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>>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 57 Entrevista com Idosos: percepções de qualidade de vida na velhice Lara Carvalho Vilela de Lima1, Wilza Vieira Vilella2, Cléria Maria Lobo Bittar1 1Programa de Pós Graduação Mestrado e Doutorado em Promoção da Saúde da Universidade de Franca 2Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo Resumo. Pesquisa realizada com 32 idosos de ambos os sexos, residentes em cinco municípios brasileiros de pequeno porte, que buscou conhecer suas percepções sobre qualidade de vida. Para tanto utilizou-‐se a entrevista, cujo roteiro de perguntas abertas foi embasado nos domínios dos questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐BREF. Estas foram posteriormente transcritas e tratadas à luz da análise do conteúdo. Não se pretendeu criar novo instrumento ou adaptar o existente, entretanto a realização de entrevistas abertas orientadas pelas perguntas extraídas dos domínios do instrumento, revelou-‐se bastante produtiva quanto à coleta de informações, quando comparado a trabalhos anteriormente realizados exclusivamente com os instrumentos, que demonstraram que idosos de baixa escolaridade tinham dificuldades na compreensão dos termos e vocábulos propostos pelos instrumentos. Palavras-‐chave: Entrevistas com idosos. Qualidade de vida na velhice. Whoqol-‐Old e Bref. Interview With The Elderly: perceptions of quality of life in old age Abstract. Survey of 32 elderly of both sexes, living in five Brazilian cities, which sought to meet his perceptions about quality of life. To do this the interview was applied, whose screenplay of open-‐ended questions was based in the areas of WHOQOL-‐OLD and WHOQOL-‐BREF questionnaires. These were later transcribed and treated in light of the analysis of the content. It was not intended to create a new instrument or adapt the existing, however open interviews guided by questions from the fields of instrument, proved to be very productive with respect to gathering information, when compared to works previously carried out exclusively with the instruments, which have shown that seniors with low schooling had difficulties in understanding of terms and words proposed by the instruments. Keywords: Interviews with elderly people. Quality of life in old age. Whoqol-‐Old e Bref. 1 Introdução As quedas das taxas de mortalidade e fecundidade ocorridas no Brasil foram responsáveis pela mudança da estrutura etária do país e consequentemente pela transição demográfica, com expressivo aumento do número de idosos e da expectativa de vida. As projeções indicam que em 2020 a população brasileira acima de 60 anos atingirá um percentual de 13,7% (28,3 milhões) e em 2040 representarão quase um quarto do total de habitantes do país 23,8% (52 milhões de pessoas) (Mendes, Sá, Miranda, Lyra &Tavares, 2012). O aumento do número de anos de vida não significa que as pessoas vivam melhor. São necessárias ações específicas que garantam aos cidadãos a chance de viver esta etapa de forma digna e com qualidade (Brasil, 2006). A qualidade de vida (QV) envolve uma variedade de fatores. Segundo Neri (2008, p. 163) “QV é um evento que tem múltiplas dimensões, é multideterminado, diz respeito à adaptação de indivíduos e grupos humanos, em diferentes épocas e sociedades, e assim, sua avaliação tem como referência diversos critérios”. O Grupo WHOQOL da Organização Mundial da Saúde (OMS) define QV como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto de sua cultura e no sistema de valores em que vive e em relação a suas expectativas, seus padrões e suas preocupações”. Esta considera o conceito de QV >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 58 amplo, e incorpora a saúde física, o estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais, as crenças pessoais e a relação com aspectos significativos do meio ambiente (The WHOQOL Group, 1995 apud Fleck, 2008, p.25). Para Paschoal (2006), a natureza abstrata do termo explica porque o significado de uma boa QV é diferente para diferentes pessoas, em distintos lugares e ocasiões. Talvez, cada indivíduo tenha um conceito próprio, submetido a múltiplos pontos de vista, dada a variedade de dimensões a serem aferidas. Segundoo autor, quando se pensa em QV para idosos, algumas incertezas pairam. Por exemplo, o que pensam os idosos sobre QV? Como eles definem QV? Quais modificações poderiam ser implementadas para alcançar uma QV excelente, no ponto de vista dos idosos? A complexidade da relação entre envelhecimento e QV foi observada durante pesquisa em que foi comparada a percepção de QV entre dois grupos de