Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CURSO: GEOGRAFIA DISCIPLINA: GEOGRAFIA URBANA DO BRASIL CONTEUDISTAS: MARCUS VINICIUS S. GOMES e MARCELO WERNER DA SILVA AULA 7 DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NAS CIDADES BRASILEIRAS META Nessa aula você poderá compreender as diferentes maneiras com a qual a desigualdade socioespacial se manifesta nas cidades. Isso significa dizer que a nossa tarefa também está em construir um olhar geográfico que permita identificar as formas espaciais resultantes das próprias desigualdades nas cidades brasileiras. A desigualdade se expressa em uma cidade repartida entre classes sociais, quadro que a geografia chama de segregação residencial, e que será analisado através do conceito de fragmentação do tecido sociopolítico- espacial, caracterizando seus extremos, qual seja, os condomínios exclusivos e os aglomerados subnormais. OBJETIVOS Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: 1. Compreender as diferentes maneiras com as quais a desigualdade social se manifesta; 2 2. Construir um olhar geográfico sobre os fenômenos decorrentes das desigualdades socioespaciais nas cidades; 3. Analisar a desigualdade socioespacial através do conceito de fragmentação do tecido sociopolítico-espacial; 4. Caracterizar as alternativas residenciais das classes abastadas (Condomínios exclusivos) e das classes mais pobres (aglomerados subnormais). INTRODUÇÃO Nesta aula teremos contato com uma temática recorrente no imaginário social brasileiro: a questão da desigualdade social. Para fomentar o tema nem precisaríamos adentrar discussões acadêmicas da geografia, basta vivermos em cidades, vivermos no Brasil. A desigualdade é certamente um dos maiores problemas sociais identificados em qualquer momento de nossa história. Se nos reportarmos a um período bastante pretérito, veremos que a própria formação territorial brasileira foi marcada por desigualdades. Basta lembrar dos primórdios da desigual distribuição de terras no Brasil: o processo de doação de sesmarias durante o nosso período colonial, assunto desenvolvido na aula 2. Essas sesmarias, logicamente, já tinham donos: eram, em verdade, múltiplos territórios indígenas das mais de 180 tribos existentes no Brasil de então. Durante muitos séculos, sob as mais diversas justificativas, o próprio Estado (colonial, imperial e/ou republicano) foi o produtor e reprodutor das desigualdades, concedendo terras e poderes aos mesmos atores sociais influentes política e economicamente. Para entendermos a gravidade da situação, basta recordarmos que até hoje é possível notar que algumas das principais famílias latifundiárias brasileiras são as mesmas que receberam quantidades enormes de terras séculos atrás, tal 3 como nos lembra Raymundo Faoro em “Os donos do poder”, um clássico da história social brasileira. Lembrarmos dessa nossa histórica distribuição desigual de terras ajuda-nos a entender uma determinada faceta de nossa desigualdade: a concentração fundiária. Concentração que se expressa tanto no campo quanto nas cidades brasileiras. Ao partirmos de um ponto de vista crítico, perceberemos, que uma discussão sobre a questão da desigualdade social brasileira não pode ser levada de forma a entendermos como natural a injustiça social presente em nossas cidades. Como você já percebeu, a questão da desigualdade é também tratada nas demais áreas disciplinares. A sociologia, por exemplo, nos revela tantos outros caminhos importantes para que possamos desconstruir formas naturalizadas de se olhar a desigualdade em nossa sociedade. Uma importante direção apontada por este campo disciplinar está no entendimento que a desigualdade de bens entre os indivíduos não só diz respeito às posses materiais, mas também a tudo aquilo cujo acesso é mediado pela vida social e que podemos desejar ou, ao contrário, querer evitar. Prestígio, reconhecimento e autoestima são bens imateriais que possuem um valor social, por vezes, até maior que certos bens materiais. E foi, talvez, Pierre Bordieu, o mais importante sociólogo a desvendar tal faceta da desigualdade social. Para o autor, o que chamamos de capital pode ter naturezas diversas, não tão só afixadas a questão da renda. O acúmulo de capital social, simbólico e cultural conferem ao indivíduo chances privilegiadas de acesso a determinados recursos e bens. Quer dizer: o mesmo capital que permite ao sujeito se distanciar do que lhe é indesejável, é aquele que o aproxima de coisas desejáveis (BORDIEU, 1997, p.164). 4 Boxe de Explicação PIERRE BORDIEU: Foi um dos mais importantes sociólogos da segunda metade do século XX. Parte considerável da obra do autor francês se remetem ao processo de reprodução do capital de ordem simbólica, social e cultural, o que acabou por torná-lo em um importante referencial teórico para algumas áreas da sociologia, dentre as quais a Sociologia da Educação (um bom exemplo é o clássico “A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”). Fim do boxe Tal maneira de se compreender a questão da desigualdade nos faz perceber que um desigual acúmulo de capitais de ordem simbólica, social e cultural pode variar em função das posições ocupadas pelos indivíduos nas sociedades. Assim, entender que o acesso diferenciado à educação e outros bens imateriais faz aumentar a própria reprodução da desigualdade social, é, certamente, uma das grandes contribuições da sociologia sobre a questão em tela. Pois bem, até aqui você pôde notar que a questão da desigualdade não só se traduz em diferentes dimensões, mas também recebe, há muito tempo, uma posição central nas preocupações das ciências humanas. Não tratamos até agora da maneira mais recorrente de se compreender a desigualdade, a desigual distribuição de renda e riquezas, ou seja: da desigualdade vista sob o ângulo das classes sociais. Boxe de Verbete CLASSES SOCIAIS: Um ponto em comum de diversas definições de classes sociais talvez possa ser simplificado da seguinte forma: classes sociais são grupos de indivíduos que não necessariamente moram próximos, tampouco se conhecem, mas que vivem sob condições econômicas similares e que, por isso mesmo, acabam tendo interesses e comportamentos parecidos. Pertencer a 5 determinadas classes sociais faz com que algumas pessoas sejam tratadas de forma diferente das demais. Fim do boxe Porém, se a questão da desigualdade social brasileira é tão cara a outras ciências humanas, qual seria uma relevante contribuição geográfica sobre o tema? Bem, um bom ponto de partida para se responder a tal pergunta se dá por meio de uma problematização sobre a pergunta, que deve ser feita. Vamos explicar melhor: toda e qualquer ciência se diferencia de outra pela abordagem que lhe é própria. Isso significa dizer que a pergunta que se faz ao fenômeno que define o percurso a se seguir, e não o fenômeno que tem de aprisionar o olhar que se quer ter. Assim, ainda que a questão da desigualdade social suscite amplos debates em outros campos disciplinares, uma pergunta geográfica sobre o tema teria de ser construída valendo-se de uma especial preocupação sobre a dimensão espacial deste fenômeno. Pois é apontando para este caminho que nessa aula faço um convite a você: vamos compreender a desigualdade na cidade sob um ponto de vista geográfico! 