil em diferenciar pólipos benignos de malignos. CEA e CA-19-9 costumam estar elevados, mas não são sensíveis nem específicos. A avaliação pré-operatória deve incluir tomografia de abdome e colangiorressonância.
TRATAMENTO
Laparoscopia diagnóstica está indicada antes da ressecção para detectar contraindicações à colecistectomia. 
Contraindicações à ressecção. 
São contraindicações absolutas à ressecção: metástase hepática, metástase peritoneal, envolvimento de linfonodos N2 (celíacos, peripancreáticos, periduodenais ou mesentérico superior), ascite maligna, envolvimento extenso do ligamento hepatoduodenal e englobamento ou oclusão de vasos maiores. Aqueles com contraindicação à cirurgia devem ser submetidos a quimioterapia isolada ou radioquimioterapia, não havendo papel da cirurgia paliativa.
Cirurgia
Os tumores em estádios 0, I ou II (estádios Tis, T1 ou T2) são potencialmente ressecáveis com intenção curativa. O tratamento inclui a colecistectomia por via aberta, com ressecção de tecido hepático (colecistectomia estendida), exceto na doença T1a (tumor limitado à lâmina própria, sendo a colecistectomia isolada adequada), e pode incluir ressecção de ducto biliar, linfonodos, ressecção hepática mais extensa ou ressecção de órgãos adjacentes envolvidos.
Àqueles com achado incidental de câncer durante colecistectomia se recomendam exploração e nova ressecção se doença em estádio T2 ou maior. O benefício na doença T1 é controverso, sendo sugerida reexploração se doença T1b, mas não na T1a.
Há controvérsia quanto à melhor ressecção linfonodal, mas sugere-se a D2. A linfadenectomia D1 remove linfonodos no hilo hepático e ligamento hepatoduodenal (artéria cística, artéria hepática, veia portae colédoco), enquanto a D2 também remove os linfonodos periaórticos, da artéria celíaca, da artéria mesentérica superior e da veia cava inferior.
CISTOS DE COLÉDOCO
Os cistos de colédoco são dilatações congênitas das vias biliares que podem cursar
com colangite e aumentam o risco de colangiocarcinoma.
Legenda: (A) tomografia; (B) peça cirúrgica de paciente com cisto de colédoco.
O tratamento depende da extensão da doença, da função hepática e da presença de colangiocracinoma, mas pode variar desde uma derivação bileodigestiva, passando pela ressecção do cisto até um transplante hepático.
A ultrassonografia mostrou uma alteração
na vesícula que não é cálculo. E agora?
Nós vimos que a vesícula pode ser sede de outras lesões como os pólipos, que têm vários tipos histológicos, as calcificações (vesícula em porcelana) e o câncer. Geralmente devemos nos preocupar com o risco de se tratar de uma neoplasia de vesícula, nesse caso, indicar o estadiamento e o tratamento adequados.

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