idosos em um pequeno município brasileiro, a partir da aplicação dos questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐BREF e da realização de entrevistas abertas (Lima, 2010). Nesta oportunidade foi constatado, que aqueles idosos que frequentavam as atividades realizadas no grupo da terceira idade tiveram melhor percepção de QV global e em outros domínios em relação aos que não frequentavam essas atividades. Entretanto, foi observado, durante a aplicação dos questionários que muitas perguntas existentes nos mesmos não eram claramente compreendidas pela maior parte dos participantes. Vale ressaltar que durante a aplicação dos questionários os termos empregados nas perguntas que não foram compreendidos pelos participantes não foram substituídos por outros. Percebeu-‐se neste caso, o quanto QV é um tema complexo de se avaliar, principalmente utilizando apenas métodos quantitativos, pois cada pessoa tem uma concepção sobre a sua QV, que pode variar, considerando a idade, a origem, a cultura, os valores e os sentimentos vividos em determinados momentos de suas vidas, extrapolando muitas vezes as respostas que os questionários oferecem. Coelho (2012) considera importante a realização da pesquisa qualitativa sobre percepção de QV dos idosos, para que a subjetividade desse construto possa ser melhor explorada e analisada. Além disso, a baixa escolaridade e principalmente o contexto e a cultura na qual as pessoas estão inseridas podem interferir no entendimento dos idosos em relação às perguntas existentes em questionários, limitar a compreensão sobre determinados assuntos ou até mesmo interferir nas respostas, que neste caso, podem não fazer sentido aos idosos. Braz (2012) observou em pesquisa sobre percepção de QV entre idosas em uma cidade de médio porte, que a maioria das participantes apresentou boa compreensão dos questionários WHOQOL-‐OLD e BREF, provavelmente porque estas tinham maior grau de escolaridade do que os participantes do estudo de Lima (2010). Outro problema foi identificado por Maués, Paschoal, Jaluul, França & Filho, (2010) em pesquisa realizada com idosos. Houve dificuldade em compor a amostra devido ao grande número de analfabetos, principalmente os mais velhos, já que o WHOQOL-‐OLD era auto-‐aplicado; assim, o analfabetismo foi critério de exclusão. Outra limitação encontrada neste estudo foi a impossibilidade de auxílio por parte de familiares, cuidadores ou do pesquisador para o preenchimento do questionário. Isto foi criticado por idosos com dificuldade de entendimento de termos e expressões encontradas nas perguntas e opções de resposta. O questionário WHOQOL-‐BREF é uma versão abreviada do WHOQOL-‐100, instrumento genérico que afere QV e pode ser aplicado em uma variedade de populações. O WHOQOL-‐BREF foi validado em vários centros do mundo, inclusive no Brasil, em Porto Alegre, onde a amostra foi composta por pessoas doentes e saudáveis (Chachamovich & Fleck, 2008). A versão OLD também foi desenvolvida pelo grupo WHOQOL com o objetivo de oferecer um conjunto de itens adicionais para a avaliação da QV de idosos, a partir de uma metodologia transcultural. Sua validação e tradução foram feitas em vários centros do mundo, incluindo o Brasil, obedecendo a uma metodologia padronizada, com a participação de cinco grupos focais que incluíram idosos saudáveis e doentes (Chachamovich, Trentini, Fleck, Schmidt & Power (2008); Fleck, Chachamovich & Trentini, 2003). >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 59 Assim, foi questionado se uma abordagem dos diferentes temas descritos pelos domínios dos questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐BREF por meio de entrevistas abertas, com base em outra metodologia, especificamente a partir da utilização de uma abordagem qualitativa, e ampliando o escopo para idosos que residem em diferentes municípios brasileiros de pequeno porte, poderia proporcionar um melhor entendimento das perguntas e consequentemente respostas mais amplas sobre os assuntos propostos. Dada a heterogeneidade do processo de envelhecimento no Brasil é essencial conhecer os pontos de vista, sentimentos e expectativas dos sujeitos nesta fase da vida. Conhecer e compreender as percepçõesde QV de idosos que residem em municípios de pequeno porte torna-‐se relevante para a elaboração de ações voltadas para a promoção de saúde dessa população. Estes podem vivenciar experiências sócio culturais particulares em relação ao processo de envelhecimento que podem refletir na sua percepção sobre QV, consequentemente, a abordagem qualitativa através da utilização de entrevistas abertas, por explorar os aspectos subjetivos e aproximar pesquisador e pesquisado poderá oferecer informações amplas sobre o tema, facilitando, sobretudo a compreensão dos assuntos. O presente estudo tem como objetivo conhecer a percepção de QV de idosos utilizando a entrevista como técnica de coleta, cujo roteiro das perguntas se norteou nos temas dos questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐BREF; e discutir a experiência de realizar entrevistas abertas com idosos. 