1. A construção de um olhar geográfico sobre as desigualdades socioespaciais nas cidades brasileiras Como discutimos na introdução, são diversas as maneiras com a qual a desigualdade social se manifesta. Em nosso cotidiano urbano no Brasil, vivenciamos uma sociedade extremamente estratificada socialmente. Isso nos fica claro nosnossos interesses, comportamentos, tratamentos e até mesmo na forma como percebemos a cidade. 6 Nessa parte da aula um exercício reflexivo essencial se dá justamente na maneira como enxergamos a desigualdade. Não, não dizemos isso tão somente sob o ponto de vista do sujeito comum que todos nós somos, mas sim dos geógrafos que nos formaremos, e especialmente do olhar geográfico que durante a nossa vida iremos desenvolver. Boxe de Explicação OLHAR GEOGRÀFICO: Ao contrário das frequentes buscas da geografia por um objeto que lhe fosse próprio e identificador, o olhar geográfico talvez seja a marca distintiva fundamental dessa ciência. É esse olhar que nos ensina a observar, esse olhar que nos permite construir questões peculiares, é esse olhar que nos conforma e nos distingue (GOMES, 2012). Fim do boxe Dessa maneira, tem de ficar mais clara agora uma forma geográfica de se olhar a questão da desigualdade social: tal fenômeno se manifesta espacialmente, e se diferencia nas suas mais diversas escalas. Um bom primeiro exemplo escalar está em notarmos uma antiga maneira geográfica de tratarmos a desigualdade brasileira: as desigualdades regionais. Foram algumas as regionalizações criadas pelos mais diversos pesquisadores que revelavam tal faceta da desigualdade no Brasil. Quase todas tinham como denominador comum a ideia de que o eixo sul do país concentrava a maior parte da riqueza, enquanto a parte norte conotava uma histórica região de “perdas”. Mas e as desigualdades nas cidades? Por mais que viver em cidades brasileiras nos levem sempre a experiências diárias de desigualdades sociais, temos de ter em mente as duas diferentes abordagens geográficas para se entender as escalas do urbano. 7 A primeira diz respeito à escala da rede urbana. Cidades que compõe uma mesma rede distinguem-se não tão só quanto às suas diferentes funções ou mesmo tamanho populacional. Dentro de uma mesma rede urbana há reais diferenciações no que se refere à distribuição de riquezas, tornando maior ainda as disparidades entre cidades centrais e periféricas. Já a outra escala é aquela que devemos ter especial interesse nessa aula. Estamos falando da escala intra-urbana, a escala que, ao mesmo tempo, é passível de nos fazer compreender a organização interna das cidades, e que também se configura como a experiência espacial que nos é mais próxima, a nossa experiência espacial cotidiana. Nessa escala percebemos em nosso dia a dia os diversos traços da desigualdade social manifestada espacialmente. Andar pelas cidades brasileiras nos faz perceber como a desigualdade opera numa realidade capitalista. Em outras palavras, o que queremos dizer é que a organização espacial das cidades capitalistas, revelam justamente o cerne deste próprio sistema político- econômico: uma estratificação social complexa, que se materializa na distribuição de populações em áreas da cidade de acordo com as suas respectivas classes sociais. Tudo isso nos remete à formação de uma cidade extremamente segregada espacialmente, uma cidade tipicamente capitalista, como bem ilustra a figura 7.1, que revela, na própria paisagem urbana brasileira, a desigualdade social. 8 Figura 7.1 – São Paulo / SP. Fonte: https://www.flickr.com/photos/35213420@N05/4083392871 Se até aqui tratamos da desigualdade somente utilizando a adjetivação “social”, por que devemos atrela-lo o sufixo “espacial”? Relembrando: para que analisemos a desigualdade social sob um ponto de vista geográfico, é necessário que lancemos um olhar para a sua dimensão espacial. Identificar as formas espaciais da desigualdade expressas nas paisagens urbanas torna-se, assim, um ótimo caminho para que melhor compreendamos tal fenômeno que é também geográfico. Aliás, desse mesmo jeito podemos a partir de agora compreender o porquê de falarmos de uma “desigualdade socioespacial”. Posto que o fenômeno da desigualdade social se manifesta espacialmente, é condicionado pelo espaço e produz formas espaciais e espacialidades próprias, tal fenômeno tem uma natureza notadamente geográfica, e explicitamente espacial. Logo, podemos assim dizer: socioespacial. 9 Figura 7.2 – Favela Vila Edite – Brooklin Sul. São Paulo/SP. Fonte: https://www.flickr.com/photos/artetude/3077658194/in/photostream/ Como já tanto discutimos até aqui, há inúmeras maneiras de se abordar e mesmo de se enxergar a desigualdade socioespacial no Brasil. Por exemplo, verificar tal fenômeno a partir das mais diferentes formas espaciais presentes nas paisagens urbanas brasileiras (como a favela ou os condomínios exclusivos) nos leva a um ponto fundamental. Isto é: para que entendamos a desigualdade sob um ponto de vista geográfico, é essencial nos atermos à questão da habitação. Você deve recordar que já discutido, em aulas passadas, o processo de urbanização no Brasil durante o século XX. A velocidade com a qual muitas cidades se formaram e cresceram resultou em metrópoles extremamente inchadas, e numa urbanização macrocéfala, ou seja, concentrada espacialmente. 10 É interessante notar que se a explosão das populações residentes nas favelas brasileiras cresceu vertiginosamente na segunda metade do século XX, foi nas últimas décadas do mesmo século que se revelou um novo fenômeno urbano no Brasil: o surgimento dos enclaves fortificados nas médias e grandes cidades. Boxe de Explicação ENCLAVES FORTIFICADOS: Termo cunhado pela socióloga Teresa do Pires Rio Caldeira (2000) para designar as formas espaciais resultantes de um cada crescente processo de formação de espaços auto segregados. Em outras palavras, a autora em seus estudos analisa como o surgimento de shopping centers e condomínios exclusivos expressa, ao mesmo tempo, o medo cada vez maior da violência urbana, e as estratégias que as classes médias e altas estabelecem para se afastar dos indesejáveis da cidade, isolando-se junto aos seus “semelhantes”. Fim do boxe O que queremos dizer é que o surgimento de condomínios exclusivos (ou enclaves fortificados, como vimos) nas cidades brasileiras segue a mesma lógica comum às classes sociais mais abastadas: a aproximação do que é lhes é desejável e o distanciamento do que lhes é absolutamente indesejável. Há de se considerar que, no presente, existem muitos simbolismos em torno da palavra “condomínio”. Além de identificar uma determinada forma de propriedade e uma maneira de morar, o termo “condomínio” conota também certo estilo de vida que se impõe pelo exclusivismo e segregação do resto da cidade. O próprio nome “condomínio exclusivo” é um bom exemplo disso. Ele foi cunhado nos anos 1970 por empresas imobiliárias que visavam, sobretudo, afastar certos estigmas que as chamadas habitações coletivas historicamente carregavam (PECHMAN, 2014, p.264). 11 Figura 7.3 – Grades de um condomínio exclusivo no Rio de Janeiro/RJ. Fonte: https://www.flickr.com/photos/reverendo/5726147113 Vamos tentar entender melhor isso. Num país como o Brasil onde as formas de habitação coletiva (cortiços, casas de cômodo etc) foram sempre desprezadas e estigmatizadas, classificar as novas modalidades de moradia (coletiva) de condomínio foi, sem a menor sombra de dúvida, um ato para lá de simbólico. A questão é que o próprio nome “condomínio fechado”, quando criado, afastava quaisquer identificações com as antigas formas de habitações coletivas, além de acrescentar a ideia de exclusivismo em contraposição à cooperação; de individualismo em oposição à solidariedade. Os condomínios fechados que surgem crescentemente nos últimos trinta anos promoveram o aparecimento de uma nova urbanidade, ao propor a criação de cidadelas isoladas, ainda que dentro da própria cidade (PECHMAN, 2014, p. 264). Como você pode notar, obviamenteos fenômenos dos condomínios fechados se revelam como importantíssimas marcas da desigualdade socioespacial na nossa paisagem urbana. Mas ao mesmo tempo é importante que nos atentemos 12 para algo a partir de agora: o surgimento dos mesmos condomínios significa a reprodução de determinado padrão de desigualdade das classes mais abastadas em contraposição às classes mais baixas. Quer dizer: o afastamento do indesejável, é também o afastamento dos grupos indesejados residentes nos espaços estigmatizados da cidade. E os cortiços e as favelas se constituem perfeitamente em dois estigmas históricos de nossas cidades. Vejamos o exemplo dos cortiços. Quase sempre evocados quando nos referimos a um tempo mais pretérito; ou às cidades de um Brasil do final do século XIX e início do século XX, esse tipo de habitação coletiva fora historicamente estigmatizada pelas suas condições insalubres (estigma que justificou todo um processo de erradicação segundo as diretrizes do higienismo do século XIX), e também por sua população residente, geralmente concebidas pela alcunha de “classes perigosas”. Figura 7.4 – Habitação coletiva sob a forma de um cortiço contemporâneo. Original em: https://www.flickr.com/photos/rmiya/4380495138 13 Boxe de Explicação HIGIENISMO: Com origens ainda na antiguidade e sistematizado no século XVII, o pensamento higienista foi amplamente reforçado na Inglaterra durante a Revolução Industrial. O início do processo de urbanização e a consequente deterioração da qualidade de vida, traduzida nas intensas epidemias que assolavam as grandes cidades, foram elementos centrais nas quais os médicos se balizaram para associar os diversos elementos do quadro circundante como sendo as principais razões para tais mazelas. Os “vilões” detectados pelo saber médico iam desde os “ameaçadores” miasmas (vapores oriundos de áreas onde se encontra grande volume de matéria orgânica em decomposição, tais como pântanos e mangues), até as “causas sociais” da insalubridade, evidenciadas por meio da superlotação e dos aspectos insalubres das habitações. E é em nome do médico que as cidades não só passam a serem vistas como privilegiados objetos de análise e reflexão, mas se tornam, também, palco onde se realizariam inúmeras intervenções nos mais diversos contextos urbanos (ABREU, 1996). Fim do boxe Perceberam como os dois principais aspectos que constroem os estigmas do cortiço (insalubridade e classes perigosas residentes) de uma maneira ou de outra ainda povoam o imaginário urbano no Brasil? Se falarmos da outra forma urbana historicamente estigmatizada, a favela, perceberíamos as mesmas permanências de representações negativas. A favela recebeu diferentes conotações desde o seu surgimento, lá mesmo na última década do século XIX. Quase todas as representações sobre a favela se constroem num processo intensamente contraditório, que de um lado, revela a repulsa de quem quer a sua erradicação, e, de outro, a sua legitimação pelo poder público. 14 Dizendo com outras palavras: as mais diferentes campanhas que preconizavam as remoções das favelas cariocas durante o século XX povoaram o imaginário político da mesma forma que decretos, códigos de obras e até mesmo a Constituição de 1988 oficializavam a sua permanência enquanto forma de habitação popular legítima. Vide o exemplo daquela que provavelmente foi a primeira favela brasileira: o Morro da Providência (figura 7.5). O grande problema, entretanto, reside em naturalizarmos determinados estigmas. É provável que tal processo de tornar natural discursos que reproduzem os estigmas sociais sobre favelas e cortiços, por exemplo, sejam a pior faceta da desigualdade, pois serve, acima de tudo, como mecanismo de reforço da própria desigualdade. Figura 7.5 – Morro da Providência, Rio de Janeiro/RJ. Fonte: https://www.flickr.com/photos/quasebart/1471046725/in/photolist-3eZuWz-4vvYVJ- 6VvFq7-5tM43t-878SNw-6fbL9R-5kTsJ8-57Jr72-34HCHV-ejsnpv-5HmKkj-d1gooW- 6g9DL8-6GuJ4e-8eZNbq-oKLshj-hB3C96-9eagR-3mM5wW-bHrZ3p-hqve2W-hAZqZZ- 