2 Metodologia Trata-‐se de um estudo qualitativo sobre percepções de QV na velhice, que utilizou entrevistas abertas com idosos, a partir da utilização dos temas dos questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐ BREF. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº 164.370), em conformidade com o estabelecido na Resolução 466/12. A amostra foi constituída por 32 pessoas com 60 anos de idade ou mais (idosos), de ambos os sexos, sendo 15 homens e 17 mulheres, que residem nos cinco municípios brasileiros de pequeno porte. Buscou-‐se incluir um homem e uma mulher de cada faixa etária (60-‐69 anos, 70-‐79 anos e 80 anos ou mais de idade), residentes na zona rural ou urbana, solteiros, casados ou viúvos, com diferentes graus de escolaridade. Os critérios de inclusão foram idosos com residência fixa em algum dos cinco municípios incluídos na pesquisa, de ambos os sexos, sem comprometimento mental ou cognitivo, usuários do SUS, e que aceitaram participar da pesquisa após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os temas propostos nas entrevistas foram definidos considerando-‐se aqueles aceitos como os mais importantes para se tratar da QV na velhice, de acordo com os domínios existentes no WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐BREF. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevistas estruturado com questões abertas com base nos domínios dos respectivos questionários (Chachamovich, Trentini, Fleck, Schmidt & Power, 2008; Chachamovich & Fleck, 2008; WHO, 2008), que incluíram aspectos físicos, sociais, ambientais, psicológicos, intimidade, morte, autonomia, atividades passadas-‐ presentes-‐futuras e funcionamento dos sentidos; precedido de dados sociodemográficos que incluíram: nome, idade, sexo, situação de trabalho, grau de escolaridade, residência e origem (cidade ou fazenda), estado civil e religião. O roteiro das entrevistas está apresentado no quadro abaixo. >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 60 Quadro 1 -‐ Roteiro proposto nas entrevistas relacionado aos temas estruturantes para a QV na velhice Roteiro da entrevista Temas importantes para a Qualidade de Vida (QV) na velhice 1) Para você, o que é ter qualidade de vida? QV global 2) De um modo geral, você está satisfeito com a sua saúde? Aspectos físicos relacionados ao envelhecimento (especialmente à saúde do idoso) 3) Em sua opinião, você está realizado com a sua vida? Por quê? Aspectos psicológicos (realização com a vida) 4.1) Você está satisfeito com as condições de transporte público oferecido no local onde você mora? Em sua opinião, o que poderia melhorar? 4.2) E em relação ao atendimento na área de saúde, o senhor (a) está satisfeito com o atendimento na área de saúde oferecido no local onde você mora? Em sua opinião, o que poderia melhorar? Ambiental/ Satisfação com o transporte público Ambiental/Satisfação com o atendimento na área de saúde 5) No seu entender, as perdas nos seus sentidos, se as tiver (por exemplo, audição, visão, paladar, olfato, tato), afetam a sua vida? Em quê? Funcionamento dos sentidos 6) Você tem liberdade de tomar as suas próprias decisões na sua vida? Por quê? Autonomia 7.1) Você está satisfeito com aquilo que alcançou na sua vida? 7.2) O que você espera daqui para frente? Aspectos relacionados às atividades passadas-‐ presentes-‐futuras 8.1) Você está satisfeito com as oportunidades de lazer que você tem em sua comunidade? 8.2) Você pratica algum tipo de atividade física? Relações sociais e participação social (lazer e atividade física) 9) O que você pensa sobre a morte? Morte 10) Você sente amor em suavida? Intimidade (amor) 11) Em sua opinião, quais ações poderiam ser feitas aqui, neste município, para melhorar a sua qualidade de vida? Ações para melhorar a QV dos idosos Fonte: Temas com base nos domínios dos questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐BREF. Foi incluída no roteiro uma pergunta sobre as ações que melhorariam a QV dos participantes (questão 11). Este instrumento foi aplicado previamente em um estudo piloto em fevereiro de 2013, em idosos de ambos os sexos e diferentes faixas etárias, residentes em um dos municípios. Após o estudo piloto, foi feito um