5p9WeA-dSYcny-6gHw73-hRN1EC-9c53Ry-dPpSUq-6MG8rz-81prow-63d2R5- 5Xeo2k-4dC6RS-dvmt1X-5Qg5bS-9cp5dJ-jEX9SJ-pEQQT3-4eGdDT-61KgZt-dKxkMJ- 5NU5qQ-idr5sc-cBLue-5Cc6w3-5Wcrue-dna8fS-hy82uo-pjL2Qt-88aJoa 15 Portanto, conforme vimos até agora, esses estigmas criados historicamente pelas parcelas dominantes da sociedade brasileira, fazem com que os próprios habitantes dessas áreas se sintam diminuídos em sua cidadania. Vimos que o olhar geográfico pode então destacar a questão espacial, enfatizando esse ponto. Isso é particularmente importante quando, ao trabalharmos no ensino, temos que abordar essas disparidades no interior das cidades. Há que ter bastante cuidado para não ver a favelização como um “problema”, que a simples imposição de “planejamento” fará com que se resolva. Se vc observar com atenção esse é o discurso utilizado para a remoção das favelas do espaço urbano e um disseminador do estigma dessas áreas. Na sequência veremos, com maior detalhe, como se constroem esses dois polos da habitação das cidades brasileiras: os condomínios exclusivos (auto segregação) e as favelas e outros espaços segregados (aglomerados subnormais, segundo o IBGE). E o faremos lançando mão de um conceito desenvolvido pela geografia, por um professor que trabalha na cidade do Rio de Janeiro (Marcelo Lopes de Souza) e que procura explicar essa divisão social que marcou a realidade das metrópoles brasileiras, mas que já começa a ser observado em cidades menores. Trata-se do conceito de fragmentação do tecido sociopolítico espacial. ATIVIDADE 1 (atende aos objetivos 1 e 2) Tal como já dito, a construção de um olhar geográfico sobre as desigualdades socioespaciais nas cidades pressupõe, primeiramente, identificar as suas manifestações nas nossas próprias paisagens urbanas cotidianas. Mas não são só as “imagens” as reveladoras das desigualdades. Caminhando neste sentido, pedimos para que você selecione ao menos duas músicas que tratem da questão da desigualdade socioespacial no Brasil em duas diferentes escalas geográficas. Realize, em seguida, o esforço de análise que apreenda a maneira como tais desigualdades se expressam nas composições 16 musicais, discorrendo sobre a própria perspectiva de desigualdade que o artista imprime. Faça isso em, no máximo, 20 linhas. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Resposta comentada: Imagens nos aparecem como meios essenciais para analisarmos paisagens carregadas de símbolos e marcas que expressam as desigualdades nas cidades brasileiras. Entretanto, entendemos que atualmente tão importante quanto as supracitadas construções imagéticas, a música se constitui como o mais importante tipo de narrativa que habita o imaginário social de todos aqueles que vivem nas cidades. Identificar nas composições musicais representações e leituras sobre diversas questões sociais, conferem a esse tipo de expressão artística notável relevância em muitos estudos geográficos, historiográficos, sociológicos e antropológicos. Mas do ponto de vista geográfico, observamos como as representações das desigualdades e os seus lugares, tem se tornado temática privilegiada nasculturas urbanas contemporâneas, o que inclui o hip hop e o funk. O caminho proposto pela atividade consistiu, simultaneamente: - Identificar a maneira como a desigualdade é representa; - Verificar a desigualdade como fenômeno diverso, passível de se observar de maneiras distintas em diferentes escalas geográficas. Fim da resposta comentada 17 2 - Fragmentação do tecido sociopolítico espacial Marcelo Lopes de Souza, ao contrário de outros autores que também descreveram uma cidade fragmentada ou dividida, coloca em primeiro plano a dimensão política existente no espaço. Como o que se gera é uma fragmentação territorial, vê-se o território como um “espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p.78, grifo do autor) A dimensão política do espaço está sempre presente em qualquer situação social. Porém, como acontece como frequência em favelas brasileiras, há um domínio por certas organizações ligadas ao tráfico de drogas, gerando a formação de poderes paralelos ao Estado, que desta forma “territorializam”, sob o seu domínio, estas áreas. Formam-se então, enclaves controlados por essas facções criminosas que atuam no varejo do tráfico de drogas, geralmente em espaços residenciais já segregados socialmente, como são as favelas brasileiras, que passam a representar os nós da rede do tráfego de varejo de drogas ilícitas. Mais que um padrão complexo de segregação isso gera uma espacialidade marcada por conflitos e tensões graves. Pelo lado dos criminosos, o desafio ao controle territorial estatal e pelo lado das classes favorecidas estratégias espaciais defensivas: A cidade que daí emerge é, ao mesmo tempo, uma unidade espacial interna e externamente integrada sob o ângulo econômico - inclusive no que tange às atividades ilegais, viabilizadas mediante a constituição, o adensamento e a expansão de redes ilícitas articulando numerosos pontos - e um espaço local cada vez mais fraturado sociopoliticamente e menos vivenciado como um ambiente comum de socialização (SOUZA, 2005, p. 217). Tal estado de coisas colocaria em risco a própria noção de cidade, "como uma unidade na diversidade, em que as contradições de classe, as tensões de fundo étnico e a segregação residencial daí decorrente não eliminam a percepção da cidade como uma entidade geográfica coerente" (SOUZA, 2005, p. 217). 18 Ocorre então o processo de "fechamento" das favelas e outros espaços segregados (como loteamentos clandestinos). Já o restante da cidade "cidade legal", funcionariam como espaços neutros. O referido autor constatou, através de pesquisas, esse fenômeno nas metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo, mas o mesmo ocorre, em menor escala, também em cidades menores. Esse cenário nem sempre foi assim. No final dos anos 1970, o impacto do tráfico de drogas ainda era pequeno, com favelas e comunidades funcionando como subsistemas abertos (faziam parte da cidade), não ocorrendo a territorialização do tráfico de drogas. Já a partir do final dos anos 1990 temos uma realidade diferente, com o tráfico de drogas passando a ter uma atuação muito importante nas favelas brasileiras (e no caso da cidade de São Paulo também nos loteamentos irregulares). Com a territorialização destas áreas pelo tráfico de drogas, que passam a funcionar como subsistemas fechados, ilustrando a fragmentação de que falamos. De um contexto em que a cidade era una (final dos anos 1970) passa-se para a uma cidade fragmentada, em meio a grandes áreas neutras (a cidade territorializada pelo poder público) (SOUZA, 2005, p. 198). A consequência espacial é que no primeiro momento predominavam as favelas e espaços segregados como subsistemas abertos. Já no segundo, com a territorialização imposta pelo tráfico, passaram a predominar os subsistemas fechados. Por outro lado, como já apontamos, o mesmo acontece com as classes mais favorecidas, que reforçam a tendência de morar em condomínios exclusivos, que até os anos 1970 ainda era embrionária. Já no final dos anos 1990, há um aumento na importância dessa forma de moradia, que se articula ao consumo, que passa a ser realizado em shopping centers, espaços também segregados. No caso do Rio de janeiro, o fenômeno é percebido sobretudo na Barra da Tijuca, bairro projetado para servir de moradia para as classes privilegiadas, que não queriam mais conviver com os diversos problemas de violência da metrópole (SOUZA, 2005, p. 210-211). 19 Apesar das diferenças entre as duas metrópoles não serem tão significativas, o fenômeno do “fechamento” das favelas por facções criminosas é mais acentuado no Rio de Janeiro. Por outro lado, o fenômeno da auto-segregação é mais intenso na capital paulista (SOUZA, 2005, p. 209). Essa segregação dos espaços da cidade tem ocorrido inclusive em espaços públicos, como as praias da zona sul do Rio de Janeiro. Para os frequentadores das classes privilegiadas e inclusive a cobertura realizada pela mídia, qualquer ocorrência de furto nas praias é vista como um “arrastão”. Vozes então se levantam defendendo que as linhas de ônibus que ligam a zona norte à zona sul sejam eliminadas (principalmente nos finais de semana) e agora uma política estatal de segurança de prender preventivamente jovens pobres e negros e a ocorrência de grupos de justiceiros (brancos). Poderíamos chamar isso de crise civilizatória e um bom exemplo da fragmentação da cidade e da segregação (física) que se pretende. Boxe multimídia Os “arrastões” nas praias da zona sul carioca obtiveram grande repercussão midiática e propostas de mais fechamento aconteceram, conforme pode-se ver nos link abaixo, que demonstram o tom do debate gerado em ocasião de detenções, em 2015, de jovens pobres que iam para a praia. http://extra.globo.com/noticias/rio/pm-aborda-onibus-recolhe-adolescentes- caminho-das-praias-da-zona-sul-do-rio-17279753.html http://www.cartacapital.com.br/sociedade/na-praia-rio-se-confronta-com-velhas- divisoes-9924.html Fim do boxe 20 Atividade 2 (Atende ao objetivo 3) Ao estudar o conceito de fragmentação do tecido sociopolítico-espacial, vemos que não há mais uma unidade nessa cidade, de que não existe mais uma lei única a permear todos os espaços urbanos. É como se a cidade tivesse espaços autônomos, com leis próprias. Dê alguns exemplos da ocorrência desse fenômeno, tanto do lado das favelas, quanto dos condomínios exclusivos. Os exemplos podem ser de sua experiência pessoal, ou da leitura de livros, jornais ou revistas. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Resposta comentada Aos moradores em centros urbanos não faltam exemplos do estigma com que são tratadas as classes menos favorecidas. Desde ter que deixar um endereço diferente do que o da favela, para conseguir um emprego, a “proibição” informal da circulação de pobres nos shopping centers e a associação (que vemos inclusive na mídia) entre moradores de favelas e criminalidade. Por outro lado essa visão leva a que as classes ricas criem espaços exclusivos para morar (condomínios exclusivos), para consumir (shoppings centers e lojas, em que a garantia de exclusividade é dada pelo preço). Fim da resposta comentada 21 3 - A auto-segregação dos condomínios exclusivos Para ilustrar a auto-segregação das classes ricas em condomínios fechados, vamos utilizar como exemplo o Complexo de Alphaville, o principalcondomínio exclusivo do país, tanto por ser o primeiro, como por ser o maior até hoje construído no país e que se tornou um modelo replicado em outras cidades brasileiras. Surgiu em 1973, pela necessidade de fornecer residências a executivos do Alphaville Centro Industrial, grande loteamento em Barueri/SP para indústrias não poluentes que procuravam espaço nas cercanias de São Paulo. Esses primeiros empreendimentos foram de responsabilidade da Construtora Albuquerque &Takaoka (GUERRA, 2013). Com grandes quantidades de terras compradas a baixo preço a construtora foi construindo diversos condomínios residenciais na grande área disponível na região. Na figura 7.6 vemos a proporção da área do Alphaville em relação aos municípios de Santana de Parnaíba, Barueri e Osasco, pertencentes à Região Metropolitana de São Paulo. Também se observa a renda por domicílio. É bastante perceptível a concentração de renda na área do Alphaville em comparação com o entorno. 22 Figura 7.6 – Complexo de Alphaville e a renda por domicílio dos municípios de Santana de Parnaíba, Barueri e Osasco Fonte: GUERRA, 2013, p. 76. O Complexo Alphaville e Tamboré (outra área em que também foram construídos condomínios residenciais de alto luxo) é imenso, compreendendo 25 residenciais: Todos são cercados por muros de 3,5 m de altura, montados com painéis pré–moldados de concreto. O acesso é feito pela portaria, onde é controlado. Os residenciais são independentes uns dos outros, com portaria, administração e serviços de segurança próprios. As associações de moradores contratam e controlam os serviços terceirizados de segurança, manutenção de vias e equipamentos públicos, paisagismo, coleta de lixo etc. Dentro deles não é permitida a instalação de nenhum tipo de abastecimento comercial ou prestador de serviços (GUERRA, 2013, p. 129). Esse detalhamento mostra realmente uma “cidade dentro da cidade”, isolada por altos muros da pobreza do entorno. Os setores empresarial e industrial desenvolveram-se de forma expressiva, não só pela população de alta renda que foi aí morar, mas também por incentivos fiscais para a atração de escritórios 23 e empresas que aí instalam suas sedes administrativas. Para efeito comparativo o Imposto sobre Serviços (ISS) que em São Paulo é de 5%, foi reduzido para 0,5% em Barueri, no que foi acompanhado por Santana de Parnaíba (GUERRA, 2013, p. 117). Essa expressiva concentração de escritórios pode ser vista na figura 7.7, que mostra o Centro Comercial de Alphaville. Figura 7.7 – Centro Comercial de Alphaville Fonte: Foto de Fernando Stankuns. Original em: https://www.flickr.com/photos/stankuns/albums/72157647529345770 (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/) Na figura 7.8 podemos visualizar as diferentes áreas de Alphaville/Tamboré: os diversos loteamentos e condomínios murados, as áreas de comércio e serviços, as áreas industriais e o canal de ligação com a metrópole paulistana, a Rodovia Presidente Castello Branco. 