ajuste no roteiro para realização das entrevistas definitivas, pois foi constatado que em algumas perguntas, por exemplo, referentes ao domínio funcionamento dos sentidos, muitos participantes tiveram dificuldades de compreender algumas palavras, como tato, paladar e olfato. Neste caso, foram utilizadas expressões sinônimas: vista/enxergar, ouvir, toque, cheiro e gosto, para explicar a pergunta e facilitar a compreensão durante as entrevistas. Do mesmo modo, alguns idosos não compreenderam as palavras lazer e atividade física, por isso, foram utilizados termos como distração, diversão e exercícios físicos, mais habituais para o vocabulário deles. Assim, durante as entrevistas, quando surgiam dúvidas em relação aos termos empregados, palavras sinônimas foram utilizadas para facilitar o entendimento. As entrevistas foram gravadas, transcritas e posteriormente analisadas, através das técnicas de análise do conteúdo, que incluíram as seguintes etapas: pré-‐análise, codificação do material e interpretação dos resultados (Oliveira, 2008). Observações relativas ao contexto da entrevista, como expressões verbais, linguísticas, corporais ou faciais surgidas durante as perguntas, gestos ou falas ditas após desligar o gravador e emoções (riso ou choro) que emergiram durante as falas foram anotadas no diário de campo. >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 61 A análise das falas considerou em um primeiro momento as percepções dos idosos em relação à QV. Para a análise do material, após a leitura exaustiva das entrevistas, foi realizada a organização dos seus conteúdos de acordo com as categorias que emergiram em cada bloco temático. Posteriormente, foi relatada a experiência de realizar entrevistas abertas com idosos, cujos desafios foram observados e discutidos. Todas as entrevistas foram realizadas individualmente, respeitando a confidencialidade e o sigilo das informações de cada participante. 3 Resultados e Discussão Foram entrevistados 15 homens e 17 mulheres (32 pessoas), distribuídos homogeneamente nas faixas etárias de 60-‐69 anos, 70-‐79 anos e 80 anos ou mais. Dentre os 32 idosos, 18 foram entrevistados nas suas próprias residências e 14 nos locais onde iam realizar suas atividades. A maioria estava casada, e apenas algumas as mulheres solteiras ou divorciadas. Quanto à escolaridade, a maioria apresentou ensino fundamental incompleto. Em relação à religião, a maioria se declarou católica. A maior parte dos participantes estava aposentada. Dos 32 entrevistados apenas um não teve experiência de morar na fazenda por determinado tempo. Os fatores apontados pelos participantes para definir QV na velhice foram amplos. Aspectos como ter saúde, manter a autonomia e a independência; aliados às ofertas de serviços públicos, à prática de atividade física e o lazer; e os aspectos subjetivos (ter paz, alegria, amor, ter amizade, boa relação familiar e espiritualidade) são importantes nas percepções dos idosos e se integram para conceituar QV. As categorias que emergiram a partir da análise das falas foram: ‘QV e saúde: diferentes concepções’, ‘A importância dos serviços públicos para a QV de idosos’, ‘A sensação de bem-‐estar e a importância das relações pessoais para a QV na velhice’, ‘Novas conquistas X falta de expectativas com o envelhecimento’, ‘A espiritualidade/religiosidade como formas de promoção de saúde para idosos residentes em municípios de pequeno porte’. Outros estudos utilizaram a metodologia qualitativa para estudar QV na velhice e encontraram variedade de conceitos relacionados ao tema, os quais sustentam a importância desta abordagem metodológica diante deste construto (Tahan & Carvalho (2010), Irigaray & Trentini (2009), Ruiz, Corrente, Bocchi, Donalísio & Cordeiro, (2008). A análise das entrevistas também mostrou que as respostas não se limitavam apenas ao tema perguntado, mas ampliavam-‐se; os idosos, em sua maioria, demonstraram interesse em falar de suas vidas e dialogar com a pesquisadora.Este fato ocorreu na maioria das perguntas. Toma-‐se como exemplo, o relato sobre os aspectos espirituais, que sobressaíram na maioria das falas, não havendo nenhuma pergunta que os abordassem diretamente. Pérez & Navarrete (2009) afirmaram que a finalidade da entrevista consiste na obtenção de um tipo de informação por meio da qual se busca compreender as perspectivas que têm os entrevistados sobre suas ideias, valores ou situações que viveram. Além disso, para Fraser & Gondim (2004) a entrevista ao privilegiar a fala dos atores sociais, permite atingir um nível de compreensão da realidade humana que se torna acessível por meio de discursos. Em pesquisa