24 Figura 7.8 - Planta de Alphaville/Tamboré com a distribuição de seus diversos setores Fonte: GUERRA, 2013, p. 126 Em 1995 a construtora que iniciou o empreendimento é transformada em Alphaville Urbanismo S/A, com a missão de expandir o modelo para todo o país. Em 1997 é implantado um conjunto em Campinas e hoje a empresa possui 64 condomínios já implantados, 41 em implantação e 93 em projeto em 21 estados e no distrito federal (ALPHAVILLE URBANISMO, 2015). O modelo de condomínios fechados tem se expandido para todo o país. A empresa Alphaville Urbanismo, criadora do Complexo Alphaville da cidade de Barueri/SP, transformou a marca “Alphaville” em um conceito de habitação exclusiva, vendido em todo o Brasil. 25 Boxe multimídia Para saber mais sobre esse modelo de condomínio exclusivo que tem se espalhado por todo o país, consulte um canal da construtora Alphaville Urbanismo no youtube, com filmes publicitários que mostram os apelos de venda e ilustram uma realidade que a maioria da população brasileira desconhece ou conhece apenas os muros ou como empregado: CANAL DA CONSTRUTORA NO YOUTUBE: https://www.youtube.com/channel/UCS0hkUe3WJfky5eDElzjvnA Alphaville Linha do Tempo conta a história da construtora https://www.youtube.com/watch?v=JhKJ7Uj7Cyc Fim do boxe Atividade 3 (Atende ao objetivo 4) Leia a crônica abaixo e a partir dela faça uma reflexão sobre a tendência de construção de condomínios exclusivos, qual seu significado para a vida social. Tente pensar em aspectos como: 1) Esses condomínios são uma solução para o problema da violência nas cidades? 2) Quais as implicações com relação às liberdades dos cidadãos que esses condomínios trazem. 3) Como esses condomínios influenciam na segregação espacial? Segurança Luís Fernando Veríssimo O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança. Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança. 26 Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV. Só entravam no condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados. Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e assaltavam as casas. Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto. Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá. Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês. Mas os assaltos continuaram. Decidiram eletrificar os muros. Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com ordens de atirar para matar. Mas os assaltos continuaram. Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas. Todas as janelas foram engradadas. Mas os assaltos continuaram. Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível. Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa, depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas. Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno. Mas os assaltos continuaram. Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaram-se para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema. Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos. 27 E ninguém pode sair. Agora, a segurança é completa. Não tem havido mais assaltos. Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua. Mas surgiu outro problema. As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de qualquer maneira atingir a liberdade. A guarda tem sido obrigada a agir com energia (GUERRA, 2013). _______________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Resposta comentada A crônica mostra que a busca pela proteção que geram os condomínios fechados, na verdade potencializa o medo e a sensação de insegurança que foi o fator motivador para morar nesse tipo de habitação. Que a aparente proteção vai transformando o buscado paraíso em uma prisão. Portanto não pode ser uma solução para a violência urbana, reforçando o que se pretende evitar. As implicações quanto à cidadania são graves, pois os condomínios passam a ser prisioneiros em seus condomínios e os demais cidadãos não podem adentrar a esse espaço, que deixa de fazer parte da cidade. Portanto visto tudo isso são um dos grandes fatores da fragmentação do tecido sociopolítico-espacial. Fim da resposta comentada 28 4 - Caracterização dos aglomerados subnormais pelo IBGE Mas como são as moradias da população mais pobre do país? Apesar de facilmente identificáveis na paisagem urbana, devemos nos guiar por uma definição formal. Como aglomerados subnormais o IBGE engloba “áreas conhecidas ao longo do País por diversos nomes, como: favela, comunidade, grotão, vila, mocambo, entre outros”. Para o IBGE o aglomerado subnormal: É um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.) carentes, em sua maioria frase de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa. A identificação dos aglomerados subnormais deve ser feita com base nos seguintes critérios: a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há 10 anos ou menos); e b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: • urbanização fora dos padrões vigentes - refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos; ou • precariedade de serviços públicos essenciais. Os aglomerados subnormais podem se enquadrar, observados os critérios de padrões de urbanização e/ou de precariedade de serviços públicos essenciais, nas seguintes categorias: invasão, loteamento irregular ou clandestino, e áreas invadidas e loteamentos irregulares e clandestinos regularizados em período recente (IBGE, 2011, p. 19). Essa classificação é utilizada pelo IBGE desde o Censo de 1991. Levou em consideração o Levantamento de Informações Territoriais (LIT), que coletou informações sobre os aglomerados subnormais identificados no País. Foram consideradas informações sobre as características e localização do sítio urbano, quanto à topografia e se estavam localizados em locais inadequados, como a localização em margem de córregos, rios ou lagos/lagoas, se estavam sobre rios, córregos, lagos ou mar (palafitas); praia/dunas; manguezal e unidades de conservação. Também a localização em aterros sanitários, lixões e outras áreas contaminadas e em faixa de domínio de rodovias, ferrovias, gasodutos, 29 oleodutos e de linhas de transmissão de alta tensão. Em relação à aclividade foi se estão em encosta; colina suave ou terreno plano (IBGE, 2013). Também foram considerados padrões urbanísticos, o grau de regularidade do arruamento e dos lotes. Também classificaram-se as vias internas e externas de circulação e que tipos de veículos aí trafegam. Também foi mensurada a possibilidade de identificação de face da quadra e se existe a padronização necessária para a inclusão de endereço no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE). Boxe Explicativo “O Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos – CNEFE apresenta uma lista com 78.056.411 endereços urbanos e rurais, distribuídos pelos 316 574 setores censitários, classificados por tipo: unidades residenciais, unidades de ensino, unidades de saúde e outros. A listagem contém, apenas, os endereços com identificação do nome do logradouro, número, complemento e coordenadas nos setores rurais, sem mencionar informação econômica ou social correspondente àquele endereço” (IBGE, 2015). Fim do Boxe Explicativo Por último o Levantamento de Informações Territoriais sobre os aglomerados subnormais considerou a densidade de ocupação dos aglomerados, mensurando a verticalização da área, ou seja, a quantidade de pavimentos e o espaçamento entre as construções (IBGE, 2013). O levantamento particularizado de dados para os aglomerados subnormais leva a um maior conhecimento dessas áreas, sabidamente instaladas em áreas com carências de infraestrutura as mais diversas, contribuindo para a implementação de políticas públicas específicas para essas áreas. Na tabela 7.1 vemos a população dos aglomerados subnormais brasileiros. Como podemos ver na tabela, 6% da população brasileira vivia em aglomerados 30 subnormais em 2010, distribuídos em 3.224529 domicílios particulares (5,6% do país). Tabela 7.1 - Número de aglomerados subnormais, de municípios com aglomerados subnormais e de domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais e população residente em domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais, segundo as Unidades da Federação - 2010 Fonte: IBGE, 2011, IBGE, Censo Demográfico 2010. A concentração maior de domicílios era na região Sudeste, com 49,8% do total, com destaque para o Estado de São Paulo, com 23,2% e o Estado do Rio de Janeiro, com 19,1%. Das demais regiões o Nordeste tinha 28,7% do total, o Norte (14,4%), o Sul com 5,3% e o Centro-Oeste com apenas 1,8% dos domicílios subnormais (IBGE, 2011). 31 Vemos então um aparente paradoxo da maior parte dos domicílios subnormais se concentrarem na parte mais rica do território nacional. Tendo em vista essa concentração nas metrópoles, vale verificar a distribuição nas metrópoles e em suas regiões metropolitanas. Na figura 7.9 vemos a distribuição da população em aglomerados subnormais segundo as principais regiões metropolitanas. Nesse gráfico vemos que não só a população absoluta é grande, assim como a relativa. Se no Brasil como um todo, 6% da população vivem de aglomerados subnormais, nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro temos 18,9% e 14,9% da população, respectivamente. Essa proporção vai caindo nas demais regiões metropolitanas até chegar a valores baixos na Região Metropolitana de Porto Alegre (2,1% da população) e Curitiba (1,6% da população). Figura 7.9 – Total da população em aglomerados subnormais e proporção em relação a população total, segundo as Regiões Metropolitanas – 2010 Fonte: IBGE, 2013, IBGE, Censo Demográfico 2010. 32 Ou seja, é um fenômeno que afeta, de maneira mais efetiva, as grandes metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na figura 7.10 vemos a distribuição espacial dos aglomerados subnormais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2010. Nela podemos perceber a grande concentração existente na Baixada Fluminense, particularmente nos municípios de Duque de Caxias, SãoJoão de Meriti e Belford Roxo. Também outros municípios contam com grande concentração, como Niteroi, Paracambi, Seropédica e Itaguaí. No Município do Rio de Janeiro, ...as ocupações mais antigas situavam-se na área central, nos bairros da grande Tijuca e na porção sul da cidade, onde o metro quadrado é mais valorizado e onde se concentram asmaiores ofertas de trabalho e emprego. Com efeito, grande parte dos aglomerados subnormais identificados nestas áreas era de pequeno porte, com exceções para a Rocinha, o Vidigal, o Borel e o conjunto de aglomerados contíguos localizados entre os bairros do Catumbi e Estácio que são aglomerados subnormais de grande porte (IBGE, 2013). Figura 7.10 – Aglomerados subnormais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro Fonte: IBGE, 2013, IBGE, Censo Demográfico 2010. 33 Na figura 7.11 vemos uma imagem dos aglomerados subnormais da Rocinha (mais acima na imagem) e do Vidigal, aglomerados de grande porte e com grande impacto nas áreas nobres dos bairros de São Conrado, Leblon e Gávea. Figura 7.11 – Imagem aérea dos aglomerados subnormais de grande porte da Rocinha e Vidigal, Rio de Janeiro/RJ. Fonte: IBGE, 2013. Como vimos, na cidade de São Paulo temos bairros nobres e a periferia mais separados, com a exceção da grande favela de Paraisópolis localizada em área nobre do bairro de Morumbi. Esse fato diminui a ocorrência da territorialização pelo tráfico de drogas das favelas centrais, pois estas se localizam nas extensas periferias da cidade. Já no caso da cidade do Rio de Janeiro, não se vê o padrão clássico de segregação, a partir do modelo de centro-periferia. Vemos a existência, sobretudo nos bairros da zona sul carioca, de aglomerados subnormais, muito próximos de áreas elitizadas. Claro que também vemos a existência de muitos outros aglomerados subnormais em áreas da periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro. 34 O importante a destacar é que o IBGE, com o conceito de aglomerado subnormal, institucionaliza uma ferramenta conceitual para tratar dessas áreas habitacionais abaixo de um padrão de habitabilidade que se consideraria mínimo e necessário para todas as famílias brasileiras. ATIVIDADE FINAL (Atende a todos os objetivos) “Interessantes soluções habitacionais têm surgido nas cidades brasileiras. Em Porto Alegre, 7 garotos compartilham um novo tipo de condomínio. (...) Diferente de outros condomínios do gênero, este é central; está a um passo de bancos, lojas, escritórios.” (Moacyr Scliar, "Folha de S. Paulo", 09/05/93) Para que se compreenda as diferentes maneiras com as quais as desigualdades sociais se manifestam é necessário nos atermos aos vestígios encontrados nas paisagens das nossas próprias cidades. Num exercício de reflexão geográfica, pedimos para que você discuta (em até vinte linhas) as marcas das desigualdades nas paisagens da cidade onde você vive, comparando tanto as diferentes soluções habitacionais que aí coexistem, quanto a desigual distribuição de equipamentos públicos e/ou culturais entre os bairros, traçando uma relação com as classes sociais respectivamente residentes. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ 35 Resposta comentada: Dentre as muitas perspectivas geográficas de se tratar as desigualdades em nossas cidades, a análise da paisagem é especialmente importante. Marcas e símbolos podem se configurar em vestígios da desigualdade, tal qual a ausência e/ou concentração de certos equipamentos públicos e/ou culturais evidenciam, numa mesma cidade, tanta dessemelhança de paisagens. Desnaturalizar o olhar a fim de identificar as formas espaciais que revelam a desigualdade social cotidiana que habita o nosso espaço banal é a primeira das tantas tarefas de construção do olhar geográfico por parte d’um profissional de geografia. Favelas, cortiços e condomínios fechados se traduzem como diferentes soluções habitacionais que coexistem nas grandes e médias cidades no Brasil. Por outro lado, a desigual distribuição de equipamentos públicos e/ou culturais dentre os bairros de uma mesma cidade (por vezes tão próximos espacialmente), produzem paisagens absolutamente desiguais, reforçando a própria desigualdade socioespacial numa escala intra-urbana. Fim da resposta comentada CONCLUSÃO A desigualdade social é tema de frequente preocupação no imaginário social brasileiro. Seja em diversas composições musicais ou nos variados campos disciplinares, a questão da desigualdade pode ser compreendida através de múltiplas abordagens. Mas um olhar geográfico sobre a desigualdade nas cidades confere analisá-la sob um ponto de vista socioespacial, à maneira de identificar como as formas espaciais resultantes surgiram e se mantiveram em nossas paisagens urbanas. Um dos caminhos geográficos para pensar as desigualdades socioespaciais das cidades brasileiras foi o conceito de fragmentação do tecido sociopolítico espacial, através do qual refletimos sobre as desigualdades de um ponto de vista geográfico, destacando as formas de habitação das camadas mais excluídas da população urbana, os aglomerados subnormais, e por outro a defesa das classes ricas contra o que consideraram uma excessiva violência urbana, através dos condomínios exclusivos. 36 Destacamos que, compreender e desvelar a dimensão espacial dos mais variados fenômenos à maneira de desnaturalizar processos que reproduzem a própria desigualdade é a prerrogativa básica da perspectiva geográfica que aqui fazemos valer. RESUMO Nessa aula, podemos compreender, inicialmente, algumas das diferentes abordagens possíveis à temática da desigualdade social. Identificar a maneira com a qual este fenômeno se manifesta espacialmente, inclusive sob um ponto de vista multiescalar é a tarefa geográfica essencial. Assim, a construção de um olhar geográfico sobre a desigualdade nos faz entendê-la como um fenômeno socioespacial expresso tanto na escala da rede urbana quanto na escala intra- urbana. Desvendar na paisagem urbana a natureza das formas espaciais resultantes da desigualdade foi, nessa aula, a via privilegiada para compreender as desigualdades socioespaciais nas cidades brasileiras. Para entendermos a cidade dos países subdesenvolvidos há que lançar mão da produção da geografia brasileira que nos mostram a fragmentação das cidades e de seu tecido sociopolítico-espacial. De um lado a produção de condomínios exclusivos que auto-segregam, atrás de muros altos uma população que vive com medo da violência urbana que a mídia amplifica. De outro a produção de aglomerados subnormais, residências muitas vezes precárias da população mais pobre. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Maurício de Almeida. Pensando a cidade no Brasil do passado. In: CASTRO, Iná et al. (orgs.): Brasil: questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. ALPHAVILLE URBANISMO. Alphaville Linha do Tempo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JhKJ7Uj7Cyc>. Acesso em: 30 set. 2015. 37 BORDIEU, P.; PASSERON, P. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro. Petrópolis. Vozes. 5. ed. 2012. BORDIEU, P. O Poder Simbólico, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidades de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo. EDUSP, 2000. GOMES, M. V. S. O cortiço e a cidade: discutindo e re-construindo uma geografia das habitações coletivas no Rio de Janeiro oitocentista. In: 12º Encontro de Geógrafosde América Latina, 2009, Montevidéu. Anais do 12º Encontro de Geógrafos de América Latina. Montevidéu-Uruguai, 2009. p. 1- 15. GOMES, P.C.C.. A longa constituição do olhar geográfico. Revista GeoUECE - Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE Fortaleza/CE, v. 1, nº 1, p. 1-7, dez. 2012. Disponível em http://seer.uece.br/geouece IBGE. Censo Demográfico 2010 Aglomerados Subnormais - informações territoriais. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2013. Disponível em:<http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca- catalogo?view=detalhes&id=7552>. Acesso em: 25 set. 2015. IBGE. Censo Demográfico 2010 Aglomerados Subnormais –primeiros resultados. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2011. Disponível em:<http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca- catalogo?view=detalhes&id=792>. Acesso em: 25 set. 2015. IBGE. Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/cnefe/defau lt_cnefe.shtm>. Acesso em 26 set. 2015. 38 PECHMAN, Robert Moses. Condomínio. In: TOPALOV, C (Org.). A aventura das palavras na cidade, através dos tempos, das línguas e das sociedades. Romano Guerra Editora, São Paulo, 2014. SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de et. al. (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. ________. O Desafio Metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio- espacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
Compartilhar