realizada com idosos em Foz do Iguaçu-‐ Paraná foi utilizado o questionário WHOQOL-‐ OLD. Nesta oportunidade os autores concluíram que este instrumento mostrou-‐se útil para a avaliação da QV dos participantes, porém, não o suficiente para explicar a variabilidade de significados que o idoso pode revelar, expondo outros fatores significantes, já que a avaliação de um mesmo indivíduo pode variar com o tempo, com as prioridades ao longo da vida e com as modificações desta com o tempo (Faller, Melo,Versa & Marcon, 2010). >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 62 Há também que se ressaltar que existem entraves e desafios na realização das entrevistas abertas, os quais foram entendidos de forma positiva. Um primeiro foi conseguir agendar as entrevistas, que por serem realizadas em diferentes municípios demandaram tempo, tanto para conseguir o contato inicial com os participantes e posteriormente agendar o encontro, quanto para a realização das perguntas, no entanto, esta situação proporcionou a chance de conhecer a realidade de outros municípios. Além disso, se percebeu que os participantes queriam falar sobre outros assuntos que lhes vinham na cabeça naquele momento da entrevista, pois queriam ser ouvidos. Assim, as conversas não terminavam quando o gravador era desligado, pois permanecia a expectativa dos idosos de expressar os seus sentimentos e opiniões. Ao mesmo tempo, foi a oportunidade que eles tiveram em falar o que pensavam e sentiam sobre QV, por isso, demandou tempo. Este fato permitiu uma maior compreensão da realidade de vida dos participantes. A forma específica de conversação que se estabelece em uma entrevista para fins de pesquisa favorece o acesso direto ou indireto às opiniões, às crenças e aos significados que as pessoas atribuem a si, aos outros e ao mundo em sua volta. Deste modo, a entrevista dá voz ao interlocutor para que ele fale do que está acessível a sua mente no momento da interação com o entrevistador e em um processo de influência mútua produz um discurso compartilhado pelos dois atores: pesquisador e participante (Fraser & Gondim, 2004). As entrevistas foram realizadas no domicílio ou nos locais onde os participantes realizavam as suas atividades, em meio a sua rotina. Embora este procedimento tenha respeitado a disponibilidade dos idosos, em alguns casos comprometeu a fluidez da conversa, em função de interrupções. Este fato novamente foi entendido de forma positiva, uma vez que proporcionou uma aproximação do seu cotidiano. Por meio das entrevistas e da interação verbal que elas proporcionam entre o entrevistador e o entrevistado, é possível apreender significados, valores e opiniões, além de compreender a realidade social de forma mais profunda. A relação estabelecida entre o entrevistador e o entrevistado permite um diálogo amplo e aberto, favorecendo não apenas o acesso às opiniões e às percepções dos entrevistados à respeito de um tema, como também a compreensão das motivações e dos valores que dão suporte à visão particular da pessoa em relação às questões propostas (Fraser & Gondim, 2004). Outro desafio foi a dificuldade de compreensão de muitos idosos diante dos termos existentes no roteiro. Mesmo tendo sido realizado um pré-‐teste, muitas vezes houve necessidade de adequação do vocabulário, dado que o contexto vivenciado pela maioria é rural; situação que pode ter comprometido o entendimento e o fluxo da entrevista em virtude de algumas palavras não estarem presentes no convívio e vocabulário destas pessoas. Embora os questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐ BREF sejam validados para o Brasil, é preciso considerar que o país é marcado por profundas diferenças regionais e socioculturais, inclusive em relação ao vocabulário, o que pode influenciar na compreensão de idososem relação a alguns termos existentes. A realização de entrevistas abertas permitiu adequação do vocabulário, liberdade de expressão e simplificação da linguagem, facilitando a compreensão e o sentido das palavras pelos participantes. Um estudo verificou que a forma de construto dos instrumentos utilizados em pesquisa com idosos residentes em Botucatu-‐SP não se aplicava à realidade deles, que apresentaram dificuldade de interpretação das questões. Por isso, foram feitas pelos autores adaptações aos questionários validados para facilitar a compreensão dos participantes (Joia, Ruiz & Donalísio, 2007). Entende-‐se que em pesquisa com idosos as técnicas e abordagens metodológicas utilizadas devem ser de fácil aplicação e entendimento, de modo que facilitem a comunicação entre o pesquisador e o entrevistado. >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 63 Outro fato chamou a atenção em relação a algumas respostas apresentadas, principalmente em relação ao domínio ambiental e social, que buscou conhecer a satisfação dos idosos com os serviços existentes nos municípios nas áreas de saúde, transporte público e lazer. Os resultados mostraram que num primeiro momento os participantes apontaram satisfação com esses serviços, mas quando perguntados sobre as possíveis melhorias, apresentaram críticas e sugestões para melhorá-‐los. Este dado pôde ser captado por meio da entrevista que inicialmente retratou o conformismo dos participantes ao responderem satisfação, e logo em seguida, permitiu que eles falassem a respeito das suas expectativas em prol de mudanças, permitindo posteriormente durante as análises do conteúdo a articulação entre as falas. Em estudo realizado sobre os serviços de saúde e a satisfação do usuário em Campinas-‐SP, os autores concluíram que o estudo qualitativo revelou aspectos que não seriam notados a partir das questões quantitativas, abrindo espaço, por exemplo, para as queixas relativas ao serviço e aos profissionais de saúde do local (Garcia, Rodrigues & Borega, 2005). A experiência deste estudo possibilitou aprofundar o tema da QV, identificando motivos e razões que os afetam, segundo a percepção dos idosos. Este conhecimento serve para apoiar o desenvolvimento de ações para melhorar a QV das pessoas, pois fornece dados mais condizentes com a realidade, pelo fato de captar as histórias de vida dos participantes. Segundo Günther (2006) a questão não é comparar ou colocar a pesquisa quantitativa versus a pesquisa qualitativa, não é decidir-‐se por uma ou outra, mas sim considerar o objeto em estudo, as implicações de natureza prática, empírica e técnica. A abordagem metodológica escolhida deve permitir em um mínimo de tempo chegar a um resultado que melhor contribua para a compreensão do fenômeno estudado e para o avanço do bem-‐estar social. Ressalta-‐se que mesmo diante dos desafios que podem surgir frente à utilização de entrevistas abertas com idosos, os pontos positivos se destacam como forma de produzir conhecimento, e propiciam concomitantemente a capacidade de interpretação dos dados, que passam a ter sentido a partir da integração das falas, vivências e do contexto de vida dos participantes. Destacou-‐se neste estudo que a pesquisa qualitativa permitiu o conhecimento profundo das questões relativas à percepção de QV na velhice, de modo a sustentar ações que de fato se aproximem das suas necessidades. 4 Conclusão O estudo apontou a amplitude de termos que define QV na velhice para os participantes do estudo e as particularidades que envolvem o processo de envelhecimento em municípios brasileiros, sobretudo os de pequeno porte que sofrem forte influência do estilo de vida e costumes da zona rural. Além disso, a abordagem qualitativa, em especial a realização de entrevistas abertas, mostrou-‐ se importante para o estudo da percepção de QV, pois a partir das falas é possível aprofundar o conhecimento sobre o assunto frente a realidade vivida. Observou-‐se que os temas abordados nos domínios dos questionários WHOQOL-‐OLD e WHOQOL-‐ BREF são interessantes e importantes para conhecer as percepções da QV da população, em especial da idosa. Embora algumas perguntas existentes nos respectivos questionários causem certa dificuldade de compreensão, principalmente considerando idosos com baixa escolaridade e que residem em municípios de pequeno porte marcados por um contexto rural, ao utilizar os temas referentes aos domínios a partir da entrevista aberta constatou-‐se mais facilidade de entendimento e liberdade para os participantesresponderem. As pesquisas realizadas com abordagens qualitativas demonstram ser importantes fontes de conhecimento sobre as questões relativas à percepção de QV na velhice, pois consideram os >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 64 aspectos subjetivos e o ponto de vista dos participantes sobre um assunto, fornecem informações variadas que são importantes para a formulação de ações e estratégias de cunho social, assistencial, da promoção da saúde, entre outros, e permitem mais liberdade durante a sua utilização, pelo fato da linguagem ser mais próxima do universo cultural e social do participante. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. (2006). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à saúde da pessoa idosa e envelhecimento. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas, Área Técnica Saúde do Idoso. Brasília: Ministério da Saúde. Braz, I. A. (2012). 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